– Só chocolate-quente, por favor.
– Você não vai querer mais nada? perguntou a garçonete, levantando as sobrancelhas.
Ela estava surpreendida, com certeza esperaria uma gorjeta melhor do que a de uma simples caneca de chocolate quente. Jessie Belcourt, de 16 anos, a compreendia, mas a culpa não era dela se já tinha comido em casa.
– Só chocolate-quente.
A garçonete quase deu de ombros, e se virou para satisfazer o pedido de Jessie. O Starbucks estava cheio para uma sexta à noite, normalmente a maioria dos adolescentes iam para boates e clubes, mas hoje haviam vários na cafeteria. Jessie olhou para a janela, certificando-se se seus outros amigos haviam chegado. Ela apenas viu uma menina negra passando por ali, mas nem sinal de seus amigos.
Apenas Timothy Benson um de seus melhores amigos estava com ela, ele estava comendo o último pão de queijo de um imenso prato. Como ele consegue comer tanto? pensou Jessie.
– Você não ia querer, né? - perguntou ele, depois que enfiou o último pão de queijo na boca.
– Não, Ty, não ia!
Ela olhou novamente para a janela, mas dessa vez viu duas garotas, uma ruiva, com paletó marrom e uma de cabelos curtos com mechas roxas, que usava um cachecol laranja. Elas eram seguidas por um menino de cabelos negros que tentava acompanhá-las aos tropeços. Jessie os reconheceu quando eles entraram no Starbucks.
April O'Neil - a ruiva - entrou primeiro, seguida pela amiga, Irma Langinstein e pelo amigo, Casey Jones. Eles chamavam a atenção de todos da cafeteria, como pisca-piscas de uma grande árvore da natal. Eles andaram até a mesa onde Jessie e Timothy estavam, se sentaram e se acomodaram nas cadeiras de plástico.
– Vocês demoraram muito! - exclamou Jessie, e olhou para o relógio. - Já são mais de dez e trinta da noite!
– Ela está certa - concordou Timothy.
– A culpa é da April - apontou Casey. - Ela demorou a vida inteira para se arrumar. Meninas. - ele revirou os olhos quando disse "Meninas"
April se virou para ele, irritada.
– Como é que é?
Ele jogou a mão para o alto.
– Só disse que você demora demais para se arrumar, é uma garota! - depois cruzou os braços.
– Parem de brigar! - exclamou Irma, irritada com a situação.
A discussão de April e Casey demorou quize minutos. Jessie quase dormira nesse tempo; Irma vidrada em um jogo no celular; Enquanto Ty ficara concentrado na briga dos amigos. Jessie havia se acostumado com as brigas de Casey e April, era sempre assim, o grupo saía para jantar ou apenas para conversar, e os dois brigavam.
– Então, o que vamos pedir, pombinhos fofos? - Jessie interrompeu a discussão.
April enrubeceu, e Casey parecia furioso. Jessie gelou, ela sabia como ele era nervoso nesse assunto.
– Que é? Eu só disse que vocês são pombinhos fofos!
Casey a encarou.
– Ora, se você repetir isso, eu juro que...
– Já chega! - gritou Timothy.
Todas as pessoas do Starbuks, clientes e funcionários, se viraram e encararam a mesa de Ty, Jessie, Casey, April e Irma. Os cinco coraram e arregalaram os olhos, Timothy estava pensando na burrice que fez ao gritar. As pessoas voltaram a conversar e a comer, enquanto Jessie olhava Timothy de cara feia.
– O que foi isso? - perguntou ele, na maior inocência possível, com um sorriso amarelo.
– Você precisava ter gritado, Ty?
– Ah, Jess, sabe como é, né?
Ela rosnou e se sentou ereta na cadeira, com os braços cruzados. A garçonete estava indo de volta à mesa do grupo, trazendo consigo o chocolate-quente. Ela se inclinou para colocar a bebida na mesa, e saiu, se voltando para o balcão, Jessie nem teve tempo de agradecer.
– Jessinha, não íamos comer a torta de morango? - questionou April.
