Edward

— Viver na Escócia tem suas vantagens. – ela disse olhando para a janela – É um lugar um pouco abandonado por Deus e pelos homens, somos sobreviventes em tantos aspectos que não teríamos tempo para tantas explicações e histórias hoje. Minha família vem de uma linhagem de comerciantes, não tínhamos títulos, mas tínhamos muitas posses. Fizemos dinheiro com comércio, navegações, exportações e todo tipo de coisa que se possa imaginar. Mamãe sempre dizia que os Swan tinham o que eles diziam ser o trevo da sorte. Mamãe era irlandesa e conheceu papai no porto quando ele estava checando uma carga, foi um amor à primeira vista. Meses depois eu nasci e meses depois papai conta que sonhou comigo sentada balançando os pés o vendo ler um livro e eu dizia: mais papai, mais papai.

Ela sorriu com a lembrança.

— Todos sabíamos como era necessário a cada geração não apenas ter dinheiro, mas saber administrar. Enquanto a nobreza nasce rica, nós lutamos para manter nossas riquezas e fortalecer nossos bens e laços comerciais.

— Isso ainda não explica nada. – falei calmo e ela sorriu.

— Explica por que papai não queria uma donzela. Ele queria uma mulher que não fosse enganada por um aproveitador. Um qualquer que se juntasse a ela e dizimaria seus bens. Então desde pequena eu fui criada para entender números, letras, línguas e todo tipo de história. Posso não querer administrar e nem precisar, mas entendo muito bem como ganhamos cada centavo.

— Alexander cuida bem disso. Sua firma é muito renomada.

— Sim, ele casou com uma prima nossa e com sua administração conseguiu expandir cada vez mais tudo que meu avô e papai conquistaram e todos que vieram antes deles. Tudo isso sem título, sem uma coroa em nossas cabeças. É um orgulho escocês nascer pobre e ter seus descendentes vivendo de tudo que se conquistou, em Lorne temos quadros de cada Swan e sua história escrita em livros para que as gerações futuras saibam que cada centavo foi conquistado e não dado.

— Muito nobre. – admiti admirado com tanto luta.

— Papai então se dedicou a isso, a ter uma filha que conseguisse ser mais do que uma boneca manipulada. Ele apenas não esperava que eu amasse tudo que envolvesse as ciências naturais. Não sabendo muito bem sobre isso, entendendo que mulheres não vão a universidades como os homens ele usou sua influência para que eu estudasse em um monastério em que os monges tinham várias plantas e livros. Mas tudo parecia muito arcaico, antigo e mesmo assim não supria ainda a falta de estudos sobre esse assunto. Jacob chegou quando eu estava prestes a ter idade para casar, como expliquei ele tinha problemas com sua família que não o entendia, papai nessa época era um grande comerciante e tinha muitos amigos.

Ela respirou fundo como se as lembranças fossem ficando mais dolorosas a partir desse ponto.

— Ele tinha problemas no coração. Nasceu assim. – isso era uma surpresa – Ele viveu vendo sua família francesa e arrogante esconder isso de todos, viveu vendo seus irmãos sendo apresentados com orgulho enquanto ele era apenas o menino dos livros. Ler era tudo que os médicos permitiam quando ele era pequeno. E assim como eu Jacob teve o destino traçado. Ele estudou, mas não conseguiu completar os estudos porque sua família queria um grande casamento rapidamente, queria um herdeiro.

— Imagino que já prevendo a morte dele.

— Sim, e imagine se com um fardo de saber que não viveria para ver seu filho crescer.

— Que horror.

— Jacob e eu nos entendemos rapidamente, eu queria mais e ele queria viver sem o fardo de sua família. Papai demorou a entender, mas mamãe disse algo uma noite que o convenceu.

— O que ela disse?

— “Você a criou para isso Charlie, você a criou para o mundo. Então deixe sua pequena borboleta voar.” – ela se mexeu na cadeira parecendo cada vez mais incomodada, mas determinada – Papai entendeu naquele momento que a Escócia era pequena demais e fez Jacob prometer a ele que eu teria tudo que uma mulher como eu merecia. Nos casamos na França, vivemos apenas o tempo necessário para consumar o casamento e ter certeza que não tínhamos gerado um filho.

— O tempo que viveu na França fora para isso?

— Sim, Jacob tinha medo que anulassem nosso casamento, mas também queríamos ter uma vida de casal, nosso amor poderia ser algo leve e tranquilo, mas nossos corpos ainda tinham suas curiosidades.

— Sim...- disse entendendo que eram um casal. Eles não poderiam ignorar o desejo que pudesse surgir. Eles tinham direito a uma vida enquanto casal.

— Depois disso viajamos para todos os lugares que podíamos e com o nome de Jacob ter acesso a estudos, eu desempenhava a esposa companheira e ele o marido estudioso. – falou rindo. – Engraçado como me viam entrar e sair sem nem perguntar o por que de tantos livros e artigos. Eles apenas supunham que tudo era para Jacob, com o tempo descobrimos que sem que ele fosse o autor as universidades nunca aceitariam nada. Jacob assumiu o papel de autor e eu de esposa.

Assim que terminou ela me olhou.

