Coloque na bolsa a sacola onde as roupas sujas de sangue seco estavam, arrumei a cama, pois era o mínimo que eu podia fazer. Coloquei os salgadinhos comprados mais cedo dentro da bolsa assim que os vi em cima da cadeira, eles seriam meus alimentos por um tempinho até eu conseguir algum outro dinheiro, e como? Já me pergunto isso antes mesmo de precisa-lo.

Mark havia voltado para a loja logo após que acordei já que a campainha da porta – que indica que alguém chegou – tocou. Agora ele abria a porta novamente enquanto me fitava com as mãos nos bolsos da calça e com um pequeno sorriso nos lábios, tornou a fechar a porta e sentou-se na cadeira perto da cama.

Assim que arrumei minhas coisas parei em sua frente com um pequeno sorriso, ele se pôs de pé e disse algo sobre me acompanhar até o lado de fora, não havia necessidade, tínhamos acabado de nos conhecer, ficamos uma noite juntos e ele já estava assim tão grudento? Não que um pouco de atenção não seja bom, mas eu estava estranhando toda aquela coisa de cavalheirismo, o bom sexo e o acompanhamento até a porta.

Assim que saímos de seu quarto vimos um casal entrando na loja peguei um óculos que estava no balcão e o coloquei no rosto virando-me de costas para o casal quem escolhia algo no freezer, fiquei de frente para Mark o agradecendo:

– Obrigada por tudo.

– Pelos óculos também – ele cruzou os braços.

Sorri – Então, tchau.

– Toma cuidado – ele chegou seu rosto próximo ao meu ouvido – filha do Coringa.

– Muito inteligente – pisquei o fitando.

– Sou muito observador – ele deu uma breve risada – existem muitas pessoas de cabelo verde por Gotham.

Sorri – Se cuida também.

– Te vejo por ai.

– Adeus – disse virando-me de costas para ele.

Caminhei pelo lado de fora da loja sentindo o vento bater em meu rosto, as luzes da rua bem ao fim de Gotham estavam acesas e a paisagem nada mais era que a de um local morto onde alguns carros passavam vez ou outra, confesso que desejava muito estar em casa tranquila, sem ter que fugir da polícia e evitar causar mais problemas, fugiria até não poder mais, como de costume jamais assumiria que sou como ele, como o Coringa, como o meu pai.

Diminui meus passos ao fitar o chão, uma tinta verde neon apontava, com uma seta muito mal desenhada, para direção oposta à que eu estava indo, senti meu coração palpitar e mantive meus passos em direção à rua, não tentaria pedir carona porque estamos em Gotham e eu poderia ser, no mínimo, morta a sangue frio dentro do carro de qualquer estranho. A tinta de neon, logo em seguida, pintava o asfalto preto do posto de gasolina com diversos “HAHAHAHAHA” em letras maiúsculas e tortas, senti meu corpo estremecer, já vi aquele HAHAHAHA inúmeras vezes e sabia de quem era. Então ele estava vivo.

Parei de andar no exato instante em que ouvi passos atrás de mim, passos pesados que nem se eu quisesse eu ouviria. Virei meu rosto subitamente para trás e um homem gordo sorriu, sem delongas e com o rosto bem próximo ao meu tampando meu rosto com um capuz totalmente preto e mal cheiroso, o mal cheiro era uma mistura de mofo e suor o que me deixava completamente enjoada. Tentei gritar, mas o homem logo colocou a mão em minha boca e, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele me pegou no colo me carregando para algum lugar.

Contorcia em seus braços, mas de nada valia, o homem me segurava apenas com um braço enquanto sua mão estava na minha boca abafando todo e qualquer grito meu e quase me sufocando dentro daquele saco. Pude senti-lo subir escadas pelo modo como estava balançando e também sabia que, de tanto me contorcer, estava deixando-o em uma situação horrível já que ele fazia pausas na hora de subir a escada para sussurrar que eu ficasse quieta.

Mexendo os braços com força e pavor assustei-me quando caí no chão, senti uma breve dor em minha bunda, mas tratei logo de me levantar e retirar o capuz, sentir o ar foi bom até certo tempo, ao invés de correr, eu simplesmente travei e pude escutar uma porta atrás de mim bater e ecoar por todo o enorme local, virei-me para trás e o homem gordo estava encostado na porta com um pequeno sorriso, tentei correr em direção à mesma, mas antes que eu pudesse prosseguir com meu segundo passo, através de um feixe de luz, do poste do posto de gasolina, vindo das janelas tampadas pude vê-lo apontar uma arma em minha direção.

Meu coração palpitava nervosamente, sentia minhas mãos tremerem sem nenhum comando, minha barriga começava a doer e eu sentia vontade de vomitar, tudo aquilo era resultado do pavor. Não sabia quem era aquele homem, mas sabia quem eu ia encontrar, eu podia muito bem pensar que era alguns dos capangas de Jeff querendo vingança por eu tê-lo matado, mas os HAHAHAHA’s do lado de fora eram uma marca registrada de apenas uma pessoa, e ninguém além de Jess e Mark, naqueles dias, sabia sobre meu verdadeiro pai, não poderia ser uma armadilha.

