Pureblood

Vinte e oito — Confusões.


Nos últimos dias, a tensão extrema perseguia Mirajane desde quando saía de casa ao amanhecer e à noite, quando ia embora da Mansão. Durante o trajeto do ônibus que balançava, seu estômago embrulhava e o pânico começava a surgir quando ela pensava no pior que poderia ter acontecido enquanto trabalhava, longe de sua família. Sua mãe ou Lisanna ligavam quando algo ocorria, e apesar de não terem telefonado, ela se preocupava. Não era sempre que podiam pegar o celular no meio de uma má situação. Será que estavam realmente bem? Será que estavam em segurança, esperando-lhe chegar em casa?

Mal contia a ansiedade dentro de si assim que o ônibus parou no ponto próximo à sua casa, com cinco minutos de caminhada até chegar na residência. Cinco minutos de pavor na escuridão noturna, já que os postes não iluminavam tão bem a rua; como sabia que em apenas cinco minutos algo poderia acontecer consigo, trazia uma faca na bolsa que poderia apanhar facilmente. Definitivamente não gostava de violência, mas era preciso saber como se defender. A região onde morava era relativamente calma, porém um verdadeiro perigo à noite. Quem sabe o que se escondia no meio do matagal pelo qual passava?

Ouviu o barulho de sirenes aparentemente vindo da rua da esquerda, a que dobraria para finalmente chegar em casa. Correu sem pensar duas vezes, pensando na amada mãe e na irmã mais nova que tanto desejava proteger. Sirenes nunca eram algo bom e antes mesmo de ver os vizinhos reunidos em torno de sua residência, uma viatura da polícia e uma ambulância, já sabia que algo havia acontecido.

Sob os olhares dos vizinhos que demonstravam pena, Mira viu Elfman com as mãos algemadas, escoltado por dois policiais. Elfman, o segundo filho da sra. Strauss depois de Mirajane. Elfman, o irmão que Mirajane ainda amava mesmo com tudo o que já lhes fizera. O rapaz possuía um brilhante futuro, tal qual destruído por seu vício em drogas e álcool. Era um abandonado pelas ruas, um caso sem solução que até então havia desaparecido de sua vida. No entanto, depois de tantas ameaças, ele fez o que prometera. Disse que mataria as três, uma a uma.

— O que foi que você fez? — gritou ela com fúria, enchendo-o de tapas. — O que você fez? O que você fez com a minha família? O que você fez, seu desgraçado?!

Um outro policial a segurou com firmeza.

— Srta. Strauss? — disse ele, apertando-a quando ela tentou se debater. — Srta. Strauss, precisa se acalmar.

O irmão lhe lançou um riso irônico antes de ser colocado à força na viatura, claramente sob o efeito de algum alucinógeno. Seus olhos estavam vermelhos.

Com o sangue fervendo, Mirajane tentou desvencilhar-se dos braços do policial, sem sucesso. Gritava e chorava, mas o real desespero veio quando viu Lisanna sendo levada por enfermeiros numa maca, as roupas rasgadas e a pele pálida coberta de ferimentos e sangue. A sra. Strauss vinha logo atrás sobre a cadeira de rodas conduzida por um enfermeiro com apenas alguns machucados no rosto; estava totalmente consciente e calma, como num estado de choque.

— Mãe! — Mira correu até a maca e segurou a mão da irmã, olhando para a mãe. — Mãe, você está bem? O que ele fez com vocês?

— Eu vou ficar aqui para dar informações aos policiais. — respondeu ela. — Por favor, acompanhe sua irmã e logo eu estarei no hospital também.

Com lágrimas incessantes, a mais velha adentrou a ambulância ainda segurando a mão de Lisanna. Esta entreabriu os olhos e sussurrou o nome da irmã com extrema dificuldade, sentindo dor principalmente ao respirar. Quebrara uma costela, provavelmente.

