Pureblood

Vinte e sete — Obscuridades.


Natsu pisava em gravetos e folhas secas, seguindo com dificuldade a trilha irregular da floresta que não fazia ideia aonde lhe faria parar. O vento gélido arrepiava-o até os ossos e a escuridão era um tanto desesperadora, porém ele continuava caminhando e escorregando vez ou outra. Desconhecia por completo o lugar em que estava e ainda assim, continuava caminhando. E continuaria até avistar quem estava procurando.

Não sabia como era seu rosto, nem o som de sua voz. Era… uma garota, certo? Uma garota estava perdida naquela floresta e ele precisava trazê-la de volta. Mas como a levaria para casa se nem ao menos sabia aonde estavam? Parecia tudo tão vago, as informações em sua mente eram repassadas de uma forma muito confusa. A cada passo dado, uma memória retornava.

Logo pôde se lembrar exatamente de quem era e isso fazia com que ficasse mais confuso, incapaz de pensar em qualquer tipo de explicação para o motivo de estar em uma floresta gelada e escura como aquela procurando uma garota sem nome.

De repente estava rolando morro abaixo, sendo acertado em cheio por pedras e espinhos que penetravam suas costas. O sangue e a dor misturavam-se com a terra enlameada, sujando as roupas de tecido leve na cor branca que outrora foram perfeitas, sem um sinal de sujeira.

Um ponto de luz passava por si e num instante, permaneceu imóvel no ar. Siga-me, ele podia jurar que dizia. Siga-me para encontrar quem está procurando.

Não consigo me mexer, respondeu Natsu respirando curtamente, mal aguentando as sensações dolorosas após a queda. Eu não vou conseguir.

Levante-se e lute com a coragem que há em você. Lute contra a dor de ter sido atingido pelas pedras, lute contra o inferno dos espinhos que o fazem sangrar. Acorde, Natsu!

A vibração da voz que não pôde reconhecer como masculina ou feminina causaram arrepios por todo o seu corpo e seguido disso, a sede de guerrear contra as feridas da queda. A sede da conquista que estava quase ao alcance.

Cambaleando, seguiu a luz branca ou amarela – não fazia ideia de que cor era. Somente andava atrás, sentindo as dores de um provável osso quebrado. No caminho da trilha, cuspiu sangue, forçando as próprias pernas a continuarem. Desistir não era uma opção.

O vento frio voltou a soprar com força acompanhado de um riso alto e apavorante que fez o rapaz parar por um momento, tentando reconhecer da onde vinha. Da esquerda, da direita, de baixo, de cima, para frente e para trás; o som parecia ter origem de todo o lugar.

Quando a risada grave cessou, a floresta voltou ao silêncio absoluto. Mais uma vez, a única coisa que escutava era o barulho do pisar em fragmentos de árvores e folhas. Mantinha a audição atenta pois poderia estar próximo dela, o que não tinha plena certeza pois a luz não estava se comunicando mais.

Estamos chegando?, perguntou em pensamento. Não conseguia abrir a boca para escutar a própria voz.

Quando avistar o lago, saberá que está perto. A voz soava mais para feminina agora.

Olhava ao redor, ansioso para ver algum lago. Enquanto isso, fazia uma breve reflexão, lembrando-se das pessoas que tanto amava. Sua mãe e Mirajane, as duas mulheres mais importantes de todas. Será que estavam preocupadas por não estar em casa? Desde quando e como havia chego ali? Por que se empenhava tanto para encontrar uma garota da qual sequer sabia como se chamava?

Uma moça loura invadiu-lhe os pensamentos também. Os cabelos cor de ouro eram brilhantes e caíam em delicada cascata sobre seus ombros; logo, reconheceu seus lábios avermelhados e sutis que, de modo tímido pronunciavam o nome dele. Natsu, Natsu. Senhor Natsu.

Mas qual era o nome daquela loira, afinal? A via todos dias e ainda assim, não podia lembrar sequer da inicial. Como poderia ser..?

Dispersou do aborrecimento assim que a luz saiu de perto de si em disparada e ele percebeu que finalmente, estava na beira de um lago. Correu na maior velocidade que podia, pouca devido aos ferimentos dos quais carregava. Os batimentos do próprio coração aceleravam insanamente, aumentando o ritmo à medida que dava um passo para frente. Estava próximo ao extremo, sentia.

