Realeza em tanto

Capítulo 34


Agora era Killian que olhava para mim, chocado. Os olhos e a boca totalmente aberta demonstravam isso. Ele tentou formular uma frase mas não conseguiu. O choque tinha sido tão grande que Killian nem conseguia falar.

—Killian, diz alguma coisa. – pedi. Aquela espera estava a deixar-me ansiosa.

—Que queres que te diga? – Killian levantou-se e voltou-se para mim – Tu queres encontrar-te com a pessoa que te colocou no hospital. Isso é um absurdo.

—Eu tenho o direito de falar com ele. – falei em alto e bom som – Eu já sou maior de idade e tenho o direito de fazer as minhas escolhas e a minha escolha é ir falar com o meu pai à cadeia.

A minha mãe entrou no quarto, aflita. Aproximou-se de mim rapidamente para ver se eu estava bem. Ela deve ter ouvido os gritos e pensou que se tinha passado algo comigo.

—Está tudo bem querida? – perguntou-me. Eu acenei que sim mas ela continuou a verificar se eu estava realmente bem.

Killian continuava a olhar para mim com aquela cara de choque. Eu encarava-o de volta. Nenhuma palavra era proferida. Era impressionante que em menos de dois dias nós tínhamos tido a nossa segunda discussão. Se isto era assim agora imagino-nos daqui a algum tempo. Vai ficar impossível. Desviei o olhar e concentrei-me no que a minha mãe estava a fazer.

—Mas afinal o que se passou aqui? – perguntou a minha mãe depois de ver que eu estava completamente bem.

—Pergunte à sua filha. – respondeu Killian saindo do quarto.

Então seria assim? Sempre que nós discordássemos de alguma coisa, sempre que nós discutíssemos sobre algo, Killian iria simplesmente sair? Ele não consegue ficar quieto um pouco e tentar ver o meu lado das coisas.

A minha mãe olhou para mim à espera que eu dissesse algo. Mas eu não estava a conseguir dizer uma só palavra. Malditas hormonas! Eu já sabia que o Killian não concordaria com esta decisão mas pensava que ele, pelo menos, visse o meu lado, o porquê de eu querer ver o meu pai. Ninguém melhor do que eu sabia o que se tinha passado naquela casa por tantos anos.

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto. Volto a dizer, malditas hormonas que me fazem chorar a todo o momento! A minha mãe secou-a. Ela continuava expectante à espera que eu dissesse alguma coisa.

—Alexia, o que é que se passou? – voltou a minha mãe a perguntar.

—O que se passa é que o Killian não aceita as minha decisões. Pensa que tem de ser tudo à maneira dele. Mas não é. Eu sou uma pessoa independente. Tenho consciência para tomar as minhas próprias conclusões e sofrer as consequências disso. Mas ele não entende. Se discordamos, ele simplesmente sai. – falei de uma só vez. Recuperei o fôlego e continuei – Ontem foi porque ficou com ciúmes do Arthur. Só porque ele me chamou de princesa. Hoje foi porque eu disse que queria visitar o meu pai.

—Tu queres o quê? – perguntou a minha mãe rapidamente. Olhei para ela e ela estava exatamente com a mesma cara de choque que Killian tinha há pouco. E só então me apercebi do que eu tinha dito. Eu queria contar-lhe mas não assim.

—Eu quero visitar o meu pai. – disse determinada.

—Certo. – a minha mãe tentava assimilar o que acabava de ouvir da minha boca. Eu compreendo que seja difícil de ouvir isto, ainda para mais, tudo o que ela mais quer é manter os filhos longe do pai, mas eu quero mesmo fazer isto. Eu preciso fazer isto mas pelos vistos ninguém estava a tentar ouvir – Posso saber o porquê dessa tua decisão? – Olhei para a minha mãe, espantada. Ela estava a perguntar-me o porquê de eu querer fazer isto? Eu ouvi bem? Abracei a minha mãe.

