— Passado interessante, senhor Balazar. Já contou para seus amigos o que você fez? — a voz irritante do homem ressou.

Minha cabeça parecia rodar e meus músculos não respondiam aos meus comandos. Senti uma mão larga segurar minha capa e me puxar para trás de um pilar. Uma ânsia de vômito se misturava com meu estado de choque. Alguém gritava meu nome, mas eu não conseguia manter o foco. Os pensamentos se misturavam com as lembranças.

— Imagino que não, sua covardia te impediu, não foi? Porém eu entendo, também teria vergonha se tivesse agido daquela forma. Seu pai não merecia aquilo, ele não agiu pensando. Você é que merecia ser punido!

Minha raiva empurrava as lágrimas para fora do meu olho, limpando minha pele vermelha coberta de sujeira, meus estavam tão fechados que doía, meus dentes trincados rangiam e minha respiração estava leve demais.

— Irmão! Balazar! Volta! — Fear gritava, sacudindo-me.

— Eu já estou normal — falei calmamente.

Senti o chão onde eu estava sentado ficar mole aos poucos. Meu irmão se afastou com uma expressão assustada, depois olhou para onde o inimigo estava e seu rosto tomou um ar sério.

— Ele está se preparando para lutar — o assassino disse.

As rochas negras do chão flutuavam por causa do poder mental exercido pelo chefe da fase. Sem esforço, o homem criou uma armadura em volta de si, aumentando seu tamanho. No final do processo, seu novo corpo era um gigante de ônix, com braços fortes, quase cinco metros de altura, um rosto deformado com olhos negros, porém brilhantes, membros irregulares constituídos de pedras de diferentes tamanhos e grudadas somente com o poder psíquico.

— Esse é o túmulo de vocês! — gritou o vilão.

Britas dispararam pelos dedos grossos do monstro, como tiros de metralhadora. Com o reflexo de soldados de elite, o casal atirador acertou os projéteis no ar. Lado a lado, eles eram nosso reforço, tínhamos de aproveitar as oportunidades que Limcon e Skarlatte nos davam para atacar.

Olhei para minhas mãos abaixo da cintura. As palmas estavam voltadas para cima e, sobre elas, queimava um fogo vermelho vivo que não tremia. As imagens da memória recém revividas tomaram meus sentimentos com uma força incontrolável. O brilho da chama começou a diminuir, mas a altura continuou a mesma. O vermelho do centro passou para um tom roxo brilhante, enquanto o vermelho externo começou a escurecer.

Pulsando controladamente em cima das minhas manoplas, o fogo sombrio parecia sugar a luz do ambiente ao meu redor. Fear olhou preocupado para a chama que eu possuía, pois ele sabia que ela era intensificada pelo ódio. Porém eu sentia ódio. Muito ódio.

— Como ousa violar minha mente? Você não sabe o quanto vai sofrer por isso! — gritei com uma voz demoníaca.

Meus cabelos ardiam como brasa, meus chifres expeliam fumaça, meus olhos brilhavam malignamente, minha pele era coberta de sulcos de fogo. A fúria flamejante queimava em meu corpo. Eu caminhei lentamente contra o leitor de mentes.

Por um momento o inimigo pareceu se amedrontar, mas logo ele recobrou a coragem e mirou os tiros em mim. As pequenas balas negras derretiam ao chegar a um metro do meu corpo infernal, escorrendo pela minha roupa como se fosse água.

— Você mexeu com o demônio errado!

Realmente assustado, o vilão mudou a tática. Levantando os pesados braços de pedra, ele atacou com um golpe vertical, como se fosse um martelo. Pulei para a esquerda sem esforço e comecei a correr paralelamente ao membro rochoso, passando a mão inimigo e derretendo seu braço. As pedras pareciam uma nuvem de fumaça, pois a chama sombria destruía tudo tão facilmente que eu não tinha dificuldade em enterrar a manopla na ônix.

O urro de dor do chefão demonstrou que as pedras estavam ligadas mentalmente com ele. Como a dor é algo mental, meus golpes no material negro causavam impactos no cérebro. Reagindo à queimadura, o gigante moveu os braços contra mim, empurrando-me contra um pilar próximo. Perdi o ar ao bater as costas na construção e fiquei de joelhos, mas minha fúria me fez levantar novamente, correndo para a batalha.

Limcon e sua namorada atiravam em partes aleatórias do monstro, que parecia se irritar com os ataques, porém não parecia ser algo que machucasse. Supreme não conseguia se aproximar do inimigo, pois este mexia as pernas. Se o bárbaro não se cuidasse, poderia acabar sendo pisado. Fear correu para flanquear o adversário, com Jujuba próximo a ele para protege-lo de possíveis disparos.

Pela primeira vez, atirei uma esfera de fogo negro, destruindo parte do ombro rochoso. Meu novo poder sumia rapidamente, mas levava junto consigo facilmente o material duro. Fiz uma concha com as duas mãos e preparei um golpe mais forte.

