Rainbow War

Mostre sua cara


Geralmente o único que me acorda de manhã cedo, é papai. Mas dessa vez, o meu celular começou a tocar constantemente. Parecia que alguém estava decidido a me deixar de mau-humor logo de manhã cedo, mas peguei o dito cujo e atendi com minha melhor voz de demônio endiabrado. Mas me surpreendi com quem falava do outro lado. Apesar da estática, consegui reconhecer aquela voz.

Saltei da cama e fui direto tomar um banho, e fazer toda a minha assepsia. Sabia que hoje seria um dia cheio se eu tivesse escutado o que achava que tinha escutado. E se eu estivesse certo, eu estaria mais do que perto de resolver um mistério giga preocupante. Era bom eu estar certo, pois não aguentaria formular mais teorias do que já tinha formulado.

Vesti meu uniforme apressado e peguei minha mochila, mas não coloquei nada dentro dela. Mentira, tinha algumas roupas e o bracelete para transformação rápida. Hoje eu nem chegaria perto da escola. Mandei um sms cheio de erros pra toda a galera que com certeza se interessaria por esse tema. Saí voando de casa sem nem mesmo tomar café e fui pra rua. Segui por outras rotas, até…

– Jack… Por… Por favor… Sa-salve… Salve-me, Jack! – disse ele, pegando no meu ombro.

Eu girei que nem um peão e só tive tempo de ver Atlantis me abraçando e chorando desesperadamente. Quase que essa situação me deixa doido. Sorte a minha que eu já estava mentalmente preparado para que isso ocorresse. Amparei-o com meu abraço e encostei a cabeça dele em meu ombro. E ele chorou. Agindo daquele jeito. Eu sabia quem era, e eu não podia culpa-lo por nada. Era hora de ser compreensivo.

– Tudo bem. Tudo bem, cara. Pode chorar. Eu sei o quanto doeu fazer tudo isso. Vem comigo. Vou te levar pra um lugar onde você vai poder ficar melhor. – disse eu.

Passei seus braços pelos meus ombros e saí carregando-o em direção a casa da única que me ajudaria nesse momento. Já tinha mandando sms para todos e disse que hoje precisaríamos faltar a aula. Tive de pegar um busão e leva-lo aos prantos até a casa de Perla. Chegamos lá quase uma hora depois por conta do trânsito. Mas isso era o de menos. Ele tinha cochilado no meu ombro, então tive de pegá-lo no colo e carregá-lo.

Como que por telepatia, Perla abriu a porta e deu de cara comigo carregando aquele cara gigante, e com cara de quem desmaiaria de esforço a qualquer segundo. E assim vieram ela e Nanda me ajudar a carregar o brutamonte. Conseguimos coloca-lo no sofá sem acordá-lo e assim que nos afastamos pra respirar, várias correntes de ouro o prenderam muito grosseiramente ao sofá.

Admito que tive um surto psicótico de felicidade ao saber que dessa vez, ele estava aqui. E tive outro surto psicótico ao ver que ele estava de pé, andando e se movendo normalmente. Mas meus surtos pararam quando ele deu um sorriso maior que o mundo pra mim e me abraçou como se eu fosse a coisa mais importante do universo. Antes, estava legal e muito fofo, agora estava irreal e bizarro.

– Jack, como é bom te ver de novo! Desculpa ter faltado ontem, eu estava arrasado por causa da batalha e ainda não conseguia me mover direito. Mas pelo visto, o efeito era temporário, e agora posso andar, correr e saltar. – disse ele passando o dedo no meu rosto.

E eu fiquei pasmo. Bem, pelo menos ele estava andando. Se o dano cerebral tinha sido um pouco mais extenso do que isso, deixemos para lá. Mas fiquei um pouco embicado com o fato de um convidado indefeso ter se tornado um prisioneiro acorrentado. Isso realmente me deixou um pouco chateado. Mas como eu consigo manter raiva de Romolo? Impossível.