– Sim, nós íamos, mas vocês demoraram muito - reclamou Jessie. - Então pedi o chocolate-quente, Appie.
Cinco minutos de silêncio se passaram. O tédio estava grande naquela noite, mas não tão intediante para Casey, que havia ficado o dia todo no treinamento de hóquei, queria estar bom o bastante para detonar os Zombies quando as aulas retornassem. E além disso, ele estava vendo fotos de hentai no seu celular.
– Outro ataque do Clã do Pé ocorreu ontem à noite, no Brooklyn... - dizia o noticiário na TV, despertando a atenção de Jessie. - ...Não houve mortes ou feridos no local, pelo que parece o clã ninja atacou apenas para roubar armas de grande porte...
Ela levantou singelamente a cabeça, totalmente focada na televisão. O Clã do Pé já havia atacado várias vezes em Nova York, este ataque já era o terceiro no mês. April arregalou os olhos, ficando ereta e paralisada, Casey estava com a mesma expressão, parecia que ambos sabiam de algo.
– Outro ataque? - questionou Jessie.
Ty enrijeceu, assustado.
– Isso é preocupante, espero que não cheguem em Manhattan.
Era estranho ver April e Casey assim, sem comentar nada, principalmente Casey. Jessie ficava pensando se eles, talvez, estivessem escondendo alguma coisa, era como se eles quisessem falar mas não podiam, como se algo os impedissem.
– Você está bem, Appie? - perguntou Jessie.
– Ah...Claro, claro que estou bem, por que não estaria? - April deu uma risadinha.
O tempo estava passando depressa, depressa o bastante para que Jessie olhasse no relógio da cafeteria - a0 invés de olhar em seu próprio pulso - e percebesse que já passavam das onze horas da noite. Ela sabia que a mãe a mataria quando chegasse em casa. Jessie pensou que talvez fosse a hora de ir embora, na verdade, ela nem queria ter ido, acabou indo, pois Ty a arrastou até o Starbucks.
– Acho melhor eu ir - disse ela, se levantando vagarosamente da cadeira. - Vamos no Veselka amanhã?
Irma fez que sim com a cabeça.
– Por mim tudo bem. Pessoal?
Por fim, todos concordaram. Casey se levantou, e colocou-se ao lado de Jessie, a fim de acompanhá-la ao caminho até a casa.
– Então, quer que eu vá com você? - perguntou ele.
Jessie fez que sim com a cabeça.
– Tudo bem, se não for atrapalhar - disse ela. - Você pode me ajudar a explicar pra minha mãe o fato de eu ter chegado tarde - e eles saíram do Starbucks, noite adentro.

A Midtown era perfeita à noite, parecia um reino multicolorido de dourado, prata e azul. Placas gigantescas de propagandas se projetavam no alto dos prédios, um enorme telão mostrava a propaganda do perfume de Taylor Swift. O ar era úmido, mas nem tanto, mas seja como for era bom para a respiração. Casey e Jessie caminhavam lado a lado, a fim de chegarem ao metrô. Ela ficou se lembrando do dia em que o conheceu, um menino pequeno, com apenas um dente quebrado - porque agora eram três - os mesmos olhos meigos e castanhos. Casey nunca fora um menino comportado, era um dos alunos mais rebeldes da escola na quinta série, Jessie se lembrara da vez em que ele cortara as tranças louras de Abbey Collins, foram três dias na detenção.
Ele não mudara muito desde então, continuava rebelde e convencido, mas ele havia ficado pervertido, muito pervertido. Jessie era super contraditória dele, era inteligente, tímida e não era rebelde, nem um pouco. Casey encostou seu ombro no dela.
– Qual é a regra número um dos animes?
– Nunca brinque com um monge cego - respondeu Jessie, rindo. - Embora os cegos sejam muito menores dos que enxergam.
Casey jogou a cabeça para trás, com uma gargalhada.
– Poderíamos ver hentai um dia desses - ele deu uma piscadela para a amiga.
– Quêêêêê? - ela arregalou os olhos. - Isso é coisa de pervertidos. Vamos, Casey, animes comuns são mais legais, tipo Fairy Tail. É o melhor anime que existe.
