Radiação Arcana: Totem De Arquivo

Capítulo 44: Finalmente a Luz do Sol


Meu maxilar tomou uma rápida corrida para longe de meu rosto, mas a pele vermelha me levou junto. Tampei o lábio sangrando com o punho e usei a mão esquerda para ficar em defesa.

— A culpa é sua! — Limcon gritou para mim. — Era para você ter morrido no lugar dele! Se você não tivesse desviado… — ele avançou contra mim com a coronha da metralhadora levantada para acertar outro golpe.

Houve um estalo quando o metal da arma bateu no material não identificado do escudo lunar. Taster estava na minha frente, espada em mãos, pronta para tirar a vida do atirador enlouquecido.

— A culpa não foi dele — disse meu irmão.

— Foi sim e ele vai pagar com a vida por isso! — o elemental botou a mira no olho e puxou o gatinho.

Agachei-me instintivamente para me proteger, porém o escudo mágico já fazia isso por mim. Olhei pelo lado do corpo atlético de Jujuba e vi Supreme se transformar em um raio, como sempre adorava fazer. Uma fração de segundos depois, os dedos escamados do lagarto tocaram o peito de Limcon de leve e um estalo tomou o som da batalha.

Duro, o garoto caiu no chão.

— O que você fez?— Fear perguntou.

Supreme jogou a arma longe e se manteve preparado para atacar novamente, caso necessário.

— Eu passei uma corrente fraca no corpo dele, somente para paralisá-lo. Ele não vai morrer, não se preocupe.

Ainda acordado, o soldado gemeu no chão. Rapidamente, o assassino pulou para perto do jogador em fúria e pousou as lâminas de obsidiana no pescoço, fazendo Limcon arregalar os olhos. Mesmo naquele estava, qualquer um saberia que reagir seria o mesmo que pedir para morrer. Meu irmão era frio o bastante para não pensar duas vezes antes de tomar a decisão de tirar a vida de um possível inimigo, mesmo que esse inimigo fosse um antigo aliado.

— Acalme-se ou irá para o submundo também — ele disse calmamente.

— Mande-me para lá! Assim poderei encontrar minha amada, pelo menos.

— Você não irá encontrá-la, aquele lugar é tão imenso quando a imaginação humana e as torturas não vão te deixar pensar direito. Acha que aquilo é um parque de diversões? Acha que muitas pessoas não tentaram resgatar entes queridos no mundo dos mortos? — o ladino retrucou irritado.

A raiva do atirador pareceu baixar, mas era visível em seu rosto a luta contra os próprios sentimentos. Ele acabara de perder a garota que ama, mesmo que fosse um amor juvenil, ainda assim era importante para ambos.

— Então como posso a ter de volta? — o estrategista perguntou, agindo como geralmente fazia.

Fear ajudou o garoto a levantar e explicou:

— Talvez, com sorte, possa achar alguém que te responda isso, mas este não será eu. Vou te levar ao meu mestre, ele, quem sabe, saberá. Contudo temos que sair daqui agora.

Olhamos ao redor, procurando o que viemos buscar. Em cima do altar, no meio da câmara, o tão desejado artefato parecia desejar ser enfim resgatado.

— Vamos aproveitar e pegar todos todos os itens que pudermos. Não quero voltar nessa masmorra nunca mais — Supreme disse sem gritar.

Obviamente, a tristeza havia abraçado o coração de todos da equipe. Em silêncio, rondamos a sala procurando por ouro, jóias, armas ou qualquer coisa que um herói pudesse tirar proveito.

Foram os dez minutos de luto pela falecida feral. No fim desse tempo, voltamos ao portão de entrada com os baús que encontramos. Dividimos o lucro igualmente e os itens especiais também. Não me interessei por nada, decidi que venderia tudo, assim como os outros fariam. Nós estávamos acostumados às nossas armas, magias e técnicas. Trocar o estilo de luta agora não nos ajudaria, mas sim atrapalharia.

— O que acham de pegarmos o Totem de Arquivo e sumir daqui? Eu não gosto desse lugar… — Supreme reclamou.

— Concordo com ele, vamos descobrir como sair daqui o quanto antes. Pela lógica de jogos, assim que pegarmos o que viemos buscar, algo acontece e nós saímos. Possivelmente será um portal — deduziu Limcon.

Marchei na frente determinado a pegar o magnífico Totem de Arquivo, que custara a vida de Skarlatte. Será que ele realmente esse item valia tanto assim?

Subi o altar e, logo a minha frente, um ímã de madeira com esferas de ouro e prata na ponta. Senti uma súbita vontade de queimar aquilo, mas consegui me controlar. Peguei o Totem de Arquivo do chão e o avaliei.

— E então? — Limcon parecia com a mesma vontade de destruir o totem que eu.

— Era para algo acontecer — Supreme choramingou.

— Talvez se eu quebrar ele — falei com um sorriso macabro.

— Não, deixe-me ver isso daí.

Entreguei o artefato para Fear, que analisou cada detalhe. Seus olhos estavam escondidos pela sombra do capuz, mas eu sabia que iam de um lado ao outro, procurando instruções.

— Para que essa merda serve? — ele disse depois de passar um minuto olhando para aquilo.

— Bem… Sabemos que é um ímã, e ímãs puxam coisas de metal, não é? — comecei o raciocínio. — Talvez isso pegue algo para nós…

Limcon, o mais inteligente, começou a refletir sobre minha constatação.

— O nome é Totem de Arquivo — ele pôs ênfase nessa última palavra. — Quem sabe isso pegue arquivos para nós.

— Só que — Supreme veio com um de seus lapsos de sabedoria. — Tudo nesse jogo é arquivo, não é?

