Neste momento eu percebi que não queria saber. Percebi que se fosse algo íntimo e particular isso me incomodaria. Ela era sempre tão discreta e muito refinada, ela teria algum amor mal resolvido que apareceu agora que ela tinha uma residência fixa e era casada?

Alguém que esperou o tempo do luto como muitos dos meus amigos mais íntimos queriam? Por alguns segundos enquanto ela abria a carta e lia para si mesma eu ficava refletindo se queria saber quem era George.

Bells,

Acabei de saber que casou com o Duque de Devon por uma amiga em comum. Fico imensamente feliz que esteja bem, sei não tomaria nenhuma decisão que não fosse para seu bem. Por alguns dias me perguntei se estaria segura e bem como nos dias que passamos juntas em Paris. Confesso que apesar do clima tão pesado, estar com você naqueles dias serão guardados dentro de mim para sempre.

Saiba que Rosehill sempre será um lugar que poderá se refugiar quando precisar, ainda sinto falta das nossas longas caminhadas para que as horas passassem sem que a lembrança de nosso querido Jake não nos matasse. Também sinto falta das nossas conversas altas horas e reflexões sobre tudo e qualquer coisa.

Estou terminando a tradução. Não tenho palavras para agradecer sua ajuda, apoio e até mesmo incentivo quando pensei em desistir. Como você mesma disse, as traduções levam ao mundo um novo olhar sobre aquele trabalho magnífico que um autor o fez e é uma honra conseguirmos levar a outros interessados esse estudo.

Querida, de todo coração desejo felicitações e sei que iremos ainda nos corresponder como sempre foi. Papai ficou um pouco doente no inverno, mas está muito bem graças a bondade de nosso Senhor. Ele sempre pergunta se você ainda frequenta as missas aos domingos como fazíamos aqui e se mandou alguma notícia.

Sua alegria era nítida quando as notícias chegaram, ele parece ter ficado muito feliz quando soube sobre o Arcebispo ter feito seu casamento. Ele ainda guarda a foto sua ajoelhada na igreja que tiraram quando ela foi reformada. Disse que parecia angelical mesmo em seu luto.

Fique com nosso Senhor e saiba que estaremos aqui para qualquer ajuda.

Com amor,

Mary Ann.”

Ela terminou de ler e ficamos nos encarando.

— A sociedade não aceita muito bem mulheres inteligentes não é mesmo? Precisam criar pseudônimos para publicar algo que deveria ser apenas avaliado pela qualidade e não pelo seu nome. – disse triste – É uma brincadeira nossa. Mary Ann é muito boa com línguas e tem diversos exemplares que as traduções seriam muito bem vindas, mas para publicar inventamos esse nome para ela ser aceita.

— O poeta. – disse surpreso.

— Sim, o poeta inglês. Creio que uma vez a própria Rainha o tenha elogiado em um dos seus famosos discursos particulares. Mas será que chegaria até ela se soubessem que é Mary Ann que escreve os poemas tão disputados pelos jornais inglesas?

Estava sem palavras.

— Ela é solteira e vive com o pai em Rosehill. São muito religiosos e ela vive para seus livros e cuidar do pai que é muito doente. – ela respirou fundo como se estivesse cansada – Quando Jacob morreu ela foi a primeira a chegar, demorou para que conseguíssemos ajeitar tudo porque a família dele dificultava tudo com seus leis francesas. Eu apenas queria enterrar meu marido com toda dignidade que ele merecia, mas eles queriam criar uma verdadeira festa em cima de seu velório. Nossos amigos e familiares próximos estavam cansados quando finalmente chegaram à conclusão que não iriam conseguir isso, Jacob era um cientista apenas dedicado a seus estudos e não um aristocrata. Ele teve seu enterro e eu fiquei apenas para a leitura do testamento com a família dele vigiando cada porcelana que havia em nossa casa. A casa que ele comprou assim que casamos e moramos apenas um período. Casa que não tinha qualquer memória nossa porque não tínhamos apego a ela, mas para eles era uma casa cheia de móveis e vasos caros, quadros de artistas famosos e prataria importada.

Ela sorriu triste olhando a janela.

— O homem tem uma forma sutil de nos dizer que não valemos tanto quanto ele. Na leitura o irmão de Jacob fez questão de que tudo fosse listado para que eu soubesse que nada daquilo seria meu.

— Mas você tinha a sua própria fortuna, não precisava de nada daquilo.

