Tomei a decisão mais difícil da minha vida. A mais difícil mas ao mesmo tempo a mais acertada. Ao longo dos meus dezoito anos de vida acho que nunca fui feliz, não por pertencer a uma classe baixa do reino mas simplesmente porque ao longo da minha vida assisti a coisas que nem eu nem os meus irmãos deveríamos assistir. Desde nova que vi o meu pai chegar bêbado a casa e a agredir a minha mãe sem razão nenhuma. Ele dizia que ela não servia para nada que o mínimo que deveria fazer era chegar a casa depois de um dia de trabalho e entregar-lhe o dinheiro todo para que ele pudesse ir para uma taberna beber até não poder mais. Quando ela recusava já sabíamos o que acontecia a seguir. Por isso inscrevi-me para trabalhar como criada no palácio real (um dos empregos em que as mulheres ganham mais) para conseguir tirar a minha mãe e os meus irmãos daquele ambiente infernal. Ganharei um bom salário e passado um tempo comprarei uma casa para viver com a minha mãe e os meus irmãos.

-Alexia, chega aqui. – chamou-me a minha mãe.

-Diz mãe, passa-se alguma coisa? Ele voltou a bater-te? – corri preocupada.

-Não filha. Chamei-te porque acabas de receber uma carta do palácio real. Posso saber do que se trata?

-Eu ia contar-te…é que…

-Fala de uma vez por todas. Fizeste alguma coisa de grave contra a realeza e eles vêm prender-te? Não me digas que andaste a roubar! Oh Alexia sabes bem o que acontece às pessoas que são apanhadas a roubar.

-Mãe acalma-te. Achas mesmo que se fosse para ser presa eles mandavam alguma carta a avisar? Não é nada de grave. Esta carta é a resposta à candidatura que eu mandei para fazer parte da criadagem do palácio.

-Tu fizeste o quê? Mas porquê? Eu compreendo que não tenhas tido uma vida feliz aqui por tudo o que aconteceu mas mesmo assim. Aquele é um trabalho vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, só tens uma folga por mês. Que te levou a fazer isso, filha?

-Eu sei. Mas eu quero ganhar dinheiro suficiente para te tirar daqui e para que juntas possamos levar a Maria e o David para fora deste lugar. Eu sei que durante um tempo não vos irei ver mas assim que eu juntar o dinheiro necessário eu mando-to para puderes sair desta casa de uma vez por todas.

-Filha…nem sei o que dizer…Amo-te tanto. Não tinhas a necessidade…

-Tinha sim – interrompi – não consigo ver-te nesse sofrimento constante e sei que no fim teremos o nosso final feliz. Vai tudo correr bem. Agora deixa-me ler a carta, por favor.

A minha mãe entregou-me a carta e eu lia-a em voz alta:

Senhorita Alexia Viviane Jones Gomez

É com prazer que lhe mandamos esta carta para a informar que foi aceite para trabalhar no palácio real.

Aguardamos a sua presença amanhã na entrada do palácio real, o Grande Portão Dourado, às 9h em ponto.

Cumprimentos,

A governanta, Genoveve

-Consegui! Mãe, consegui o emprego! – abracei a minha mãe.

-Estou feliz que tenhas conseguido.

-Que barulheira é esta? Uma pessoa chega a casa e é isto?

O meu pai tinha acabado de chegar. Logo hoje que ele devia de chegar à hora do costume é que ele chega mais cedo? Uma pessoa não pode ter um momento de felicidade que ele aparece e estraga tudo.

-A Alexia arranjou um emprego na casa de uma família rica para conseguir um dinheiro extra. - disse a minha mãe, mas deixou-me confusa. Uma família rica? Era a família real!

-Que bom, aleluia que essa garota faz alguma coisa de jeito. Espero bem que o dinheiro chegue cá – disse o meu pai em tom ameaçador – e de preferência que não sejas despedida por andares-te a atirar ao filho dos patrões. Quer dizer, isso até era capaz de resultar. Seduzias o filho dos patrões e eu teria dinheiro até ao fim dos meus dias.

Espero bem que o fim dos teus dias chegue rápido – pensei – como é que ele era capaz de dizer isso à sua própria filha, dizer-me para seduzir um rapaz por interesse. Ele mete-me nojo. Nem vou responder a isto se não quem paga é a minha mãe.

-É um casal de idosos, não têm filhos, mas mesmo assim a Alexia ganhará algum dinheiro – respondeu a minha mãe com a maior das calmas. Ela surpreendia-me todos os dias. Foi capaz de enganar o meu pai tão bem

Seguimos as duas para o meu quarto onde preparamos a minha mala de viagem.

-Mãe, obrigada por não teres dito a verdade. Assim conseguiremos juntar o dinheiro para sairmos desta casa de uma vez por todas.

-Claro que sim, mas não te esqueças de mandar uma parte do teu salário para continuarmos a enganar o teu pai porque se ele descobre a verdade eu nem sei o que nos acontecerá.

Eu imaginava o que nos poderia acontecer. Provavelmente a minha mãe não sobreviveria e isso era uma coisa que eu nem queria pensar. Aliás tinha de ter pensamento positivo, tudo ia correr bem.

Ouço a porta do meu quarto a abrir, olho para trás e vejo que são apenas os meus irmãos

-Alexia que estás a fazer? Vais embora? – perguntou a Maria preocupada.

-Maria, a mana vai estar fora uns tempos para conseguir dinheiro e… - não! eu não podia contar a verdadeira razão de ir trabalhar. Eu gosto muito dos meus irmãos mas só a ideia de eles, com a sua inocência (Maria tem 12 anos e David 10), descaírem-se em frente ao meu pai…meu Deus nem sei que aconteceria.

-E? – pergunta Maria tirando-me do pensamento.

-E vou ter muitas saudades vossas. Espero que se portem bem e obedeçam sempre à mãe.

-Sim Xia, nós prometemos – disse David. Xia era a alcunha pela qual os meus irmãos me tratavam. Oh, como eu ia ter saudades deles.

-Pronto. Agora os meus meninos precisam de ir dormir porque já é tarde e amanhã há aulinhas. Mas antes…abraço de urso. – e neste instante eles correm para mim e me dão um abraço forte que certamente lembrarei todos os dias que passarei no palácio.

-Dorme bem Xia e liga todos os dias. – Maria diz indo-se embora com David.

-Alexia é melhor deitares-te que amanhã vai ser um longo dia. A mala já está pronto. – a minha mãe diz já em lágrimas – e espero que corra tudo bem. Amo-te.

-Também te amo mãe. – digo abraçando-a.

A minha mãe despede-se e sai de seguida deixando-me sozinha. Deito-me e adormeço pensando como será o próximo dia.