Will conseguiu encobrir a ausência do mestre até sua chegada atrasada na sala do trono. O velho arqueiro possuía olheiras enormes sob seus olhos penetrantes que encaravam seu aprendiz, como se estivesse ansioso para contar ao rapaz algumas novidades. Para a infelicidade do garoto, não conseguiram trocar muitos olhares pois o Rei Marcos III já estava de braços abertos e utilizando de seu tom alegre novamente.

– Finalmente, Halt! É bom vê-lo, se estava precisando acalmar os nervos podia ter conversado comigo, eu tenho os melhores massagistas que o senhor poderia encontrar em qualquer reino em menos de 20 quilômetros! – Halt olhou rapidamente para Will que deu um leve balançar com a cabeça, comprovando que não era nenhum truque do rei de pegar os dois na mentira.

– Eu não queria incomodar, Majestade. – Foi então que o arqueiro notou a presença de Gilan e Horace na sala. – Ah! Já voltaram? Espero que com boas notícias. - Gilan apenas deu de ombros.

– Temos algumas notícias, não sei se podemos classifica-las como boas, mas de qualquer forma já é alguma coisa. – O arqueiro abriu um mapa sobre a mesa que ficava diante do trono e começou a apontar diversas regiões próximas ao reino. – Encontramos vestígios do grupo de Henry nos arredores de Akasun.

– Presumo que não seja coincidência. – Comentou Halt.

– Não, não é. – Gilan voltava a dizer. – Acredito que ele saiba que vocês estão aqui, porém ainda não possui um plano de ataque, o que nos deixa em vantagem. Podemos bolar algo para ataca-los antes que venham.

– E também... – Horace se incluía na discussão. – Eles não sabem que nós sabemos que eles estão por perto, vai ser um ataque inesperado.

– Eu não sei não, Gil. – Interrompeu Will. – Eu sei que não sou a melhor pessoa para dizer o que Henry faria ou deixaria de fazer, mas pelo pouco que eu conheço dele, ele não é um homem de deixar vestígios para trás.

Halt concordou imediatamente com seu aprendiz.

– Will tem razão, não podemos esquecer que ele é quase um arqueiro formado, e tão bom quanto qualquer um de nós. Ele não faria isso a não ser que quisesse ser encontrado.

Alguns longos segundos de silêncio tomaram conta do aposento e todos apenas olhavam para o mapa buscando alguma resposta óbvia que não haviam visto ainda.

– De qualquer forma... – Gilan voltava a falar. – Henry pode ser o melhor arqueiro do mundo, não conseguiria combater todos nós de uma vez.

O arqueiro não sabia que Henry não estava sozinho por aí, foi então que Will abriu a boca para falar sobre a corporação de assassinos que o acompanhava, mas foi censurado por um gesto singelo de Halt e assim a sala mergulhou em silêncio novamente.

– Pois bem, Gilan! – Halt exclamou subitamente. – Você tem toda a razão, só precisamos pensar em um ataque mais esquematizado para que nada dê errado. Imagino que Horace e você possam fazer isso com excelência, certo? – O guerreiro e o arqueiro concordaram juntos.- Muito bem, reunião encerrada! Vocês dois projetem este plano minunciosamente enquanto Will e eu treinamos. – Encerrou Halt, fazendo uma referência ao Rei Marcos III que se manteve calado apenas observando o mapa durante toda a discussão. – Majestade.

Todos repetiram o gesto e se retiraram do local. Poucos passos de distância da sala do trono, Gilan se adiantou até Halt franzindo a testa.

– Mas o que foi aquilo? – Indagou tentando entender a atitude de seu antigo mestre.

– O rei não pode saber de tudo que está acontecendo por aqui, Gil. Vamos até o jardim, fingiremos que estou treinando o Will enquanto lhe conto tudo.

Ao chegarem na área de treinamento notaram que estava quase vazio, apenas alguns cachorros correndo atrás de seus rabos e nobres damas cochichando enquanto encaravam o arqueiro mais novo. Aquilo o incomodava. Will pegou seu arco e começou a treinar a mira do modo que Gilan havia ensinado. Enquanto isso, Halt explicava para os dois recém-chegados tudo que havia acontecido nos últimos dias.

Gilan esbugalhou os olhos assim que seu mestre terminou sua explicação.

– Vocês estão treinando ladrões para agir como arqueiros?! – Halt ergueu uma das mãos o interrompendo.

