O chão morno e cheio de grama pintou minha bochecha de verde. Meus olhos demoraram a abrir e no fundo da minha mente lenta e confusa, escutei meu irmão me chamando.

− Balazar, acorda! Acorda!

Fui cutucado pela bota de couro no rosto e as vozes pararam de me chamar. Alguém falou que sabia como me acordar sussurrando.

− Acorda, vagabundo! Chega de dormir, seu palito de fósforo ambulante! − Roah gritou como se o mundo dependesse disso.

Levantei rapidamente muito assustado. Todos riram olhando para mim. Minha visão ainda estava distorcida, então demorei para identificar onde estava. Olhei à minha volta e identifiquei todos os membros da equipe. Estávamos em uma pequena floresta, mas, abrindo espaço entre todas as árvores baixas, um enorme templo do estilo maia brilhava, feito totalmente de ouro. Nos dois lados que podíamos ver, entradas retangulares indicavam o caminho rumo ao coração do templo.

− Estamos no templo dos golens? − perguntei surpreso.

− Sim, General Balazar − Supreme respondeu.

− O certo era entrarmos e arruinarmos os planos deles agora. Demora alguns dias para o ritual se concretizar, porém quanto antes melhor − End disse.

− Mas Skarllate está muito cansada, usou toda a mana fazendo a viagem. E preciso treinar o Balazar − Water disse.

− Então vamos esperar até de noite. Descansem, treinem, preparem-se para a luta.

− Na verdade… − Igor começou − Nós já estamos no dia da invocação. Para viagens muito longas, o tempo se move de forma diferente em relação a nós. Nós temos até a Lua estar no ápice para derrotarmos os golens e destruir o pergaminho. Descansem por umas duas horas, daí entramos. End, vá investigar o local depois que treinar seu aluno. Sei que você está ensinando aquela magia para ele.

− Está bem. Fear,venha comigo − End disse.

− Sim, senhor!

Todos os mestres saíram com seus alunos, inclusive eu. Water me levou até uma pequena clareira e falou:

− Tenho que te ensinar uma coisa. Sei que a viagem inteira eu só te ensinei a mirar, atirar, mas não ensinei nenhuma técnica. Bem, para compensar vou te ensinar hoje.

− Está bem. O que será?

Water foi até uma árvore e pegou uma folha. Caminhou de volta para mim, analisando o objeto verde com o mínimo cuidado, como se fosse algo muito importante. Jogou a folha para cima e a esperou começar a descer. Em seguida estendeu o braço e uma esfera de fogo cobriu a folha.

− Isso foi incrível! − exclamei.

− Agora tente você, primeiro em algo parado, até pegar o jeito. O que está dentro não pode ser tocado pelo fogo, pois o fogo será uma proteção contra tudo que está fora. Quando conseguir fazer esferas grandes o bastante, pode usar isso para se proteger. Vamos lá, procure um alvo.

Olhei em volta e achei uma pedra pequena, que cabia na palma da mão. Não peguei ela, só me concentrei e tentei criar a proteção de fogo. Era difícil criar uma chama que não estivesse em contato com o corpo. No começo, criava somente algumas faíscas, mas acalmei a mente e chamas maiores surgiram. Moldei elas como se fossem partes prolongadas do meu corpo. Com muito esforço, consegui criar uma semiesfera, pois a pedra estava no chão e não era possível criar chama embaixo da terra sem explodi-la.

− Parabéns, agora descanse − Water disse.

Meu corpo pesava muito quando me sentei encostado em uma árvore próxima para regenerar minha energia. Controlar a magia era difícil, por mais prática que eu tivesse e por mais simples que o poder fosse.

Eu suava muito e minha capa grossa não ajudava a refrescar. O maior problema de ser um dominador de fogo é o calor. Sorte que os demmarcs não sofriam queimaduras, só suavam muito.

