Radiação Arcana: Totem De Arquivo

Capítulo 1: O Melhor Antidepressivo do Mundo


Acordei, de novo. Não sei se fico feliz por ter sobrevivido mais um dia. Esse mundo não vale a pena.

–Olá irmãozão. –disse meu “irmão” caçula.

Na verdade ele não é meu irmão caçula. Ele nem é meu irmão. Eu encontrei-o sozinho em destroços de guerra, o ajudei com os ferimentos, dei alimento, água, moradia, e dai começamos a ficar amigos. Somos amigos faz tanto tempo que parece que somos irmãos, por isso ele me chama assim. Agora ele cuida de mim e eu dele. Ele esteve comigo nas barras mais pesadas, tanto pela guerra, quanto por dinheiro, garotas, amigos morrendo, fome, bandidos, tudo que aconteceu de ruim conosco nós nos ajudamos.

–Bom dia maninho. Ei, o que você estava fazendo acordado mais cedo do que eu?

–Fiquei sem sono. Se lembra que dia é hoje? Acordei cedo porque queria ficar pronto para ir lá na casa do Jeff.

Jeff era como um anjo na minha vila no Pólo Norte (PN). Ele era nosso amigo e nos emprestava alguns videogames para a criançada brincar. Desde que viemos para cá, ele nos ajudou, às vezes dando comida, às vezes abrigo e outras vezes diversão.

Tentei me lembrar o que iria acontecer hoje. Meu cérebro queimou pra lembrar, já que eu estava acordado a muito pouco tempo, mas logo o fiz. Era hoje que ligariam a internet na nossa vila do Pólo Norte e hoje jogaríamos jogos online, entre as diversas vilas da região fria. Eu tinha treinado por dias todos os estilos de jogos para poder ganhar nas partidas online, mas sei que muitos outros também treinaram.

Depois de sorrir alegremente, levantei, tomei café e me arrumei rapidamente, queria chegar à casa do Jeff o quanto antes. Por isso apressei meu irmão enquanto corríamos para lá. Ele era muito menor que eu, por isso não era tão rápido. Para andar como eu andava normalmente, ele precisava dar passadas largas, quase pulos. Mas não demorou muito e avistamos a casa de Jeff em meio a pouca neve que caia. Era verão, a estação mais quente do Pólo Norte, onde, pela temperatura da minha época, os dias mais quentes eram de -10 graus. Mas eu estava acostumado com isso, assim como meu irmão. Não direi nossos nomes, logo vocês terão como me chamar, mas prefiro manter meu nome fora dos jogos em segredo.

Enfim, chegamos. A casa do Jeff era pequena, feita de tijolos de cimento com gelo, um material resistente que foi criado a algumas dezenas de anos. Bati na porta. Ouvi sons de murmúrios e passos, então a porta abriu. Era o próprio Jeff que veio nos atender. Tinha minha mesma altura, pouco mais de um metro e setenta, mas era muito mais forte e velho que eu. Tinha uns 45 anos, pelo menos era isso que seus cabelos e barba grisalha me diziam. Sua pele levemente bronzeada combinava com seus fortes braços, que já tinham participado de muitas brigas. Ele usava uma roupa simples, pois não tinha muito o que vestir lá no PN. Simples casaco e calça do exército e um óculos na cabeça, para dar estilo. Logo ele foi dizendo:

–Entrem, estávamos esperando vocês.

Quando eu e meu irmão entramos entendemos o que eram os murmúrios. Dezenas de jovens estavam dentro da apertada casa, possivelmente para jogar, assim como nós.

–Vocês eram as pessoas que faltavam, eu não poderia começar as partidas sem vocês. Vamos, peguem os controles, vocês dois jogarão contra eles dois- Jeff disse apontando para dois garotos ruivos que estavam segurando controles em outro console.

Fiz o que sempre fazia. Peguei o controle, me sentei e sorri para meu irmão. Nós iríamos ganhar essa partida, como sempre fizemos com quem ia à nossa casa nos desafiar. Mas antes de jogarmos eu perguntei:

–Que tipo de jogo será?

–RPG pós-apocalíptico. Seus objetivos serão eliminar o jogador adversário. Podem escolher o que vocês serão: magos, guerreiros, ladrões, arqueiros, padres, entre vários outros. Mas façam isso rápido, muitas pessoas querem jogar. O vencedor poderá continuar jogando, quem perder entra na fila para jogar de novo- disse Jeff enquanto colocava os jogos pra funcionar.

Logo estávamos começando a partida. Escolhi meus personagem: um mago elfo. As habilidades mágicas eram aprimoradas assim. Olhei o personagem do meu irmão, que como sempre, escolheu um ladrão Helmen, um pequeno ser que era furtivo com habilidades acrobáticas elevadas, o que ajudaria a ele para atacar de surpresa e fugir desviando de tiros ou magias.

O cenário era uma selva fechada. Meu irmão apareceu do meu lado, então não tínhamos o problema de nos encontrarmos. Começamos a mapear o local. Uma grande árvore ali, uma pedra com formato de chifre aqui, um riacho lá, até que encontramos os inimigos. Os ruivos tinham escolhido personagens diferentes dos nossos. Um era um guerreiro minotauro, forte e bem equipado com uma espada. O outro era um arqueiro humano, com um arco duplo, para atirar duas flechas ao mesmo tempo.

Assim que vi as armas percebi que eu precisava de algo para lutar. Entrei no menu e arrumei minhas armas rapidamente. Percebi que eu tinha só uma magia, pois estava no nível 1. Mas era o bastante. Equipei-a.