— A sociedade não pode admitir Edward que uma mulher seja tão inteligente quanto um homem, nunca conseguirei entender isso. – disse amarga. – Jacob me entendeu, não me julgou e por isso falei que ele foi sim o homem que mais amei. Porque ele olhava a Isabella e não uma mulher bonita e elegante. Ele olhava meu interior.

Eu não tinha palavras para tudo que havia ouvido e isso me deixou sem ar por alguns segundos. Sim, a sociedade não era igual.

— Não estamos preparados para mulheres como você Isabella. – disse olhando em seus olhos e entendendo como sua beleza vinha de mais que vestidos, roupas e costumes únicos que ela adquiriu. – E eu sinto muito por sermos imaturos demais.

Ela me olhou como se aquilo realmente a tocasse. Como se aquilo fosse algo que ela precisasse ouvir de alguém como eu.

— Eu não entendo muito das coisas. – confessei me sentindo pequeno – Eu fui criado como um nobre inglês. Nossa riqueza processe de anos e anos de muitas ligações reais e casamentos arranjados para unir fortunas. Nossa fidelidade a Coroa e tudo que ela pode nos promover. Eu não serei hipócrita, somos ricos porque sempre fomos e apenas estamos mudando porque o mundo está mudando.

— O mundo está cada vez mais moderno, mas a realeza cada vez mais agarrada a sua própria rotina real.

— Confesso que tem razão.

Eram poucos nobres que admitiam a necessidade de uma expansão e independência financeira. Tínhamos pensamentos antiquados.

— Ter razão nesse caso é penoso. – ela disse como se isso fosse algo também a se confessar – A Inglaterra tem algo de lindo. Ela não é presa as convenções da Igreja Romana, por isso podemos ser talvez o país mais moderno da Europa. Podemos ser os privilegiados por termos uma Rainha que tenha um marido que ame artes, ciências e as novas descobertas. Isso agrada a todos os estudantes, cientistas e filósofos. Temos bibliotecas dignas de verdadeiros orgulho. Porém, uma monarquia que não acompanha o olhar do povo que paga os impostos que sustentam a realeza.

— Um povo contra a realeza. – falei sabendo que isso crescia. Muitas monarquias oprimiam pensamentos como este, mas inegável como esse desafeto a Coroa crescia com os anos. Lutávamos para sermos bem vistos, modelos de bons costumes e nobre caridosos. Nada disso parecia ter efeito quando esses pensamentos se instalavam na mente da população. – Pensa que ser nobre é errado?

Uma pergunta muito sincera. Eu queria ouvir algo que não fosse apenas reforçado pela ideia de que temos sangue real ou somos melhores.

— Acho que de nada serve uma Coroa se ela não serve ao seu povo. – disse com convicção – A Coroa e a nobreza deveriam servir ao povo que os sustenta e não o contrário. Se o povo trabalha, merece salário. Mas a nobreza é apenas aquela que recebe do povo aquilo que eles demoram anos para ter, como por exemplo, uma flor.

— Como?

— Um jardineiro demora anos para ter rosas lindas enfeitando os jardins. Seu trabalho mal pago é longo, árduo e muito delicado. Exige dele concentração e até mesmo ciência para não deixar as pragas estragarem tudo que ele com tanto cuidado ajudou a florescer. Então, em um baile se colhe todas as rosas que ele demorou meses e meses para chegarem ao seu apogeu, e em uma noite tudo se vai porque assim alguém o quis. – completou. – Nem ao menos uma rosa ele leva para a esposa que deixou em casa cuidado de seus filhos. A esposa talvez nunca veja as rosas que ele cuida mais do que dos filhos que precisa alimentar.

— Um ótimo exemplo.

E então entendi por que ela era cordial com todos. Porque apesar das roupas e do título ela era simples e humilde em suas ações. Havia nela uma profundeza de conhecimentos que são adquiridos por anos de reflexão e vivência. Pela primeira vez em anos me senti apenas um menino diante de uma mulher.

— Tudo muda quando pensamos um pouco não? – sorriu tornando tudo mais confortável dentro de mim. Como se entendesse meus próprios dilemas, pensamentos e memórias. – Mas tudo também leva tempo Edward para ser assimilado e digerido. Roma não foi construída em um dia.

Disse se levantando e eu automaticamente o fiz também.

— E nem aqueles quadros irão ser colocados em seus devidos lugares conosco aqui. – falou divertida.

Eu não tinha palavras para o que estava na sala esperando meu aval. Eram quadros realistas demais de paisagens de todos os países e lugares que eles viajaram.

— Alemanha. Prússia. Hungria. Suíça. – disse lendo as descrições pequenas.

Então olhei para ela remover o pano do quadro que mais marcaria minha vida. Era ela sentada em uma cadeira dourada, com um vestido branco decorado com diversas flores coloridas. Uma tapeçaria nitidamente parecida com as cores de seu Kilt estava atrás tornando o cenário contraditório, mas magnífico. Seus cabelos estavam mais uma vez soltos como ela gostava de usar, mas tinham flores naturais enfeitando ele e sob sua mão pousava uma borboleta de um azul vibrante. Detalhes. Tudo eram detalhes de sua vida, história e trajetória.

— É perfeito. – disse chegando mais perto e a vendo corar um pouco com minha postura. – Você conseguiu que ele captasse seu esplendor.

— Edward...

— Faço questão dele no meu escritório. – a olhei querendo ver os mesmo azuis do quadro – Preciso Isabella te ver sempre que estiver ali.