—Eu preciso disto, mãe. Eu preciso de ver com os meus próprios olhos que ele está lá e que não vai fazer mal a mais ninguém. Eu preciso de ter uma última conversa com ele. – confessei. A minha mãe agarrou a minha mão e com a outra subiu o meu rosto para que eu a encarasse. Só aí é que percebi que não estava a olhar para ela. Eu não queria ver a censura nos seus olhos.

—Eu não concordo com o que queres fazer mas apoio-te. – voltei a abraçar a minha mãe. Ela apoiava-me apesar de tudo – Só espero que saibas o que estás a fazer.

—Eu sei mãe.

—Mas não vais sozinha, querida. Eu sei que ele está na prisão mas eu não quero arriscar.

—Se o Killian não fosse tão casmurro, ele viria comigo.

—Querida, ele viu o estado em que o teu pai te deixou ficar. Ele estava preocupado, aterrorizado. Eu sei o que ele passou e é normal ele não te querer ao pé do teu pai novamente. Sinceramente, eu também não queria mas é a tua escolha. Já és maior de idade para tomares as tuas próprias decisões e não sou eu que te vou impedir. Por isso apoio-te. Mas tu tens de ser mais tolerante com ele. Tentar ver o lado dele.

—Mas eu vejo o lado dele…

—Alexia, eu não digo que não. Mas imagina a situação ao contrário. Tu gostarias de ver o Killian perto de alguém que lhe fez tanto mal?

—Não. – concordei. Como sempre a minha mãe tinha razão. Como sempre ela sabia o que falar nestas situações. Eu esperava ser para o meu filho o que a minha mãe é para mim.

—Pronto. Ele reagiu de cabeça quente e vocês vão conversar como dois adultos que são. – finalizou a minha mãe – Agora eu tenho de ir. Preciso de fazer o almoço para os teus irmãos.

A minha mãe despediu-se de mim e saiu, deixando-me sozinha.

Eu continuava pensativa. Relembrava tudo o que a minha mãe me tinha dito. Todos os ensinamentos que uma mãe deve dar a um filho. Realmente eu tinha a melhor mãe do mundo.

As horas foram passando e nada de Killian. Eu começava a perguntar-me onde realmente ele estava. Será que ele tinha ido embora para o palácio? Será que me tinha deixado ali?

Selena estava comigo e conseguia distrair-me por certos pedaços de tempo. Falávamos das mais diversas coisas mas sem tocar no assunto Killian. Ela suspeitava que se passava algo mas não quis entrar no assunto. Ela bem tentou mas, ao ver o meu estado por ter tocado naquele assunto, logo desistiu.

Já ao fim da tarde, Selena também teve de ir embora. Ela estava a conseguir vir visitar-me porque, incrivelmente, o Rei a estava a deixar. Claro que se fosse pela Rainha Isabella, a Selena nunca estaria aqui comigo. O Rei é um homem bondoso.

A enfermeira estava a sair do quarto, depois de me trazer o jantar, quando senti alguém entrar. Olhei e suspirei aliviada.

—Killian. – sussurrei entre soluços. Eu pensei que ele tinha ido embora.

Killian, ao ver o meu estado, aproximou-se e abraçou-me.

—Meu amor, o que é que se passa? – perguntou Killian preocupado.

—Eu pensei…eu pensei por breves momentos que te tinhas ido embora. Só de pensar na ideia de não te voltar a ver, acabou comigo.

—Não será fácil livrares-te de mim. – tentou brincar Killian conseguindo tirar um sorriso de mim. Afastamo-nos. Nós ainda tínhamos uma conversa pendente – Alexia desculpa ter saído assim. Eu devia ter-te ouvido, devia saber quais eram as tuas razões para quereres ver o teu pai. Se o queres ver, por alguma razão é.

—Killian, eu sei o quanto deve ser difícil para ti aceitares esta minha decisão mas tens de perceber que é isto que eu quero. Eu preciso de o ver uma última vez. Eu gostava muito que me apoiasses.

—Eu sou totalmente contra mas vou apoiar-te.

