Naquela manhã Félix dormia tranquilamente em seu quarto na mansão dos Khoury quando o toque do celular o despertou.

–Pelas barbas do profeta! Quem pode ser a criatura ligando à uma hora dessas, tão cedo? – disse ao mesmo tempo em que tateava o criado mudo à procura do aparelho que tocava sem parar.

–Paloma!!! – Félix deu um salto da cama tamanha a surpresa. Esperava qualquer pessoa, menos a própria irmã.

–Bom dia Félix! Tenho um assunto sério para conversar com você, podemos almoçar juntos hoje? - Paloma estava séria e foi direto ao ponto, ainda não se permitia falar mais que o necessário com o irmão, mas precisava da ajuda dele apara resolver um problema muito grave.

–Assunto... Sério... Comigo? – Félix estava, além de surpreso, agora também curioso para saber do que se tratava.

– Sim, precisamos conversar sobre o papai, é muito importante... - Depois de um longo suspiro Paloma passou o endereço de um restaurante japonês para o irmão e desligou rapidamente o telefone.

Depois do convite inesperado, Félix tentou dormir mais um pouco, mas a preocupação com o que a irmã dissera o deixou ansioso e desperto. Quando se tratava do seu papi ele sempre ficava nervoso e preocupado. Mesmo depois de tudo que passou, o desprezo e a humilhação de uma vida inteira, amava-o e nunca perdeu a esperança de ser aceito por dele.

Na hora combinada encontrou com Paloma quase em frente ao restaurante japonês escolhido por ela. Ele já tinha passado por ali, mas não se lembrava de ter entrado algum dia, quando recordava o seu passado parecia estar lembrando-se de outra pessoa em outra vida.

– Bom dia irmãzinha! – Félix tentava ser simpático, ainda se sentia constrangido ao tratar com a irmã, e esta por sua vez deixava claro o ressentimento por tudo que ele havia lhe feito há muito tempo atrás.

– Bom dia Félix! Vamos entrar? Tenho pouco tempo e muita coisa pra conversar com você.

Paloma se mostrava nervosa e desconfortável, mas enfim, era por uma boa causa, ajudar o pai que estava numa situação complicada devido ao casamento com a segunda mulher.

Assim que entraram no restaurante, Félix observou que o lugar era muito aconchegante e bonito, com certeza de um nível fora dos padrões dele no momento, ou seja, ele não teria como pagar uma refeição ali.

– Esse restaurante é ótimo, é de um amigo muito querido. Eu te convidei Félix, pode ficar a vontade. – Paloma viu o desconforto do irmão e no fundo ficou feliz com a preocupação dele, estava percebendo um novo Félix em suas atitudes.

Assim que terminou de falar ela se virou e abriu um enorme sorriso. Foi caminhando em direção de alguém que Félix, muito concentrado observando a decoração do lugar, não viu quem era.

– Félix! Quero te apresentar o melhor chef que conheço... Esse é o Niko, um grande amigo meu e dono desse restaurante. – Com os braços em volta de um lindo rapaz loiro, Paloma chamou a atenção do irmão que prontamente se virou.

Ao cruzarem o olhar, o sorriso de ambos esvaiu-se ao mesmo tempo. Félix arrumou o paletó que usava, estufou o peito e não conseguiu controlar a irritação.

– Misericórdia! O tarado do gelato!... - Disse isso seguido de um resmungo indignado e encarou Niko com um olhar fulminante. Logo aqueles olhos verdes lhe trouxeram em mente a cena inusitada vivida por ambos meses atrás.

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Vasculhando seu closet, Félix achou que estava na hora de renovar a sua coleção de ternos, pois segundo ele estava tudo “old fashion”, e que lugar melhor para comprar os ternos italianos mais finos e de quebra curtir uma cidade linda e chique? Milão! Na primavera, estar em Milão era como estar no paraíso, era outro mundo e ele adorava circular entre gente elegante e educada. Europa é outro nível, dizia sempre.

Lá estava ele provando um terno maravilhoso, numa das melhores lojas de moda masculina de Milão enquanto era atendido por um mestre alfaiate que dava os últimos ajustes para que tudo ficasse primorosamente perfeito. Félix admirava sua própria elegância no espelho da loja:

– Sou lindo mesmo e melhor que eu não há! – Sorria pra si mesmo quando pelo reflexo do espelho viu alguém que lhe chamou a atenção parado na vitrina da loja e olhando fixamente em sua direção.

Niko passeava pela Piazza Duomo maravilhado. Tudo tão lindo, que ele jurou um dia conhecer a Europa toda, mas no momento queria aproveitar os louros do próprio trabalho. Foi com o peito cheio de orgulho que leu numa conceituada revista de gastronomia o nome do seu restaurante japonês, estava lá, Gian fazia parte do ranking dos melhores restaurantes de São Paulo e além da honra do trabalho duro reconhecido ele foi presenteado com uma viagem com todas as despesas pagas para Milão na Itália. Mesmo sozinho, já que seu companheiro não pode acompanhá-lo por causa do trabalho, Niko estava feliz, não conseguia explicar, mas estava sentindo que algo especial aconteceria durante aqueles dias. Decidiu experimentar de tudo e conhecer a típica gastronomia italiana e nada mais típico que tomar um autêntico gelato italiano sob o sol da primavera apreciando as belezas do lugar.

Caminhava se deliciando com o doce quando parou para olhar a vitrine de uma fina loja de roupas masculinas. Apreciava as roupas quando seus olhos foram atraídos pela bela figura de um moreno no interior da loja. Num piscar de olhos seu “gaydar” apitou e ele sabia que o atraente homem era tão gay quanto ele. Sorriu ao observar os gestos largos do elegante “ragazzo” e na mesma hora uma idéia maluca passou pela sua mente.

