Edward

O dia tinha amanhecido cinza como talvez meu humor, eu sabia que tinha em mãos algo que estava evitando todos esses meses. Harry pacientemente esperava uma resposta minha que eu não tinha.

— Ela está bem? – perguntei mais uma vez.

— O estado é crítico. A enfermeira não acha que ela irá conseguir.

Abaixei a cabeça segurando as lágrimas.

— O senhor quer vê-la... posso providenciar uma carruagem.

— Bella está onde?

— Ela está no quarto.

Isabella tinha chegado de Londres e estava cada vez mais afastada, seus estudos estavam sendo publicados baseados nos que supostamente Jacob tinha feito, ela fez uma cronologia que pudesse explicar de onde ele parou e ela supostamente começou. Eu agradecia os dias que não a via por ela estar muito ocupada porque somente assim meu olhar de vergonha não precisaria ser escondido. Eu tinha vergonha dos meus atos com Tânia, com ela e talvez comigo mesmo. Da minha infantilidade e inocência quase juvenil demais. Tinha vergonha das promessas que fiz e não cumpri. De tudo que poderia ser evitado com mais sabedoria. Da dor que carregaria por decisões que não me orgulharia em nada.

— Peça para prepararem a carruagem. – falei desanimado. Olhei para fora vendo a fonte e suas flores, cada dia estava mais linda e as flores pareciam não temer o frio. Elas eram resistentes e traziam um contraste tão grande.

Harry voltou e me acompanhou até a saída com meu casaco, luva e chapéu. O que eu poderia fazer? O que poderia falar? Eu tinha estado tão ausente nesses dias que não sabia como Isabella não tinha reclamado ou dito algo, estávamos tão próximos até a chegarmos de Londres e a realidade bater em mim como se fosse algo muito penoso.

A casa não ficava longe. Estrategicamente comprada para esse fim, mas que agora eu queria ela longe para não precisar encarar esse final. Seria mesmo um final? A empregada pessoal dela me atendeu chorando sem esconder suas emoções. Ela estava com Tânia muito antes de mim e estaria ali agora.

— Como ela está? – perguntei olhando as escadas ouvindo apenas os passos de alguns empregados.

— Ela... ela... não come. Não dorme...- engoli seco pensando nesse sofrimento.

— O médico veio?

— Dormiu aqui alguns dias, mas... ela só dorme com os remédios e quando acorda fica aos delírios pela febre...- ela chorou descontroladamente.

— Vou vê-la.

— Ela... ela.. talvez não o reconheça. – a olhei tentando assimilar a imagem de Tânia linda, sorridente e alegre com essas palavras. Sim, ela estava doente, mas eu não imaginava como tínhamos chegado nesse ponto. Remédios, tônicos, chás ou qualquer medicina parecia inútil.

Subi respirando fundo. Um caminho longo e pesado. O quarto estava aberto e uma enfermeira lia um livro enquanto ela repousava com seus cabelos soltos e lençóis cobriam seu corpo. A enfermeira levantou assim que me viu fazendo uma reverência.

— Como ela está?

— Respirando muito mal. Perdeu muito sangue. O médico disse que é melhor mantê-la sedada até ela partir.

Tânia iria partir. Tânia iria morrer. E a realidade disso me deixou tonto. Procurei uma cadeira e sentei. Olhei seu corpo magro, suas feições tão sofridas e toda dor que seu corpo exalava. Nunca imaginei que isso aconteceria. Nunca pensei que esse fosse o fim. Eu queria que ela fosse feliz, queria que ela viajasse o mundo e conhecesse um grande amor. Um homem que poderia dar o mundo que não poderia mais.

— Edward...

Ela disse baixo e me aproximei rapidamente. Peguei sua mão gelada e chorei. Chorei a vendo me chamar sem nem imaginar que estava ali, poderia falar o que quisesse que ela apenas falava frases desconexas. Ela não abria mais os olhos e vi seu pulso fino. Sua luta sendo perdida.

— Estou aqui... – falei baixo e ela depois de algum tempo reagiu abrindo os olhos. Seus olhos estavam opacos. Estavam distantes como se ela estivesse fazendo um esforço para viver.

— Veio... você...

— Eu estou aqui. – E as lágrimas caiam de meu rosto mesmo que eu não a amasse mais. Ela foi alguém tão importante um dia e sempre seria a mulher de abraços e sorrisos. De uma alegria invejável.

— É... menina... – então ela chorou. – Não vai voltar... é menina..

Até aquele momento eu nem ao mesmo tinha perguntado sobre o bebê. Eu achava que com ela tão frágil ele não tinha sobrevivo. Mas ela achava que eu voltaria se fosse menino. Ela escreveu várias cartas se orgulhando de como a Duquesa de Lorne não tinha conseguido o feito que ela tinha, que voltaríamos a ser tudo que ela sempre imaginou e com um filho eu nunca mais a abandonaria. Ela escreveu até perceber que eu não responderia. Eu não sabia como reagir a clara felicidade e delírio dela.

As cartas foram mudando de tom ao longo dos meses, ela pareceu mais depressiva e cada dia menos disposta a implorar, passando para a raiva e ofensas. Me desejando todo tipo de coisas que eu jamais poderia imaginar e eu fraco demais para responder a mesma coisa e repetir as mesmas explicações.

Ela tossiu e a enfermeira a ajudou e eu vi o lenço com sangue me perguntando como chegamos nesse ponto.

— Tuberculose.

Olhei para trás vendo Isabella e levantei imediatamente. Tânia ainda estava sendo amparada pela enfermeira e assim que parou sua crise de tosse voltou a dormir com seus lábios ensanguentados. A enfermeira tentava sem sucesso limpar, mas seus lábios pareciam agora rachados e brancos demais.

