Realeza em tanto

Capítulo 29


O momento que se seguiu foi de puro silêncio. Eu sabia que agora que tinha começado a falar tinha de acabar. Mas era difícil e por mais que seja difícil de compreender, eu estava sem coragem para contar. Não por causa do que aconteceu entre mim e o Killian porque disso eu não me arrependo de nada mas sim porque eu contaria tudo à minha mãe, incluindo o momento da separação. Incluindo o momento em que eu soube que nunca poderia ficar com o Killian.

As lágrimas escorriam livremente pela minha cara. A minha mãe continuava abraçada a mim para que eu me acalmasse e assim puder, finalmente contar.

–Eu e o Killian apaixonamo-nos. Aliás, nós amamo-nos. E estávamos juntos em segredo, isto até contarmos à família dele para que enfim pudéssemos ficar juntos. Mas as coisas não aconteceram como nós queríamos. – comecei a contar entre soluços. Limpei a cara e continuei – A Rainha descobriu, mãe. O pior é que ela reagiu da pior forma possível. Ela não só não aceitou o meu relacionamento com o Killian como também me ameaçou. Aliás, ameaçou-me a mim e a vocês. – a minha mãe olhou-me confusa sem conseguir perceber aonde eu queria chegar com aquilo por isso eu continuei para lhe esclarecer todas a dúvidas – Não sei como mas ela descobriu o que o pai faz connosco. Ela disse que, se eu não desaparecesse da vida do Killian, ela arranjaria uma forma de te meter na cadeia e deixar o David e a Maria à guarda do pai. Eu não podia mãe. Eu não podia deixar que isso acontecesse. Por isso deixei o Killian. – abracei a minha mãe e continuei a chorar, agora com mais abundância.

–Que mulher cruel. Como é que ela foi capaz? Privar a felicidade do próprio filho só para conseguir aquilo que quer. Como é que uma mulher daquelas consegue chegar a Rainha?

–Eu não sei mãe…

–Oh querida, eu sei que é difícil. Eu só espero que consigas ultrapassar tudo isto como a menina corajosa que conheço.

–Mãe, ele vai casar-se. Não passou nem um mês que me vim embora e ele já anunciou o casamento. Isso faz-me duvidar se ele algum dia gostou realmente de mim.

–Querida, lembra-te de todos os momentos que passaste com ele e assim saberás se ele realmente te amou.

Aquelas últimas palavras da minha mãe fizeram-me refletir. Era impossível o Killian ter fingido por todo aquele tempo. Eu conseguia ver no olhar dele o que ele sentia por mim. Afastei completamente da cabeça todas as minhas dúvidas. Killian amava-me e só não estávamos juntos por causa da mãe dele. Ponto final.

Passaram-se quase dois meses. Era dia de consoada. Neste dia, como em tantos outros, levantei-me cedo para trabalhar. Encaminhei-me para a mercearia onde encontrei Arthur. No fim de tudo, Arthur tornou-se um grande amigo. Não desprezando o Ethan, afinal ele é o meu melhor amigo. Mas o Arthur acabou por me surpreender pela positiva apesar da minha primeira impressão estar correta. Ele era um mulherengo. Mas para além de mulherengo, ele era uma pessoa que se preocupava realmente com os outros. No fim aquela sua postura de machão era uma máscara para ninguém descobrir o seu lado querido e protetor. A razão para ele ser assim tinha um nome, Mila. Essa mulher fizera sofrer Arthur da pior forma possível, traindo-o com o seu irmão. Arthur nunca mais voltou a falar com o irmão. Arthur nunca mais voltou a ser aquele rapaz sensível e amável. Pelo menos não à primeira vista. Porque eu acredito, e acho que foi o que aconteceu comigo, que depois de alguma confiança, ele consegue voltar a ser um pouco do Arthur de antigamente. Pelo menos foi isso que a mãe dele me contou.

A porta da mercearia abre-se e por lá entra Freya, uma cliente diária na mercearia. Freya era uma rapariga alegre. Dona de uns cabelos castanhos encaracolados e olhos da mesma cor, Freya exalava elegância. E para aumentar a sua beleza juntava-se a sua cor de pele. Freya era mulata e dona de uma beleza que não deixava ninguém indiferente.

