Gabriel

Ele se lembra de como surgiu. Lembra-se do sussurro suave de sua mãe e da brisa quente e confortável em suas asas. Seu nome foi sobrado em seus ouvidos e ele sorriu leve (nada parecido com o sorriso que teria depois de seis mil anos). Sentou-se no vazio e sua imaginação expandiu-se incrivelmente rápido. Em contraste, as asas douradas tremeram, ansiosas para um primeiro voo. Ele ficou de pé, ou o que aquele grande oco no meio do universo permitia; ele mais parecia estar flutuando no espaço. Seus olhos roxos observaram tudo tão rápido que mal tiveram tempo de processar a risada engasgada de outro companheiro que, com tanta imaginação quanto ele, criava pequenos objetos fofos e brancos, pulando neles como trampolins. Mais tarde, eles chamariam aquilo de nuvem.

Seu irmão ria abertamente, soprando uma nova nuvem a cada pulo. As asas douradas batendo conforme a brincadeira. Ao seu lado, haviam mais dois; estes, riam divertidos com as travessuras do criador de nuvens. Nomes soprados em sua mente trouxeram o reconhecimento da indentidade de seus irmãos.

Michael, Uriel e Raphael.


Gabriel esticou a mão e pegou um pequeno sopro fofo feito pelo irmão de cabelos avermelhados; mas não era como um vermelho forte e que fazia-lhe doer os olhos, eram como os raios solares em um final da tarde. Ele virou-se, sorrindo. Pulou uma nuvem. Voou mais um pouco e se agarrou ao irmão, que lhe abraçou. E Raphael tinha os melhores abraços no céu, sempre os teve.

As línguas, naquela altura, ainda não haviam sido inventadas. Os quatro primeiros príncipes celestes, no entanto, pareciam se comunicar muito bem. Se assemelhavam à crianças travessas que estavam aprontando sem o olhar severo de sua mãe. Eles correram, riram e imaginaram. Eles eram como crianças e, os melhores jogos eram inventados por Raphael, que junto de Michael, liderava os irmãos. Nunca se cansavam e, como tempo ainda era fluído, não se sabe se havia passado uma hora ou uma década. Eles apenas voavam e riam. Ainda tinham sua inocência de que, em algum momento, tarefas destinadas a eles seriam suas únicas vertentes.

E Gabriel se lembra de quando seu nome soou na boca de Uriel pela primeira vez. Era seu irmão sábio, foi o primeiro a acordar e, apesar de não ser bom com liderança, era o conselheiro. O nome de Gabriel soou em sua língua com gentileza e força, a frieza que apenas um irmão mais velho teria ao notar que o caçula estava encrencado. Liderados por uma comotiva no espaço, Michael soou mandão. Ele foi o segundo e tinha o dom da ditar ordens, mas era tão frágil quanto uma flor. Abraçado à Raphael, que tinha aquele sorriso travesso e amor irradiando em seus poros. Sua voz soava como o suave e belo arco-íris.

E quando suas línguas desenrolaram a fala, uma luz formou-se diante deles. Ela era a luz; aquela que lhes deu vida. O alfa, beta e ômega. A adoração dos quatro irmãos era esperado e, como uma mãe deveria ser, Ela os abraçou. Gabriel, o mais novo, se permitiu fechar os olhos para a sensação quente.

Uma mão diferente o alcançou e, olhos dourados lhe encaravam com carinho. Raphael o puxou para perto e Gabriel se permitiu ser abraçado. Michael, em sua carência, agarrava o irmão com todo o amor que ele irradiava, buscando o controle do que um dia ela nunca mais controlaria. Uriel, em pé, rodeou o pescoço de Raphael por trás e deixou sua cabeça descansar em seu ombro. Encolhidos, eles recebiam as regras de sua mãe e sorriam satisfeitos com as tarefas que lhes eram designadas.

