Radiação Arcana: Totem De Arquivo

Capítulo 37: Tecendo o Medo


As batidas do coração pareciam vir da minha garganta, meu suor era gelado como nitrogênio líquido e minhas mãos tremiam pela minha vida, a inútil e frágil centelha de vida que eu era em meio aquela escuridão gigantesca, que engolia eu e meus amigos no estreito corredor. O silêncio fazia minha alma sentir falta de algo, talvez a esperança, talvez a felicidade. Mesmo com o zunido em meus ouvidos, aquele fino barulho irritante, como o da casa mal assombrada, não conseguia suprir a falta dos sons mundanos.

Não, esse labirinto não era na nossa dimensão, era aterrorizante demais para ser algo de lá. Não sei se o mais assustador era saber que nele viviam as criaturas mais horríveis que já existiram, as mais sanguinárias e frias, ou o que a misteriosa calmaria significava. Talvez uma assombração nos esperasse vinte metros a frente, onde minha visão não alcançava mais, pois a névoa negra se condensava de tal forma que tudo se escondia, como uma parede. Inexplicavelmente até o ponto que podíamos ver o chão era luminoso, não de emitir luz como uma lâmpada, mas ele era visível como se fosse fosforesceste. Nós simplesmente podíamos ver até certa área e depois isso era proibido.

Apertei o punho quente que tinha uma coloração alaranjada, porque a manopla estava aquecida. Nenhuma chama brilhava na minha mão já que isso atrairia a atenção dos inimigos. Eu não tinha certeza se eles poderiam ver pela névoa, mas era melhor não arriscar.

Nós fizemos um círculo de luta, onde as costas um do outro ficavam voltadas para o centro. Fear estava com as duas machadinhas preparadas para cortar carne, Limcon não tirava o olho da mira da sua metralhadora, Skarlate segurava com firmeza sua arma gigantesca, Supreme mostrava os punhos com correntes enroladas como um lutador de boxe, Life Taster segurava a sua leve espada com as duas mãos para poder atacar com mais força e eu estendia os braços como um lutador de karatê, já que aprendi isso quando era criança junto com meu pai.

Pingos de suor disputavam corrida até o chão, correndo o ar gélido e mórbido. A tensão em nossas veias era tanta que parecia que iríamos ser esmagados. Monstro nenhum vinha iniciar a luta, ação nenhuma acontecia para reagirmos, a monotonia transformava heróis apreensivos em crianças assustadas. Passaram-se minutos antes que um de nós cansasse de esperar.

— Gente… — Skarlatte começou — acho que não vai acontecer nada.

Concordamos com ela e baixamos as armas, porém ainda estávamos com adrenalina no sangue, prontos para batalhar ao menor sinal de perigo. O corredor só nos dava três opções de ação: ir para trás, ir para frente ou ficar no mesmo lugar.

— O que faremos agora, galera? — perguntei.

— Não podemos ficar aqui, pois nunca chegaremos ao totem desse jeito, então temos de escolher para qual lado ir — Fear simplificou nossas escolhas.

O corredor era feito de tijolos de pedra cinzenta, de tamanhos variados e com diversas marcas de batalha. O ladino estudou as marcas de luta por alguns segundos, tentando refazer as cenas de luta em sua mente.

— Não tenho como deduzir nada, são centenas de pequenas marcas. Pessoas já passaram de lá pra cá e de cá pra lá, mas não há como saber quem foi pro lado certo. Temos cinquenta porcento de escolher o caminho correto, assim como temos essa mesma chance de decidir seguir o caminho errado. Agora temos que decidir se tiramos no par ou ímpar, cara ou coroa ou por votação — o assassino brincou, algo que ele não fazia há tempos.

Talvez por ele estar em seu “habitat natural” seu humor estava melhor, diferente de quando tínhamos de viajar de dia, sem espíritos nos perseguindo ou investigações que aquele pequeno espião gostava de fazer. Ele não gostava de jogar como os outros, preferia o lado negro da magia, o lado comum da vida, a morte.

— Vamos por lá! — Supreme gritou.

— Não fale alto, seu idiota! — Limcon ralhou sussurrando.