— Ah, meu amor. — Mirajane beijava-lhe o topo da cabeça, trêmula. — Vai ficar tudo bem agora… eu estou aqui com você, certo? Você vai ficar bem.

— M-Mira…

Os olhos azuis de Lisanna encheram-se d’água. Estremecia pelo frio da noite, pela confusão mental, pelo medo crescente. Olhava apenas para a irmã, focando-se em seu rosto gentil… e que lhe trazia paz. Por agora estar com ela, nada seria impossível de lidar: podia lidar com o pavor, a dor de alguns ossos quebrados. Lidar com o frio, lidar com todo o resto. Sentia-se a salvo.


— Espero que tenha uma boa refeição, sr. Natsu. — disse Lucy em reverência assim que Natsu sentou-se na mesa para almoçar. Lucy havia preparado a comida e estava um pouco nervosa, com medo de que ele falasse que aquilo estava uma grande porcaria. Queria a aprovação dele, era importante para si mesmo sem saber por quê. Sempre desejava agradar aos outros, porém com ele era diferente…

O rapaz estava vestido para sair dali a pouco tempo: recebera as mensagens de Mira um pouco tarde e se sentia o maior idiota por não ter acordado para lê-las antes. Em resumo, Elfman havia invadido a casa e Lisanna, para defender a mãe bastante frágil, tomara uma surra que a fez ter de ir para o hospital. Quebrara alguns ossos, mas felizmente estava fora de perigo.

No entanto, poderia ter sido pior. Elfman poderia ter agredido as duas de jeito muito mais sério e até tê-las matado. Era possível que Mirajane perdesse a família por em parte, culpa sua. Sim, pensava ser o culpado. Mira estava estranha nos últimos dias, nervosa pelas ameaças do irmão e ainda assim insistia em dizer que estava completamente bem. Devia ter insistido mais, devia ter feito-a falar o que estava havendo. Ele poderia ajudá-la mas… ela não queria sua ajuda, certo? Por isso não lhe contou.

Um misto de raiva e tristeza por sentir-se um verdadeiro inútil embrulhou seu estômago. A refeição preparada por Lucy deveria estar deliciosa, já que não era má cozinheira – este era uma opinião que jamais contaria para alguém – , mas ficava enjoado apenas de olhar. Não sentia fome.

— Senhor. — falou ela, tocando seus ombros gentilmente. Ao percerber que talvez o toque fosse inapropriado, colocou ambas as mãos atrás das costas. — E-Eu… eu sei que pode não estar com muita fome… mas por favor, coma um pouco. Não é bom andar por aí de estômago vazio.

— Eu sei. — respondeu Natsu, falando baixo. Sequer conseguia ser minimamente ríspido. — Obrigado.

A última palavra soou como um sussurro na escuridão. A loira corou, perguntando-se se essa era a primeira vez em que ele a agradecia por algo. O rapaz também fez a mesma pergunta a si mesmo e ficou levemente envergonhado, pois nunca se sentira confortável para dizer por favor, obrigado ou qualquer outro tipo de palavra educada com alguém que não gostasse.

— Estarei no jardim caso precise de algo, senhor. — a criada fez mais uma reverência e inspirou e expirou profundamente para que a vermelhidão em seu rosto – que não precisava de um espelho para ter uma ideia de como estava – pudesse desaparecer.

Lucy caminhou até o cabide antes de sair da casa e vestiu o casaco para que não sentisse frio. O vento soprava com força às vezes e vinha gélido capaz de arrepiar até os ossos. Fechando a porta atrás de si, puxou o zíper da jaqueta e tateou o bolso em busca da fita lilás que a sra. Dragneel havia lhe dado. Tudo certo.

Oh, sim. Olívia permitira que ela e Sting colhessem algumas flores do jardim para fazer um buquê para a irmã de Mirajane, Lisanna. Esta encontrava-se hospitalizada e a loira pensou que talvez pudesse pedir para Natsu entregar as flores já que ele iria ao hospital depois do almoço. Pensar que a irmã de sua amiga ficaria contente a deixava mais feliz também, por mais que não conhecesse Lisanna.