— Não. E era algo que tanto eu quanto Jacob amávamos. Não estávamos juntos porque tínhamos algo, mas porque o que tínhamos era maior do que isso. Compartilhávamos sonhos, planos e momentos inesquecíveis. Tínhamos um respeito e carinho que não víamos em nossos amigos mais íntimos. Algo tão mágico e além dessa sociedade hipócrita que vivemos.

— Por isso não ficaram na França.

— Não ficamos na França para que pudéssemos ser nós mesmo, não aquilo que esperavam de nós.

Eu não tinha palavras para estas informações. Ela viveu um casamento verdadeiro e feliz. Harmônico e sem aparências. Ele com certeza não tinha medo dela nem do que ela poderia dizer.

— Não é religiosa imagino. – falei querendo mudar de assunto, porém não percebendo que era outro assunto delicado.

— Posso ir à missa aos domingos, isso não me incomoda nem um pouco. Tomar a benção e cumprir meus deveres.

— Não foi essa a pergunta.

— Não acredito em Deus.

— Isabella. – falei despreparado para esta resposta.

— Não creio que um ser maior nos criou e muito menos que ele esteja tão interessado em nos condenar. – falou com calma.

— Sua amiga disse que frequentava as missas...

— A bíblia é um livro muito interessante Edward, a mulher é a que oferece a Adão o fruto proibido. Jesus em toda sua glória salva uma adúltera de ser apedrejada e a mãe dele apenas é alguém santificado por que do seu ventre saiu o Salvador. Ainda assim somos apenas meio para o fim, seja ele bom ou ruim. Nunca vista como somos. Seres secundários em narrativas masculinas.

— Você leu a Bíblia?

— Umas cinco vezes.

— Mas não acredita nela.

— Homens escreveram. Homens que tinham seus próprios interesses e que escolheram o que iria nele ou não. Traduções foram feitas para atender seus próprios interesses. Como explicar duas versões do mesmo livro? Um livro escrito em três línguas diferentes, nenhuma delas era no latim tão sagrado pela Igreja Romana, depois retraduzido por monges solitários e aterrorizados na Idade Média. – ela sorriu como se achasse isso engraçado - Paulo escreve que as mulheres devem se manter caladas na Igreja, eu mantenho isso bem à risca. Entro e saio calada.

— Por que leu se não acredita?

— Por que você lê o jornal se sabe que ali terão coisas que não lhe agradam? Se fazem piada com a monarquia e criticam os gastos reais? Se nem sempre elogiam a forma inglesa de convivência? – ela fez uma pausa – Porque você precisa conhecer para se defender. Conhecimento Edward é o que sobra quando não nos restam armas.

Então ela levantou e saiu. Ela apenas saiu me deixando olhando para a porta. Isabella era mesmo peculiar e agora eu sabia para onde ela tinha se refugiado do seu luto antes de viver com mamãe. Mas nossa conversa causava mais dúvidas do que respostas.

Leah entrou e retirou a mesa parecendo satisfeita que ela comeu bem. Harry entrou logo em seguida, eu sabia perfume que era uma carta de Tânia. Como não havia percebido como era doce esse perfume?

— Não deixe a carta aqui por muito tempo. – falei levantando – Vou abrir a carta no jardim externo.

Não esperei ele responder e fui até o jardim querendo que o vento apenas levasse o cheiro. Harry me entregou e abri lendo como ela estava feliz indo a festas e bailes. Como os presentes que dei fizeram sucesso e como sentia me falta ao meu lado.

— Jogue fora Harry por favor. E não receba as cartas aqui, mande para outra residência.

— Mas...

— O perfume que Tânia coloca incomoda Isabella. – imediatamente ele saiu como se não quisesse desagradar ela. Sim, ninguém queria desagradar ou até mesmo aborrecer ela. Todos queriam que a casa estivesse impecável e que tudo que ela pedisse fosse atendido com muita atenção aos detalhes.

Na hora do jantar avisei para preparem uma mesa para nós dois na saleta privada. Pedi que Leah avisasse a Isabella sobre o jantar. Faria questão que nossas refeições fossem feitas juntas. Eu queria isso. Quando desci ela não estava ainda e fiquei olhando as mudanças sutis naquela parte da casa. Me virei e a vi num vestido mais formal, ela usava um vestido mais volumoso, mas mesmo assim muito simples, um verde musgo que ressaltava sua pele. Um bom gosto com cores como sempre.

— Boa noite – ela disse um pouco tímida. – Leah me disse que íamos jantar.

— Sim.