– Eu sou pervertido - afirmou ele, confiante. - E em animes normais, os personagens nunca fazem sexo.
– Claro que não, animes são feitos para toda a família. Bem...A maioria.
E eles ficaram discutindo sobre gêneros de animes todo o caminho até o metrô, era um dos assuntos favoritos deles. Quando não conversavam de animes, o assunto era jogos de hóquei, jogos de RPG, entre várias outras coisas. Eram amigos leais, como se as almas deles estivessem costuradas. Como o dia em que Jessie caíra da casa na árvore e quebrara o braço, Casey fizera a maior birra para acompanhá-la até o hospital. De alguma forma, estavam sempre juntos, não importava o que acontecesse.
– Chegamos - afirmou Casey.
E então os dois desceram as longas e escuras escadas do metrô, não eram tão escuras por causa da luz da parte de baixo. Na parte onde as pessoas compravam as passagens estava totalmente vazia, nem os guardas estavam lá. Ninguém. Parecia uma paisagem isolada de um sonho. Jessie olhou ao redor, confusa, era normal que o metrô estivesse cheio, principalmentes ás sextas, as pessoas mudavam muito de distritos, a maioria ia para o Brooklyn ou voltava deste.
– Que sinistro - disse Casey. - Não há ninguém aqui, vamos descer para a estação onde ficam os trens, deve ter alguém lá.
Jessie assentiu. Eles pularam a barra de ferro e foram parar em um espaço maior, que era dividido do outro pelos caixas. As luzes eram brancas e deixavam o local com uma ponta de azul-claro, parecia um cenário de um filme de terror. Enormes mastros de ferro vermelhos sustentavam o teto e portas de incêndio estavam em todos os lugares. No canto da sala havia uma escada bem escura de cimento, que levava à estação, onde se localizavam os trens. A sala também estava vazia, então Jessie e Casey correram para a escada.
Mas alguma coisa puxou Jessie pelo paletó azul, ela gritou quando um homem estranho apontou uma arma para a sua cabeça.
– Jess... - começou Casey, mas foi impedido por outro homem armado.
– Para baixo, mocinha, agora! - o homem segurou Jessie pela gola da camisa, ainda com a arma em sua cabeça. - E se algum dos dois gritarem, vocês já sabem.
O estranho deu um tiro no teto. Casey disse alguma coisa para Jessie, sem emitir som, eles se falavam assim durante as aulas. Haviam ficados tão bons nisso que usavam o meio para se comunicarem em momentos como este. Jessie com certeza sabia o que ele estava falando.
Clã do Pé.
Ele tinha razão, isso era mais um ataque do Clã do Pé, e os dois eram testemunhas. Se saíssem vivos, poderíam contar para a polícia. O soldado do Clã, empurrou Jessie até as escadas, ela andava aos tropeços e os cachos já escapavam para fora da trança. Ela sabia que Casey estava logo atrás dela. Bem, Casey e outro homem com uma arma apontada para a cabeça dele. Eles iam ficar bem, pelo menos era isso que Jessie esperava.
– Anda logo, garota! - o homem empurrou-a brutalmente para a estação.
Então o metrô não estava vazio. Havia muitos outros reféns ali; crianças, adultos, idosos. Jessie estava tão apavorada que sequer conseguiu chorar, mas estava difícil para respirar. O homem a conduziu até perto de uma criança, jogando-a no chão, sem se importar se ela havia se machucado. Jessie colocou novamente os óculos, que haviam caído no chão frio do metrô.
– Você está bem? - perguntou a garotinha, que estava ao lado de Jessie.
A garota parecia aflita, mas seu tom de voz era calmo, como se ela pensasse que esse ataque não era nada demais. Jessie ficou imaginando se era louca, depois fitou Casey que estava sentado do outro lado, encostado na parede branca, estava perto de uma adolescente que tinha cabelos castanho-escuros. O que importava é que ele estava bem. Por enquanto.
– Moça? - perguntou novamente a garota. - Você está bem?