Lucy mordeu o lábio quando o jardineiro ergueu a camiseta levemente, de costas para si. Ver mesmo que o mínimo da pele que suas roupas cobriam a fazia se sentir estranha e por um pequeno momento ter pensamentos naturais que qualquer garota tem quando percebe uma certa… atração pela outra pessoa. Naturais, mas que para ela eram completamente indecentes. Isso a constrangia muito, fazendo com que fosse impossível seu rosto não ficar vermelho outra vez.

— N-Não está com frio, Sting? — perguntou, estremecendo quando o vento frio soprou novamente. Como ele podia estar apenas com uma manga curta sem tremer ao menos um pouco?

— É raro eu sentir frio. — falou ele, com as bochechas tornando-se avermelhadas. Mantinha um sorriso adorável no rosto. — Mas está um vento gelado aqui fora. Não quer que eu pegue as flores sozinho? Se ficar aqui, p-pode… ficar doente.

De repente, o casaco parecia queimá-la de tão quente. Ele se preocupava.

— A-Ah, não… — respondeu Lucy, desviando o olhar. — Este casaco me deixa realmente aquecida… bom, vamos começar?

Os dois caminhavam lado a lado escolhendo com cuidado cada uma das flores que iriam compor o buquê. A garota estava encantada com a beleza do jardim pois nunca o havia observado com atenção. Era um dos mais lindos que já vira e quando pensava no quão sensível Sting era por manter todas as plantinhas, até as menores, em perfeito estado. Algumas cresciam e outras já adultas permaneciam radiando a beleza típica ao olhar de verdadeiros admiradores.

O rapaz parou para apanhar algumas margaridas e Lucy fitou um dente-de-leão que segurava em suas mãos, olhando cada pequeno detalhe daquela plantinha tão delicada; um simples balanço era capaz de fazer com que perdesse algumas de suas pétalas até enfim todas irem embora, sendo levadas pelos ventos afora. Adorava observá-las com Cana na Primavera. As duas assopravam dentes-de-leão até que fossem obrigadas a parar por conta do pedido de descanso dos pulmões.

Seu tempo com Cana fora um tempo feliz.

Uma lágrima escorreu por seu rosto e ela tratou de enxugá-la com a manga do casaco. Fungou e então, voltou a olhar para a planta em suas mãos. Era melhor assoprar antes que o vento o fizesse por si só.

Sting lhe envolveu em um abraço por trás, colocando os braços fortes ao redor de sua cintura. Lucy teve a mesma sensação de uma pessoa com febre de trinta e nove graus, o rosto vermelho como nunca. Mal conseguia respirar apesar de ele não estar apertando-a, quanto mais dizer para ele por favor, soltá-la. No entanto, não queria realmente pedir para que fosse solta. Gostava do modo carinhoso como lhe abraçava, gostava de se sentir segura nos braços de um homem. Lucy costumava ter sempre um pouco de medo com a presença de homens, mas o loiro possuía uma aura diferente. Ela tinha certeza de que ele nunca a faria mal. Era bom estar a seu lado.

— Vamos assoprar juntos? — sua voz fez cócegas em seu ouvido. Acanhada, ela assentiu com a cabeça e os dois fizeram uma contagem regressiva a partir do número três para enfim, as pétalas da flor voarem suavemente até que sumissem de vista.

Ficaram em silêncio no meio do jardim, quase sincronizando sem perceber o ritmo respiratório. A loira timidamente pôs as mãos sobre os braços dele e os pressionou como se quisesse tornar o abraço mais apertado.