— Morra! — atirei gritando.

Uma grande bola negra voou até a cabeça do inimigo, o fazendo gritar e cambalear. Eu sabia que ele não seria derrotado somente com um ataque, por isso corri contra o monstro. Supreme escalou as costas irregulares com certa dificuldade, mas foi até a cabeça deformada. Eu subi pela perna e fui até o peito. Raivosamente, soquei o lado do coração, soltando palavrões e pedras, queimando e quebrando. Minhas mãos pareciam escavadeiras, pois retiravam o material facilmente. A nova chama realmente conseguia destruir qualquer coisa sem esforço. Não sei como minha manopla não foi destruída junto, talvez fosse por ela ser encantada ou algo do tipo.

Olhei para cima e vi as correntes do lagarto em volta da boca desmanchada do vilão. Usando sua arma, Supreme puxava a cabeça do gigante para trás, enquanto empurrava com os pés as costas para frente. A velocidade o ajudava para não ser pego pelas mãos grandes do ser maligno, mas isso reduzia a força para empurrar e arrancar a caixola do inimigo.

Eu precisava ajudá-lo e usei minha fúria negra para isso. Soquei mais forte o peito, abrindo até o mais fundo possível. No lugar do coração, consegui ver o braço do velho. Segurei o pulso e queimei intencionalmente, para causa dor e agonia. O resto do corpo estava coberto pelas rochas, então ele não conseguia me ver.

Escutei um grito abafado vindo do chefão e senti algo agarrando meu torso. Quando me dei conta, estava preso na mão do inimigo, somente com um braço livre. Era o bastante para eu me soltar dessa. Acendi uma chama mais forte e apertei o dedo largo do gigante. A pedra evaporou, consumida pelo fogo, e o monstro me jogou longe. Fiquei tonto quando acertei a parede fortemente, contudo me levantei novamente.

Fear aproveitou a oportunidade e subiu no peito do adversário também. As pequenas machadinhas cravaram no braço, fazendo sair sangue e gritos aterrorizantes de dor. Outra vez um herói foi jogado longe.

A cabeça, o peito, o ombro e o dedão do monstro estavam machucadas. Percebi que os pés eram o ponto chave para derrotá-lo. Indiquei para os atiradores onde eles deveriam mirar e vi uma chuva de piche acertar desde os dedos até o calcanhar. Supreme deu um puxão forte e finalmente cortou parte da cabeça do gigante.

A pedra grande caiu no chão, fazendo um estrondo e rachando em duas. O monstro tentou fugir para trás, mas seus pés estavam presos. O piche mágico o fez grudar no chão, desequilibrando-o. Irritado, o gigante parou e a técnica de combate mudou. Como todo vilão de jogo, existem sequências programadas, por mais poderosa que a inteligência artificial fosse.

O ser dentro do monte de pedras usou o poder mental novamente, fazendo a câmara tremer. Senti pó cair na minha testa e olhei para cima a tempo de ver as estalactites caindo em minha direção. A magia telepática do velho conseguia nos rastrear e foi assim que as rochas pontiagudas viajaram diretamente contra mim.

Para fugir, corri para esquerda, desviando de qualquer destroço que ainda não fora utilizado pelo narigudo. Algumas pedras me acertavam após se soltar da lança que batia no chão com força, mas era um dano mínimo perto do que eu fazia no monstro com minhas bolas de fogo. Era preciso abrir mais furos no peito, para retirar o humano lá de dentro e enfim conseguir matá-lo.

A chama negra começou destruindo o peito, depois o braço e, quando eu corri pela metade do círculo do salão, passei a atingir as costas do inimigo. Vez ou outra o gigante atirava rochas pequenas que achava no chão, mas, quando eu estava em suas costas, ele fez algo inesperado.

Calculando meu tempo perfeitamente, agarrou uma das pedras da cabeça que Supreme tinha arrancado dele e arremessou em um ponto que eu estaria dali a uma fração de segundos. Meus rápidos reflexos salvaram minha vida quando eu deslizei como um jogador de futebol, com as pernas estendidas e o corpo contra o chão. Vi a pedra negra passar próxima à mim. Meus olhos seguiram inconscientemente massa escura, antes de eu sentir minha alma quase sair pela boca.

Meu coração parou por um segundo ao ouvir o grito agudo, seguido do estrondo do chocar do enorme projétil contra a parede. A mancha de sangue pintou a fila de tijolos de pedra, assim como quebrou parede dela. Metade do corpo caiu em um baque surdo no chão. O crânio, o tórax e o quadril estavam quebrados no meio. A perna e o braço direitos haviam sido esmagados. Da barriga aberta saiam as tripas, da cabeça, o cérebro, das outras partes, o sangue.

— Não! — Limcon gritou ao ver sua namorada mutilada, esmagada, morta.