Boquiaberto, fitou a figura em sua frente. Ajoelhada na beira do rio de águas negras estava uma garota de corpo frágil, trajando um longo vestido branco que com certeza fora deslumbrante um dia. O tecido estava completamente destruído por rasgões e coberto por lama, assim como seu rosto e cabelos. De um loiro sem vida, uma presilha de flores parecia prestes a se soltar do cabelo embaraçado e repleto de terra e folhas secas. O olhar era baixo e distante, como um corpo sem alma. Como se estivesse morta.

A luz posicionou-se em cima de sua cabeça e virou um pó dourado que a iluminava e devolvia cor à pele completamente pálida e fria. A aparência havia tido alguma melhora, porém ela ainda estava suja.

Natsu não encontrava voz para gritar seu nome. Ele sabia como ela se chamava, sabia quem ela era. Por que era impossível pronunciar o nome dela?

Lucy! — gritou ele, banhado em suor. Encarava um teto branco e, confuso, sentou-se de súbito. Aquele lugar era seu quarto e o rapaz se encontrava na própria cama. Checou as mãos e os braços e constatara que não havia nenhum machucado. Não sentia nenhuma dor e poderia dizer que estava bem por completo se não fosse pela respiração descompassada e coração veloz, parecendo prestes a rasgar seu peito.

Tomava consciência de que tudo o que vira havia sido simplesmente um sonho aos poucos. Ofegava, esfregando os olhos com força. A floresta, as dores, Lucy; parecia tão real que sem razão alguma, teve vontade de chorar. Mas ele nunca chorava.

O celular vibrou no bolso frontal da calça e Natsu apanhou-o, ansioso. Mesmo sem saber porquê, ficou mais aborrecido do que de costume ao ver que era uma mensagem via Whatsapp de uma pessoa chamada Mimi. Não conhecia uma garota chamada Mimi e nem se deu ao trabalho de abrir o aplicativo, com a certeza de que era mais uma das interesseiras que tentavam se aproximar dele por saber que era um Dragneel. Garotas assim conseguiam seu número de modo mágico, de repente estavam profundamente apaixonadas por ele sem nunca terem se visto na vida e algumas até abusavam enviando fotos sensuais. Algumas fotos eram legais, o rapaz não podia negar. Porém não estava procurando uma piranha desesperada como namorada. E imaginar-se com uma delas na cama incrivelmente não lhe excitava.

Notou que duas notificações de Levy também estavam ali. Engoliu em seco e uma era de ligação perdida e a outra, mensagem também via Whatsapp. O recado pedia para que ele por favor a ligasse de volta quando fosse possível, sem especificar o por quê. Era tão estranho, considerando que não se falavam há tempos. Logo, surgiu o dilema: ligar ou ignorar?

Natsu se assustou ao ver que tinha dormido por nada menos do que quatro horas. Surpreendemente, já que havia praticamente desmaiado no apartamento de Lucy, adormecido como nunca. Seu sono às vezes o deixava realmente confuso.

Pela primeira vez no dia, sentiu o estômago praticamente vazio implorar por alimento. Decidiu descer até a cozinha e beliscar algo, pois não queria comer muito antes de Mira preparar a janta. Amava o gosto de sua comida e era capaz de passar um pouco de fome por esperar. Duas horas não seriam muito.

O rapaz largou o celular na cama tentando não se preocupar muito com Levy e saiu do cômodo. Ao passar no corredor, inalou um leve aroma de incenso e supôs que a mãe estava utilizando a banheira no banheiro do quarto. Ela adorava tomar banho com aquelas porcarias perfumadas que ele vivia lhe dizendo para tomar cuidado para não exagerar. O cheiro poderia fazê-la desmaiar sozinha.

— Bom dia? — disse Mirajane, depositando um beijo em seu rosto assim que adentrou a cozinha. Natsu riu e ficou envergonhado com as carícias no couro cabeludo. Sempre ficava assim quando Mira ou sua mãe o tratavam tão bem… sentia que não merecia nem a metade daquilo.

