Foram apenas dois dias, mas pareceram séculos. Desde a reunião passada, a vida de Will não foi a mesma, havia sempre alguém na porta da cabana para fazer alguma visita ou mensageiros aparecendo de hora em hora.

– Parece que eles só querem checar se eu estou vivo para saberem se estão seguros! – Exclamava Will para Horace, um de seus amigos mais antigos, havia se tornado um grande guerreiro com o passar dos anos.

– Ah qual é! Você está exagerando. – O garoto estava largado na mesa enquanto se enchia com pães e tortas que havia ganhado de sua amiga Jenny, a cozinheira mais popular de Araluen e amiga íntima dos dois.

– Você vai me dizer que estas visitas frequentes não têm ligação nenhuma ao fato de que se eu morrer a vida deles correm perigo? – Horace apenas deu de ombros com a boca cheia de comida. – Esses dias, Anthony Thorn veio me visitar!

– E daí?

– Eu não conheço nenhum Anthony Thorn, Horace!

Antes que o rapaz esfomeado conseguisse responder, novas batidas na porta aconteceram. Will balançava a cabeça e ao atender se deparou com alguém que o rapaz não via a muito tempo, era uma menina de cabelos loiros bem curtos e despenteados, usava um vestido comprido e vermelho e um sorriso largo no rosto.

– Evalyn?! – Aquele não era o nome real da garota, mas Will não havia acostumado a se referir como Princesa Cassandra, uma amiga que havia conhecido primeiro como “Evalyn” numa tentativa da menina de esconder sua real identidade.

–Will! Eu não acredito que é você mesmo! – Evalyn saltou nos braços do arqueiro e o envolveu em um forte abraço. – Meu Deus, parece que se passaram milênios!

Em meio ao abraço a princesa pôde encarar Horace lambendo os restos de torta do prato.

– Horace! – Exclamou zangada, jogando Will de lado e entrando na cabana. – O que você está fazendo?!

O garoto ficou imóvel encarando a amiga até que respondeu hesitante.

–.... Comendo?

– Nós tínhamos um acordo, lembra? Sua nova dieta?!

– Cassie, isso é só um lanchinho.

– É isso que você faz toda vez que vem visitar o Will? – A garota desviou um olhar raivoso para o arqueiro.

– O que foi? – Perguntou Will na defensiva. – Eu não sabia de dieta nenhuma! Na verdade, isso até que me ajudaria bastante, assim talvez o meu estoque de alimento durasse mais.

Evalyn se adiantou até Will e apoiou o braço sobre os ombros do rapaz.

– Está vendo, Horace? Se você seguisse sua dieta corretamente, não só ajudaria a si mesmo como também ajudaria os amigos. Perfeito, não é?

Will e Evelyn riam da situação enquanto encaravam Horace, que estava indignado por não ter recebido apoio de seu melhor amigo.

– Perfeito! – Respondeu Will enquanto olhava para a princesa que gargalhava a seu lado.

– Com licença? – Will e Evalyn se separaram rapidamente ao ver que Alyss estava na porta que havia ficado aberta.

– Alyss! – Will seguiu até a porta e cumprimentou a menina com um beijo no rosto. – Conseguiu arranjar um tempo para passar aqui?

– Na verdade estou a trabalho. – Foi então que o rapaz notou a túnica branca que a menina usava. – Estas são para você. – A menina tirou pedaços de pergaminhos e arremessou para o peito do rapaz. Alyss o encarava com uma expressão que Will já era familiar, e sempre era usada quando Evalyn estava por perto.

– Mais três? – Will comentou enquanto agarrava as cartas do chão.

– Você anda bem requisitado mesmo. – Comentou Alyss ironicamente, desviando o olhar para a princesa por um segundo e voltando a Will. – Mas enfim, o que acha de irmos até a ponte hoje à noite?

– Eu adoraria, mas logo eu irei sair em missão com Halt. Ele já deve estar chegando. – A menina franziu o cenho curiosa.

– Que missão é essa?

– É sobre... aquele assunto. – A menina deixou todos os pergaminhos caírem no chão ao ouvir aquelas palavras.

– Você?! Chamaram você para essa missão? Mas Will...

– Alyss, eu vou ficar bem, ok? Eu prometo. Volto o mais rápido possível.

Antes da menina responder, uma voz ao fundo interrompeu.

– Quanto mais cedo irmos, mais rápido voltamos. – Halt estava parado logo atrás de Alyss montado em Blaze. Horace e Cassandra passaram pelos dois apressados para cumprimentar o arqueiro que não viam há muito tempo.

Depois de uma rápida conversa e piadas, o arqueiro voltou-se ao aprendiz que terminava de ajudar a namorada a juntar os pergaminhos do chão.

– Will, é melhor irmos logo, temos muito o que fazer. – O garoto assentiu. Correu para dentro da cabana e agarrou o arco junto de sua aljava de flechas, e antes de sair olhou pela janela e imaginou alguém à espreita, dentro daquela floresta, apenas esperando para ataca-lo.