— Desculpe — o bárbaro olhou pro chão entristecido.

Todos olhamos para o caminho que Supreme havia apontado. Não tínhamos motivos para não prosseguir por ali, assim como não tínhamos motivos para fazê-lo. A indecisão torturava nossos cérebros mais um pouco. Podíamos botar tudo a perder na primeira escolha. O pior de tudo era saber que isso aconteceria de novo.

— Tive uma ideia — Jujuba disse — Podemos sempre seguir a parede esquerda, assim nós nunca vamos nos perder e iremos percorrer o caminho todo ou até onde temos de chegar.

— Brilhante! — exclamei.

— Concordo, vamos fazer isso — Fear colocou a mão esquerda na parede e começou a caminhar.

Seguimos ele e fizemos uma formação, onde o assassino e o bárbaro iriam na frente, os atiradores no meio, pois tinham, que ficar longe o bastante dos inimigos que viriam pela frente ou pela retaguarda, que seria cuidada por mim e pela Jujuba.

Nossos passos ecoavam entre as paredes de pedra. Olhei para cima procurando o teto, mas não achei, pois as paredes subiam acima da área que a névoa nos permitia enxergar. Constantemente eu olhava para trás, verificando se alguma coisa nos seguia. Cada vez que eu olhava, o medo crescia no meu coração e um arrepio cruzava minha espinha, os pelos da nuca arrepiavam e eu engolia em seco. Uma ideia de que algo nos perseguia, mas era invisível começou a se formar na minha mente, ganhando tamanho e força, me deixando mais assustado ainda. Limcon olhava para trás às vezes para ter certeza que eu e Jujuba não havíamos sido capturados por seres malignos.

Andamos por meia hora sem descansar, mas pareceu uma eternidade. Ao longo do caminho ninguém falou nada, pois o medo era grande demais. Às vezes eu sentia como se algo raspasse no meu rosto, como se fosse uma faca sem fio.

O começo dos nossos problemas foi quando Supreme foi descuidado.

— Supreme, não pisa aí! — Fear brigou, mas era tarde demais.

O bárbaro pisou em um tijolo que afundou alguns centímetros no chão. Um tec indicou o acionamento de uma armadilha, seguido do barulho de engrenagens. Olhei em volta e tentei descobrir o que a armadilha faria. Por sorte vi pequenos furos nos tijolos das paredes a tempo de gritar:

— Abaixem-se!

Todos nos jogamos para o chão sem pensar e pequenos dardos cruzaram o lugar que estávamos a meio segundo atrás, acertando os furos do outro lado corredor. O sistema da armadilha fazia reciclagem de munição, reutilizando os dardos que não acertaram ninguém. O barulho das engrenagens cessou, mas nós não levantamos, até o Fear dizer:

— Como essa armadilha mata as pessoas, mas não tem nenhum corpo aqui?

Ao finalizar a frase, comecei a escutar um fraco barulho como de gravetos quebrando, contudo não havia vegetação em ponto algum do caminho. Levantei e me afastei do tijolo que acionava a armadilha.

— Algo está se aproximando. — avisei.

Todos nos preparamos para o combate novamente e ficamos olhando de um lado ao outro. O som não parecia vir de nenhum dos lados, o que nos confundia. Cada vez parecia mais perto, deixando de ser gravetos quebrando e se tornando uma marcha de patas que estalavam.

— De onde eles vêm? — Skarlatte perguntou apavorada.

— Apareçam, seres insignificantes! — Jujuba gritou.

— Eu vou fazer raios caírem em todos, sejam quantos forem! — Supreme desafiou.

O barulho dos passou cessou subitamente. A tensão aumentou dez vezes mais quando o silêncio era nossa única informação. Fogo surgiu nos meus punhos, prontos para queimar o que viesse.

O nosso inimigo, diferente do que pensávamos, veio por cima. O pequeno ser desceu como um ninja, sem ninguém perceber, devagar e silenciosamente. As oito patas peludas pousaram no ombro da armadura da paladina, que não sentiu, mas soltou um berro quando a tarântula encostou no pescoço dela.