— Não faz isso, eu vou dormir de novo… — murmurou o rapaz, já recostando a cabeça em seu ombro como um gatinho sonolento. A albina sorriu com o pensamento de que ele era realmente uma fofura e em como o amava.

Observou-o apanhando um pacote de biscoitos na dispensa e sorriu, dizendo que ia começar a preparar o jantar. A reação dele foi lançar-lhe um sorriso alegre, um dos mais bonitos que Mira conhecia. Vê-lo sorrir a deixava feliz em meio aos problemas que enfrentava com a família – e mais uma vez com Laxus – aos montes. Problemas que não comentaria, pois sabia que Natsu tentaria fazer algo para “solucionar”, mas apenas estaria correndo perigo.

Enxugou uma lágrima e vestiu o avental.

Lucy desligou o fogão assim que a sopa ficou pronta. A sopa era composta por vários legumes, tomate picado e frango com um toque especial dado por algumas gotas de limão. Não queria se gabar, mas havia provado-a antes de servir um prato fundo para Erza e poderia dizer que estava realmente boa. Considerava-se uma boa cozinheira, porém nunca o dizia. Não queria aparentar ser uma garota que “se achava”, como ouvia as pessoas comentando entre os cantos quando alguém afirmava ser bom em alguma coisa.

Com carinho, pôs o prato sobre a bandeja de prata juntamente com uma colher grande. Um guardanapo, um copo de suco natural de laranja… certo, tudo estava posicionado corretamente e havia um ótimo aroma proveniente da sopa, tão bom quanto seu gosto. Sorriu consigo mesma e cuidadosamente segurou a bandeja para levá-la até o quarto da amiga.

A porta estava entreaberta e a loira pediu permissão para entrar. Scarlet assentiu positivamente, falando com voz arrastada de alguém sonolento. Lucy adentrou o cômodo e encontrou-a deitada de bruços com o rosto enterrado no travesseiro. De repente, a ruiva estava sentada na cama; gemeu baixo pelas dores no corpo ainda presentes, mas não deu importância.

— Que cheiro bom! — falou com os olhos a brilhar, fitando a bandeja prateada. Encantada com o modo do qual a amiga havia arrumado-a e dobrado o guardanapo perfeitamente, corou. — É-É pra mim?

Lucy emitiu um riso tímido.

— Mas é claro que sim. — respondeu, entregando-lhe o jantar. — Espero que goste… ah, a sopa está um pouco quente. Talvez você queira deixar esfriar…

Erza sentia-se emocionada por aquele ato gentil. Ninguém nunca havia trazido uma refeição para si em sua cama, desconsiderando os empregados da Mansão Scarlet onde vivia quando era pequena. Sempre faziam isso, mas não gostavam dela; era por pura obrigação, até de má vontade. No entanto, Lucy parecia ter cozinhado para ela e posto a coisas na bandeja com amor. A ideia lhe deixava sem muito o que dizer…

No entanto, percebeu que a loira a estava olhando de jeito estranho às vezes, como se prestes a falar alguma coisa. Mas que coisa seria essa?

— Hã… você quer me dizer algo? — perguntou olhando-a diretamente enquanto aguardava sua sopa ficar um pouco mais fria. — Parece que está me olhando de um jeito meio estranho.

Percebendo o que havia feito, Heartfilia endireitou o corpo.

— N-Não. — disse em resposta, desviando o olhar. Suas bochechas ficaram levemente vermelhas. — É só impressão sua.

Erza suspeitava de que ela estivesse curiosa em relação à seu relacionamento com Gray. Primeiro, o tinha ignorado completamente no hospital enquanto ele dormia recostado em Lucy e agora, em uma bela manhã, ela havia visto os dois abraçados ao dormir no sofá. Certamente, era algo para se questionar que diabos acontecia entre ambos. E a ruiva não queria que ela tivesse uma ideia errada sobre isso.

— Lucy… — utilizou um tom de voz severo, amedrontadamente cravando seus olhos na direção dela. — Você quer perguntar algo?

A loira remexeu os ombros, encarando os próprios pés. Parecia mais sem jeito do que nunca.

— T-Talvez.

— Então pergunta, ué.