Quando me senti melhor, levantei e voltei a treinar. Depois de tentar algumas vezes, já era fácil controlar o fogo. Eu aprendia rápido, mas Water sempre sabia complicar as coisas…

− Agora vamos dificultar as coisas, Balazar − ele disse dando uma risada maléfica e mexendo no cabelo negro.

− Droga! − retruquei.

− Não será tão difícil assim, não se preocupe. Pegue umas folhas da árvore − Water mandou.

Fui até uma árvore com um galho mais baixo e arranquei uma dúzia de folhas. Levei até Water e ele disse:

− Faça como eu mostrei da primeira vez, proteja a folha em movimento.

Era difícil proteger algo parado, imagina em movimento. Pelo menos eu já não me cansava fazendo aquilo, só precisava controlar o movimento do fogo. Queimei quase todas as folhas até conseguir levar uma da altura da minha cabeça até o chão sem fazer tocar na esfera.

A sensação de ter conseguido era ótima. Mas é claro que Water sempre tinha mais treinos. Depois de proteger algo em movimento, tive de aprender a proteger coisas maiores, duas coisas ao mesmo tempo e me proteger, mas algo mais importante veio depois.

− Balazar, tem mais uma coisa que quero ensinar. Vamos dizer que você queira atirar em um inimigo, mas um amigo está no caminho. É muito perigoso acertar seu parceiro na tentativa de ataque, então você precisa aprender a fazer isso.

Water se virou e criou uma proteção de fogo em volta de uma pedra relativamente grande, com quase a minha altura. Apontou para a rocha com o dedo, como se fosse uma arma e atirou um projétil flamejante. Em seguida, ele apagou a proteção e mostrou como o fogo não atingiu a pedra.

− Ok… Então eu não acertaria meu amigo? Só isso? − perguntei.

− Não é só isso. Olhe atrás da pedra.

Dei a volta na pedra e me deparei com um chão sujo de plantas queimadas.

− O fogo que eu atirei não só desviou do seu amigo, mas também saiu pelo outro lado para atingir o inimigo − meu mestre disse sorrindo − Pense na esfera de proteção como um copo cheio de água. Se você colocar mais água, transbordará. Então se você colocar mais fogo na proteção, a mesma quantidade de fogo terá de sair de lá. Para onde irá sair, você que decide. Agora treine até conseguir.

Dentre todas as coisas que ele ensinou, essa era a mais difícil. Passei o resto da tarde treinando isso, porém, quando o sol já estava beijando o horizonte, eu já havia dominado a técnica de forma razoável.

Water deu os últimos minutos de claridade do dia para eu descansar.

− Estão prontos? − Fear perguntou surgindo da escuridão, como se fizesse parte dela e sempre estivesse ali assistindo.

Ambos nos assustamos com a repentina aparição, mas Water se recuperou da surpresa antes.

− Sim, vamos para a entrada.

A cada passo eu ficava mais nervoso. A luta estava quase chegando e agora eram inimigos realmente fortes. Se eu morresse, o submundo estaria me esperando. Talvez o medo da derrota estivesse mexendo comigo, pois vi nuvens brilharem com chamas quando cheguei ao ponto de encontro. Esfreguei os olhos e cumprimentei todos.

Eu não era o único tenso por causa da futura batalha. Supreme não conseguia parar quieto, pois sempre estava pulando ou dando socos no ar para aliviar a energia. Skarlatte estava agarrada com Limcon, que batia o pé e checava a escopeta de trinta em trinta segundos.

Contudo, Fear estava realmente calmo. Seu rosto mostrava confiança e seus olhos estavam cheios de bravura. A morte não era sua inimiga, era a sua arma.

− Desculpe, garotos. Não poderei lutar. Minha mana não se recuperou e, sem ela, é muito difícil enfrentar os golens − Skarlatte explicou.

− Tudo bem. Seria loucura lutar nesse estado. O ritual drenou energia demais − Igor falou − Ah, só para avisar… Nós, mestres, não vamos lutar contra os golens. Vocês são os heróis agora e a missão é de vocês. Então… Boa sorte!

