Radiação Arcana: Totem De Arquivo

Capítulo 36: As Leis dos Homens


Três pequenas esferas de fogo giravam entre meus dedos, um vício estranho que eu tinha adquirido quando não precisava me preocupar com lutas ou amigos envenenados. Por algum motivo aquilo me fazia relaxar.

O tilintar das correntes de Supreme acompanhavam o suave som do vento nos milharais verdes que me impediam de ver nada além da estrada de terra cheia de húmus, escura como a capa de Fear. O brilho do sol mudava de intensidade com o passar das nuvens claras como algodão que contrastavam com o céu azul.

Limcon e Skarlatte andavam de mãos dadas, sussurrando um para o outro e depois roubando beijos e rindo de si mesmos. Porém as armas estavam sempre nas mãos livres, pois o instinto de combate os fazia se preparar o máximo possível para o caso de um ladrão ou um monstro tentar nos atacar.

Meu irmão andava mais a frente sem nem olhar para trás. Eu não conseguia ouvir os passos dele, por mais que o chão estivesse cheio de folhas secas. A habilidade dele de se mover de forma sorrateira, mesmo que sem querer, era admirável.

Jujuba havia conversado comigoa viagem inteira e entre ameaças de uma próxima batalha e contos de monstros que já havia derrotado, aos poucos aprendia sobre ela e esse continente. Aqui, diferente do nosso continente original, os grupos de jogadores eram chamados de guildas e o que juntava os membros eram as classes. Segundo o que ela me contou, o maior grupo era a Guilda Alma da Espada, GAE. Somente guerreiros, gladiadores, capitães e lâminas arcanas poderiam entrar nessa guilda e, para poder entrar, precisavam passar por uma prova de habilidade muito difícil, mas que peneirava os melhores soldados dos comuns e fracos.

O antigo rei deste continente havia morrido há uma semana, assassinado. Os culpados não foram encontrados e o Departamento de Investigações do atual rei não conseguiu encontrar nenhuma pista que ajudasse muito na busca. Contudo ninguém ficou triste com a morte, pois o antigo dono desse reino era um tirano, diferente de seu filho, um jovem de boa alma que cessou todas as guerras que haviam começado com o reinado no seu pai.

A paladina ficou muito feliz quando eu contei que no meu continente os grupos eram de jogadores mistos, alguns eram bons lutadores elementais e outros dominavam as artes das classes com exímia habilidade. Mas havia um terceiro tipo de jogador,este juntava os poderes elementais com os da classe. Um exemplo desse tipo era meu irmão, um ladrão que controlava o poder da morte, se tornando um assassino perfeito.

Depois de longas horas caminhando entre pausas para relaxar, meu irmão disse:

− Tem alguém nos seguindo. Eu imaginava que eram só pessoas fazendo o mesmo caminho que nós, mas analisei que eles param de avançar quando nós também paramos, continuam a caminhar quando nós voltamos para a estrada e tem uma formação que nos impede de fugir. Contudo eles não parecem querer nos roubar ou atacar. Estou ponderando se eles estão nos seguindo ou tem medo de nós, mas, se estivessem com medo, não faz sentido eles nos cercarem.

− Como você sabe tudo isso? Não vi ninguém nos seguindo o caminho inteiro − Supreme perguntou.

− Eu prestei atenção no barulho dos milharais e usei um espelho às vezes. O melhor amigo de um ladrão é um espelho.

− Você fez um ótimo trabalho, Fear, mas acho que devemos seguir o caminho e pensar o que fazer sem parecer que notamos eles. Ninguém olha para trás e nem pensem em fugir. Jujuba, que você acha que está nos seguindo? − perguntei.

− Talvez seja alguma guilda de ladrões ou, no pior dos casos, uma guilda grande que tem como objetivo pegar o Totem. Eles se chamam GCA, Guilda de Colecionadores Arcanos. Eles buscam itens raros, únicos e cheios de magia. Talvez eles pensam que nós conseguiremos e querem roubar de nós assim que sairmos do labirinto. Se for isso, não precisamos nos preocupar agora. Caso for a dos ladrões, acho melhor nos prepararmos parar lutar.

