Você tem alguma noção de como é acordar com a sensação de que um cardume de tubarões te mordeu todinho, um enxame de vespas te picou inteiro e que você foi pisoteado por uma manda de elefantes, e tudo ao mesmo tempo? Pois bem, foi assim que eu acordei depois daquela surra histórica pra Tati, e não para por aí. Eu só falei do meu estado físico até agora.

Meu emocional estava um verdadeiro caos: eu sentia uma fúria absoluta contra Darkshadow, sentia uma dor horrível pela Tati, tristeza por ter que lutar contra ela, preocupação com Kahel e com ela, e é claro a vergonha humilhante de ter sido derrotado com apenas um golpe. Eu estava totalmente arrasado, mas o pior era que eu não poderia ficar com raiva dela, e nem poderia revidar.

Achei por bem me levantar antes que mais algum pensamento deprimente viesse na minha cabeça e tive a infeliz descoberta que só o simples pensamento de mover os músculos já fazia os ditos doerem até a morte. Achei por amor próprio e bem estar ficar deitado no chão mesmo.

– Jack? Você está bem, ou você está morto? – a voz de Romolo estava péssima, o que por conseqüência era um ótimo sinal. Indicava que eu não era fraco e que ele também estava vivo. Mas mesmo assim…

– A menos que os mortos tenham aprendido a falar, então sim, eu estou vivo!

– Que bom. Fico feliz que você esteja vivo – e a voz dele soava mesmo feliz, apesar da dor que tinha nela.

– Cadê Kahel? – perguntei com um súbito desejo de poder ajudá-lo (tanto Kahel quanto Romolo).

– Não sei. Não tive muito tempo pra pensar em qualquer coisa que não fosse salvar a sua vida.

– A minha? – perguntei com o coração dando um aperto brutal dentro do peito.

– É. A minha.

Odeio jogo de palavras com duplos significados. E odeio ainda mais quando é o Romolo que faz essas coisas. Mas deixei essa passar, porque eu precisava de forças pra levantar e procurar o Kahel urgentemente. Dava uma agonia horrível no peito só de pensar no que poderia ter acontecido com ele sempre que eu lembrava que fora ele que correra ao socorro de Tati quando separamos o Darkshadow dela. Mas do jeito que as coisas aconteceram, talvez os fatos não se alterassem se fosse eu que tivesse socorrido-a, apenas mudaria a ordem dos feridos.

– Jack, nós precisamos ir. Já está ficando tarde e ainda temos que procurar Kahel – disse Romolo começando a se levantar contra toda a vontade de ficar no chão – Temos que ser fortes, se quisermos trazê-la de volta.

Não deixei por baixo, e eu sabia que ele estava certo. Sabia que tinha agora uma missão importantíssima nas mãos e não deveria deixar que qualquer laserzinho de merda me deixasse pra baixo. Eu me levantaria em toda a glória de um perdedor e quando entrasse em outra batalha, sairia dela com todas as glórias de méritos de um grande campeão, porque é isso que eu sou! Então eu vou me levantar… quando a coragem chegar.

– Só mais 5 minutos – e fechei os olhos, tentando dormir pra ver se esquecia as dores.

– Jack! Se eu pude me levantar agora, por que você tem que esperar mais cinco minutos? Levanta, vai!

– Ta bom, ta bom! – fiz um esforço incrível pra me levantar e quando por fim consegui me manter de pé, tive ânsias de vomito.

– Muito bem! Viu, não foi tão difícil assim. Agora vamos procurar Kahel – e Romolo começou a mancar pelo imenso jardim da casa procurando algum sinal de vida alienígena de Urano. Nada feito.

– Parece que não sobrou nem vestígio dele! – falou Romolo assombrado – Não sei quem aquela garota é, ou de qual planeta ela vem, mas tem que ser muito forte pra enfrentar uma criatura daquelas.

– Eu sei. Caraça doido, eu to todo dolorido! Vamos assaltar a geladeira e o armário de remédios pra saber se tem qualquer comida e analgésico.

Eu e Romolo capengamos quase nos apoiando um no outro pra dentro de casa e uma vez dentro, fomos nos sentar na cozinha e investigar nossas necessidades básicas. E qual não foi nossa surpresa quando encontramos um jantar muito básico nos esperando na mesa? Sim, mesmo em um estado de total calamidade interior, não pude deixar de ficar comovido com a gentileza do ser que preparara aquele agrado pra gente.

– Eu vou pegar os remédios. Podem ir comendo enquanto isso – disse uma voz sonolenta e cansada como se tivesse ficado 2 dias inteira acordada. Essa voz era ao mesmo tempo reconfortante e apavorante. Apavorante porque eu nunca vira a voz dele daquele jeito, mas reconfortante por saber que ele estava vivo.

– Kahel! – dissemos eu e Romolo juntos, aliviados por ele estar bem – O que aconteceu com você?

– Comam primeiro e eu conto depois. Vocês precisam recuperar as forças se foram atingidos pelo mesmo ataque eu que fui.

– Tenho minhas duvidas de que foi o mesmo ataque, mas obrigado pela comida – disse o folgado do Romolo e se sentou pra comer.