Killian tirou um envelope do bolso e entregou-mo. Peguei nele e retirei o papel que estava no seu anterior. Era uma autorização. Uma autorização para ver o meu pai. Olhei para Killian à espera de uma explicação.

—Quando saí daqui furioso, comecei a pensar no quanto poderia estar a ser injusto contigo. Se tu querias ver o teu pai, alguma razão deveria existir para que quisesses fazer isso. Eu tentei pensar em alguma desculpa plausível mas isso só me fez sentir mais estúpido. Estúpido porque eu deveria ter ficado contigo e ter ouvido tudo até ao fim. Não reagir assim de maneira quente. – Killian fez uma pausa e olhou para mim. Eu encarava-o expectante – Tu ontem disseste que eu era perfeito. Se há coisa que eu não sou é perfeito. Ontem saí daqui cheio de ciúmes e nem coragem tive para te pedir desculpas. Foi preciso seres tu a falar comigo para eu pedir. Hoje reagi da maneira que reagi.

—Killian, tu és perfeito para mim e é isso que interessa. – beijei-o de leve para mostrar o que eu queria dizer. Eu queria que ele visse o meu lado mas não queria que ele tivesse ido tão abaixo como foi. Ele estava a menosprezar-se – É verdade que não devias ter saído daqui sem ter ouvido tudo mas isso não faz de ti uma má pessoa. Tu és um ser humano. É normal errares.

—Para te compensar consegui que fosses visitar o teu pai quando saíres daqui.

—Obrigada Killian. Não imaginas o quanto isto é importante para mim. Eu preciso mesmo de fazer isto.

—Certo. Então vamos fazer isto, juntos.

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Ao fim de uma semana, saí do hospital. Com o auxílio de Killian, eu caminhava pelos corredores do hospital até à saída. O facto de ter estado tanto tempo parada fazia com que eu andasse lentamente. Por cada pessoa que eu passasse, eu despedia-me e agradecia por me terem tratado tão bem. Eram todas pessoas de bem. Killian despedia-se também, afinal ele esteve sempre comigo desde que eu cá estava. Por isso já quase que pertencia à casa e ninguém estranhava ter o príncipe de Lusitana a dirigir-se a si.

O nosso destino era a prisão. Seria hoje que eu visitaria o meu pai. Tenho que confessar que estava nervosa. Eu não o via desde o fatídico dia. Eu não sei como é que o vou encontrar. Não sei quanta raiva é que ele está a guardar, neste momento. Mas acredito que ele esteja bastante furioso.

Um motorista aguardava-nos à entrada do hospital. Killian ajudou-me a entrar na limousine que nos levaria até lá. Eu estava tão nervosa que nem me apercebi que estive calada o caminho todo. Quando me encontrava numa situação destas, eu simplesmente calava-me e mantinha-me no meu canto. E agora não era diferente. Killian seguiu também calado durante todo o caminho. Ele sabia que não adiantava falar comigo naquela altura.

Ao chegar, Killian ajudou-me a sair. Ajeitei o meu vestido, que tinha subido um pouco e coloquei-me de pé.

—Preparada? – perguntou-me Killian agarrando o meu braço.

—Vamos a isto. – disse tentando demonstrar confiança. O que não deu muito certo porque nem eu nem o Killian ficamos muito convencidos. Mas mesmo assim entramos.

A prisão era como todas as outras. Sombria e cheia de guardas. À entrada demos a nossa identificação e dissemos quem queríamos visitar. A hora das visitas já tinha sido ultrapassada mas como um dos visitantes era o príncipe, eles abriram uma exceção.

Eu aguardava sentada à espera que trouxessem o meu pai. Killian tinha ficado ao pé do guarda, a meu pedido. Ao início, ele ficou relutante mas lá acabou por aceitar. Ele continuaria ali a ver-nos e se algo corresse mal, ele estaria ali.

Eu estava ali à pouco tempo à espera mas parecia que tinham passado eternidades. Esta espera estava a matar-me. Eu ruía as unhas, eu mexia os braços, eu esfregava as mãos uma na outra e nada do meu pai aparecer.