− Se fosse de ladrões eles teriam nos atacado enquanto descansávamos, então acho melhor não darmos atenção para a GCA. Quando sairmos do labirinto nós vemos o que podemos fazer, mas não sei como é o local e nem quantos tem, não posso fazer uma estratégia sem essas informações − Fear disse.

− Tudo bem, vamos nos preocupar em seguir o caminho e estar inteiros e com energia quando chegarmos na entrada do labirinto − falei.

Todos concordaram e seguiram caminhando descontraídos. A confiança nas nossas habilidades tinha fundamento, pois havíamos conseguido grandes feitos para nos gabar.

Ao anoitecer nós chegamos em uma grande clareira em meio a plantação, contudo a clareira estava ocupada por centenas de cabanas. O barulho de canções folclóricas e o cheiro de rum, cerveja e cachaça pairava invisível no ar, me fazendo enojar os malditos bêbados que viviam pensando no próximo gole.

− É aqui, pessoal − Jujuba informou.

− Imagino que seja no meio desse círculo de acampamento, certo?− Limcon disse.

− Sim, mas temos que esperar nossa vez de entrar, pois existe uma ordem. O portal abre uma vez a cada três horas.

− Não temos tempo a perder, assim que abrir nós entramos − Fear disse.

− Mas eles não vão deixar, irão lutar contra nós. Temos que aceitar as leis deles, é assim que funciona − Jujuba tentou convencer meu irmão.

O pequeno assassino não se importou se ele faria algo contra as regras, mas ele estava certo, quanto antes pegássemos o Totem, antes terminaríamos a missão. Pelo número de barracas, talvez se passariam meses antes da nossa vez de entrar no labirinto chegasse. Segui meu irmão, junto com meus colegas. Nossos métodos de cumprir o objetivo poderiam parecer errados para Jujuba, mas funcionavam.

Chegamos no meio da clareira, onde centenas de heróis e bandidos faziam bagunça. A área não tinha barraca nenhuma e todos faziam um círculo em volta de um ômega feito de pedras cinzentas. Tochas iluminavam toda a área em volta do grande portal, que possivelmente deixava uma girafa passar por baixo sem se abaixar.

Logo percebi que uma dúzia de soldados faziam a organização da entrada no portal, usando a força para não deixar os heróis se aproximarem do ômega. Mas eram poucos que tentavam passar pela barreira de contenção, puramente para tentar infringir as regras. Era visível que o portal não estava funcionando agora, então não fazia sentindo tentar chegar nele.

− Devemos ficar lá − Fear apontou para um ponto onde poucos heróis estavam reunidos − Assim que o portal abrir, nós invadimos. Balazar, vou eliminar os guardar da barreira e depois você nos cobre com uma esfera de fogo. Todos devem estar preparados para o caso de algum herói ter proteção contra fogo e passar pela esfera. Se isso acontecer, vamos derrotar ele rapidamente e seguir a marcha. Temos que ser rápidos, antes que alguém entre no portal.

Todos entenderam o plano e fomos para o lugar indicado. Por sorte, os heróis que estavam lá eram muito amigáveis e nos serviram um pouco de café, dizendo que precisávamos ficar acordados pois logo o portal iria abrir. Já estava de noite, mas ninguém parecia estar se arrumando para ir dormir. Espadas eram afiadas, flechas arrumadas nas aljavas, formações de batalha eram treinadas, magos liam livros para melhorar suas magias, bardos afinavam os instrumentos, caçadores alimentavam os animais, clérigos rezavam de última horas, mas ninguém treinava poderes elementais.

− Que ótimo, somos os únicos elementais − Supreme falou demonstrando que tinha analisado o mesmo que eu.

− É, o estilo de luta deles é baseado somente na classe, ma devem ser muito bons nisso. Contudo acho que eles não tem tantas magias como nós, com exceção dos magos, feiticeiros e essas coisas todas. Imagina um guerreiro tentando enfrentar o meu amorzinho − Skarlatte disse.

− Não pensem que eles são fracos, pois todos aqui sabem usar muito bem suas técnicas e seus truques. Olhe o meu caso: tenho os poderes da sabedoria, mas para dar muito dano, uso minha espada chamada Loba. Quando uso o poder dela em um corte, uma pata de lobo fantasmagórica ajuda a atacar e quando uso em uma estocada a boca do lobo surge e morde o inimigo. Garanto que todos eles têm armas mágicas e criaram muitas estratégias com elas − Jujuba falou.