Arthur ficava encantado cada vez que ela aparecia. Eu muitas vezes brincava com ele e ele sempre tentava desviar o assunto. Notei que, ao contrário das outras mulheres que apareciam na mercearia, Arthur agia de modo diferente com a Freya. Acho que aquele jeito doce do Arthur que a dona Irina falava vinha ao de cima cada vez que ela aparecia.

Depois de buscar tudo o que precisava, Freya pagou e foi-se embora.

–Devias convidá-la para sair. – comentei com Arthur.

–Não digas parvoíces Alexia. – respondeu Arthur afastando-se de mim e arrumando alguma mercadoria. Fui atrás dele. Não deixaria que ele fugisse outra vez.

–Estou a falar a sério, Arthur. Por favor ouve-me. – pedi-lhe aproximando-me dele para o poder olhar olhos nos olhos – Eu sei que o que a Mila te fez traumatizaria qualquer um, faria qualquer pessoa não voltar a acreditar no amor. Mas sei também que não podes ficar eternamente preso nesse rancor. Sei também que há uma rapariga a quem tu não és indiferente e vice-versa. E em vez de estares a aproveitar isso estás aqui sem fazer nada!

–Alexia, tu não compreendes…

–Compreendo perfeitamente Arthur. Eu tive de abandonar o amor da minha vida porque fui ameaçada pela mãe dele. – desabafei sem me conter. Desde que falei com a minha mãe que o assunto Killian não era abordado. Controlei as lágrimas e prossegui - Eu perdi-o para todo o sempre mas tu tens uma nova oportunidade de ser feliz e não a queres aproveitar.

–Eu não sabia Alexia…

–Eu não ando propriamente a contar para os quatro cantos do mundo. É um assunto complicado. Mas falemos de coisas melhores. Vai atrás dela, Arthur. Convida-a para um encontro.

Arthur aproximou-se de mim e abraçou-me.

–Tens toda a razão. Obrigada Alexia. – agradeceu Arthur já pronto a sair da loja. Mas rapidamente voltou como se se tivesse esquecido de algo – A loja…

–Eu fecho-a, não te preocupes. Vai lá. Sê o garanhão que conheço.

O resto do dia passou normalmente. Quando eram sete horas fechei a mercearia.

Dirigi-me até casa. Aliás, dirigi-me até à casa de Ethan. Este ano a minha mãe e a mãe dele combinaram de passar o dia de consoada juntas. Por isso passaríamos o dia de consoada em casa do Ethan. Para melhorar a situação, o Ethan viria. Fazia mais de dois meses que não o via e já estava cheia de saudades. É verdade que já estive mais períodos de tempo sem o ver mas parece que agora era pior. A convivência diária com ele no palácio uniu-nos ainda mais.

Cheguei a casa da Diana passados quinze minutos. Bati à porta e quem abriu foi a pessoa que eu mais queria ver, Ethan. Mal tive tempo de olhar para ele porque logo nos abraçamos. Era tão bom o abraço de Ethan.

–Tenho uma surpresa para ti, pequena. – sussurrou Ethan no meu ouvido. Eu ia perguntar-lhe o que era mas não foi preciso. No meu campo de visão apareceu nada mais nada menos que Malia.

–Malia! – gritei. Saí dos braços do Ethan e corri para os braços dela – Estava cheia de saudades.

–Como é que foste capaz de ir embora sem dizer nada Alexia? Eu sou tua amiga. – reclamou Malia com a máxima razão, mas eu simplesmente não queria nem podia despedir-me de ninguém.

–Desculpa Malia, a sério. Eu tive sérios motivos para o fazer mas não quero estragar a noite de Natal com coisas tristes. Mas eu prometo que te conto, só não hoje. Hoje é um dia de festa.

Entramos e eu fui cumprimentar toda a família do Ethan. A minha mãe e os meus irmãos já lá estavam. Felizmente o meu pai não veio.

O jantar já estava pronto. Como manda a tradição, na mesa havia bacalhau e polvo cozido. Servi-me com um pouco de bacalhau, batatas e legumes. Não estava com muita fome daí coloquei pouca comida.