— Digo, não, eu não quero perguntar nada… — Lucy tentou desconversar, o rosto tão vermelho que podia-se jurar que estava com febre. — Oh, eu coloquei um pouco de limão na sopa, m-mas não sei se você gosta…

— Pergunta logo! — falou Erza, ansiosa para acabar com a provável ideia de que possuía algum interesse romântico por Gray. Não estava nem minimamente a fim dele. Não mais. — Por favor…

Lucy esfregou as mãos uma na outra, sentando-se no canto da cama. Sentia-se envergonhada demais para olhar Scarlet diretamente, já que imaginava estar invadindo um espaço da vida da amiga que não era de sua conta. Não era uma garota intrometida…

— B-Bom… eu sei que não é da minha conta. — começou, a voz soando como um sussurro. Erza não costumava falar sobre rapazes. — Mas às vezes me pergunto como você conhece o sr. Gray. Tenho curiosidade de saber se… gostam um do outro.

A ruiva esperava aquilo, mas na hora que ouviu saindo de sua boca, foi impossível não rir. Era impressionante como agora pensando em ser íntima do rapaz em um sentido romântico parecia algo completamente engraçado, do tipo sem chance. Provavelmente teria ficado constrangida se alguém lhe falasse que pareciam íntimos há uns dois anos. Céus…

Heartfilia permaneceu imóvel, sem entender o porquê dos risos. Havia falado algo que soara engraçado?

— Desculpe, desculpe… — Erza bebeu um gole do suco de laranja. Delicioso. — É que sei lá, sei no que você pensa. Mas Gray e eu não nos gostamos, apesar de termos namorado no ensino médio. A gente terminou no terceiro ano e desde então, ainda me sinto um pouco odiosa em relação à ele. Um rancorzinho bobo, mas que ainda existe. E o que você viu no sofá hoje de manhã foi porque eu estava bêbada. As pessoas dizem que eu fico carente quando bebo, então devo ter o obrigado a me abraçar ou algo assim. Mas eu teria feito isso com qualquer um, entende?

— Oh… desculpe, eu… eu não deveria ter perguntado.

A ruiva mordeu o lábio e esfregou os olhos com força.

— Não tenho problema em falar sobre ele nem nada. — mentiu parcialmente, pois quando contava sobre Gray, se lembrava do quão doloroso o término do namoro fora. Era como se revivesse memórias desagradáveis e a sensação de ser a garota mais miserável do planeta. Por ter sofrido tanto como nunca havia sofrido por um rapaz antes, Erza ainda guardava rancor… a culpa fora dele pelo o que aconteceu.

Ela se consolava tentando relembrar os bons momentos passados a seu lado também.

— A propósito, você bebeu tanto assim? — perguntou Scarlet para quebrar a atmosfera de peso. — Você também não podia dirigir…. eu pensei que não bebesse.

— A-Ah, não, eu não bebo nada com álcool. — disse Lucy. — A única coisa que tomei por lá foi refrigerante. Mas um homem colocou algo dentro do meu copo. E o sr. Natsu disse que ele estava tentando me levar para algum outro lugar.

Erza arregalou os olhos e a garota corou, voltando a pensar que Natsu fora seu herói. Sentia o estômago revirar apenas por pensar no que poderia ter acontecido consigo se ele não estivesse ali no momento certo. Que sorte…

— Natsu te… salvou? — a ruiva lançou-lhe um sorrisinho com certa malícia.

A loira estremeceu.

— E-Erza!

Após sair da banheira, Olívia assoprou todas as velas aromáticas espalhadas pelo banheiro e com o corpo seco, pôs uma camisola de uma seda verde do mesmo tom de seus olhos. Gostava de como caía por suas curvas invejavelmente bem delineadas para alguém com sua idade. Em frente ao espelho, girou lentamente na ponta dos pés como uma bailarina e admirou o próprio reflexo. Sua pele sem quaisquer marquinhas, seus cabelos negros e devidamente hidratados que estavam crescendo novamente graças ao excelente óleo capilar que aplicava para que ficasse maior mais rápido. Gostava do corte médio, porém sentia falta de ter fios compridos como antigamente.

Contente por se sentir bonita, apanhou a escova e o creme dentário para escovar os dentes antes de ir dormir até se lembrar de que não havia jantado. Estava com um pouco de fome, mas sentia preguiça de descer à cozinha. O banho lhe deixara relaxada demais e a única coisa que realmente queria era descansar… de todo o estresse que havia passado naquela tarde.