— Bicho… filho… da… puta!

Jujuba jogou a aranha no chão e pisou. Ficamos assistindo o corpo do aracnídeo amassado no chão, raciocinando o que estava acontecendo. Mas algo inesperado aconteceu. O corpo do bicho esmagado começou a se juntar, reconstruir e regenerar, dando vida a aranha monstruosa novamente. Olhei para cima e vi uma chuva de aranhas caindo. Por reflexo criei uma esfera de fogo, que nos protegeu do ataque de tecedores. O fogo expulsava os aracnídeos da nossa volta.

— Que porra é essa? — Limcon disse — Desde quando somos atacados por aranhas? Vamos matá-las logo!

— Mas elas se regeneram, como faremos isso? — perguntei.

Uma bola de fogo caiu entre mim e Limcon. Analisei o projétil e percebi que era uma bola de teia que havia passado pela barreira estava queimando, mostrando que o fio das aranhas era resistente. Apaguei a esfera de proteção e olhei em volta. Um exército de mais ou menos duzentas criaturas, algumas grandes e outras pequenas, umas venenosas e outras não, estavam nos cercando, prontas para nos atacar. Porém a reação delas foi diferentes.

Como se soubessem o que as outras estavam pensando, as aranhas se movimentaram ao mesmo tempo, uma subindo na outra, formando um corpo humanóide de várias pequenas aranhas. O novo ser feito de centenas não tinha boca nem olhos, pois cada parte do seu corpo podia olhar e gritar. Suas unhas eram aranhas venenosas, o que mostrava o quão perigoso seria lutar com ele. Todos os músculos principais eram as aranhas mais fortes, pois essas controlavam a estrutura inteira.

Com movimentos bem definidos, o ser avançou contra nós, tentando acertar com as garras. Supreme passou a corrente no meio co corpo, mas as aranhas desviaram de uma forma diferente. Quando a corrente se aproximava, as aranhas que seriam atiradas saiam do caminho e voltavam imediatamente depois da passagem da corrente. Assim nenhuma delas foi acertada e o golpe foi dado em vão. Supreme se irritou e tentou mais algumas correntadas, mas não adiantou, pois era uma técnica de defesa muito eficiente.

Carregando a energia, o bárbaro fez um relâmpago sair de seus dedos e voar contra as aranhas, que queimaram instantaneamente.

— Finalmente! — ele gritou.

Mas, para nossa infelicidade, as aranhas se recomporam mesmo depois de queimadas.

— Elas são imortais. Corram! — Fear ordenou e todos correram para longe do homem de aranhas.

Skarlatte tentava atirar em todas, mas era em vão. Limcon brigou com ela, dizendo para não gastar energia se não adiantaria, pois atirar não funcionaria. E foi assim que ele teve a brilhante ideia dele.

Limcon parou e olhou para o ser imortal que corria atrás de nós. Com movimentos rápidos, fez a metralhadora passar a ser um lança-granadas.

— Hey, bichos peludos, venham para o papai.

O atirador bombardeou os inimigos com piche, que não matava as aranhas, porém prendia elas, todas juntas. As que tentavam escapar eram acertadas com respingos ou coisas do tipo. Depois de quase dez tiros ferventes, o elemental parou, observando a estátua de piche solidificado.

— Parabéns, cara, tu teve uma ideia ótima! — Supreme falou.

— Não foi nada, só tive de pensar com calma. Esse monstro tinha uma séria fraqueza, mas nós não vimos porque estávamos com muito medo. Acho melhor todos pararmos de agir como crianças e começar a jogar como uma elite. Nós somos os melhores da S-War, temos que honrar nosso time.

Todos concordamos com ele, um pouco envergonhados. Nós havíamos se submetido ao medo, deixado de agir como estrategistas. Só planejando as ações que nós poderíamos realmente pegar aquele totem.

Virei-me para frente e senti como se o discurso de Limcon não tivesse mais efeito sobre nossa moral. O caminho a seguir se dividia em três, longos túneis escuros que não nos permitiam ver o seu fim. Nossa chance de escolher o certo e somente de um terço, mas tínhamos de escolher.