− Como assim não vão lutar? Eles são muito fortes! − Supreme gritou espantando alguns animais noturnos que se escondiam nas moitas.

− Vocês vão conseguir. São só seis golens contra quatro heróis − Tânia falou calmamente.

Essa luta parecia loucura. Estávamos em menor número e não tínhamos tanto poder quanto os monstros que iríamos enfrentar. O medo ficou mais intenso, todos do grupo ficaram mais tensos, menos o meu irmão. Ele respirava calmamente e olhava para as estrelas, somente esperando nossa discussão acabar.

− Ela está certa, galera. Temos que lutar, é nossa missão. Nosso grupo está se apoiando na gente. Se ganharmos, estaremos mais perto de ir para a Lua.

Sei que não foi o discurso mais inspirador de todos, mas eu não sou bom nessas coisas. Se o Salocin estivesse aqui, saberia como incentivar. Porém, todos eles sabiam que não tínhamos mais nada para fazer senão entrar lá e lutar. Concordando timidamente, todos fomos para o templo.

A entrada gigante era cheia de símbolos que eu não conseguia entender. Todo o universo do jogo, desde a geografia até os mínimos detalhes de uma construção. Uma linguagem nova, mas que os jogadores entendiam inconscientemente, o controle da mana, tudo. A inteligência do criador do jogo era gigantesca, pois ele tornou tudo incrível.

Meu coração virtual pulsava forte, sentia uma gota de suor gelado escorrer pelo meu rosto. O corredor que levava ao coração do templo parecia interminável, mas, na verdade, só era minha tensão distorcendo o tempo.

Quando cheguei no fim do corredor, estava em uma grande sala, com dezenas de metro de altura e um teto de vidro. Como o templo tinha um formato triangular, o teto era menor que o chão. No meio do salão, um círculo com mais runas desconhecidas brilhavam e entre elas livros e pergaminhos flutuavam. No meio de tudo, um livro estava aberto sobre um pedestal de mármore. Sobre esse livro, um tubo de vidro estava quase cheio de um líquido verde muito brilhante. Andando no círculo de runas, seis monstros de dez metros de altura cantavam e pulavam, parecendo alguma tribo de índios em um festival.

Quando perceberam nossa chegada, pararam o ritual.

− Chegaram tarde, crianças. Descobrimos como acelerar a invocação e agora não dá mais tempo. Em questão de minutos o golem de radiação irá voltar para destruir a vida na Terra – disse o monstro de água com sua boca líquida.

− Não gostei desse cara − Supreme disse.

Em um momento, Supreme estava do meu lado, com as correntes amarradas nos braços. No outro, ele tinha virado um borrão branco que terminava atrás do mostro líquido. Ele atingiu a velocidade de um relâmpago para se mover daquele jeito. Suas correntes estavam cravadas nas costas e uma descarga elétrica, que passava a partir do par de cordas de ferro, desmanchava o golem aos poucos, fazendo ele brilhar com raios percorrendo o corpo como o sangue percorre as veias.

Os outros golens saíram de perto, interrompendo o ritual para ver seu amigo (se é que os golens são amigos uns dos outros) virar várias poças de água que, desesperadamente, tentavam se aproximar pra refazer o corpo aquoso.

− Onde pensa que vai, seu esgoto desgraçado?! − Supreme falou levantando um dedo e concentrando energia elétrica nele.

As poças conseguiram criar uma ligação entre si, mas Supreme já sabia como resolver esse problema. Concentrando todo o seu fôlego em um só grito, ele berrou como um trovão. As paredes racharam, todos caímos sentados, a poça balançou, não tendo como se juntar, pois não tinha estabilidade.

O guerreiro elétrico juntou mais energia em seu dedo indicador, fazendo ele brilhar como um relâmpago. Calmamente, algo muito estranho para um cara agitado como aquele, se abaixou e cutucou a poça, que evaporou na hora.

Sorrindo, ele levantou e disse:

− Menos um, só faltam cinco!