Aquela informação mais surpreendia Will do que o assustava. “Esse plano deve ser muito maior do que estamos pensando” anotou em sua mente. Se inclinou na mesa juntando as mãos, enquanto conectava todas as informações.

– Eu preciso falar com Halt. – Will já estava escondendo segredos demais de seu mestre. Porém Aeron não concordou.

– Will, ele é um arqueiro do rei! Não vai aprovar que você ajude um bando de ladrões. – O arqueiro franziu o cenho ao escutar o rapaz.

– Eu também sou um arqueiro do rei, Aeron, e nem por isso eu aprovo o que está sendo feito com o povo. Não somos assim. – Will encostou suas costas na cadeira soltando um longo suspiro. – E também... toda vez que eu tomei uma decisão sem o consentimento dele, algo deu errado.

Aeron balançava a cabeça enquanto o arqueiro falava.

– E se ele disser não? – Indagou enquanto tomava um longo gole de cerveja.

– Ele não vai. – O garoto cruzou os braços e olhou para o teto imaginando o que seu mestre acharia daquela conversa.

– Não! Não e não! – Halt tinha uma expressão de indignação estampada em seu rosto, como o garoto nunca havia visto antes. Andava de um lado para o outro no quarto enquanto o rapaz estava sentado na cama de braços abertos.

– Por que não?!

– Will, você perdeu o juízo? – Halt caminhou para perto do aprendiz como se não quisesse que ninguém no castelo escutasse. – Se aliar com ladrões? Eu estou mesmo ouvindo isso de você?

– Não é uma má ideia. – Halt deu de costas com a mão na cabeça enquanto pensava no que seu aprendiz dizia. Will se pôs de pé. – Eles não são ladrões, são pessoas que querem ajudar o povo que sofre.

Seu mestre revirou os olhos ao escutar e voltou a encarar Will.

– Eles roubam? – Indagou enquanto fixava o olhar no rapaz.

– Sim, mas...

– Então são ladrões! – Halt voltou a se aproximar. – Will, somos arqueiros. Não podemos nos misturar com ladrões, se Crowley descobrisse...

– Henry está envolvido. – O garoto interrompeu, fazendo Halt se calar. – Nossa missão é pegá-lo, não é? Custe o que custar.

– Como assim? Como ele está envolvido? – O velho arqueiro cruzou os braços sem desviar o olhar do aprendiz.

– A corporação dos ladrões está em guerra com outra em que Henry se envolveu recentemente. – Esclareceu.

– Que outra? – Indagou Halt.

– A corporação de assassinos. – O velho arqueiro respirou fundo e olhou para cima.

– Essa missão fica cada vez mais divertida, não? – Halt voltou a andar pelo quarto e ficou alguns minutos em silêncio enquanto Will o acompanhava com o olhar. – Está bem, está bem... podemos ajudar. Porém, eu não vou poder colocar isso no relatório da missão, entendeu? Nem Crowley e nem ninguém vai saber disso.

Will assentiu sutilmente, sabia que estava obrigando o mestre fazer algo que ele não concordava, porém era o meio mais rápido de chegarem até Henry.

Houveram batidas na porta do quarto e ambos se colocaram em disposição. Ao se abrir revelou o corpo magricela e pálido do jovem Aeron entrando nos aposentos.

– Ahm... senhores arqueiros, fui enviado para confirmar se tudo anda de acordo ao agrado de vos...

– Aeron. – Will interrompeu. – Ele sabe.

O rapaz expirou se apoiando nos joelhos.

– Ainda bem, eu não sei porque, fazer isso sempre me deixa nervoso. – O garoto se apressou em fechar a porta e rapidamente voltou-se para os dois arqueiros à sua frente. – ...E então?

Halt tomou a frente na conversa.

– Olha, rapaz, eu vou deixar claro desde já que não gosto nem um pouco do trabalho de vocês. Na minha opinião são apenas desorientados buscando uma vida fácil. – Aeron abriu a boca para responder, mas Will o censurou de longe. – Porém, infelizmente, ajudar vocês, cooperaria com nossa missão.

O jovem ladrão respirou fundo, e manteve uma expressão séria o tempo todo.

– Isso é um sim?

– Acredite, é um sim. – Respondeu Will.

– Ótimo! Haverá uma reunião da corporação nessa madrugada, me encontrem na frente do castelo a meia noite. Conseguem sair daqui sem serem vistos? – Halt suspirou.

– É a nossa especialidade. – Retrucou.

– Então não haverá problemas! – Exclamou com um largo sorriso no rosto.

– Precisamos levar alguma coisa? – Indagou Will, Aeron apenas deu de ombros.