E merda, estava começando a se lembrar. Os músculos voltaram a ficar tensos e ela levou as mãos à cabeça, prestes a chorar. Não queria lembrar…

Mantendo um ritmo de corrida mediano, Olívia inspirava o ar puro do parque. Pisando nas folhas secas e amareladas que tornavam a maioria das árvores despidas, observava os arbustos iluminados pela luz solar. O Sol deixava a aparência do dia menos deprimente, tornando tudo que estivesse sob seus raios mais bonito além de transmitir um calor agradável. Era nesses momentos em que podia admirar a beleza da natureza que a sra. Dragneel cogitava a possibilidade daquilo tudo ter sido criado por alguém como um deus.

O ambiente do qual tanto gostava em conjunto com um exercício físico fazia-a se sentir bem melhor do que quando estava fazendo compras no shopping ou embonecando-se no salão de beleza. Quanto mais se movia, mais seu corpo liberava substâncias ligadas à felicidade e era isso que a incentivava a percorrer distâncias maiores.

Virando a cabeça para o lado, fitou o lago. Uma família de cisnes nadava despreocupadamente; um pai, uma mãe e seus filhotes. A imagem que parecia uma gravura lembrou-lhe de Igneel e da família que haviam construído. Ele, o pai. Ela, a mãe. E por fim, Natsu era seu filhote. Exatamente como deveria ser.

Enxugou algumas lágrimas que escorreram rapidamente por suas bochechas e tentou voltar a pensar somente em como estava completamente revigorada no parque. Mas de repente, cessou a pequena corrida completamente.

Em um dos bancos posicionados à frente do lago, Olívia avistou uma moça de compridos cabelos cor de ouro vestida com um moletom cor-de-rosa desgastado. Mexia a cabeça conforme os cisnes atravessavam o rio com uma postura irritantemente correta. Uma postura que não combinava nem um pouco com a roupa esfarrapada.

Trêmula, a sra. Dragneel pisou firme até ela com um brilho selvagem nos olhos. O olhar de uma onça que se aproximava da presa. Ofegava com o ritmo cardíaco acelerado, mais cansada do que estaria se houvesse diminuído aos poucos a velocidade da caminhada rápida.

Abriu um sorriso maníaco quando lembrou-se de que trazia um canivete afiado consigo escondido no cinto, por precaução. Usaria para dar o fim que aquela mulher merecia. Matá-la, ia matá-la. Tudo no que conseguia pensar era na sensação prazerosa que teria ao observar o sangue dela por suas mãos; não lembrava do próprio nome, muito menos de que encontrava-se em um parque onde várias crianças andavam por ali com seus pais.

— Encontrei você... — sussurrou em meio ao riso psicopata, cravando as unhas perfeitamente feitas em seu ombro. A loira deu um pulo no banco e assustada, encarou Olívia. Ver seu rosto fez com que ela voltasse a si tão rápido quanto deixara de ser racional.

— Q-Quem é você? — perguntou a moça com os olhos azul-piscina completamente arregalados.

Olívia esqueceu-se de como respirar. Cometera um tremendo engano.

— D-Desculpe! — falou, se sentindo insana por completo. Recuava sem fazer ideia do que dizer. — Me desculpe, pensei que era outra pessoa!

Envergonhada e apesar de ninguém estar prestando muita atenção em si, a sra. Dragneel via olhares reprovadores que não existiam realmente. Estava cada vez mais com a certeza de que perdia a cabeça aos poucos… como podia ter quase tentado matar uma mulher inocente?

Escondida atrás de um tronco de árvore, inspirou e expirou repetidas vezes até que se sentisse minimamente melhor. Numa pilha de nervos, mal conseguia decidir se voltaria ou não para casa naquele mesmo instante.

Mais uma noite mal dormida a esperava.

No domingo à tarde, Natsu fitava o vapor que saía de dentro da xícara sentado em uma mesa para dois de uma ótima cafeteria da cidade. O lugar era pouco movimentado e esse era um ponto que o tornava ainda mais aconchegante; havia flores em vasos feitos de porcelana espalhadas pelo estabelecimento que tinha de admitir que embelezavam o local com paredes de madeira clara, apesar de não ser um grande admirador de flores.

