Edward

Cinco dias de viagem seriam exaustivos e cansativos para qualquer mulher. Tínhamos que fazer paradas, dormir em lugares não tão confortáveis e até mesmo passar horas sentados na carruagem sem muito o que fazer, porém Isabella parecia muito bem adaptada a isso. Ela lia livros, ela conseguia tomar seus chás com ajuda de Leah, suas roupas estavam sempre adequadas ao clima e seus cabelos sempre bem presos, ajeitados e brilhantes.

— Você conhece Londres? – perguntei enquanto via a estrada ficar melhor. Leah estava ao seu lado olhando a janela, ela lia um livro pequeno.

— Vim poucas vezes, acho que quando era menor. Não me recordo a idade.

— Vai ver como mudou. – disse um pouco contente. Talvez ela gostasse de Londres e não fosse um martírio como pensei de início.

— Penso que sim, mas acho que o mundo mudou. Novas invenções, descobertas e tantas coisas vêm surgindo.

— Sim... muitas mudanças. – do que ela estava falando? O mundo mudou?

— Jacob e você nunca tiveram interesses em vir para a Inglaterra então.

Ela pareceu refletir antes de responder.

— Tínhamos muitos amigos ingleses, mas eles gostavam de nos encontrar. Não viam problemas em nos visitar.

— Viajaram muito...

— Digamos sim. Foi preciso para ter contato com estudiosos, apenas cartas às vezes não são suficientes.

— Disse ser uma admiradora de cartas. – provoquei e ela sorriu.

— Sim, eu sou. Mas isso não quer dizer que não consiga me relacionar com pessoas e sim que entendo as palavras melhor. Bocas mentem.

— Letras enganam.

— Letras bem lidas, gestos bem interpretados, atenção aos detalhes... tudo importa Edward. Saiba ler as entrelinhas e será sábio, leia a letra e será apenas um mero mortal.

— Isso é muito profundo.

— Grego. Um filósofo grego pouco conhecido quem disse.

— Já esteve na Grécia?

— Não. Mas li muito sobre.

Eu olhei o livro pequeno em suas mãos.

— O que está lendo? Parece interessante.- ela olhou o livro e vi como ele tinha bordas douradas, parecendo muito mais que um livro comum.

— Hamlet. – falou e a olhei um pouco intrigado.

— Peças teatrais?

— Acho que diminuir essa obra a uma peça teatral muito pequeno. Hamlet é uma obra prima Edward, reflexiva e que nos remete ao comportamento humano.

— Um louco.

— Ou um sábio. – disse rapidamente.

— Um homem claramente perturbado.

— Ou alguém que a sociedade preferia ver como louco para não encarar as verdades ditas por ele. Todos tendem a fazer isso, diminuir o outro para conseguir se acharem melhores. Na índia existiam as castas.

— Castas?

— Sim, cada um segundo sua família e o que chamavam de Karma tinha uma casta.

— Karma?

— Como um peso a carregar nesta vida ou até mesmo um destino. Não é algo que possa ser compreendido facilmente com a mentalidade cristã cristalizada. Precisa entender que para eles a morte é o início de outra vida e não o fim desta, então você leva para outra vida o que fez de bom ou ruim.

— Isso ainda parece primitivo.

— Ou muito evoluído dependendo do ponto de visto. Continuando, as castas determinam sua posição na sociedade. Mesmo sem trabalhar sua função sempre seria determinada pela sua casta, não mudaria isso mesmo que ficasse rico. Você sempre seria pertencente aquela casta, usaria as cores dela, teria pinturas dela e se casaria com pessoas daquela casta.

— Interessante.

— Se sua casta for a que domina as outras. Sim, fica muito interessante. Mas se sua casta for digamos de empregados... você nem salário teria por que na verdade sua casta é para isso, servir as castas maiores.

— Isso se chama escravidão. – falei horrorizado.

— Ou organização social.

— E que tipo de organização civilizada aceitaria isso?

— Uma que é milenar. Ser civilizado para vocês e para eles tem conceitos diferentes, eles nascem sabendo seu papel e morrem sabendo dele. Alguns conformados, outros não. Porém, isso não muda nem um pouco como as coisas são.

— Isso é absurdo.

Ela sorriu divertida.

— Diz o homem, primo da Rainha, com dois títulos, posses e bens. Uma das pessoas mais ricas em toda Inglaterra com interesses comerciais se expandindo para outros povos. Não acha sua casta privilegiada?

— Você faz parte dela pelo que me lembro.

— De forma alguma. Sou uma mulher. Devo ser submissa ao meu marido, ir à Igreja, cumprir com meus deveres com a sociedade, ser pura e fiel para minha salvação. Não Edward, eu não faço parte da sua casta. Porque se fizesse teríamos os mesmos direitos e nós dois sabemos como isso é inaceitável.

Fiquei ali olhando Isabella voltar a ler Shakespeare com a mesma facilidade de antes, como se suas palavras não ferissem a tudo que estava ao seu redor. Suas palavras me faziam soar um completo idiota e gostaria muito de saber como Jacob ou seu pai permitiram que ela chegasse a esse nível de ousadia.

— Olhe senhora, Londres. – Disse Leah sorrindo e Isabella não pareceu tão animada, mas sorriu. Fiquei feliz de termos chegado de noite, tudo estaria calmo e tranquilo.