– Desculpe pela brutalidade das correntes, mas não podemos nos dar ao luxo de ter um sujeito perigoso nos ameaçando. Caso ele acorde violento e enlouquecido, basta apertar um pouco e pronto. – falou ele como se adivinhasse nossos pensamentos.

Mas ainda tivemos de esperar um pouco até que o furacão vir à tona. E aproveitei esse tempo para saber como Romolo tinha milagrosamente ficado curado das pernas. Me parecia extremamente improvável que ele tivesse feito alguma mágica e aprimorado o exoesqueleto de ouro em tão pouco tempo. Mas deixei isso para lá. Na verdade, fui puxado por Perla para um canto, enquanto Nanda brigava com Romolo.

– Jack, eu sei que você está feliz por Romolo estar de volta, mas algo me diz que tem coisa estranha aqui. Ele não age daquele jeito, você o conhece melhor que a gente, sabe disso.

Disso ela estava certa, tinha alguma coisa podre no reino da Dinamarca. Romolo não agia desse jeito e eu não entendia de o porque da noite pro dia ele ter começado a ficar tão estranho. Mas disse a ela a mesma coisa que disse para mim mesmo: que Romolo estava bem e que devia ser apenas uma extensão do dano cerebral que ele tinha sofrido no choque que levou da Fliender.

Nosso diálogo teve de ser interrompido por ruídos de engasgos vindo diretamente do sofá. Fomos correndo e percebemos que Atlantis estava sufocando com a própria baba. Acho que o fato de Romolo estar apertando as correntes também contribuía. Perla começou a fazer escândalo e brigar com ele e Nanda tentava livrá-lo das correntes com sua própria força.

– Você ficou maluco? Quer matar a criança? Nós somos muito melhores do que eles, que matam as pessoas! Solta ele agora! – gritou Perla sacolejando ele pelos ombros.

– Primeiro: ele não é uma criança, e segundo: porque eu não deveria mata-lo? Ele pode ter machucado o Jack e com certeza vai se unir ao Darkshadow. Tenho que mata-lo antes que ele vá para o lado negro da força e nós fiquemos em maior desvantagem. – disse ele, em um tom tão frio que me assustou.

– Mas não resolvemos as coisas matando! – Perla percebeu que argumentar era inútil e então usou seus poderes para deixar o ouro mole, quase a ponto de ficar líquido. Nanda foi um raio e conseguiu salvar Atlantis de um estrangulamento bem caro.

– Eu… Eu… Eu não vou me juntar à Darkshadow. Eu estou fugindo dele. Ele me manteve refém esse tempo todo e somente hoje consegui chegar à sua ajuda. Eu posso ajudar contra ele. – disse Atlantis lutando para se recuperar.

– Como assim? E como podemos confiar em você? Se o que diz, é verdade, não passa de um traidor. Mas se for mentira, é um espião do maldito. – rebateu Romolo.

– De uma certa maneira ele está certo, mas não é assim que agimos. Precisamos dar pelo menos um voto de confiança. – disse Nanda, tentando acalmar os ânimos.

Romolo não pareceu contente com a situação, mas decidiu se afastar para que pudéssemos conversar com Atlantis sozinhos. Não sei o que tinha dado nele, eu já não o conhecia. Não gostava dessa sensação. Isso me oprimia do fundo do meu peito e eu queria que isso acabasse o quanto antes, só para que ele voltasse a ser do jeito que era. Eu precisava do meu Romolo frio e calado.

Fui até a cozinha pegar um copo d’agua para Atlantis se acalmar, mas quando fecho a geladeira, Romolo surge como uma alma e quase me faz derrubar o copo. Ele agarra meus braços e sussurra no meu ouvido:

– Não importa o que Atlantis diga, não confie nele. Se ele traiu Darkshadow, não podemos ter certeza se ele vai nos trair também.

E da mesma forma que veio, foi-se. Fiquei ainda mais sem entender nada, mas fui de volta até a sala e entreguei a água para o trêmulo Atlantis. Ele tomou uns goles e depois disso, tentou se acalmar para confessar alguma coisa. Pela cara que ele fazia, eu sentia que a bomba seria difícil de pegar, mas eu faria o meu esforço para segurar e rebater tudo o que viesse.