– Deixem o ego no castelo, ajudaria bastante. – O rapaz saiu do quarto deixando os arqueiros a sós novamente. Halt se voltou para Will com uma sobrancelha levantada, Will o encarou com o canto do olho.

– Vai ser uma longa noite. – Comentou o garoto com um suspiro.

A Lua já estava próxima de seu ponto mais alto, quando duas figuras encapuzadas se colocavam diante do castelo.

– Isso é ridículo. – Comentou Halt.

– O que é ridículo? – Indagou Will. - O fato de estarmos realmente indo adiante com esse plano ou...

– Aeron parado atrás daquela árvore tentando nos surpreender. – Interrompeu.

– Achei que fosse isso. – Respondeu Will segurando a risada.

O ladrão se colocou a luz, envergonhado, se deixando revelar.

– Vocês são bons. – Comentou. – Me acompanhem, a reunião não é longe daqui.

Caminharam os três entre árvores e pedras até uma cabana de madeira pequena e simples. Haviam vários cavalos descansando e era possível ouvir inúmeras vozes saindo de lá de dentro. Aeron se aproximou, retirou uma chave do bolso e abriu a porta, gesticulando para que os arqueiros entrassem primeiro.

Halt tomou a frente e entrou na cabana, logo atrás Will seguia um tanto hesitante.

O lugar estava em festa, haviam homens e mulheres bebendo, rindo e contando piadas. Alguns dançavam freneticamente ao som de uma viola tocada por um homem bêbado em notas descompassadas, outros cantavam músicas diferentes ao mesmo tempo enquanto se entupiam de comer.

– São um bando de malucos. – Will comentou para si mesmo ao olhar em volta.

– E você se surpreende? – Retrucou Halt.

Aeron passou pelo dois, subiu em uma mesa alta e começou a falar.

– Pessoal! Pessoaaaaaaaaal! – Gritava para conseguir a atenção de todos, depois de alguns minutos a cabana ficou em silêncio. – Temos visitas hoje. – Declarou enquanto indicava Will e Halt com a mão, fazendo com que todos os olhares se voltassem para eles. – Eles são arqueiros. – Neste momento vários protestos começaram e o rapaz teve que levantar o tom de voz – Estão aqui para nos ajudar!

– Ajudar em que, Aeron? – Retrucou uma garota de cabelos alaranjados, olhos negros e portadora de uma grande indignação.

– A parar de morrer. – Exclamou Will que já estava cansado de toda aquela gritaria.

– Exatamente. – Continuou Aeron. – Precisamos aceitar que esta guerra com os assassinos está acabando conosco! Já perdemos muitos amigos para eles pela nossa falta de preparação. Precisamos fazer algo a respeito.

Houveram alguns murmúrios isolados e conversas ocorrendo paralelamente. A menina ruiva se adiantou até os dois arqueiros mantendo um ar soberano.

– Para nos treinar, precisamos de alguém que seja melhor que nós. – Provocou.

Halt esboçou um sorriso no rosto entendendo o desafio, tirou o seu arco das costas, deixando alguns ladrões alarmados, pegou rapidamente uma flecha da sua aljava e atirou em uma caneca de cerveja há poucos centímetros da perna de Aeron sem mesmo olhar para o alvo. A menina olhou boquiaberta para o acontecido.

– Creio que isto seja seu. – Disse o arqueiro com um grampo na mão. A menina levou as mãos até os cabelos e percebeu que, de fato, aquilo lhe pertencia, Halt havia pego sem que ela notasse.

A garota pegou o grampo, deixou um sorriso tomar seu rosto sério e assentiu. – Que comece o treinamento.

Houveram alguns sons de “vivas”, comentários empolgados e alguns hesitantes.
– Acho que gostaram de vocês. – Comentou Aeron, surgindo subitamente entre os dois.

– Avise a todos – Halt voltou a falar, fixando seu olhar no jovem ladrão. – Que eu quero cada um presente e disposto assim que o sol nascer, do lado de fora desta cabana. Estou... curioso, para conhecer suas habilidades. – Aeron assentiu e correu para o meio de seus amigos para passar a mensagem adiante. – E você... – Se virou para Will. – Não vou deixar seu treinamento de lado, é muito mais importante que você saiba se defender do que eles.

O aprendiz concordou e se retirou da cabana junto de seu mestre para voltar para o castelo. No caminho, o rapaz manteve a cabeça cabisbaixa e o olhar fixo no chão o tempo todo.

– Pergunte. – Lançou Halt, subitamente.

– O que? – Indagou Will.

– O que você quer perguntar. Eu conheço essa expressão. – O rapaz fechou os olhos tentando organizar o pensamento de forma clara, porém começou a falar tudo que pensava sem pausas.