Os lábios de Sting roçaram seu pescoço quente e pálido – antes coberto pelos cabelos cor de ouro – e ela estremeceu, particularmente tendo extrema sensibilidade na região. Comprimiu os lábios para evitar emitir um gemido que demonstraria o quão agradável era receber beijos tão delicados. Não era hora para fazer algo assim… estavam trabalhando. Eram amigos. E por Deus, não podiam voltar a focar em reunir as flores?

Sting… — com esforço, virou a cabeça para olhar na cor azul profunda que possuíam seus olhos. O loiro, apesar de acanhado, delicadamente girou-a para que ficassem frente a frente. Com os corpos completamente próximos, o rapaz via os lábios pequenos e levemente avermelhados que o enlouqueciam por dentro. Queria beijá-los e também… explorar cada canto de sua boca. O desejo deixava-o em chamas internas, aumentando a cada segundo que sentia o corpo dela junto ao seu.

Lucy fechou os olhos, tensa. Tinha dificuldades em aceitar que ao menos agora, no momento, estava com vontade de lhe dar um beijo. Estar ali com ele daquele jeito era carinhoso, era confortável e não prestava muita atenção ao próprio medo. Do que tinha tanto medo?

Continuou com os olhos fechados, esperando que ele se aproximasse. Até que se lembrou de Natsu.

A primeira vez em que o viu; os cabelos róseos bagunçados, o pijama azul, o modo como seus olhos verde-escuros a encaravam escondidos sob a franja. Em um momento amedrontador e no outro, mostrando que também podia ser gentil. A missão dita por Cana, as vezes em que quase se beijaram, como ele a salvou de um pervertido numa festa insana. O nervosismo e a felicidade, também. Felicidade quando ele a tratava bem, quando parava de posicionar-se na defensiva. Como se a considerasse uma amiga.

Abriu os olhos e virou o rosto para o lado num exato segundo antes de Sting poder encostar em seus lábios.

— Acho que eu deveria pegar algumas violetas. — falou assim que estava fora do abraço. Agia com seriedade, como se nada houvesse acontecido. — São tão lindas.

— S-Sim. — ele agiu igualmente, embora se sentisse bastante confuso. Aos poucos, processava os últimos acontecimentos.

Fora rejeitado.

Em silêncio, arrumaram o buquê e Lucy amarrou a fita lilás em um laço perfeitamente simétrico. Sorriram com o resultado e ficaram contentes de terem feito algo para Lisanna. Juntos. E teria sido ainda melhor se… o loiro não houvesse tentado beijá-la. Sting se sentiu mal por pensar sobre isso.

Sem olhar o rapaz diretamente nenhuma vez, ela agradeceu por ele ter lhe ajudado com o presente e deu as costas caminhando com o passo apressado para dentro da casa. Estava nervosa e confusa e tudo o que queria agora era ficar um pouco afastada de Sting. Ainda gostava muito dele, mas… o melhor era manter distância por ora.

Na sala, aproximou-se de Natsu, que apanhava as chaves do carro. A criada abriu a boca para falar algo, porém se calou de imediato ao notar que ele tremia por inteiro; a cabeça estava baixa, tornando impossível tentar ler seu olhar. O rapaz inspirava e expirava pela boca em ritmo cada vez mais veloz até socar a parede com fúria.

Lucy deu um passo para trás, apavorada. O viu dar o segundo soco e por fim, o terceiro. A criada soltou o buquê de flores sobre a mesa e voltou à ele, tocando gentilmente em seu ombro trêmulo. Estava com medo, mas precisava acalmá-lo.

— Senhor. — disse baixinho. — Por favor, respire fundo. Ficar nervoso não lhe fará bem…

— Como você quer que eu fique calmo? — gritou Natsu, afastando-se de súbito. Agora ela podia enxergar a raiva que carregava em sua expressão. — Como você quer que eu fique calmo sabendo que Lisanna não estaria hospitalizada agora se eu não tivesse me preocupado mais, perguntado mais? Eu sabia que Mira estava estranha, desconfiei de que algo estava acontecendo. E o que eu fiz? Nada! Eu não fiz nada, e essa é a razão pela qual a irmã dela está em um hospital podendo ter morrido. Ela poderia ter morrido, a mãe delas poderia ter morrido, Mira também! Como…

O toque suave em seu rosto o fez parar de falar.

