Há muitos anos atrás.

Em uma fria noite no deserto próximo a Juno, um grupo de Normans se reúne ao redor de uma fogueira extremamente mal feita.

Sentado um pouco mais afastado do fogo, um jovem de cabelo branco mantém sua espada rente ao corpo, fincada no chão.

Quase a abraçando, sua cabeça encosta sutilmente à lamina prateada ao seu lado, como se estivesse tentando escutar os batimentos do coração da arma.

— Sua espada não vai fugir, não se preocupe.

Levou seus olhos à mulher na direita, sentada perto das chamas. Viu o leve sorriso da sacerdotisa loira preencher o rosto.

— Está sem sono, Margaretha? — Perguntou o cavaleiro, se afastando da espada e adotando uma postura mais relaxada.

— Acho que sim. Ao contrário daqueles dois. — Apontou com a cabeça na direção de um alto ferreiro de cabelo verde, roncando para o alto encostado em um pedregulho. Bem próximo a ele também estava outra mulher loira, de braços cruzados com um arco jogado sobre o ombro e dormindo de cabeça baixa.

Olhou para a esquerda, onde sua irmã pirralha e caçula dormia em cima de uma mochila. Usando seu próprio manto peludo como cobertor, seu cajado de Arquimaga estava jogado não muito longe.

— Tenho um pressentimento ruim sobre essa jornada. — Disse Margaretha, olhando para baixo com uma expressão solene.

— Nós estamos chegando perto, não podemos desistir agora. Amanhã seguiremos para Lighthalzen.

No fundo, a coluna do ferreiro adormecido desliza lentamente pela rocha onde se escorava, até encostar na arqueira. Mesmo dormindo, a mulher o acerta uma cotovelada que o joga para o lado de uma só vez.

— É, eu sei. — Ela respondeu, elevando seu olhar para a grande lua que reinava sobre a noite.

A cintilante lua branca iluminava o céu noturno, e estava especialmente bonita nessa madrugada.

Era dito que Hatii, um grande lobo de gelo e filho do deus Loki persegue a lua todas as noites numa tentativa de a devorar. Durante o dia, seu irmão que arde em chamas Sköll dá perseguição ao sol, até o momento em que o apocalipse chamado de Ragnarok irá decimar toda a existência.

— Tente descansar. Eu já volto. — Usando o cabo da espada como apoio para se levantar, o cavaleiro se ergue de uma só vez. A areia que havia adentrado sua armadura pesada jorra pelas brechas do metal, como uma ampulheta furada.

A sacerdotisa concorda, o vendo desaparecer atrás de um emaranhado de rochas não muito distante do acampamento.

Deu poucos passos após a clareira da fogueira sumir de vista, suas botas metálicas deixando marcas na areia. Segurou a espada de maneira mais bruta, jogando seu olhar para trás, por cima do ombro direito.

— Você pode aparecer agora, seja lá quem for. —Sua voz ríspida dirigida ao vazio deixou claro de que não estava para brincadeiras.

Do mais completo nada surge uma figura em meio as sombras, seu corpo magro erguendo-se em meio as rochas rachadas.

— Urgh, tinha alguém mesmo. Como foi que ele chegou tão perto sem ser percebido pelo Eremes? — Pensou para si mesmo o lorde cavaleiro, virando se para a criatura humanoide mascarada que havia surgido acima do pedregulho.

— Seyren Windsor, o grande herói. Olá. Teria um minuto para conversar comigo? — Respondeu-lhe o homem esguio de máscara azul, entalhada em detalhes dourados.

A máscara era semelhante a um felino, com as protuberâncias que se esticam nos cantos superiores dando a impressão de orelhas.

O manto azul jogado por cima de um robe marrom e verde cobria completamente seu corpo, como um cultista pronto para o início de seu ritual.

— Parece saber o meu nome. O quê é estranho, já que não sei o seu. — Ergueu a espada, repousando a grande lamina sobre sua ombreira metálica de maneira rude.

Viu o homem curvar o braço sobre o peito de maneira respeitosa, abaixando a cabeça.

— Um nome.. peço desculpas, mas não tenho isso. No entanto, você pode se referir a mim como A Figura. — Não era possível ver seu rosto, mas Seyren sentia que o desconhecido havia lhe dado um sorriso.

O cavaleiro ergueu a sobrancelha, curioso.

— E o que uma Figura sem nome quer comigo? — Viu o homem saltar sobre a rocha com facilidade, girando de maneira sutil pelo ar e aterrissando em sua frente como uma leve pluma.