Senti uma pontada de medo ao perceber que ela não lutou com todas as forças contra mim naqueles becos lamacentos. Talvez eu não estivesse tão forte quanto pensava. Mas a conversas sobre poderes me fez lembrar de um assunto que eu queria falar com Limcon.

− Hey, cara, chega mais − chamei ele.

O atirador soltou a mão da namorada e veio falar comigo.

− O que foi, chifrudo? − ele irritou.

− Você consegue entrar em modo de combustão? perguntei.−

Limcon pensou um pouco, se concentrou, tentou entrar no modo e respondeu:

− Não, não consigo. E você? Consegue entrar no modo de fúria?

− Não, eu tentei já e não consegui. Acho que precisamos aprender a fazer isso, achar um motivo para ficar furioso, para virar um berseker, como os jogadores chamam.

Berseker são lutadores que entram em batalha sem se importar com os ferimentos, somente com a sensação de matar, bater e trucidar os inimigos, às vezes até os amigos se eles incomodarem.

− Quem sabe nós acharemos um motivo para ficar realmente bravos lutando contra as assombrações lá dentro, não é? Espero que encontremos logo, pois será muito massa! − ele disse entusiasmado.

− Pessoal, preparem-se − Fear pediu − Eu acho que chegou a hora.

Todos levantamos e nos aproximamos da muralha de homens. Como meu irmão disse, o portal brilhou e os homens que estavam organizando o evento começaram a chamar os heróis.

− Somente seis pessoas podem entrar,depois o portal se fecha. Dessa vez será a GAC, Guilda dos Arqueiros e Caçadores. Por favor, os seis favoritos se aproximem.

− Vamos lá, não podemos deixar que nenhum deles entre − meu irmão disse, atirando facas contra os homens que impediam a nossa passagem, que caíram mortos no chão. Acendi uma esfera de proteção e todos correram junto comigo em direção ao portal. Flechas tentavam passar pela esfera, mas eram queimadas facilmente, até que algo apagou o fogo. Olhei em volta e achei um atirador vestido como um esquimó. Suas flechas eram azuis e as pontas eram de gelo. Quando ele atirou, Limcon mirou e acertou a vareta encantada no ar.

− Todos para dentro do portal, agora! − Skarlatte gritou.

Todos correram em nossa direção, tentando nos imepdir, mas Meu irmão tinha um plano. Rapidamente ele desenhou algumas runas no chão com um giz branco. As runas brilharam e todos se jogaram no chão, preparados para se proteger do ataque. Lentamente zumbis, esqueletos e fantasmas subiram do chão. Os inimigos começaram a lutar contra os mortos vivos, mas perceberam que eram somente ilusões criadas pelo meu irmão. Porém era tarde demais, nós já estávamos perto demais do portal e ninguém podia nos parar.

Faltavamalguns passos para todos atravessarmos o arco quando nossos pés congelaram e grudaram no chão de grama. Xinguei aos céus o maldito arqueiro que nos acertou.

− Droga, o que vamos fazer? − perguntei.

−Porra, derrete isso, inteligente! − Jujuba falou.

Me senti muito burro por não ter pensado nisso. Acendi a chama de dragão e comecei a derreter a camada branca de gelo. Fear, Skarlatte e Limcon atiravam contra os soldados que tentavam se aproximar, Supreme invocava relâmpagos que atingiam grupos de paladinos de armadura, Jujuba tentava quebrar o gelo com sua afiada espada, os inimigos atiravam contra nós, mas a elite de atiradores nos protegiam dos ataques.

− Acabei! Corram, corram! − gritei.

Todos pulamos para dentro do portal atravessando uma cortina de energia púrpura. Um frio percorreu meu corpo quando toquei o chão de pedra do labirinto. Olhei em volta e percebi que só tinha dois caminhos, para frente e para trás. Uma névoa escura impedia que eu enxergasse mais do que vinte metros. Mas a parte mais assustadora não era a escuridão, era uma grave voz que gritou e fez sua voz ecoar pelos corredores, vinda de lugar nenhum, mas em todos os lugares ao mesmo tempo, e ela dizia:

− Mais heróisinhos chegaram! O jantar está servido, crianças!