Jessie se virou para ela.
– Ah, sim. Obrigada.
A menina era loura, não podia ter mais que dez anos. Seus olhos eram castanho-escuros e seu rosto era sardento.
– Meu nome é Davina.
– Prazer em conhecê-la, Davina. Sou Jessie.
Ela estendeu a mão para Davina, e a garota apertou a sua mão. Jessie estava fria, mais que o normal e sua mão tremia. Tentava esconder o medo, mas não estava se saindo muito bem. Os olhos arregalados, mãos e pernas trêmulas e o coração acelereado. Ela desviou o olhar para Casey, que segurava os joelhos contra o peito e a encarava. Ele estava tentando dizer alguma coisa para Jessie.
Não tenha medo, nós vamos ser salvos.
Salvos? Mas salvos por quem? Jessie ficou se perguntando, confusa. Por quem eles poderiam ser salvos? Não existiam super heróis, e a maioria dos humanos não davam conta de tantos soldados. Ela fitou novamente Casey, e quando o viu, ele estava encrencado. Uma menina asiática, provavelmente líder dos soldados apontava uma arma para ele, e dessa vez parecia que ela não iria recuar.
Jessie sentiu o coração bater na garganta, os olhos fixados em Casey e na garota armada. Viu que a garota já estava preparada para atirar. Sentiu as pernas se erguerem e a guiarem para frente, para o seu último passo crucial.
– NÃO! - gritou, empurrando a mão da garota e a desarmando.
– Ora, sua vadiazinha... - a garota sacou uma espada, mas antes de fazer alguma coisa a luz se apagou.
Sussurros e murmúrios eram ouvidos, até figuras enormes e estranhas começarem a atacar. Não eram humanos, Jessie tinha certeza disso, mas também não eram do Clã do Pé. Estavam abatendo soldados do Clã, jogando-os dentro do trem em movimento.
– Booyakasha! - gritou um dos justiceiros, empurrando a líder dos soldados.
Ela se chocou contra a parede e caiu inconsciente. Jessie olhou para o lado e viu um dos justiceiros parando perto de Casey. Ela gelou, sentiu um frio na espinha e teve vontade de correr até eles e descobrir quem estava por trás do abatimento do Clã. Mas, por que o justiceiro estava falando com Casey? Sequer o conhecia? Ela queria correr, queria gritar, queria chamar pelo amigo, mas ninguém daria ouvidos a ela, afinal cada um estava preocupado com a própria vida. Agora, todos estavam gritando e correndo, a fim de procurarem a liberdade daquele atordoante lugar. Jessie estava assustada demais para conseguir correr, suas pernas pareciam pele pura sem ossos. E ela se pegou pensando na garotinha Davina, será que sobrevivera?
Jessie olhou ao redor, estava bem mais vazio do que antes, mas ainda via a briga dos misteriosos justiceiros. Ela avançou para correr, mas algo a segurou. Um soldado do Clã a havia pegado pelos ombros e segurava uma adaga contra seu pescoço. Ela esperneou e gritou, mas tudo fora em vão, o homem era forte demais e certamente tinha anos de treinamento.
– Quieta, garota! - disse o soldado. - Se você gritar, corto sua garganta...
Ele caiu, como se fosse um robô e seu sistema estivesse danificado. Ela apenas viu fumaça saindo do peito do estranho soldado, e através da fumaça estava um dos justiceiros. Era apenas uma silhueta preta, apagada pelas sombras, um par de olhos verdes como esmeraldas brilhavam na escuridão. O estranho guardou as armas na cinta, eram duas adagas, e depois se virou para correr. Jessie o observou enquanto ele corria para os parceiros, ela apenas os viu subir pela passagem que com certeza daria nos prédios. Além disso, estavam levando um homem.
Ela sabia que não poderia segui-los, que não devia, mas como dizia sua mãe, Jessie era teimosa. Correu para fora do metrô. Tentara passar pelo meio das pessoas, subira as escadas como um vulto e esbarrara nos outros em seu caminh0. Quando colocou os pés no asfalto, viu vultos nos prédios. Eram eles, os justiceiros. Só podiam ser.