A empregada entrou para nos servir e a levei até a mesa. A ajudei a sentar sentindo um perfume muito suave.

— Não conheço esse perfume. – falei sentando. – É muito sutil.

— É de rosas brancas, o perfume delas é muito suave. Eu não gosto de perfumes fortes, para serem feitos precisam de um processo longo que acaba tirando da flor o que há de melhor.

— Percebi.

Fomos servidos e ela tomou um suco de uva.

— Parece vinho. – ela sorriu.

— Assim consigo parecer sociável sem beber, só faço isso se for muito necessário.

— Claro.

— E como estão as plantas?

Então ela discorreu sobre o assunto da forma mais natural, disse que teria que tirar um tempo amanhã para escrever para as universidades e que também responderia Mary Ann. Pedi que ela convidasse a amiga para uma visita, ela poderia escolher se fosse aqui ou em Londres. Ela ficou feliz com meu convite e eu também ao vê-la sorrindo como se isso fosse um presente magnífico.

— Nunca vi sua casa de Londres.

— É muito bonita e tem quartos amplos, mas acho que sentirá falta de Aurora e seu espaço. É bem menor, mas mesmo assim muito grande para os padrões do centro. Meu pai e minha mãe viveram ali durante as temporadas, vou pedir a Harry que faça o favor de ver como estão as coisas por lá. Se quiser mudar algo...

— Como disse, penso apenas aqui como casa. Londres é uma casa que precisa ter um toque aristocrático, e eu sou muito campestre para saber o que a sociedade espera ver quando entrar na casa de um Duque. Podemos pedir a sua mãe que veja isso o que acha?

— Esta casa está magnífica Isabella. – ela sorriu.

— Apenas papai me chamava assim quando eu aprontava.

— Sim, nunca me disse como gosta de ser chamada na intimidade.

— Bella. Vovó me chamava de Bella. Meus amigos me chamam de Bells.

— Como Jacob a chamava?

— Tulipa. – ela riu.

— Tulipa?

— Significa: amor perfeito. Mas são raras em alguns lugares pelas exigências de clima frio e a terra precisa ser leve e adubada. Uma flor cheia de delicadeza, exigências, mas linda.

— Não tenho como discordar dela. – acabei falando e me deixando levar. – Penso que o que viveram é isso: amor perfeito.

— Não existe isso. – ela falou – Existe um querer Edward que tenha amor. Jacob tinha suas qualidades e defeitos como qualquer pessoa e aprendeu a lidar comigo e me ensinar o que eu precisava para viver. Muito jovem achamos que podemos tudo, precisamos ser orientados para que a nossa forma de agir não afete a nós e aos outros.

Isso explicava a sua forma de agir distante, polida e educada com algumas pessoas, sem mostrar a verdadeira Isabella. E numa conversa íntima ter a mulher mais inteligente que já conheci.

— Realmente casou muito jovem.

— Papai amava Jacob. Não via pessoa melhor para cuidar de mim, mas mesmo assim o fez passar por bons problemas antes que aceitasse o matrimônio. – ela riu.

O jantar foi leve, conversamos sobre muitos assuntos e todos eles pareciam não se esgotar. Isabella poderia conversar sobre qualquer coisa e todas elas parecerem interessantes ao mesmo tempo.

Harry entrou na sala parecendo um pouco tenso.

— Senhor, um emissário da Rainha.

É claro que isso não era comum. Isabella se levantou e foi comigo a sala de visitas onde ele esperava com um grande envelope em mãos. Ele fez uma reverência e nos entregou.

— O que é? – ela perguntou quando abri.

— A Rainha nos convidou para um jantar em comemoração a entrada do Coronel na Ordem Vitoriana.

— Um jantar no Palácio?- ela disse surpresa.

— Sim. Mas pela data temos que partir amanhã. As estradas e tudo mais podem nos atrasar e não ir seria uma desfeita.

— Oh... – disse ela olhando o emissário. – Eu vou começar a ver as coisas com Leah então. Acho que não teremos tempo para mudar nada em Londres então. – sorriu e subiu.

Eu me senti mal naquela hora por tirar ela do seu refúgio e ter que fazer ela enfrentar uma corte. Seria sua estreia como Duquesa de Lorne e eu sabia que isso seria uma verdadeira festa. De certa forma Vitória fez com que nós fôssemos a corte antes das festas terminarem. Era seu jeito sutil de querer conhecer Isabella, mas eu também sabia que isso seria um martírio para ela.

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