Será que ele ainda sabia ser sedutor? Quase dez anos com o mesmo companheiro o deixaram inseguro quanto a isso. Não precisava seduzir mais ninguém, já tinha Eron, tudo bem que a rotina era um fato na vida amorosa deles, mas se considerava feliz, ou pensava ser. A insegurança o tomou de assalto, será que ele estava muito acomodado, seria capaz de seduzir outro alguém se estivesse solteiro? A cabeça de Niko de repente estava cheia de dúvidas e quanto mais analisava o estranho lindo provando o terno no interior da loja, mais se sentia atraído pela vontade de se testar.

– Coragem Niko! Que mal há em flertar um pouquinho? – Ele repetia pra si mesmo já com um olhar de malícia no rosto de anjo.

– Pelas barbas do profeta! – Félix estava paralisado, olhos fixos na criatura que lambia um sorvete de forma sensual e o encarava com um olhar provocativo.

– Mas o que significa isso? – Se perguntava enquanto se certificava olhando ao redor, que a investida era pra ele mesmo.

Niko começou a se entusiasmar com a situação e resolveu ser mais insinuante e explícito, passando a língua suavemente em torno do doce gelado enquanto fixava o olhar no moreno que estava visivelmente desconcertado.

– Criatura abusada... E linda! Que rosto e que olhos! – Seu ego já estava gostando daquela brincadeira e ele retribuiu a ousada lambida parafuso do loiro no gelato com um sorriso safado.

O loiro não conseguiu se conter e abriu um sorriso satisfeito. Sim! Ele ainda sabia e conseguia seduzir um homem lindo como aquele que o encarava com olhos cheios de segundas intenções.

Logo o alfaiate reapareceu para continuar seus afazeres no traje que Félix vestia. A atmosfera de luxúria que pairava no ar se dissolveu deixando um rastro de tesão que ele sentia no corpo. A situação estava insustentável e ele precisava saber quem era aquele ser tão provocador.

Enfim Félix conseguiu se livrar pela segunda vez do alfaiate que se afastou em busca de gravatas que combinassem com a roupa do seu cliente. Félix já não conseguia mais se controlar, as partes baixas estavam em ebulição e ele precisava saber o nome da criatura que estava deixando-o naquele estado.

Discretamente ele fez um sinal para que o loiro viesse até ele, mas Niko balançou a cabeça em negação, colocou o resto no sorvete na boca, abriu um sorriso enorme e saiu deixando o moreno totalmente perdido.

– Eu não acredito que fui feito de bobo! – Sem lembrar que estava descalço e com a roupa cheia de alfinetes, Félix correu para fora da loja à procura do loiro que o instigou e fugiu. Só então ele se dá conta que além de tudo estava com o ventre ardendo em chamas.

– Que situação humilhante! Um dia ainda vou encontrar com esse ser abusado e ele vai ver só, ou não me chamo Félix Khoury, o magnífico.

A passos largos Niko rapidamente se misturou à multidão de turistas da Piazza Duomo, caminhando sorrindo e com o ego tão inflado quanto as calças recheadas do moreno maravilhoso que deixou pra trás.

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– Félix!!! O que você disse? Não entendi... De quem você está falando? - Paloma olhava confusa do rosto surpreso do irmão para o rosto envergonhado de Niko que se soltou do enlace de Paloma e colocou a mão no rosto para tentar esconder o constrangimento.

– Isso mesmo que eu falei... TA-RA-DO!!! Bem que se diz que esse mundo dá voltas e rodopia mais que uma bailarina! Quem diria que esse seu amigo chef fosse a criatura que me assediou na última vez que estive em Milão. - Félix passava o dedo mindinho na sobrancelha nervoso.

– Ei... Parou! Eu não assediei ninguém, e digo mais, você bem que gostou e saiu correndo atrás de mim. - Niko indignado colocou as duas mãos na cintura, mas acabou sorrindo ao lembrar-se da cena inusitada.

– Vocês dois querem parar com essa discussão? Não estou entendendo nada! Vocês já se conheciam? - Paloma estava totalmente perdida no meio daquela estranha situação.

– Não nos conhecíamos propriamente, e essa é uma longa história que um dia te contarei com todos os detalhes, e digo mais... Você vai ouvir e se espantar! - Félix dizia isso desafiando Niko com os olhos.

– Vamos almoçar então? Não tenho muito tempo e o assunto é sério. - Paloma se virou em direção a Niko e fez o pedido - Niko, se não se importa, pode deixar essa conversa entre vocês para mais tarde? Você nos serve agora?

– Claro minha rainha! Vou preparar o melhor prato e já sirvo eu mesmo vocês... - Niko deu uma olhada sorrateira na direção de Félix, como quem dizia: “Me aguarde!” e Félix retribuiu com uma careta.

Indo em direção à bancada para preparar o prato, o chef sentiu certa satisfação com tudo aquilo. Não havia melhor momento que aquele para encontrar o estranho que tanto mexeu com ele naquele dia. Estava livre, desimpedido e admitia que volta e meia se pegava pensando nele. Félix! Era esse o nome dele. Até o nome era perfeito. Niko sentia as borboletas voando no estômago, não se lembrou de algum dia se sentir assim por alguém.

Ao mesmo tempo Félix ouvia o relato de Paloma, mas algo fazia com que sua atenção procurasse os olhos verdes da criatura loira atrás do balcão.

Niko! Agora você não me escapa! Pensou decidido enquanto seus olhares insistiam em se encontrar como se já fosse impossível se perderem de vista.

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