— Leah está fazendo um chá para acalmar os pulmões. – ela disse tirando as luvas e indo até Tânia. Molhou um pano numa água e passou por seu rosto limpando com mais destreza que a enfermeira. – Se fosse contagioso estaria infectada. – disse firme para a enfermeira – Ela está tendo um tipo agressivo, mas não contagioso.

— Isabella...

— Pegue uma bacia com água morna por favor. E peça para Leah subir com o chá que pedi.

A enfermeira fez uma reverência e saiu. Ela acomodou Tânia melhor e com muito cuidado analisou seus dedos, tocou seu pulso e depois respirou fundo.

— Como sabia que eu estava aqui?

— Ela me escreveu. – disse sentando em uma cadeira.

— Como...

— Ela achou que eu ficaria abalada com a notícia que carregava um filho seu.

— Isso não a abalou? – perguntei surpreso.

— Claro que não foi algo que eu esperava, mas eu fiquei preocupada.

Ela sempre me surpreendia. Ela sempre parecia estar a dois passos adiante.

— Por que não me disse nada?

— Porque você já estava estressado demais. – ela me olhou sem graça – No início eu pensei que fosse sair de casa e fiquei esperando você apenas ir.

— Nunca...

— Mas as cartas continuavam chegando e sua atitude mudando, seu sofrimento aumentando. Eu não queria que tivesse que escolher então me afastei. – e vi pela primeira vez uma menina com medo.

— Por isso quando voltamos de Londres se afastou?

Ela olhou seu anel de casamento.

— Todos nós sentimos Edward... eu também sinto. – rodou o anel com um nervosismo – Eu não estava preocupada com o que iriam dizer, mas como iria te perder.

E ali, naquele cenário mais mórbido possível eu olhei para ela confessar que gostava de mim. Isabella gostava de mim.

— O que você me deu e é para mim eu não saberia lidar perder. – e em seus olhos tinham brilho de lágrimas que não caíam. – Eu tive esperança de sentir mais do que... mais...

Eu queria ir até ela e abraçar, mas Leah entrou e Isabella fez tudo que poderia ser feito. O chá era forte e Tânia o tomou sem nem ao menos perceber que estava sendo cuidada por Isabella. Ela parou de tossir como Isabella mesmo tinha dito, mas sua respiração ficava a cada minuto mais difícil. E ela me abraçou quando chorei vendo Tânia partir sem poder fazer nada. Leah junto com a enfermeira estavam já trabalhando no corpo quando a empregada dela entrou chorando e chamou por Tânia, pediu para sua menina acordar e deitou do seu lado chorando.

Isabella segurou minha mão enquanto toda cena desenrolava no que eu jamais esqueceria em toda minha existência.

— Ela ficou na chuva. – disse a empregada em algum momento. – Ela disse que queria morrer. Ela ficou sem horas na chuva gritando e amaldiçoando o mundo. O corpo mudando, ela não aceitava estar grávida. Ela queria tanto que fosse um menino... ela nem quis ver o bebê...

— Ela deveria já estar desenvolvimento um resfriado antes da doença. Mulheres grávidas ficam mais frágeis.

Ela olhou para Isabella com ódio.

— Culpa sua! – eu me coloquei na frente dela, mas ela delicadamente saiu olhando para a empregada.

— Eu posso dizer que sim. Posso te acalentar pedindo perdão. Posso te falar tudo que quer ouvir, mas a verdade é outra. Ninguém desejou o mal dela. Ninguém a culpou por ter engravidado de propósito como se isso fosse trazer Edward de volta.

— Como sabe disso? – disse mostrando espanto.

— Porque Tânia era uma mulher conhecedora de todos os tipos de meios para não engravidar. – nessa hora a empregada olhou para o corpo de Tânia e em seguida para Isabella – Ela quis essa criança, mas não esperava que tudo acontecesse da forma como ocorreu. Ela não imaginou que eu não reagisse as suas cartas ou suas palavras.

— Por que não reagiu? – ela perguntou parecendo conhecer o teor das cartas.

— Porque eu também perdi alguém que amei. E eu queria poder escrever várias cartas falando tudo que sentia, eu também queria falar coisas desagradáveis para ver se ele me ouvia e voltava para me repreender. Porque eu sei o que é ter muita gente e se sentir sozinha.

Olhei para ela e vi como ela entendia. Como nada daquilo tinha o mesmo teor para Isabella. Ela não tinha raiva de Tânia.

— E ela fez aquilo que achou melhor, mesmo que esse melhor não tenha sido o ideal para sua saúde.

— Sim... – a empregada admitiu. – Posso levar o bebê? Ela nasceu muito pequena... talvez nem sobreviva...

O bebê. Nós tínhamos um bebê. Até aquele momento eu nem ao menos tinha pensado nisso.

— Uma menina jogada nesse mundo cruel. – Isabella disse – Uma bastarda para sociedade. Uma mulher sem dote. Uma jovem apenas sem pais. Órfã.

— Tânia...

— Ela é filha de um Duque e merece seu devido lugar na sociedade. – ela me olhou com determinação – Vamos levar o bebê.

— Como vão explicar isso? – a empregada perguntou muito espantada.

— Leah vá pegar o bebê por favor.

Leah saiu imediatamente.

— Isabella...

— Peça a Harry para providenciar o enterro de Tânia. Eu tenho algumas sugestões próprias, mas está esfriando e o bebê é prematuro. Ela deveria nascer somente daqui há um mês.

— A ama de leite disse que ela não aguenta mais que Tânia.

— Eu nasci um mês antes do previsto senhora e estou aqui para contar muitas histórias.

Com isso ela se virou com elegância e saiu.