Sem hesitar, subiu pelas escadas de incêndio aos tropeços. Jessie começou a ouvir vozes masculinas do terraço, algumas diziam: "Você viu a cara dele, Raph? Quando eu o joguei dentro do metrô!" ou "Nós arrasamos, brô!". Pareciam adolescentes, e não um bando de justiceiros adultos e maduros que salvavam a cidade, como na maioria dos filmes da Marvel. Jessie escalou a outra escada, que levava diretamente ao terraço, olhou para o lugar de onde vinha as vozes. Haviam quatro garotos de pé, que não pareciam humanos, provavelmente não tinham cabelo nem nariz, e pareciam carregar um escudo nas costas. Tinha um homem sentado no chão amarrado com cordas, que pareciam ser de electrum, esse sim parecia humano.
– Então - começou o justiceiro das espadas. - O que você e seu bando querem da cidade? - perguntou, dando pequenos passos vagarosos, como uma cobra. - Dinheiro? Mulheres? Mortes...?
– Vingança. É isso que queremos! - exclamou o homem.
Era um soldado do Clã do Pé, tinha que ser.
– Querem se vingar de quem? - perguntou o justiceiro das adagas, aquele que salvara Jessie.
– Vocês sabem, tartarugas ingênuas, estão cansadas de saber - o soldado se inclinou para frente e falou baixinho: - De Hamato Yoshi.
Jessie ficou pensando quem seria Hamato Yoshi e por que diabos o soldado chamou os justiceiros de "tartarugas". Ela subiu no terraço, quieta, cuidadosa e vagarosamente se escondeu atrás de um depósito de ferramentas. Queria ouvir a conversa inteira.
– Nosso mestre não fez nada para vocês - rebateu o estranho das espadas.
– Leonardo, ele está blefando - disse o justiceiro do bastão.
– Não. Não está, não, Donatello. Sabemos que eles querem se vingar do mestre - respondeu Leonardo. - Ou melhor ele quer se vingar. Você sabe a quem estou me referindo.
Donatello fez que sim com a cabeça. O garoto das adagas avançou, girando as armas na mão. Ele riu do mesmo jeito que Lúcifer deve ter rido momentos antes que cair do Paraíso.
– Vamos fazer do meu jeito, irmãozinhos. Vocês sabem que nunca falha.
– Claro, o seu jeito sempre acaba em morte. - disse o garoto das correntes, que havia ficado calado o tempo todo.
– Eu sei, Michelangelo, mas ele é inútil, não vai nos dizer nada.
Foi Donatello que falou:
– Raphael, tem razão, vamos acabar logo com ele.
Os quatro justiceiros tinham os nomes dos mestres da renascença, será que eram antiquados demais ou eram fãs das artes renascentistas? Jessie viu Raphael tirar uma das adagas da cinta, e enterrá-la no peito do soldado. O soldado começou a se contorcer e retorcer, enquanto fumaça saía de seu peito, como o outro que a atacara. Mesmo sabendo que não podia fazer barulho, Jessie soltou um gritinho agudo. Ela recuou, não podia aguentar mais aquilo, iria embora e fingir que não viu nada, nem ninguém. Ela estava os observando à espreita, não pareciam estar prestando atenção no que acontecia ao redor. Mas faltava um justiceiro, o tal de Michelangelo, que estava ali há alguns segundos.
Ela recuou mais, até chegar perto da beira do prédio, mas um fio de luz prateada se enroscou em sua cintura e a puxou. Tinha uma força anormal. Ela cambaleou sem o controle das pernas e aterrissou, deitada de lado, no mesmo lugar onde os justiceiros estavam reunidos. Com a luz, ela podia enxergar os rostos. Ao olhar para o chão, viu um grande pé verde escuro, a perna era do mesmo tom. Levantou o olhar e viu o que nunca achou que viria: Uma criatura sublime; verde, careca, com três dedos nas mãos e dois nos pés e uma carapaça. Na cabeça uma bandana vermelha. Era um réptil, uma espécie tartaruga humanoide. Não era o mutante das correntes, era Raphael, a tartaruga das adagas.