Vendo-o de perto, estava completamente desarmado e não parecia ser uma ameaça. Mas ainda sim, algo o dizia que abaixar a guarda poderia ser um erro fatal.

— Resolvi me intrometer na sua história, pois tenho uma ideia melhor. Você gostaria de salvar o mundo? — Falou a Figura, a mão repousando sobre seu manto na altura da cintura.

— Você não parece estar brincando, mas eu não faço ideia do que quer dizer. Salvar o mundo?

O cavaleiro observou o homem erguer a mão para o horizonte, e o seguiu com o olhar. Estava apontando na direção da cidade flutuante de Juno, a capital da República de Schwartzwald.

— Há um grupo maligno que irá reviver o gigante primordial, Ymir, e destruir toda Midgard no processo.

Era um relato absurdo, mas bastante assustador. Se o que a Figura estava lhe dizendo era verdade, alguem estava planejando um plano extremamente suicida que acabaria com tudo em Midgard.

As lendas dizem que o deus Aesir Odin e seus irmãos Vili e Vé, mataram o Jotunn primordial Ymir, e com seu corpo colossal criaram Midgard. A dimensão mediana entre todas as nove dimensões que repousam na grande árvore Yggdrasil, o centro de tudo que existe.

— O próprio Ymir os guia através de seu espirito, e estão tentando o reviver através de qualquer meio necessário. Quando tiverem sucesso, ele tomará de volta o que é seu, e tudo deixará de existir. — Com uma voz inexpressiva, a Figura abaixou o braço e voltou a o repousar em seu manto.

— É uma história impressionante, homem anônimo e suspeito que encontrei no meio do nada. Como você sabe de tudo isso? — Tirou a espada do repouso de seus ombros, novamente a segura rente ao corpo.

— Eu observo este mundo faz algum tempo, por isso sei de muitas coisas.

— Huh. E resolveu ficar do nosso lado? — Perguntou o lorde cavaleiro, desconfiado.

A figura mascarada negou com um movimento sutil da cabeça.

— Eu só observo.

— Então por que nos contar?

Novamente, a sensação de que o outro havia sorrido por trás da máscara o atinge, provocando alguns arrepios.

— Porque eu quero que tenham uma chance. — Então virou de costas, sumindo em ar puro e reaparecendo sobre a pedra mais alta imediatamente.

Seyren elevou o olhar ao homem parado no caminho da enorme lua, a qual iluminava-o por trás.

— Vocês tem uma escolha. Mostrem-me que é possível mudar o destino. Crie um grupo para os impedir. — Fez um gesto rápido com a mão, arremessando alguma coisa com velocidade na direção do cavaleiro.

Antes que pudesse reagir, outra pessoa interceptou o objeto no ar com grande maestria. Um assassino de cabelos azuis e cachecol vermelho em fragalhos aterrissou do seu lado, mostrando-lhe o quê era aquilo que havia apanhado.

Se tratava de uma carta do baralho, o Rei de Ouros. Atrás, algo estava rabiscado.

— "Baccarat"? Tem um endereço, uma data e horário.. — Murmurou Eremes Guile, dando a carta na mão do cavaleiro.

Quando o rapaz ergueu o olhar mais uma vez, a Figura já havia desaparecido no céu noturno.

— Se quiser ir até o local que está marcado, teremos que repassar a missão atual pro grupo do Chen. O quê quer fazer? — O assassino perguntou ao cavaleiro, sua boca oculta pelo pano vermelho despedaçado.

Olhando para a figura do rei na carta em sua mão, passou alguns minutos em silêncio, sua reflexão terminando em um suspiro súbito.

— Mudar o destino, é? — Escondeu a carta na armadura, dando meia volta em direção ao acampamento onde sua irmã e seus amigos estavam adormecidos.

Se a própria existência de Midgard realmente estava em apuros, um cavaleiro jamais poderia ignorar tal coisa. Algo o dizia que havia sido atraído para um enorme problema do qual não poderia virar as costas caso se intrometa.

Além do mais, estaria embarcando numa jornada para evitar o apocalipse. Mesmo sem sua interferência, a existência está destinada a terminar em meio à fogo e gelo no Ragnarok, onde os deuses e gigantes irão se matar.

No entanto, o quê seu pequeno grupo poderia fazer para impedir a destruição completa, sendo que o mundo já está predestinado a acabar?

E sequer valia a pena, os peixes nadarem contra a correnteza?

— Eu..

Deuses, gigantes, monstros, sabe-se lá o que aguardaria o futuro daqueles que decidem lutar para atrasar o inevitável.

Dane-se.

Ele será o primeiro a lutar.

Mesmo que não seja o último.