Foi quando, respeitosamente, Gabriel apontou as nuvens e disse animado como Raphael havia as soprado. Ela elogiou-os, afirmando que, como a primeira criação de seu enorme projeto havia sido as nuvens, estas formariam seu lar. Animado, Gabriel pediu para Raphael lhe ensinar, o que foi feito de bom grado pelo mais velho. Nuvens nasciam, formavam sua casa. Eles chamaram de Céu, e olhando para a mãe, esperaram a aprovação. Ela concedeu sua benção. Ali, era criado as primeiras moléculas do que seria um grande plano divino.

No começo, não havia muito trabalho a se fazer. Então, Gabriel se lembra bem, quando as nuvens cobriram tudo e a luz de sua mãe iluminou a escuridão, eles brincaram como crianças. Michael geralmente ditava ordens e regras, Uriel tinha a paciência de entender e Raphael, o mais criativo, inventava jogos e mais jogos. Em um desses jogos, Gabriel riu tanto que sentiu sua barriga doer, em um termo mais humano para o melhor entendimento.

Então, quando eles menos esperavam, sua mãe trouxe mais irmãos para casa. Todos tinham sua essência única e, Raphael, animado, inventou mais jogos. Gabriel se lembra de um pequeno e brilhante irmão, com cabelos de prata e pó do azul do mar cobrindo seus olhos. Ele era o mais encantado com os jogos de Raphael, e seu irmão, o mais motivado pela adoração daquele anjo. Em pouco tempo, tornaram-se tão inseparáveis que era apenas difícil distinguir suas essências. Sua mãe escolheu o nome para aquela pequena semente: Aziraphale. Gabriel, particulamente, gostava dele. Ele mantinha os olhos de seu irmão tão brilhantes quanto o ouro que em pouco tempo cobria as ruas de seu lar. Crianças feitas pela essência do amor que corriam e corriam pelos céus.

E então, o trabalho chegou. E era bonito. As mãos de sua mãe mexiam-se e formavam galáxias. Gabriel ajudou, mas houve um momento em que, ajudando no trabalho, o Arcanjo se machucou.

E quem o remendou fora Raphael.

Agora, havia outro jogo que ele inventara: se há um machucado, ele iria remendar. E então, Raphael se tornou um curador.

Seis mil anos mais tarde, não haveria curadores no Céu. Os machucados de Gabriel continuariam abertos e ele teria apenas o fantasma das mãos ágeis de Raphael o remendando.

O Arcanjo continuou curando e, sentindo-se entendiado quando seu jogo não ia bem, ele soprou um pequeno ponto brilhante, assim como havia feito com as nuvens. Aziraphale, rodeando aquele ponto de luz no espaço, ria do novo jogo. Gabriel observava a cena, achando graça. O Principado, relativamente mais novo e mais fraco do que os quatro príncipes celestes, impressionava-se com tudo. Raphael, satisfeito, presenteou o ponto brilhante para Aziraphale, que pegou com as mãos. Ele perguntou se poderia ter mais.

Gabriel sentou-se e observou Raphael fazer um truque bobo, tirando um ponto de luz de trás da orelha de Aziraphale. O Principado riu tão gostosamente que o Céu tremeu em harmonia. A voz cortou o local, pedindo para Raphael o ensiná-lo.

Em seus jogos e truques, as estrelas foram criadas. E como todas as criações do anjo de cabelos ruivos, sua mãe se agradou. E Raphael, orgulhoso de seu trabalho, liderou uma tropa de anjos e ensinou-lhes como criar. Ali, havia se tornado um construtor.

Gabriel amava seu irmão e tudo ia bem para ele, para o Céu e para seu pequeno e frágil Principado. Contudo, a história não termina aqui, porque o mais novo dos príncipes, com seu olhar atento e inocente, notou um sentimento distinto assolar o amor de todos. Gabriel viu Lúcifer, com seu sorriso calmo, encarar a rotina de seus irmãos. E então, ele ouviu o anjo, que deveria guiar o coral de adoração, inventar um novo jogo que de longe era tão divertido quanto os de seu irmão.

Esse jogo se chamava questionamentos.

E Raphael, que amava jogos, iria jogá-lo sem ler as regras.

Porque quem lia as regras era Uriel.

E quem as ditava era Michael.

Gabriel, no entanto, era o mais novo. Ele apenas esperaria para jogar com seus irmãos mais velhos.