– Ora, ora, uma espiã - ele se virou para o soldado do Clã.
– Não, eu não sou espiã - retrucou Jessie. - Sou uma garota comum, que acabei tendo a infeliz ideia de seguir vocês - ela se livrou das correntes (que estavam frouxas) e se levantou.
Raphael deu de ombros.
– Não passou da hora de você dormir, garotinha?
– Meu nome não é "garotinha"! - irritou-se ela. - E não. Não passou da hora de eu dormir.
Leonardo andou para frente.
– Então nos diga, humana - começou ele. - Por que estava nos seguindo?
– Vi vocês levando o homem, não podem sair por aí matando os outros.
Leonardo riu calmamente, colocando as mãos para trás do corpo.
– Você tem razão, Sra. Belcourt, não podemos sair por aí matando as pessoas. - concordou. - Mas isso - ele apontou para o soldado morto. - Não é uma pessoa. Pode até parecer com uma, mas é uma máquina.
Jessie disse, com desespero na voz:
– Vocês são assassinos de sangue frio - disse. - Querem saber? Vou ligar para a polícia, e ela vai vir atrás de vocês.
Raphael riu.
– Está enganada, garotinha. Somos assassinos que só querem a paz, e...A queda do Clã do Pé - corrigiu ele.
– E normalmente a polícia não se interessa quando você diz que "Tartarugas mutantes mataram uma máquinha humanoide" - foi Donatello quem falou.
Máquinas. Então os soldados não eram humanos, eram máquinas, por isso não perdiam sangue. E essa era a explicação da fumaça negra que saía dos corpos. Máquinas humanoides estavam soltas na cidade cometendo crimes e sendo impedidas por tartarugas ninjas, talvez isso desse uma boa manchete para o jornal.
– Qual é o seu nome? - perguntou Michelangelo.
– Meu nome?
– Você não sabe? - ele pareceu espantado.
Jessie olhou indignada.
– Acabamos de sair de um ataque do Clã do Pé, eu quase fui morta, fui pega espiando vocês, vi vocês matarem uma máquina e você vem perguntar o meu nome?
– Ah, pode acontecer! - disse ele. - Mas me diga qual é!
Jessie cruzou os braços, ereta.
– É Jessie. Jessie Belcourt.
Enquanto Michelangelo e Jessie conversavam, Leonardo, Donatello e Raphael estavam discutindo sobre o que fariam com a garota. Raphael tivera a ideia de matá-la, mas Donatello e Leonardo não concordaram.
– Vamos ameaçá-la - sugeriu Leonardo.
– Ainda prefiro a ideia de matá-la! - retrucou Raphael.
Leonardo franziu o cenho.
– Não matamos pessoas inocentes, seu tonto!
– Ela já sabe demais, vamos levá-la para o esconderijo - disse Donatello, baixinho. - Aposto que o Mestre vai gostar de falar com ela. A garota é uma Belcourt, deve ser a filha daquela mulher que está na foto do sensei. Aquela de cabelo branco e olho violeta, que estava ao lado de Oroku Saki.
– Não vamos levá-la de jeito nenhum, ela é humana! - disse Leonardo.
– E daí? Casey é o quê? - perguntou Raphael, sarcástico. - Um Frankstein? Ou uma fadinha?
Ele respirou fundo, dando de ombros e foi até Jessie, que estava de pé encostada na parede. Ele se aproximou dela, deixando os rostos bem próximos, e disse:
– Escute, garotinha: Você não pode contar a ninguém que nos viu, entendeu? Se contar, nós vamos atrás de você, e não ache que vai ser legal - ele se afastou, e foi de encontro com os parceiros. - Até...Algum dia desses.
Os quatro se foram. Pulando como macacos pelos prédios, e desaparecendo como sombras. Jessie ficou parada, olhando-os partir. Ela iria contar para Casey, era o seu melhor amigo e sabia que podia confiar nele. Mas será que esta fora a primeira e única vez que vira as estranhas criaturas?