Realeza em tanto

Capítulo 28


Era meia-noite quando saí do palácio. Fui escoltada até casa por dois guardas a mando da Rainha. Ela queria ter a certeza que eu realmente tinha saído da vida dela e principalmente da vida de Killian. Killian…a esta hora ainda deve estar adormecido. A esta hora ainda não sabe que o nosso futuro não será junto, não sabe que cada um viverá um futuro diferente. Na realidade ainda nem eu acredito nisso. Aconteceu tudo tão rápido. Num momento estava tão bem com Killian e no outro estava a ser ameaçada pela Rainha. Foi inevitável não soltar uma lágrima. Eu não queria demonstrar a minha fragilidade na frente de outras pessoas mas foi impossível. O que vale é que os guardas não estavam a olhar para mim.

Por fim, fui deixada à porta de casa. Eu queria muito rever a minha mãe e os meus irmãos mas ao mesmo tempo estava sem coragem de entrar. Porque entrar implicaria explicar o porquê de eu estar ali naquele momento, implicaria dizer que a minha vinda não era somente visita mas definitiva. E isso era algo que eu não tinha coragem de dizer pois, para mim, significava a aceitação da realidade, a realidade de ter perdido Killian para sempre.

De repente vi a porta de casa a abrir-se. Era a minha mãe. Provavelmente ia deitar o lixo fora. Ela não prestou atenção nas pessoas que passavam àquela hora na rua logo não reparou em mim. Mas isso durou pouco tempo porque eu não me consegui conter. Corri até ela e abracei-a como se fosse a última coisa que eu fosse fazer na vida.

—Filha? O que estás aqui a fazer? – perguntou a minha mãe afastando-se de mim e levando as mãos dela ao meu rosto para ter a certeza que não estava a sonhar. Eu naquele momento já não conseguia conter as lágrimas. Realmente estava muito sentimental mas também não era para mais. Tinha acabado de perder Killian e reencontrado a minha mãe – Querida porque estás a chorar?

—Estava com saudades. – respondi e voltei a abraçá-la.

Quando entrei na cozinha, junto com a minha mãe, senti os pequenos braços dos meus irmãos a abraçar-me. Eles não estavam à espera de me ver. Eles fizeram muitas perguntas que eu tentei responder com o máximo de cuidado, afinal não ia revelar a verdade aos meus pequenos irmãos. A verdade é que nem à minha mãe eu estava preparada para contar.

Já estava tarde quando ouvi a porta a abrir-se, era o meu pai. Eu e a minha mãe estávamos na cozinha na conversa que nem reparamos nas horas. Para minha sorte a minha mãe não me fez perguntas sobre o porquê de eu estar ali naquele momento e não no palácio. Eu, sinceramente, estava-lhe muito agradecida porque ainda não me sentia preparada para contar tudo o que se passou.

O meu pai entrou, entre tropeços, na cozinha. Ele estava completamente bêbado e isso notava-se pela simples forma do andar. Aliás, ele estava bêbado ao ponto de não ter reparado em mim e na minha mãe na cozinha. Claro que isso não durou muito tempo, infelizmente. Ele olhou para a minha mãe e só depois para mim. Foi impossível não soltar uma risada face à cara que o meu pai tinha naquele momento, parecia que tinha acabado de ver um alien. Agradeci imenso naquele momento ele estar naquele estado lastimável porque só assim ele não reparou que eu estava a fazer “troça” dele.

O meu pai aproximou-se de mim, a cambalear, apontando-me o dedo.

—O que…é…que estás aqui a fazer? – perguntou o meu pai atropelando-se nas palavras.

—Vim a casa. Não me digas que me vais impedir de vir a casa. – respondi secamente.

—Tu só vens a casa ao final do mês para trazer o dinheiro. Alexia…não faças de mim parvo. – reclamou o meu pai. Até quando está bêbado ele não deixa de ser o otário que é.

—Queres mesmo saber o que aconteceu? – perguntei retoricamente – Segui o teu conselho e meti-me com o filho do patrão. Consequentemente fui despedida. Muito obrigada pai por mais um conselho tão bom. – completei sarcasticamente.

O meu pai, por causa da minha afronta, tentou dar-me um estalo mas o estado dele era tão lastimável que nem isso ele conseguiu. Eu facilmente me desviei e segui para o quarto, trancando-me lá. Claro está que o tempo que demorei da cozinha ao quarto deu para ouvir da boca do meu pai o quanto sou inútil ao ponto de nem um homem saber seduzir. Eu sei que me precipitei no que disse mas simplesmente saiu.

Mais uma vez não consegui conter as lágrimas. O Killian não me sai da cabeça. Faz poucas horas que o deixei e não sei se ele já soube da minha partida. Além disso, não sei como ele reagirá a isto tudo. Era tão mais simples se ele fosse um simples camponês, tão mais simples…mas ao mesmo tempo não seria o meu Killian. Aquele que me conquistou de uma forma tão genuína.