Uma música do cantor Jake Bugg tocava em um volume não muito baixo: alto o suficiente para que pudesse ser bem apreciada. Natsu não tinha o costume de ouvir canções do estilo indie, mas pensava que dependendo da situação, era bem-vinda por mais que o deixassem sentir-se deprimido.

Sentir-se deprimido não era um problema, já que estava um tanto esquisito desde que havia aceitado o convite de Levy na noite anterior. Por alguma razão, ela queria se encontrar com ele. Não especificara nada ao telefone e com o volume de voz mais baixo do que o normal, não fez a ligação durar muito. O rapaz estava numa pilha de nervos e era com certeza um idiota por isso; ficar tão nervoso assim só por se encontrar com alguém não era algo muito comum para si. Era Levy sim, mas e daí? O que esperava? De alguma forma ou outra, teria de encará-la pessoalmente depois de tudo o que acontecera. E era até melhor que não fosse em algum evento familiar… o momento seria falso. Ambos agiriam estranho como sempre faziam com a família ao redor; essa era uma das coisas que tinham em comum…

Com suor nas mãos, Natsu tentava planejar o que falaria enquanto conversassem, o que iria fazer para não parecer um estúpido ainda apaixonado em sua frente. Precisava saber como agir…

Qualquer plano que tivesse passado pela mente foi completamente esquecido assim que o rapaz a viu adentrar a cafeteria caminhando com elegância. Boquiaberto, a olhou por cada detalhe: continuava com a mesma altura de sempre, porém muitas outras coisas em sua aparência estavam mudadas. Os cabelos antes negros e presos para trás por uma faixa eram atualmente tingidos de azul e caíam por suas costas completamente soltos; sabia que tinha pintado o cabelo, mas olhá-lo pessoalmente parecia diferente. Além da mudança nos cabelos, ela agora vestia roupas habitualmente discretas mas que reforçavam sua feminilidade. Um casaco bege marcava sua cintura bastante definida e a calça jeans parecia ajustar-se perfeitamente em suas pernas mais torneadas do que a última vez em que a vira. Além disso, ela não usava mais óculos.

Não era uma novidade para si, pois a via em fotos nas redes sociais o tempo todo. Pessoalmente, Levy parecia ainda mais… bonita. E Natsu mal sabia que palavras usar com garotas que considerava tão constrangedoramente belas.

— Oi. — falou ela em sua frente com um sorriso tímido. O rapaz não reagiu, então ela repetiu o cumprimento.

— Ah, o-oi! — respondeu ele, levantando-se para trocarem um rápido beijo no rosto. Um simples ato de educação que o deixara arrepiado pelo toque leve de seus lábios. Desejava com todas as forças que não estivesse corando. Diabos, nunca corava!

— Este lugar é bonito demais, não acha? — comentou ao se sentar, folheando um cardápio como se estivesse realmente o lendo. Já sabia a lista de comes e bebes do estabelecimento de cor e salteado, mas foi o único modo educado que encontrou para não olhá-lo diretamente o tempo todo. Estava com vergonha e isso ficava evidente na vermelhidão de suas bochechas.

— É sim. — balbuciou ele. — Bem legal.

— Estou feliz que tenha aceitado meu convite. — Levy pôs uma mecha azulada atrás da orelha com um brinquinho dourado. — Fazia muito tempo que não nos víamos… pessoalmente.

— Sim.

Um silêncio envergonhado pairou sobre a mesa, quebrado pela voz excessivamente fina de uma garçonete de olhos bastante orientais. Ela perguntou se Natsu gostaria de algo mais além do café com leite e se a garota já havia escolhido o pedido. Levy assentiu com a cabeça e pediu de prontidão uma xícara de café fortíssimo e, claro, sem açúcar; seu tipo favorito.

— O que acha de dividirmos uma torta de morango? — sugeriu ela e o rapaz assentiu com a cabeça, murmurando uma resposta positiva. A atendente anotou o pedido e com a licença dos clientes, retirou-se para a área restrita aos funcionários.

— É… você me chamou aqui pra quê? — Natsu imediatamente gostaria de ter ficado calado.