O jantar foi bastante animado. Parecíamos uma autêntica família. Aliás, eu considerava-os a minha família. Foi muito bom aquele momento. Pude matar todas as saudades do Ethan e da Malia. Aliás, todos os que estavam presentes naquela mesa puderam matar as saudades todas uns dos outros.

A Diana simpatizou logo com a Malia, parecia que já se conheciam há muito tempo. E isso foi muito bom. Acredito que de início o Ethan estava bastante nervoso por apresentar a namorada à família. Mas também acho que ele sabia que a mãe é uma pessoa bastante acessível e querida. Ela nunca desprezaria a Malia. Aliás, ela fez o que eu esperava. Tratou Malia como uma filha. Olhando para elas, via-se a felicidade que exalava de ambas. Da Malia por ter conhecido e ter sido aceita pela sogra e da Diana por finalmente conhecer a mulher que tão feliz faz o seu filho.

No fim do jantar reunimo-nos todos na sala. Esperaríamos pela meia-noite para abrir os presentes. Claro que todas as crianças ali presentes não gostaram de saber que ainda teriam de esperar para abrir as prendas. Mas tradição é tradição.

A dado momento, Ethan puxou-me para um canto. Eu já suspeitava sobre o que ele queria falar e, sinceramente, não me apetecia tocar naquele assunto neste dia. Eu estava a tentar esquecer-me, pelo menos hoje, da desgraça que era a minha vida.

–Pequena como estás? – perguntou Ethan.

–Eu estou bem e tu? – perguntei tentando desviar a conversa ao máximo.

–Alexia não brinques. – respondeu Ethan sério. E quando ele me chamava de Alexia já sabia que o assunto não era para brincadeiras.

–Como é que queres que eu esteja? O homem que eu amo vai-se casar com outra. – desabafei.

–Sabes bem que o príncipe não queria isso. A Rainha obrigou-o.

–E como é que tu sabes tão bem isso? – perguntei curiosa.

–Eu e o Killian tornamo-nos amigos e ele contou-me. Sabes, ele ficou furioso quando leu a tua carta e percebeu que te tinhas ido embora. Apesar, de ter percebido todos os teus motivos. Ele não consegue acreditar que a mãe seria capaz de fazer uma atrocidade dessas.

–Nota-se que não conhece bem a mãe que tem. – respondi ironicamente.

–Alexia, ele não conhecia esse lado da mãe. – ralhou Ethan – E não é querer defendê-lo nem nada mas ele não queria o casamento.

–Eu sei que ele não queria. Mas podia tê-lo anunciado mais tarde. Ethan passou-se menos de um mês e ele anuncia para todo o país que o casamento se irá realizar dentro de dois meses. Desculpa mas isso é de loucos.

–Eu já te disse, a Rainha obrigou-o a casar-se o mais breve possível. E ele também já não tinha nada a perder. O que ele mais temia perder, perdeu. Ele ama-te, isso eu te garanto.

–Oh Ethan, eu também o amo. Eu não sei se vou conseguir aguentar. – disse abraçando o Ethan. As primeiras lágrimas começaram a escorrer pela minha face. – Ele vai casar-se e não é comigo.

–Infelizmente o casamento está mais perto do que imaginas. Os dois meses que ele falou já quase passaram. Ele casa-se no primeiro dia do novo ano. Falta cerca de uma semana.

–Vês? Em uma semana perderei o único homem que amei para sempre.

–Acredita que ele está a sentir o mesmo. – disse Ethan retirando alguma coisa dos bolsos – Sabes a minha visita teve mais do que um objetivo. Claro que o primeiro foi para ver a minha família e passar o Natal com vocês mas também vim por outra razão. O Killian pediu-me para te entregar estas duas cartas. – Ethan deu-mas e foi buscar outra coisa ao bolso. Mais uma carta – A princesa soube que eu vinha a casa e quase me ameaçou para eu te trazer esta carta dela. Ela estava furiosa por não te teres despedido dela.

–É a Selena. – disse entre lágrimas e risos. – Leio-as mais tarde. Vamos voltar para perto da nossa família. – conclui.

Dirigimo-nos para perto deles. Aproveitaria esta noite perto das pessoas que amava e mais tarde me entregaria às minhas tristezas.