Meu sangue pareceu esfriar, mas minha fúria só aumentou. Tentei não acreditar no que estava vendo, mas eu sabia que era real, dessa vez era real. Queria acreditar que era uma ilusão do leitor de mentes, porém os gritos de Limcon era reais demais.

— Não! Isso não pode estar acontecendo! Não, ela era... — escutei o choro e os gritos desesperados do atirador.

Brasa subiu do corpo do soldado viúvo. Eu não entendi o porquê disso no momento, contudo logo lembrei que ele era um elemental de fogo. Todo o fogo que queimava em seu corpo era em função da vontade de lutar, de destruir quem matou sua namorada.

A multi arma de Limcon inflamou, assim como o piche que saía da metralhadora. Dessa vez, as balas pareciam causar dano no monstro assassino, que parecia alegre com seu último ataque. Ele voltou a controlar as lanças do teto e do chão, mas cada um conseguia se proteger do seu jeito. Fear desviava com facilidade, eu destruía elas ou corria, Jujuba usava o escudo, Supreme nunca era pego e Limcon explodia as pedras no ar com suas balas de diferentes tipos.

O garoto flamejante parecia não conseguir se decidir com o que iria se vingar. Mísseis voavam, balas corriam, bombas estouravam, tiros perfuravam. Cada segundo parecia que uma rajada nova buscava a morte do chefão.

— Seu verme! Morre logo! — ele gritava.

Supreme usou o poder de magnetismo no gigante sem que eu percebesse, pois estava ocupado demais sobrevivendo. Porém eu notei que todo tipo de material que o leitor de mentes tentava jogar contra nós, voltava-se contra ele mesmo. Possivelmente o lagarto havia espalhado ímãs por todas as pedras pontiagudas, prevendo o resultado dessas ações.

Jujuba fazia preces para sua deusa, ganhando poder para se aproximar do homem de pedra. Sua espada cortava com facilidade qualquer coisa que voava em sua direção. A lâmina tinha um brilho prateada, então deduzi que era a magia do lobo que aumentava o dano.

Olhei para o outro lado da sala, onde Fear se concentrava em cima de uma pedra. O inimigo não pareceu dar atenção a ele, então o assassino teve tempo de colocar algo no rosto. Quando me dei conta, ele estava transformado com a meia máscara. Avançando como uma sombra, começou a cortar as pernas do inimigo e fazer fantasmas atacarem o peito rochoso.

Aproveitei a oportunidade e comecei a atirar aleatoriamente o fogo no corpo do adversário. Aos poucos, as pedras foram se desintegrando, até que o torso e a cabeça do inimigo apareceram completamente.

— Traga-o para a morte! — Limcon ordenou para Supreme.

O bárbaro, também querendo vingança, subiu até o velho e agarrou as costelas dele, puxando com força. Houve um grito de dor quando o lagarto arrancou o inimigo do meio das pedras. Quando o colocou no chão em meio aos outros quatro heróis, incluindo eu, vi que as pernas e o braço que restava haviam ficado no gigante. A magia perdeu efeito e toda a pilha de ônix desmoronou.

— O que fazemos com ele? — Supreme perguntou, chutando as partes íntimas com força.

— Matá-lo, é claro! — Limcon apontou a arma para a cabeça do derrotado, porém Fear o parou.

Ajoelhando-se do lado do inimigo, meu irmão pegou algo de dentro da capa e pressionou o polegar contra a testa do homem no chão. Cansado, o velho não gritou, somente soltou o ar fracamente. Quando o dedo saiu de cima do objeto, puder perceber que era uma pequena caveira de rubi e mármore negro. Os dentes e a cavidade onde os olhos deveriam estar eram negros, enquanto o resto era vermelho.

— O que é isso? — Jujuba indagou.

— É um passaporte para um lugar especial no submundo. Quem estiver marcado com essa caveira irá receber mais tortura. É difícil fazer a Marca de Sangue, mas eu consegui algumas de presente do meu mestre. Achei apropriado gastar uma para o... — ele hesitou em falar. — Bem, o assassino da Skarlatte.

Olhei para Limcon, preocupado com a reação do garoto. Em seus olhos, um mar de lágrimas pousava em seus olhos, brilhando em meio a pele morena. O fogo da fúria já havia sumido, mas eu sabia que a raiva ainda queimava dentro dele. Com facilidade ele podia entrar em combustão novamente.

— Vamos mandá-lo de encontro aos demônios! — o ex-namorado gritou.

— Não, por favor! Desculpem-me, eu não queria matar ela! Eu só… — a voz parou quando um tiro de escopeta fez pedaços da cabeça espalhar todos os lados.

— Você não tem perdão.

A voz do meu amigo soou calma, mas cheia de amargura. Algo mudou dentro dele, mesmo em um tempo tão curto. As lágrimas pararam de escorrer, fazendo o olhar triste ser trocado pelo vingativo e frio. Naquele dia, não foi somente o sorriso de Skarlatte que havia morrido, mas o de Limcon também.