Michael


Sua espada colidiu contra a de Lúcifer, gritando em pavor. Era comum, em dias tempestuosos, eles brigarem. Michael ditava as regras no lugar da mãe, mas Lúcifer, que era tomado por algo desconhecido pela pureza dos anjos, não aceitava. Os questionamentos começaram inocentes, como "Porque não podemos subir até onde a mãe está?" ou "Porque devemos seguir regras se temos o livre arbítrio que Ela nos concedeu?"

O jogo era simples. Faça perguntas e chegue a uma resposta.

As respostas eram variadas e, conforme pensavam e pensavam, mais nervosos e irritados ficavam. Isso porque, respostas em sua maioria nunca eram exatas. Eram tão vagas quanto o propósito divino. Michael se lembra de ter Aziraphale em seu leito, incerto. O pobre Principado, que seguia Raphael por onde ele fosse, não era tão bom no jogo quanto o Arcanjo. E o anjo sentia-se ressentido e jogado de lado sempre que via Raphael rir e jogar com aquele grupo excepcionalmente diferente do céu.

E Michael, irado, lutou contra Lúcifer. Pediu para ele encerrar o jogo; estava passando dos limites.

Veja bem, Michael, apesar de seu rosto e jeito demonstrarem tão bem seu ar de liderança e personalidade fria e rígida, era tão sensível quanto um pequeno broto de uma planta nascendo na areia vermelha. E quando se sentia inseguro, era tomado por Ira. E ele havia ficado em pânico quando notou seu irmão Raphael participar dos jogos de Lúcifer; Michael nunca lutaria com Raphael. Ele, apesar de mais novo, era o que o segurava em um abraço contra o peito e cantarolava poemas inventados. Michael gostava de vê-lo trabalhar e se sujar com poeira estelar. Gostava de observar o quanto ele amava seu lar e amava seu pequeno e gentil Principado.

Em uma de suas observações, viu Raphael deixar cair um pouco de poeira estelar no chão. Michael fez uma careta para a bagunça mas, rapidamente, seu irmão travesso contornou a situação. E então, havia um objeto no lugar da sujeira em poucos segundos.

"O que é isso?" perguntou, chegando perto. Raphael pegou o objeto e ergueu, fazendo um bico pensativo.

"Geralmente, Metatron que é bom com nomes, mas podemos nomeá-lo se quiser. Porém... eu sinto que falta algo." ele admitiu. Michael observou, passando o dedo pelo objeto com cuidado. Havia um cabo e uma lâmina. Era prateada, como as estrelas. Seu toque tremeu o objeto e Raphael soltou-o no chão. Os dois Arcanjos pularam.

Estava pegando fogo. Mas não era um fogo mortal que os amedrontava, era quase como...

"Fogo santo. Inofensivo, espero." Raphael disse, pegando o objeto. "Acho que está pronto. O que acha que se parece?"

"Eu-Eu não s-sei..."

Michael nunca foi muito criativo. Ele era correto e reto. Ditava ordens e este era seu dom. Raphael sorriu quando notou o nervosismo do irmão. Ele era rígido mas inocente. Empunhando o objeto revestido pelo fogo santo, puxou Michael para um de seus abraços. Abraço este que foi aceito com bom grado. O Arcanjo mais velho escondeu o rosto no peito do curador e respirou sua essência. Aquilo era calmante. Michael não sabia o que faria se não tivesse Raphael para lhe abraçar.

"Acho que espada é um bom nome." o arcanjo de cabelos ruivos murmurou. "É sua, se quiser. Não vejo a utilidade dela para mim."

Michael se afastou, observando a espada.

Espada essa que agora cortava os céus em uma batalha intensa.

Do alto das nuvens não se podia enxergar os olhos de seus irmãos observando a tempestade. Michael rodopiou com brandura, empunhando sua espada flamejante. Não era para acertar Lúcifer, era apenas para afastá-lo. Mas não foi assim.

O fogo, em si, não os machucava, contudo, então, algo ocorreu dessa vez. A espada tocou as asas do anjo e este, gritou em agonia. Michael deixou sua espada cair e viu Lúcifer desabar. O Arcanjo, de olhos arregalados, voou para tentar alcançar o irmão mais novo. Esticou sua mão e viu nos olhos de Lúcifer lágrimas se formarem. Olhava diretamente para ele. Seus olhos foram tomados pelo vermelho sangue e, Michael conseguiu apenas tocar as pontinhas dos dedos de Lúcifer antes que ele atravessasse a barreira de nuvens e desabasse para o lago de enxofre.

O Arcanjo ajoelhado colocou a mão no rosto, com medo do que fez. O pior foi ver que logo após a cena de Lúcifer, algo começou a ocorrer. O primeiro grito o fez olhar para o lado e se levantar tão rápido que ele quase desabou em sua perfeição. As asas de seu irmão estava pegando fogo e este, fora engolido pela nuvem. E caiu, como um cometa. Michael gritou, chamando por ajuda, não entendendo o que estava ocorrendo.

Seus olhos, então, pousaram na pior das cenas que ele poderia presenciar.

Aziraphale, o jovem e fragilizado Principado, orava e clamava pela mãe enquanto agarrava as vestes de Raphael. Michael paralizou quando viu o irmão sufocar um grito de dor. Não, não, não... não vá, não vá.

Talvez, pela demora e pelo empedimento de Aziraphale em deixar seu amado cair, foi que se preservou algumas memórias e sentimentos no demônio que ele se tornaria. Afinal, Raphael não teve sua queda de maneira correta.

Sussurrava palavras de conforto ao Principado, que parecia muito destinado a não largá-lo e soluçava orações tão fortes que o Céu tremia. Michael pôde ler as palavras dos lábios do irmão. Amor, jogos, irmãos.

E então, Raphael empurrou Aziraphale para longe dele.

Michael gritou o nome de seu irmão, mas seus esforços foram insuficientes quando Raphael foi engolido pela nuvem e caiu para sua sentença. Ele ao menos o encarou, mas Michael sentiu em sua alma a dor de sua perda. Ele quis cair também. Ele quis ir junto. Uriel e Gabriel surgiram, tão horrorizados quanto. Seguraram Michael, que se debatia histericamente.

Foi como perder uma parte de si.

Gabriel soluçou tão alto que os anjos restantes não quiseram interferir, apenas observavam a tristeza e lamentavam. Mais e mais questionavam-se e, conforme os gritos de dor eram ouvidos, outros se afastavam tão assustados que tropeçavam em suas asas e clamavam misericórdia. Uriel mantinha o rosto assustado, mas não chorava. Seu corpo rígido tremia e sua alma doía.

"U-Uriel, o Rapha-" Gabriel gaguejou, aterrorizado.

"Me deixe ir! Me deixe ir!" Michael berrava, tentando se soltar dos irmãos. Uriel segurou-o ainda mais forte, olhando em volta.

Quantos haviam caído?

Quantos haviam entrado nos jogos de Lúcifer?

Foi quando algo ocorreu.

O grito de dor alto e insuportável, que fez Michael, Uriel e Gabriel cairem de joelhos e cobrirem os ouvidos. A expansão de poderes tão dolorosa e pura que os anjos restantes sentiram suas espinhas se contorcerem.

De joelhos, Aziraphale gritava pela falta de Raphael.