Sorrimos e pulamos no lagarto gigante.

— É isso, cara, perfeito!

— Você é um gênio!

Porém Jujuba tinha que estragar o momento de felicidade.

— E como usamos isso agora? Não temos como sair daqui pela porta de entrada, porque nós nunca passaríamos do elevador que viemos. Não há mais nenhum caminho aqui e nós vimos que tudo que temos de item são armas, dinheiro e pedras preciosas. O único jeito de sair deve ser esse maldito totem.

— Então vamos descobrir como usá-lo — sorri e peguei o item.

Comecei a fazer possíveis movimentos de acionamento, como apontar para frente, sacudir, girar e até jogar longe.

— Não funciona, cara. Nada que eu tento faz isso funcionar.

— Eu sei por quê — a garota falou e correu para pegar o ímã.

Com o totem nas mãos, ela rezou para a deus da sabedoria, que pareceu atender suas preces. Sua mão direita pousou sobre a esfera prata e ela se concentrou.

— O que está fazendo?— perguntei.

— Estou passando minha mana para o artefato, mas não pode ser de qualquer jeito. Mudrost me disse que deve-se colocar a energia na prata.

— Por que não no ouro? — Fear pareceu curioso.

— Porque, segundo meu grandioso deus, o ouro absorve mais a energia que a prata. Se eu colocar na prata, minha energia irá percorrer o material orgânico, a madeira, para chegar no ouro, que tem uma tendência maior a ganhar mana.

— É como eletricidade! — gritou o bárbaro.

— Parando para pensar, é parecido.

O totem começou a brilhar, carregado da energia do anjo. Segurando firme com as duas mãos no meio do ímã, Taster apontou para uma parede e uma rajada de energia azul fluiu como um rio. A mana se espalhou pela superfície vertical e virou um grande círculo brilhante.

— É um portal — Limcon falou sem animação, possivelmente lembrando-se de sua amada.

— Bem, é nossa única saída, acho melhor aproveitarmos — meu irmão disse.

Enquanto atravessava o portal, eu senti como se algo estivesse nos observando e rindo da nossa inocência. Não virei para trás para ver o que era, o que fez minha imaginação ganhar mais força e impôr na minha cabeça que algo estava lá.

A luz no do sol bateu em meu rosto, o que me fez sentir uma das sensações mais agradáveis do mundo. Depois de tanto tempo naquele universo paralelo onde assombrações caçavam heróis e fugiam de algo pior ainda, a natureza parecia dez vezes melhor do que sempre fora. O verde da grama, o vento morno, o cheiro de árvores frutíferas.

Meus instintos disseram para jogar o peso do corpo para direita, e eu respondi ao pedido. Uma flecha sibilou quando atravessou o local onde eu estivera há poucos segundos. O barulho da corda de um arco sendo esticada novamente soou longe. Olhei na direção e presenciei a marcha de um pequeno exército.

— Vocês estão presos!

Esmagando folhas secas sob seus pés, o dono da voz retumbante abriu caminho entre as tropas em formação de batalha. Apontando a cimitarra de prata, o homem negro gritou conosco.

— Se desistirem sem lutar será mais fácil para nós todos, rapazes. Só queremos o totem, mais nada.

Mordi a língua para aliviar a raiva. Não queria usar o mesmo poder de fúria que gastei com o vilão da masmorra contra simples jogadores ou habitantes daquele país. Somente os mais cruéis deveriam sentir o castigo do fogo sombrio, o que não parecia ser o caso do militar à minha frente.

— Desculpe-me, senhor, mas nós não temos este artefato — Fear tentou blefar.

— Vocês têm sim. Eu mesmo vi vocês entrando naquele portal dias atrás. Os únicos dois jeitos que vocês teriam para sair seria voltar pela porta de entrada ou… — ele deu um sorriso presunçoso. — Ou vocês sairiam pelo interceptador de portal que nós fizemos.

Escutei Limcon dizer um palavrão em voz baixa e sussurrar para mim.

— Skarlatte me falou sobre isso. Quando alguém faz uma viagem de portal, pode-se usar um ritual para criar uma fenda no caminho do teletransporte. Ao tentar usar a passagem, o usuário iria surgir onde a fenda fosse criada. Eles já esperavam que alguém conseguisse pegar o totem e estavam de tocaia aqui.

— E o pior de tudo, nos esperaram com um exército maldito — Taster reclamou.

— O que vamos fazer agora? — perguntei para qualquer um que quisesse responder.

— Bem, general, vamos ter que dar um passeio carroça — Supreme falou apontando para o veículo que levava uma jaula para prisioneiros.

— Está nos dizendo para desistir? — arqueei as sombrancelhas.

— Vamos deixar eles nos levar e esconder o artefato. Quando acharmos uma brecha para fugir, damos um jeito. Eu não tenho como levar todos vocês para longe antes que as flechas daqueles arqueiros magricelas ali — ele apontou para os homens — acertem vocês. E também estou muito fraco agora, acabei de gastar muita energia lutando contra aquele cara.

Eu também me sentia fraco e tive tempo para perceber a expressão de cansaço dos outros. Fear parecia a ponto de desmaiar porque havia usado o poder da Meia Máscara, Jujuba estava com a testa cheia de suor e sempre apoiada na espada brilhante, Limcon parecia com dificuldades para respirar e até Supreme estava quieto, guardando as poucas energias que tinha.

— Bem, vamos nos render e esperar que o plano do menino lagarto funcionar. Só espero não morrer por culpa de uma ideia louca de um bárbaro.

Dei um passo a frente e mostrei os pulsos, dizendo.

— Sua prisão parece confortável, quanto é a diária?