– Não é nada além do básico. Mas eu preciso dizer, nem tudo está perdido, eu fui até o acampamento deles esta manhã, e alguns deles... – O arqueiro teria terminado a frase se uma flecha de Will não tivesse escapado e passado perto de sua cabeça. Os três se viraram para ele. – Está querendo me matar?

O garoto, envergonhado, apertava o próprio ombro com sua mão.

– Desculpe, Halt, eu achei que meu ombro aguentaria dessa vez.

– Ainda dói? – Indagou o velho arqueiro.

– Só quando eu tento lançar uma flecha. – Halt balançou a cabeça assentindo.

– Então não é problema, quase nunca te vejo fazer isso direito. – Retrucou. Will abriu os braços com indignação.

– Desde quando você me ataca com ironias?!

– Desde que você quase me matou com uma flechada! Concentração, Will, e você não vai errar. – O rapaz baixou a cabeça e voltou a treinar sua mira.

Gilan que segurava um sorriso no rosto durante todo o momento tomou a frente na conversa tomando todo o cuidado para que o arqueiro mais jovem não o escutasse.

– Por que acha que Henry quer mata-lo primeiro? – Halt suspirou dando de ombros.

– Henry é uma criança mimada, sempre foi assim. Nunca soube aceitar um conselho meu de verdade, não que nem você e o Will, pelo menos. – O arqueiro olhava para cima como se conseguisse ver os olhos jovens de seu aprendiz rebelde. – Eu fiz de tudo para que ele se tornasse o melhor arqueiro possível, talvez este tenha sido o meu maior erro. Mas apesar disso, eu jamais imaginaria que ele fosse tentar me matar. É estranho, mas as vezes eu acho... – Halt hesitou em dizer as próximas palavras.

– O que? – Indagou Horace que observava o arqueiro de forma atenta.

– Eu acho que ele não agia por livre e espontânea vontade. – Halt comentou pousando seu olhar em Gilan que franzia o cenho ao ouvir seu antigo mestre. – Henry sempre foi uma criança sozinha...

Foi então que Horace interrompeu o arqueiro com uma expressão indignada.

– Will também foi, e nem por isso tentou matar você! Quer dizer... tirando alguns minutos atrás.

– Não, é diferente. – Halt voltou a dizer. – Will não conheceu os pais, porém tinha amigos em Araluen, tinha algo para se agarrar. Quando Henry nasceu, tinha uma família imensa que o amava e estava sempre por perto, criando planos futuros, cuidando... Era uma das famílias mais ricas que já havia existido na cidade, este era o problema.

– Como assim? – Indagou Gilan.

– Em um determinado dia, os Phoenix decidiram dar uma grande festa, apenas entre eles para comemorar o aniversário de dez anos de Henry. Uma oportunidade perfeita para um estranho entrar na festa e começar a pegar todos os bens de valor para si...

– Um ladrão. – Concluiu Horace.

– Exato. Porém, o ladrão foi pego pelo pai dele, um homem corajoso chamado Dave Phoenix. Infelizmente, o bandido não estava sozinho, e aos poucos, a família de Henry foi sendo eliminada, um por um. Quando pensaram que todos estavam mortos, terminaram de pegar os pertences que sobravam e foram embora, deixando apenas um menino assustado escondido embaixo de um armário de madeira.

– Que horror! – Exclamou Gilan. – Acho que já havia ouvido falar de um massacre acontecido em Araluen, mas não sabia que envolvia a família dele. – Halt suspirou fundo e concordou.

– As pessoas tentaram ignorar o acontecido, por medo de acontecer com elas também. Até que tudo caiu em esquecimento e Henry ficou completamente sozinho. – Ficaram alguns segundos em silêncio tentando digerir aquela história sanguinária. – Eu só gostaria de entender o porquê daquela noite. Por que ele quis me matar?

Foi então que Will lançou a sua última flecha cortando o ar e finalmente acertando o meio do alvo com a maior perfeição desde que havia aprendido a nova técnica para atirar. Todos sorriram ao ver o resultado.

– Sabe o que mais me assusta, Gil? – Halt voltava a comentar. – Will me lembra muito ele.

Gilan apoiou seu braço nos ombros do antigo mestre, o rapaz tinha consciência de que aquela estava sendo uma missão muito difícil para ele, pois envolvia a vida de seus dois aprendizes, dois garotos que ele havia visto crescerem e se tornarem guerreiros, e que ambos possuíam ligações fortes com o mestre.

– Vamos lá ver estes malucos que você anda treinando, Halt. – Declarou Gil, abrindo um largo sorriso no rosto.