Ao fim de cinco minutos, eu vi-o. Ele encontrava-se com aquela farda laranja costumeira em presidiários. Mas ouve algo que me chamou a atenção. As suas mãos e seus pés estavam algemados.

O guarda trouxe-o até ao pé de mim e sentou-o. O meu pai olhou para mim e riu-se. Eu tentei ignorar e concentrei a minha atenção no guarda.

—Porquê que ele está algemado? – perguntei.

—Não me digas que agora estás preocupada comigo? – perguntou o meu pai sarcasticamente.

—Ele é considerado uma pessoa perigosa, daí as algemas. – respondeu o guarda ignorando completamente o meu pai.

—Obrigada. – voltei a olhar para o meu pai mas ele não estava a olhar para mim. Na realidade, ele estava a olhar para um ponto atrás de mim. Voltei-me e vi que a sua atenção estava presa no Killian.

O meu pai voltou a sua atenção e começou a gargalhar. Eu olhava para ele sem entender o porquê de ele estar a fazer aquilo.

—Então tu realmente estavas a comer o filho do patrão? – perguntou o meu pai voltando a gargalhar. Eu olhava chocada para ele devido ao palavreado que ele tinha usado. Eu era filha dele! Ele estava a tratar-me como uma vadia qualquer.

—Chega. – gritei chamando a atenção do meu pai, do Killian e dos guarda – Não Killian, eu trato disto. – notei que Killian se aproximava de mim devido ao meu grito - Tu não tens o direito de me tratar assim! Todos estes anos a tratar mal a minha mãe. Tu és um monstro sem coração!

—Alexia, eu sou teu pai.

—Não me digas? – perguntei sarcasticamente – Lembravas-te disso quando me batias? Lembravas-te disso quando tentaste bater na Maria só porque ela te pediu dinheiro? – parei para recuperar o fôlego. Eu ia dizer tudo o que tinha a dizer - Tu não tens respeito por ninguém. Nunca respeitaste a tua mulher. Nunca trataste bem os teus filhos. Tu sabes o que é amar? Amar é cuidar. Tratar bem. Amar é colocar essa pessoa em primeiro lugar. Tu nunca fizeste isso. Chegavas a casa podre de bêbado. Não fazias nada da vida e ainda exigias o pouco dinheiro que a mãe ganhava para o gastares nos copos. – o meu pai tentou atingir-me mas eu consegui afastar-me quase caindo da cadeira. Mas Killian estava lá para me auxiliar.

—Está calada sua cabra. – disse o meu pai. O tom dele era cortante. Devia ser difícil ouvir todas as verdades.

—Tu não tens salvação. É impossível. Naquele dia, tu estavas disposto a matar a tua filha. E sem saberes, estavas disposto a matar o teu neto. – dei a machadada final. Apesar do seu rosto inexpressivo, foi possível ver um pouco de espanto depois da minha revelação. Espanto esse que desapareceu rapidamente.

—Então já deste o golpe do baú?

Aquela pergunta atingiu-me como uma seta no coração. Como é que ele era capaz?

—A sua filha tem razão. Você é um monstro. – intrometeu-se pela primeira vez Killian na conversa – Alexia é melhor irmos embora.

—Tens razão. – levantei-me da cadeira – Adeus.

Eu e Killian dirigíamos para a saída quando ouvi a voz do meu pai.

—Que nos encontremos um dia.

—Espero que esse dia nunca chegue. – rematei antes de sair.

Dirigimo-nos até à limousine em silêncio. Eu tentava assimilar tudo o que se passou nos últimos minutos. Eu sentia-me aliviada. Não ficou nada por dizer. Disse tudo o que sentia e que há muito queria dizer. Só não o tinha feito antes por causa das consequências. Mas agora não. Agora toda a minha família estava livre daquele monstro. Agora poderíamos começar uma vida nova de paz e felicidade.

—Para onde vamos? – perguntei ao Killian quando entramos na limousine.

—Vamos para casa.