Inesperadamente, ela deslizou as mãos antes pousadas sobre o colo de encontro com as suas e então, segurou-as com delicadeza.

— O que você acha? — riu por um momento. — Para conversarmos, é claro. Pensei em conversar com você por mensagens, mas não é a mesma coisa do que estarmos na frente um do outro. Eu senti sua falta.

Eu também senti sua falta, quase respondeu. Porém não queria admitir que ainda pensava nela, nem para si mesmo.

— Enfim… — lentamente, soltou as mãos dele. — Como está tudo na sua vida? As coisas vão bem na faculdade?

Natsu suspirou.

— Continuo odiando Administração. Tudo comigo está na mesma, na verdade. — respondeu ele. — E você agora está estudando para o teste de admissão da universidade, certo?

Levy estava com dezessete anos e faria o teste para Medicina na Fairy Tail University dali a pouco tempo. Estava extremamente ansiosa, mas não porque queria cursar Medicina; ansiosa para que a pressão dos pais para que fosse muito bem na prova acabasse de uma vez. Detestava o fato de eles quererem decidir seu futuro, porém não possuía coragem o suficiente para enfrentar seu pai e sua mãe. Lhe daria apenas mais dor de cabeça.

Ao falar sobre universidade, o rapaz lembrou-se instantaneamente de Lucy. Ela também faria um teste de admissão naquele Inverno para a mesma instituição de ensino. E com a imagem de Lucy, as lembranças do sonho – pesadelo era o termo mais correto – que tivera invadiram sua mente mais uma vez.

McGarden franziu a testa.

— Natsu, você está bem? Está um pouco pálido.

— Eu estou bem. — respondeu ele, forçando-se a deixar aqueles pensamentos de lado ao menos por ora. Aquele não era um bom momento para ficar refletindo sobre bobagens; porque para si, levar sonhos a sério era a maior besteria que poderia-se fazer. Eram apenas imagens projetadas pelo cérebro, droga.

— Hum, fiquei sabendo que conseguiram uma criada. — Levy puxou o assunto sem saber que tudo o que ele queria era não falar sobre Lucy. — O nome dela é Lucy, não?

— É sim.

— Erza me contou que ela é uma pessoa realmente prestativa. Fico feliz por terem…

Como vai com Gajeel? — a pergunta soou um pouco mais agressiva do que realmente queria.

A garçonete entregou os pedidos e com um sorriso um tanto amedrontado, saiu de perto da mesa o mais rápido possível. Uma aura pesada facilmente sentida pairava por Levy, que mantinha a cabeça baixa e expressão ilegível. Quando ela finalmente olhou para ele mais uma vez, era notável sua dificuldade para não começar a chorar ali.

— Nós terminamos.

O rapaz desejava enterrar o próprio corpo o mais depressa que pudesse.

— Desculpa. Eu não sabia. — falou quase como que no automático, contendo o sentimento de ficar feliz pelo relacionamento ter acabado. Apesar de Gajeel ser o maior idiota, Levy sempre aparentara gostar muito dele. Era o que as pessoas falavam e algumas demonstrações de amor em redes sociais mostravam. Eram sutis, mas o rapaz podia imaginar corações ao redor dela quando escrevia palavras de amor públicas ao namorado.

— Não tem problema. — ela enxugou os olhos com a manga do casaco — Mas sabe, acho que vai ser o melhor para mim. O melhor para nós dois, na verdade.

Natsu permaneceu em silêncio.

— Sabe, Natsu, eu realmente queria ter me encontrado com você antes. — sussurrou com sinceridade. Ouvir tal frase fez seu coração bater irregularmente por um momento. — Me desculpe por sequer ter te enviado alguma mensagem. Eu fui uma tola e permiti que Gajeel me controlasse de modo geral… era algo meio doentio. Por isso creio que será o melhor para nós dois.

Natsu assentiu com a cabeça e bebeu um gole do café, sem-graça.

— Mas não vamos falar sobre isso em um lugar tão agradável. — disse ela, apanhando um garfo e faca para cortar a minúscula torta em dois pedaços. Com um sorriso, pôs o pedaço dele em um prato e lhe entregou, mudando completamente de assunto.

Um misto de alegria por estar com ela e a sensação de que queria voltar logo para casa o atormentava durante todo o encontro.