– Estamos fazendo algo errado? Passando para eles o que sabemos? Por que se Crowley não pode saber disso, deve ter um motivo, não? E se eles usarem mal a informação que passarmos? Nós não fazemos nada de ruim por que somos arqueiros, eles são ladrões. Faz sentido, não faz? .... Por que eu acho...

– Will! Respira. – Interrompeu Halt, levantando a mão pedindo calma. – Eu não vou ensinar nada muito avançado para eles. Apenas algumas técnicas de se movimentar junto da sombra e do vento, utilização de sentidos... coisas simples que você fazia quando era criança. Afinal, nosso maior interesse é a aproximação de Henry, se eles estão ligados à corporação que ele está vinculado, teremos chances maiores de encontra-lo. Esse é o único motivo de eu ter aceitado esse plano.

O aprendiz concordou se sentindo mais aliviado com aquela informação.

Na manhã seguinte, Will acordou com um bilhete ao lado de sua cama, seu mestre pedia para que não comparecesse no treinamento dos ladrões e desta forma o encobrisse caso alguém notasse sua ausência. Pedia também para que fosse até o jardim do castelo treinar sua pontaria durante algumas horas, havia conseguido uma autorização temporária do rei para que o garoto pudesse andar armado. O aprendiz queimou o bilhete na lareira de seu quarto para que ninguém o encontrasse, pegou seu arco, sua aljava e sua capa, e desceu as escadas até o jardim.

Will não teve muito tempo de reparar na beleza natural daquele lugar da última vez em que lá esteve, pois perseguia Aeron incansavelmente. Mas agora, conseguia reparar nas esculturas detalhadas, no formato das árvores, diversos tipos de flores e borboletas reinavam em um grande mundo verde. Era de tirar o fôlego.

O garoto ficou de frente aos alvos que haviam ali para o treinamento dos arqueiros do reino. Já havia bastante tempo que não utilizava o arco, tirou-o de suas costas e pegou uma flecha em sua aljava, se colocou em posição para atirar, porém, ao puxar o elástico do arco para trás sentiu uma pontada terrivelmente forte em seu ombro esquerdo, o que o fez desistir da ação.

“Essa droga de ombro ainda dói” pensou enquanto respirava fundo até a dor cessar. Balançou a cabeça e decidiu insistir, pegou a arma novamente, posicionou a flecha e puxou-a para trás ignorando a forte pontada que sentia. Ao soltar acabou atirando bem longe do meio do alvo.

– Está tudo bem, Will? – O rapaz se assustou com aquela voz conhecida, era Gilan, logo atrás dele.

– Gil! O que faz aqui? – Indagou enquanto abria um sorriso ao ver o antigo aprendiz de Halt.

– Horace e eu encontramos algumas informações sobre Henry e decidimos vir falar com seu mestre. – Respondeu devolvendo o sorriso caloroso do rapaz.

– Halt foi até um lago na floresta, precisava esfriar a cabeça. Logo deve estar de volta. – O garoto olhou para os lados no jardim. – Onde está Horace?

– Foi descansar, tivemos uma luta difícil próximo deste reino, ele está se recuperando. – Gilan fez um gesto para que Will não se preocupasse e rapidamente mudou de assunto. – O que houve com o braço?

– Levei uma flechada no ombro. – Respondeu Will enquanto apoiava sua própria mão sobre ele esperando a dor passar. - ... Henry.

– Vocês encontraram ele?! – Gilan ficou alarmado.

– Na verdade, ele nos encontrou. – Will respirou fundo ainda se lembrando do sonho que havia tido. – Mas tudo bem, da próxima vez não vai ser tão fácil.

Gilan assentiu e se aproximou de Will.

– Vai ser fácil se você não estiver conseguindo atirar. Onde dói? - Will apontou o ombro esquerdo, na parte mais alta do osso. – Vamos ver, tente levantar menos o braço na hora de puxar a flecha, ao invés de apoiar a mão na sua boca, apoie mais perto do queixo. Você vai ter que usar mais o seu instinto para conseguir acertar o alvo, porém, será mais certeiro do que atirar com dor.

Will seguiu a dica de Gilan, e tentou atirar com a braço um pouco mais baixo, a dor que sentiu foi quase mínima e pôde se concentrar melhor no alvo, ao atirar acertou bem mais perto do que havia sido anteriormente.

– Melhor... – Comentou para si enquanto analisava o resultado.

– Agora sabe o que fazer não, é? – Gilan indagou e Will assentiu. Ambos sorriram e falaram em coro.

– Treinar e aperfeiçoar! – Riram juntos até que Will decidiu fazer uma nova pergunta.

– O que vocês descobriram na missão?

– Descobrimos onde Henry vai estar em dez dias, e acho que temos um plano para pegá-lo dessa vez.