Fitei o cano da arma apontada bem em minha frente, minha respiração estava ofegante e tinha medo de morrer à qualquer momento, escutei um barulho de porta sendo fechada do outro lado do enorme salão e apenas me virei ficando de costas para o homem quem podia me matar a qualquer momento. Não conseguia enxergar nada, as janelas estavam todas fechadas com papeis pardos tampando quase toda a claridade do poste do lado de fora, sabia que não estava muito longe porque o homem não me carregou nem cinco minutos, ainda estava perto do posto. Bem perto, provavelmente.

Um assobio musical fez com que eu arrepiasse por completo, senti o frio na espinha e tudo o que desejava era sair correndo dali, mas eu não podia, ele era meu pai e tinha que encará-lo, nunca havia visto-o pessoalmente e aquela era a primeira e talvez única oportunidade, porém o modo como tudo estava acontecendo me assustava um pouco. Dei alguns passos para frente escutando o assobio musical cada vez mais próximo, ele assobia alguma música antiga e meu coração palpitava tão violento que achei que fosse passar mal em algum momento. Estava com medo, estava amedrontada, não queria vê-lo, nunca desejei estar perto dele, mas agora, ele fez com que um de seus homens me levasse até ele, ele veria sua filha completamente amedrontada, morta de medo de, ironicamente, morrer.

Andando lentamente em direção ao assobio senti que estava cada vez mais próxima, mas não cessei os passos ou hesitei em prosseguir, estava tudo escuro e quanto mais eu andava pior ficava, pois o feixe de luz iluminava apenas onde o gordo se encontrava e um pedaço mais à frente, pedaço este que eu já estava longe. Parei de andar no momento exato em que o assobio cessou, talvez ele pudesse ouvir o quanto meu coração estava acelerado e como estava ofegante de medo, se eu fosse como os gatos e exalasse algum cheiro no instante em que fico amedrontada, aquele lugar definitivamente estaria impregnado.

A risada ecoou, parecia estar bem no meu ouvido, estiquei minhas mãos para o lado na expectativa de encostá-lo, mas ao mesmo tempo desejando que ele não estivesse por ali.

– Sorria, querida!

Não respondi nada, não o via, não sabia se ele estava realmente bem próximo à mim ou se ele tinha algum truque para fazer com que eu pensasse que ele estivesse dando voltas ao meu redor, pois eu ouvia sua voz em cada canto diferente.

– Você sabe que o papai não gosta de rostos tristes!

Olhava para baixo em meio à escuridão, meus olhos estavam arregalados.

– Oh, é verdade, onde está minha educação?! – ele riu brevemente e então gritou de modo que sua voz ecoasse por todo o local – SEU GORDO ESTÚPIDO! ACENDA AS VELAS! VOCÊ ESTÁ ASSUSTANDO MINHA QUERIDA!

Escutei cliques do que, provavelmente, seria um isqueiro. Uma chama se iluminou atrás de mim, mas ainda sim era insuficiente, não o via e nem via quase nada ao meu redor. Senti algo em meu cabelo e quando virei-me rapidamente para trás, de onde o toque veio, pude ver seus dedos envoltos em uma luva branca.

– Gostei do cabelo, querida!

Novamente uma risada ecoou enquanto inúmeras velas eram acesas em uma velocidade tão rápida que talvez ele tenha escravizado o Flash apenas para acendê-las.

– Vamos, fale com seu papai.

Um barulho de fogo chamou minha atenção, ao meu lado esquerdo o gordo acendeu uma lareira que, rapidamente, pegou fogo em todas os pedaços de lenha ali dentro. Virei meu rosto para olhar o local e antes que pudesse ver a lareira apenas o vi sorridente ao meu lado ainda com os dedos em meus cabelos ressecados. Me perguntava o que tinha acontecido com ele, como, mais uma vez, ele tinha conseguido enganar à todos em Gotham que tinha morrido e sobrado apenas seu rosto, mas, naquele momento compreendi o porquê dele ter deixado seu rosto para trás.

– Olá, querida! – ele esticou os braços me fitando.

Ele me puxou fortemente para seus braços e os fechou em volta de mim, ele estava me abraçando e tudo o que eu conseguia fazer era permanecer imóvel, sem reação e completamente assustada, o medo havia passado, mas vê-lo daquela maneira me fez compreender o porquê dele ter deixado seu rosto para trás de modo que forjasse sua morte: porque ele fazia questão de pegá-lo novamente e aparecer mais medonho do que nunca.

Ele conseguiu completamente, pois eu estava completamente assustada de vê-lo com sua face pregada em cima de seu rosto como se fosse uma mísera máscara.