Meu irmão já estava com uma faca em cada mão. Por incrível que pareça isso era perigoso, porque ele podia ser bem agressivo as vezes. Vi que encima dele estava o nome de jogador: DarkFear. Olhei pra cima e lá estava o meu: Balazar. Olhei para os inimigos, mas as letras estavam camufladas, para ajudar a se esconder. Mas pelo menos notei que eles já tinham nos visto e estavam correndo para nós.

Preparei minha magia, apertei o botão que acionava. Uma bola de fogo apareceu em minha mão.

–Legal- disse em voz baixa.

Atirei. A mira era fácil, mesmo com os inimigos correndo entre as árvores, pulando e desviando de pedras. O mais perto de nós, o guerreiro, vou atingido no peito. Mas ele só caiu, perdeu um terço da vida, levantou em seguiu correndo. O arqueiro parou, se escondeu atrás de uma pedra e começou a atirar. Meu irmão tinha um poder de ladrão, algo que eu não sabia. Ele acionou e ficou razoavelmente invisível. Dava para vê-lo de perto, mas só se estivesse prestando bastante atenção e a mais ou menos dez metros. Ele correu para flanquear o arqueiro. Então meu trabalho era desviar das flechas e lutar contra o guerreiro, que agora estava bem perto de mim. Talvez desse para atirar mais uma vez. Tentei.

A chama apareceu na minha mão e eu vi minha barra de mana esvaziando. Era meu último tiro por certo tempo. Atirei. O guerreiro achou que tinha um plano para a bola de fogo. Ele rolou por baixo dela no momento certo, mas a bola acertou uma árvore atrás dele, que caiu e pegou em cheio nele. Mas mesmo assim ele não morreu, só ficou preso embaixo da árvore. Ou pelo menos foi isso que eu achei. Ele empurrou a árvore para o lado e levantou. Cego de fúria veio atrás de mim, que não tinha mais como lutar. Sai correndo escutando a espada cortas galhos atrás de mim. Também escutei um leve grito, abafado, mas ele ainda existia. Não sabia do que era. Procurei em meus equipamentos algo que pudesse me ajudar a lutar, mas isso me tirou velocidade. O guerreiro me alcançou, cravou sua espada em minha perna. Cai gritando de dor. Perdi metade da vida, magos são fracos e eu estava sem armadura. Mas pelo menos achei algo no meu inventário que podia me ajudar a lutar. Uma pequena faca. Seu dano era mínimo, mas era algo. O guerreiro, rindo, me atacou de novo, só que dessa vez eu desviei, rolei para o lado, levantando em seguida, atirei a faca no pescoço do minotauro. Achei que isso o mataria, mas causou só 2 de dano, e isso é o crítico! O guerreiro viu que eu ia perder. Levantou a espada bem devagarinho, para me acertar com sua magia de guerreiro, algum golpe muito forte e muito rápido. Vi sua espada brilhar, talvez pelo sol ou talvez pelo poder. Percebi que eu iria perder aquela luta. Fechei os olhos, escutei o vento sendo cortado e...

–Cheguei atrasado irmãozinho?- perguntava meu irmão fora do jogo.

Percebi que o guerreiro tinha morrido. Meu irmão tinha atacado ele pelas costas segundos antes do golpe. O placar apareceu. Meu irmão tinha matado os dois jogadores, nossa equipe venceu.

Voltei a prestar atenção para o mundo real. Meu irmão estava com um sorriso no rosto que mostrava a adoração por ganhar. Os jogadores a nossa volta nos olhavam com uma mistura de admiração e raiva, pois sabiam que jogar contra nós seria difícil.

Depois disso passamos o dia inteiro jogando, não perdemos uma partida. Ganhamos de magos, padres, atiradores de elite, músicos (sim, também se podia escolher músicos para jogar, até que foi difícil de ganhar) entre outros diversos jogadores.

Depois que todos foram embora e desistiram de tentar nos ganhar, Jeff veio conversar.

–Garotos, o que acharam?

–Muito legal. –Respondemos em coro.

–E então o que acham de amanhã experimentarem a versão mais atualizada desse jogo?

–Como assim? – Perguntei.

–É que esse jogo é só uma versão mais desatualizada do jogo de verdade. Na versão de verdade nós temos que usar a Bionet com a Internet para jogarmos. Sabe os chips que estão nos seus cérebros? (sim, no temos chips nos cérebros, desde que nascemos, para podermos nos conectar a Bionet) Com ele nós podemos nos conectar ao console e jogar todos em rede, sem usar controle. Vocês poderão jogar o modo história desse jogo na versão online, com todos os jogadores que temos aqui. Mas também estou tentando fazer uma grande ligação com outras vilas, pelo que imaginamos nós teremos cerca de 5000 jogadores.

Emocionei-me com a ideia e obviamente eu disse:

–Claro, vamos jogar, seremos a elite da vila. Nós viremos amanhã cedo jogar.

–Ok, espero vocês, agora vão para casa, já está de noite e está muito frio lá fora. Levem esses frangos para assar, sei que vocês não devem ter conseguido dinheiro o bastante para comprar comida hoje.

Sim, eu e meu irmão somos quase que mendigos. Temos que trabalhar o dia inteiro para comprar comida. O governo pós-guerra não quer ajudar as crianças, eles só estão minerando e trabalhando para mandar mantimentos à Lua.

Peguei a comida e voltei correndo para casa com meu irmão. Eu não era bom cozinheiro, mas pelo menos meu irmão se esforçava em sorrir e dizer que estava bom quando eu cozinhava. Pelo menos tínhamos comida...

Logo fomos dormir, pensando no jogo de amanhã. Teríamos de ficar mais um dia sem trabalhar para poder comer. Mas acho que receberíamos comida do Jeff de novo.

Cansado de tanto jogar e pensar, dormi.