A casa foi aberta assim que a nossa carruagem parou em frente, os empregados se alinharam e então saí. Isabella saiu depois e todos fizeram a reverência. Agradeci e dispensei a todos enquanto sentia seus olhares curiosos sobre Isabella que instruía Leah sobre a bagagem dela.

— Vamos conhecer a casa. – falei entrando com ela e para minha surpresa a casa não parecia tão bonita e elegante. O bom gosto dela em sua residência era de se sentir falta.

— Seu pai. – disse indo até o quadro grande em cima da lareira. Sim. Ele estava bem mais novo e com sua roupa de gala. Sua faixa vermelha, seus broches e condecorações reais. Sim, ele estava altivo e muito bonito.

— Mamãe encomendou quando casaram. – falei a vendo admirar o quadro realmente grande.

— Você tem os traços dele, mas ainda assim Esme predomina nas suas características físicas.

— Vovó dizia que eu era muito parecido com ela bebê. Por muitos anos ela não deixou mamãe em paz, acho que ela só ficou mais afastada quando adoeceu.

— Incrível. – ela disse admirando ainda a pintura – Sou muito parecida com papai, mamãe dizia isso com orgulho. Mas Seth era totalmente ela.

Primeira vez que a via falar de seus familiares, acho que isso significava que estávamos melhorando nosso relacionamento e por algum motivo isso me deixou feliz.

— O quarto está devidamente arrumado senhora, vou levar seu chá.

— Obrigada Leah, vou me recolher já.

— Toma chá todas as noites? – perguntei já sabendo a respostas, mas tinha essa curiosidade sobre seus hábitos, pensamentos, roupas... ela me deixava louco.

— Camomila. Às vezes peço com um pouco de hortelã. Depende... chás são ocasiões muito delicadas e merecem nosso interesse.

— Que peculiar. Pensei que fosse hábito.

— Não. Cada chá tem uma função porque a flor, planta ou erva que se usa influência no seu corpo. Os indianos acreditam tanto nisso que cada família tem sua própria receita, como uma marca de nascença. Quando se entra para a família se aprende a fazer o chá dela, as mulheres precisam fazer com perfeição para agradar as suas sogras e servi-los sempre com bom humor e satisfação.

— Aprendeu muito sobre a Índia. – falei admirando seu conhecimento.

— Conhecimento é o que nos resta Edward quando não se tem nada.

E disse subindo as escadas com Leah a sua frente carregando uma bandeja. Sim, conhecimento. Neste momento em que vi a movimentação de nossa bagagem subindo e Harry comandando tudo com muita atenção percebi que conversar com Isabella era como passear pelo mundo. Não conseguia ter conversas rasas, nem pensamentos menos que profundos. Ela era uma mulher inegavelmente inteligente e isso assustava de certa forma.

Pela manhã eu tive compromissos inadiáveis e Isabella ficou com Leah em casa, teria que ir no banco e em seguida tinha uma pequena confraternização com alguns amigos. Os bailes estavam sendo assunto de todos, muitas damas estavam entrando nesta temporada e todos me parabenizaram pelo casamento. Foi um dia tranquilo.

Me arrumei para o baile com certa rapidez, Harry tinha deixado tudo separado e um ajudante muito experiente foi selecionado para ajudar a me vestir. Eu estava em trajes formais e desci as escadas. Harry estava entrando, ele deveria estar vendo a carruagem.

— Isabella está pronta?

Perguntei ajeitando a faixa.

— Ela deve estar, Leah desceu a pouco.

Então me lembrei que não tinha presenteado ela com nada. Isabella não tinha joias de seu título, não pedi a mamãe para providenciar nada ou ajudá-la com o vestido. Ela nunca esteve Londres, passou anos na Índia e tinha estado mais em tantos lugares que não saberia dizer como ela poderia...

— Senhor. – Harry interrompeu meus pensamentos para ali descendo as escadas em um vestido de baile belíssimo estava ela. Nunca tinha visto vestido tão belo. Era branco com detalhes em pedrarias que o faziam brilhar, poderia jurar que formavam flores, mas não saberia dizer com ela ainda descendo as escadas. As luvas brancas adequadas a ocasião, seu broche com nosso título no lugar devidamente colocado, mas ali descia uma Duquesa única. Ela tinha os cabelos em um penteado muito bem elaborado com presilhada de diamantes em formatos de flores por todo o cabelo, mas muito bem colocadas de maneira elegante e muito refinada. O colar que fazia conjunto era feito para ressaltar o seu pescoço e tínhamos ali uma verdadeira rainha.

— Edward. – ela me chamou e eu admirei o colar olhando as flores perfeitamente desenhadas num trabalho de ouro com diamantes perfeito. O colar mais bonito que já tinha visto. E por alguns segundos invejei Jacob, ele a teve em sua glória e esplendor – Soube que a Rainha detesta atrasos.

Então eu me toquei que estávamos de frente um para o outro e seus olhos azuis estavam muito destacados no branco cintilante que era seu vestido. Mas ao contrário das mulheres inglesas, não tinha peso, ele parecia flutuar enquanto ela caminhava para carruagem e entrava nela.

— Seda indiana. – Harry disse.

— Como sabe disso? – perguntei baixo ganhando tempo me deixando ser ajeitado por ele.

— Leah perguntou. E são flores costuradas no vestido por costureiras francesas, mas o tecido é indiano.

— Deus amado como são fofoqueiros. – falei entrando na carruagem e a vendo mais uma vez. Linda.

What do you want to do ?

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