Quando dei conta já estava a ser consolada pela minha mãe. Ela abraçou-me e disse-me diversas vezes que tudo ia ficar bem. De certa forma ela deve ter percebido que o meu relacionamento com o Killian tinha ficado mais sério desde a última vez que falamos. Mas mesmo assim ela não disse nada. Aliás, ela não me fez qualquer pergunta, ela simplesmente ficou ali. Porque ela soube o que eu precisava naquele momento. Dela e do seu apoio incondicional.

Os dias seguintes passaram muito devagar. Fazia duas semanas que eu estava em casa mas parecia que se tinha passado muito mais tempo. Todos os dias era o mesmo. Levantava-me cedo para levar os meus irmãos à escola e depois andava pela cidade à procura de emprego. Eu fui despedida uma semana antes do fim do mês, ou seja, a Rainha fez questão de não me pagar o último salário. O pior é que aquele era o dinheiro que faltava para eu conseguir tirar a minha família de casa.

Passei por uma mercearia onde estava um papel a pedir uma empregada. Não custava tentar. Eu sabia que não ia receber muito comparando o que recebia no palácio mas era melhor que nada.

Entrei na mercearia para tentar a minha sorte. No interior só se encontrava uma pessoa. Na realidade era um rapaz que deveria ter mais ou menos a minha idade. E também tenho que confessar que ele não era nada feio. Aliás era bastante bonito. Aposto que aqueles cabelos negros rebeldes em combinação com aqueles olhos verdes vibrantes já despedaçaram muitos corações.

—Bom dia. – cumprimentei. Ele respondeu-me e voltou a sua atenção para o que estava a fazer.

Aproximei-me cuidadosamente dele.

—Eu vim perguntar se a vaga para empregada ainda está disponível? – perguntei diretamente. O rapaz olhou para mim como se só agora tivesse realmente notado que estava ali alguém. Depois, sorriu de forma provocadora.

—Tu queres trabalhar aqui? – perguntou. Eu olhei para ele sem entender – Isto não é lugar para princesas. – concluiu.

—Princesas são aquelas que vivem no palácio, sabes? Aquelas que pertencem à realeza. – respondi bruscamente. Aquela simples menção ao palácio e a princesas enervou-me completamente.

—Sabes que quando estás a pedir emprego não podes ser tão respondona. – disse e só aí é que notei que não tinha qualquer chance de conseguir o emprego – Gostei de ti. Sou o Arthur.

No fim do dia cheguei a casa com um emprego. O Arthur não era má pessoa, era só…mulherengo. Acho que ele não conseguiu ficar mais de cinco minutos sem se atirar para cima de mim. Suspeito que talvez tenha ficado com o emprego por ser rapariga.

Cheguei a casa e encontrei a minha mãe e os meus irmãos em frente à televisão. Cumprimentei-os e finalmente percebi o que de tão importante estava a dar na televisão. Era um anúncio da família real.

—Após todas as notícias sobre o nosso reino vamos ao ponto alto do nosso dia. O príncipe Killian tem um anúncio a fazer. – anunciou Jimmy Jones.

Vi a câmara mudar de posição e a filmar aquele que eu não via há duas semanas. Killian…Ele caminhou até ao centro, onde iria fazer o tal comunicado. Dava para perceber, para quem o conhecesse bem, que o que estava prestes a dizer não lhe agradava. Aliás, era possível ver as grandes olheiras que aqueles lindos olhos verde-água apresentavam. Será que…O meu coração começou a bater fortemente e uma ansiedade apoderou-se de mim. Tive de me sentar pois só assim conseguiria ouvir o seu anúncio.

—Boa tarde povo de Lusitana. Daqui fala-vos o príncipe Killian Price. A notícia que vos tenho a dar certamente fará vocês olharem para o futuro de uma forma diferente. Há algum tempo atrás anunciei que estava noivo da princesa Eva de Galiza.

A imagem centrou a princesa Eva a aproximar-se de Killian. Ela estava tão radiante. E eu estava tão mal. Queria ser eu a estar no lugar dela. Mas eu sabia que era impossível.

—O nosso casamento será dentro de dois meses. – concluiu Killian.

Após o anúncio, Jimmy Jones, assumiu outra vez a emissão. Eu ainda estava em choque com o que acabara de ouvir.

—A princesa Eva é tão bonita. – comentou a minha irmã inocentemente.

Eu levantei-me e corri para o meu quarto. Não estava a aguentar mais estar ali sem chorar. Tentei trancar a porta para ninguém me incomodar mas a minha mãe foi mais rápida.

—Suponho que as coisas entre ti e o príncipe tenham ficado mais sérias. Estou certa? – perguntou a minha mãe e eu apenas assenti. – Querida, acho que precisas mesmo de desabafar.

—Eu sei…