Não me fiz de rogado e sentei a mesa também, tentando não mastigar com muita força, porque isso doía até nas áreas em quem o sol não alcançava. Levei quase meia hora pra acabar de comer, mas por fim me senti satisfeito e não pude reclamar mais de fome, e depois de tomar umas pílulas analgésicas pro corpo todo, me senti bem mais leve e quase mais feliz. Mas não chegou a tanto.

– Agora você vai ter que explicar o que foi que aconteceu com você! – disse eu.

Ele me olhou com uma cara que poderia indicar um grave quadro de sonolência crônica. Mas é algo relativo quando se é atingido por um ataque daquele porte, e Romolo começou a perceber coisas que eu não percebi, coisas que depois que ele me contou, fiquei estarrecido, mas era até compreensível. Enfim, voltando ao conto de Kahel:

– Quando Romolo separou Darkshadow e Tati, vocês dois correram pra cima dele e eu corri pra cima dela, pra saber se ela estava bem. Isso não foi uma boa idéia de jeito nenhuma, mas só muito depois que eu percebi isso. Tipo, Darkshadow fez alguma coisa com ela pra ela ter se tornado má daquele jeito, mas ninguém conseguiu perceber isso na hora, apesar das pistas que tivemos. De qualquer maneira, quando corri até ela, já sabia que tinha alguma coisa esquisita e resolvi me certificar de que ela estava bem, e foi nos meus braços que ela acordou.

“Eu já tinha ouvido falar de que as pessoas acordam mal-humoradas, mas aquilo foi simplesmente ridículo! Quando ela abriu os olhos, nem parecia a doce e gentil Tati que conhecemos, e sim uma copia exata da malvadeza e do poder de Darkshadow. Eu juro que não é exagero, mas quando eu olhei nos olhos dela e tentei ver um pouco mais além, senti medo, muito medo. Como jamais havia sentido na vida.

Eu até me afastei um pouco dela, com medo mesmo daquele olhar perigoso, mas não fiquei longe o bastante para dar a entender que estava com medo. Perguntei se ela estava bem, e ela só me olhou de inicio, mas depois me respondeu:

­– Eu estou ótima, meu bem. Como nunca me senti na vida, mas acho que preciso de um pouco de energia pra compensar algumas coisas.

Então ela botou a mão no meu braço e segurou. No começo foi uma sensação esquisita como se um copo dentro da geladeira tivesse me tocando, mas depois não ficou nada esquisito. Ficou doloroso mesmo! Um formigamento horrível passava pelo meu corpo inteiro e se concentrava na mão dela de maneira doer mesmo e eu não podia fazer nada porque aquilo estava me cansando muito. Nunca passei por algo meramene parecido, mas não quero passar por isso de novo nunca mais!

Eu sei que depois de um tempo, eu perdi a consciência e quando acordei já era tarde demais. Darkshadow se aproveitou que ela estava sensível a energia no momento do ataque e fez com que ela absorvesse parte de sua energia malévola, e isso fez com que ela se tornasse a monstra poderosa e terrível que ela é. Depois, decidi me levantar e entrei e casa pra ajudar as refazer as coisas, e depois vocês já sabem da historia. O que nós precisamos agora de qualquer jeito é de uma maneira de trazer a Tati de volta pro nosso lado ou de no mínimo neutralizar o poder dela.”

– Falar é fácil, mas o difícil é fazer as coisas realmente darem certo. E tem mais, do jeito que ela ta poderosa agora, seria suicídio lutar contra ela só nós três. Precisamos de mais um integrante e rápido.

– Mas dessa vez, precisamos também pensar num plano pra que Darkshadow não roube outro aliado nosso – disse Romolo.

– Certo, mas podemos discutir sobre isso outro dia? Meu corpo está totalmente horrível, e eu preciso urgentemente de um banho. A gente se encontra outro dia em outro lugar. Vamos, gente, antes que os donos da casa cheguem.

Dizendo isso, me lembrei que também devíamos a eles uma explicação racional para o fato da filha deles ter desaparecido misteriosamente e sem nenhum sinal de luta. Acho que também me lembrei que minha raiva de Darkhadow estava se transformando no mais absoluto ódio! Sim, dessa vez aquele palhaço de cemitério me deixou puto de ódio. E eu não ia deixar barato!

Assim que Kahel, eu e Romolo saímos da casa e fomos para o ponto de ônibus, com um risco mortal de ser assaltado (acho que já passava das 9h), pra esperar o transporte, nos pomos a discutir uma estratégia de como encontrar outro descendente e convencê-lo a lutar conosco. E nessa estratégia é lógico que eu conhecia uma pessoa ideal para encontrar o próximo descente. Só ia ser impossível deixar de colocá-lo em um campo minado se minha teoria se confirmasse.

– Gente, eu tenho uma bela teoria sobre como Darkshadow conseguiu levar a Tati da gente.

Todos me olharam com olhos de predadores, perigosos e atentos a tudo. Agora era a hora de expor meu pensamento pra teoria que provavelmente explicava o como Darkshadow conseguiu roubar uma das descendentes mais poderosas de nós.