POV Atlantis


Ainda um pouco tenso, confuso e com medo, eu me sentei naquele sofá e tentei contar a minha história. Sabia que seria duro para eles ouvirem aquilo, mas eu precisava contar tudo o que tinha acontecido para que eles pudessem derrotar Darkshadow e saber sobre a verdadeira conspiração alienígena. Se eles soubessem disso, talvez ainda existisse uma chance, não só pra nós, mas para a humanidade inteira.

– Eu sou um Netuniano, e meus poderes são o controle de qualquer matéria líquida. Eu descobri esses poderes no dia do terremoto que destruiu o Shopping. Mas aquilo não foi um terremoto. Foi uma experiência.


Flashback On


Não sei exatamente como explicar para vocês, mas aquilo foi feito por um humano. Não um mero mortal, como esses que nos acolheram. Mas um ser humano cruel, frio, perigoso e evoluído. Ele tem poderes mentais muito fortes e eu não sei exatamente como eles afetam. O que eu percebi é que ele pode mover, explodir, vibrar ou levitar objetos com a força do pensamento, além de estabelecer uma conexão neural.

Enfim, naquele dia, aconteceu o terremoto por conta desse humano. Ele fez com que o shopping fosse esvaziado de seres humanos comuns. Ele queria que ficassem apenas os alienígenas mais fortes ali. Aquele era o momento de tentar a conversa e fazer com que vocês passassem para o nosso lado. Ou pelo menos parte de vocês. Darkshadow estava interessado em um membro em particular. Acho que vocês já sabem quem é.

Pelo que eu soube, ele voltou e fez uma proposta de união. Acho que vocês recusaram, não é? Mas não é sobre isso que eu preciso falar. Durante o tempo que estive nas sombras, uma coisa boa aconteceu: eu aprendi muito sobre os poderes de cada alien e sobre suas fraquezas. Darkshadow ganha mais força de dia do que de noite, pois as sombras se manifestam mais no sol do que na lua.

Isso parece impossível, mas você já viu algum ataque dele de noite? Não. É assim com todos os outros. Minha fraqueza é que quanto mais denso o líquido, menos controle. Fliender não consegue controlar a eletricidade em metais. Jade consegue controlar a energia cinética e radioativa. Você apenas precisa aterrá-la e ela não consegue usar seus poderes. Mas vocês também têm fraquezas.

Depois eu falo sobre isso, o importante é que vocês conheçam seus inimigos. E o mais perigoso é aquele que vou falar agora. Ele conseguiu ocultar seu rosto todas as vezes que falou comigo, e eu sei que ele é alguém próximo dos dois grupos. Não sei mais do que isso. No dia do shopping, lembro vagamente de ter encontrado com ele e de ter recebido alguma coisa, mas além disso… Nada!

Marie também se encontrou com ele, mas não foi tão forte quanto eu. Por azar do destino, ela não conseguiu resistir. Eu não entendo. Aquele cara tem alguma coisa que mexe com quem quer que fique perto dele. Tatiana era doce, meiga e gentil, mas bastou ficar perto dele, e as coisas mudaram. É assim que as pessoas entram no lado de Dark, forçadas por algum poder misterioso.

Eu imagino que ele pode estabelecer comunicação neural com as pessoas e sugerir pensamentos e emoções. Em resumo, pode controlar a mente de um numero limitado de pessoas. Não sei se dei sorte dele não conseguir controlar minha mente, ou se é alguma defesa natural. Mas alguma coisa pode ter com uma cicatriz que apareceu na minha mão depois do dia do shopping.

Eu só me dei conta de que estava em casa quando finalmente cheguei em casa, na porta. E já tinha todas as respostas pra tudo. Já sabia também que era um alien, e eu acreditava piamente. Não sei se ele sugestionou mentalmente isso, mas eu acreditei fielmente em tudo o que me vinha na cabeça. A única ideia que eu conseguia rejeitar era a de que o Jack era falso comigo, que ele não era meu amigo e que me odiava.