“Vamos ver quem acha quem primeiro, Henry. ” Pensou com uma expressão séria e se direcionou à porta, dando de cara com o olhar triste de Alyss.

– Will... – O rapaz apenas deixou seus lábios encostarem nos da garota em resposta. “Eu preciso sobreviver a isso”.

Se despediu de Horace e Evalyn, e seguiu montado em Puxão para Riverwood.

Foi um caminho cansativo, com muitas montanhas e áreas estreitas, o sol estava forte e a trilha parecia não ter fim.

– Não me lembro de você ter comentado que Riverwood era tão longe, Halt. – Dizia o aprendiz, enquanto secava o suor da testa com a manga da capa.

– Eu não disse, mas já estamos perto. – Halt apontou para um pequeno fio de água que se estendia por alguns metros. – Fica beirando a este riacho, é uma vila bem pequena.

– E você demorou nove meses para voltar? – Will segurava muitas perguntas em sua mente, Halt havia contado muito pouco sobre sua missão anterior.

– Não foi fácil chegar até os planos de Phoenix.

– E por que eu tenho que ser o primeiro? É algum tipo de provocação para você? Ou eu fiz alguma coisa? Será que n...

– Will... – Halt conhecia a curiosidade de seu aprendiz, e sempre precisava alerta-lo de suas constantes perguntas.

– Desculpe. – Caminharam por mais alguns metros em silêncio até avistarem uma nuvem negra de fuligem no horizonte. – O que é aquilo?

– Essa não... – Halt fez Blaze acelerar em direção à fumaça preta que subia aos céus devagar, deixando o ar apodrecido. Will acompanhava com Puxão.

Era Riverwood, estava em baixo de chamas, pessoas machucadas corriam em desespero gritando por ajuda ou procurando por amigos. Havia um odor podre no ar, cheiro de morte e corpos sem vida espalhados por todos os cantos. Aquele lugar parecia o próprio apocalipse.

Havia um conjunto de camponeses com baldes de madeira, despejando água do rio sobre as casas que queimavam, porém, o fogo era forte e as pessoas eram muito lentas para buscar água.

– Will, vá ajuda-los! Eu vou retirar as pessoas das casas. – Ambos os arqueiros desceram dos cavalos e correram em direção à vila.

Halt desapareceu em meio às casas em chamas, enquanto Will pegava um balde e arremessava água nas casas queimadas.

– Menino! Arqueiro! – Uma menina ruiva, com parte do rosto chamuscado, se jogou em Will suplicando ajuda, em prantos. – Meu avô está preso no quarto, por favor...eu preciso da sua ajuda.

– Senhorita, meu mestre está socorrendo as pessoas presas em casas, estamos tentando abaixar o fogo para que nada mais se queime. – Tentou manter sua voz o mais calma possível.

– Tudo já está queimado! E seu mestre... eu o vi... passou reto pela casa! Por favor, me ajude. – A garota se arrastou até os braços de Will e começou a chorar em seu peito. – Eu suplico, salve meu avô! É naquela padaria logo em frente!

Will respirou fundo, era um arqueiro, havia sido treinado para ajudar aqueles que precisavam, e de fato, o garoto tinha percebido que Halt passara reto pela padaria.

– Tudo bem, moça. – Respondeu o arqueiro se afastando e preparando-se. – Mas fique segura aqui, vou salvar seu avô.

A garota levou as mãos ao rosto, incrédula de que estava recebendo ajuda.

– Muito obrigada! Muito, muito obrigada! – Will assentiu e se adiantou até a padaria.

O lugar ainda não havia queimado por completo, o andar de cima não estava tomado. O arqueiro removeu uma corda com um pequeno gancho na ponta de dentro da capa e arremessou para engancha-la na madeira que sustentava a placa da padaria, puxou-a para baixo certificando-se de que estava bem presa e começou a subir na corda com cuidado para que sua capa não encostasse no fogo do andar de baixo.

Conseguiu facilmente alcançar a janela e entrar em um quarto. Will prendeu um pano em seu rosto para que não asfixiasse com a fumaça, e começou a procurar por alguém no quarto. Porém, naquele lugar, havia apenas um armário e uma cama empoeirados.

Seguiu até a porta, fez força com o braço para abri-la e se deparou com um corredor igualmente vazio. Naquela área, o fogo queimava em alguns lugares, Will teve que tomar cuidado para que não encostasse por acidente. Entrou em um novo quarto.

Neste, o fogo também não havia chegado. Estava repleto de pinturas antigas cobertas por uma película de pó, e no meio de uma das paredes havia um espelho embaçado, pendurado por um barbante.

“Ninguém aqui também” pensou um tanto nervoso com a situação. Correu para o último quarto.

Foi necessário um chute na porta para que ela se abrisse, e o que Will viu lá dentro o deixou intrigado. Era um quarto com diversas pilhas de papéis espalhadas por todos os cantos e uma mesa perto da janela, decidiu aproximar-se. Observou que uma das folhas, possuía vários nomes diferentes, alguns riscados outros não, ao desviar a atenção para os outros documentos, percebeu que eram todos iguais, com nomes diferentes.

Já estava desistindo de entender o significado daquilo quando algo lhe chamou a atenção, um dos papéis era realmente diferente, não possuía um conjunto de nomes ou riscos, possuía apenas um nome e um conjunto de informações sobre ele, Will Tratado.

“Mas o que? ” O papel continha informações completas, onde havia nascido, missões realizadas, mas o que mais lhe assustou foi ver o nome de seus amigos escritos lado a lado. “Horace, Jenny, Princesa Cassandra, Gilan...Alyss!”.

A mente do aprendiz estava uma confusão completa. “Como alguém pode conseguir tanta informação sobre mim?! Isso é doentio! Está extremamente detalhado! Deus, tem até mesmo o nome dos meus pais aqui! ”

– Impressionante, não? – Uma voz masculina revelou alguém no canto escuro do quarto com uma capa negra lhe tampando o rosto. Will se apressou para agarrar o arco, porém percebeu um brilho de uma flecha já apontada em sua direção. – Nem pense nisso.

O aprendiz não sabia o que fazer, não conseguia se mexer, estava completamente assustado por tudo que havia lido e com a situação que se encontrava.

– Sabe, Will, quando eu fiquei sabendo que Halt tinha saído em missão atrás de mim, eu fiquei realmente empolgado! Algo do tipo: Finalmente! Um desafio! – O garoto carregava um tom irônico na voz e mantinha a flecha apontada para Will. – Eu sabia que, assim que ele descobrisse o meu real alvo, iria sair correndo avisar os colegas. Mas sinceramente, nunca achei que fosse ser estúpido o bastante para voltar com você. – O garoto soltou uma risada um tanto histérica, que só fez com que Will arrepiasse, porém, ouvir Halt ser insultado daquela forma em sua frente, lhe deu coragem para responder.

– Henry... Não abra essa boca para falar mal de Halt. Um traidor barato igual você, não merece o medo de ninguém. – Will pode ouvir o elástico do arco se esticar ainda mais para que a flecha fosse lançada.

– Não acho que esteja em posição de me insultar, moleque. Pois como já viu, eu sei tudo sobre você. – Henry começou a dar passos para frente lentamente para se colocar na luz. Possuía cabelos negros e bagunçados, olhos esverdeados com olheiras vermelhas a sua volta e uma cicatriz grossa no queixo, parecia ser apenas um pouco mais velho que Will. – Fique tranquilo, eu não vou lhe matar hoje, meu plano é muito maior que isso. – Ao dizer aquelas palavras a porta de madeira começou a estralar, o fogo havia chegado. – Sabe, garoto, todos estamos nesta vida por um motivo muito simples.

Will já estava fervendo de raiva, cada palavra cuspida por Henry o irritava um pouco mais a cada segundo.

– E qual é? – Retrucou, tentando não avançar no inimigo.

– Passar uma mensagem. E hoje, essa é a minha. – Henry soltou a flecha e acertou o ombro de Will em cheio, que soltou um grito de dor se debruçando no chão ao sentir o sangue do seu braço escorrer.

Henry sorriu e caminhou tranquilamente enquanto o fogo já tomava parte da parede do quarto. Abaixou o capuz da capa e se inclinou para frente para encarar Will que mantinha os olhos apertados e a respiração pesada pela dor que sentia.

– Sabe, moleque... – Começou a dizer. – Talvez as coisas pareçam não fazer sentido agora, mas acredite, farão muito menos depois. – Henry soltou uma risada e segurou Will pelos cabelos para que olhasse para ele. – Mande um abraço para o seu Mestre.

Henry soltou-o e apressou-se para a janela, fugindo do quarto pelo teto da padaria. Will ficou ali no chão com a flecha atravessada em seu ombro enquanto grunhia de dor e observava o quarto aos poucos sendo tomado pelo fogo. Sua visão já estava ficando embaçada e o pano de seu rosto havia caído fazendo com que sua respiração lhe doesse os pulmões.

Subitamente, um conjunto de pessoas segurando baldes d’água apareceram na porta, lideradas por Halt, que, ao chegar no quarto, correu até seu aprendiz.

– Will? Will! – Exclamou preocupado ao reparar o sangue que o garoto perdia pela ferida. O aprendiz tentou responder, mas sua falta de ar, em conjunto da dor que sentia, não permitia.

As pessoas se apressavam em apagar o fogo do quarto, e assim o fizeram de forma eficaz. Aos poucos o garoto recuperava a respiração. Foi então que Halt cortou um pedaço de sua capa e colocou na boca de Will e pediu para que ele mordesse com força.

– Isso pode doer um pouco. – Halt colocou a mão na flecha que estava enterrada em Will e arrancou para fora em um só movimento. O garoto mordeu o pano enquanto grunhia com a dor e derramava uma única lágrima, aos poucos tudo foi se tornando preto até que, por fim, perdeu a consciência.