Isso nunca conseguia se fixar na minha mente e graças a isso, eu consegui encontrar o grande chefe diretamente. Eu lembro vagamente do que aconteceu. Eu acho que nós dois tivemos uma reunião de negócios. Discutimos alguma coisa sobre você, Jack. Eu não sei, mas tudo pra ele gira em torno de você. Por isso, acho que fizemos uma troca. Não o que foi.

Mas depois desse dia, eu estava sob as ordens dele. Devo ter feito algumas coisas, e não consigo me lembrar de nada. Isso me dá muita raiva. Só consigo lembrar que tinha alguma espacial lunar no meio. E minha vida prosseguiu em paz até que eu te encontrei naquele bairro. A Direita do Pai. Eu tive de lutar, mas você tem de acreditar que eu estava tentando não te machucar.

Eu… Eu estou um pouco confuso sobre o que aconteceu depois da batalha ter acabado. Só sei que eu precisei ir embora. Mas eu chorei por termos lutado. Eu tentei de todos os modos não te machucar. Você tem que acreditar que eu jamais te machucaria, Jack. Eu até tentei não encontrar os outros. Ele sempre mandava que eu matasse seus amigos, mas eu resistia.

Bem, resistir foi tudo o que eu consegui fazer até alguns dias atrás. Eu perdi parte da minha noção de tempo e memória, mas enfim pude reagir. Algo me deu forças para lutar contra. O problema é que para pegar um chefe final, você tem que passar pelo assistente dele. E é isso que Darkshadow é na verdade. Ele não é o vilão mais forte, ele é apenas um assistente.

Aquele que vocês devem derrotar na verdade se esconde dentro das sombras dos disfarces que carregamos. Eu não explicar direito, mas esses disfarces são uma faca de dois gumes. Eu estou aqui para ajudar. Se vocês deixarem, eu lutarei do lado de vocês e serei eternamente aliado de vocês. Eu não posso mais viver essa vida, ver a Marie se destruindo e vocês se machucando. Me deixem ajudar!


Flashback off


Olhei esperançoso para o rosto deles enquanto eu respirava após contar minha versão. Agora era torcer para que eles acreditassem em mim e me levassem a sério. Mas minha esperança foi por água abaixo quando o primeiro que me olhou de pá virada foi o Romolo. Ele era influente a maneira dele: Jack. E se Jack batesse o pé ali, eu teria desperdiçado saliva.

– Mostre a cara.

Virei a cabeça e quase tive um salto quando vi Jack me olhando com os olhos em chamas. As mesmas chamas de raiva quando eu fiz a chantagem. Eu sabia que se ele descobrisse que eu sou Hikari, Hugo estaria em problemas. Eu teria que manter isso em segredo por mais tempo. Apenas mais um tempo, pra que eu possa amarrar todas as pontas soltas de uma vez.

– Eu falei – disse Jack, com os olhos chamejantes mais assustadores que já conheci na minha vida. Se eu não pudesse controlar líquidos, teria molhado as calças naquele segundo – para você mostrar sua cara!

Ele avançou com uma calma contrastante com seu olhar de monstro sanguinário, ele veio até mim propagando um calor que eu só sentira uma vez: quando ficara próximo a um incêndio em uma das minhas viagens. Ninguém ousou pará-lo ou mesmo tentar tocá-lo. Estavam todos paralisados de medo ou terror, e nem mesmo eu consegui reagir muito bem quando ele pegou o bracelete no meu braço e arrancou sem dúvidas.

Nem mesmo todo o chocolate do mundo, nem todas as flores mais lindas da história, nada que um dia pudessem existir me ajudaria desfazer aquela cara de decepção que surgiu na face dele quando meu rosto foi revelado. Os olhos de Perla estavam molhados quando entendeu o que tinha acontecido. A cara de Nanda expressava apenas confusão. Mas meu coração gelou ao ver discreto o sorriso de escárnio na cara de Romolo.