— Eu não sei do que aconteceu realmente, sr. Natsu. — falou ela, lançando-lhe um profundo olhar. Suas bochechas estavam vermelhas. — Mas sei que não deve se sentir culpado. O senhor foi sensível o suficiente para notar que ela estava diferente e assim, perguntar se algo havia acontecido. É verdade que existem vezes em que ao insistirmos, as pessoas acabam contando se há alguma coisa. Mas em outras, elas escolhem guardar tudo apenas para si. O senhor fez o que pôde.

Os olhos dela encheram-se d’água, porém Lucy conteu suas lágrimas como podia; e isso não durou mais do que alguns segundos.

— O senhor fez o que pôde e agora, tudo o que resta a fazer é pensar que está tudo bem. A srta. Lisanna não corre risco de morrer e logo Mira estará de volta. Não é isso que importa? Por que o senhor vai ficar machucando suas mãos enquanto o presente é o que tem? O agora não é o mais importante?

O rapaz piscou, mudo.

A loira segurou suas mãos, trêmula.

— Por favor… não machuque suas mãos.

A criada prendeu a respiração momentaneamente ao ter o corpo pressionado contra o dele, os braços firmes em torno de sua cintura. Seu coração parecia prestes a rasgar o peito, aumentando o ritmo dos batimentos a cada segundo. Borboletas remexiam-se em seu estômago e ela sentia como se o corpo estivesse amolecendo lentamente… mas não iria cair, porque ele lhe segurava. Estava segura.

O rapaz se curvou e fitou os olhos castanhos que via em seus sonhos mais sombrios. A diferença era que os que via naquele momento possuíam vida, possuíam brilho. Eram reais, Lucy era real. E isso o deixava feliz.

Aproximou o rosto ao mesmo tempo em que fechava os olhos devagar, entreabrindo os lábios para encaixá-los nos dela, tão sutis e avermelhados como cereja. Abriu os olhos ao perceber que ela havia colocado o dedo indicador em seus lábios e a viu completamente vermelha e sem-graça. Sem entender muito, ele desafrouchou os braços ao redor de sua cintura e ela se afastou, tão confusa quanto Natsu. Sabia que ia beijá-la, sabia que iria deixar acontecer. Mas num último segundo, simplesmente ficou apavorada com a ideia e tudo foi por água abaixo. Era engraçado como um momento podia ser… estragado por uma única atitude.

Era engraçado como sempre fugia.

De costas para o rapaz, segurou o buquê de flores novamente e obrigou-se a olhar para ele. Corada, sua voz soou muito mais baixa do que queria.

— Sting e eu fizemos isto para a srta. Lisanna. — explicou, fitando uma das margaridas. O buquê estava belo, porém a loira desejava ter tido a permissão para pôr algumas das encantadoras rosas vermelhas. No entanto, a sra. Dragneel mostrava-se um tanto possessiva por elas. — Eu gostaria de lhe pedir para que, por favor, entregue este presente por nós. E mande abraços para Mira. Queremos que a srta. Lisanna melhore logo.

O rapaz pegou as flores um tanto ríspido.

— Tá bom. — respondeu quase sem mover os lábios. Não a olhou mais e sequer despediu-se dela ao fechar a porta atrás de si.

Lucy sentiu vontade de chorar por pensar que talvez o tivesse irritado. Céus, por que coisas tão complicadas aconteciam com ela?

Natsu estava aborrecido, cansado e sem saber o que fazer ou dizer. No fim, acabou por sentir-se covarde demais para se encontrar com Mira. Apesar de tudo o que Lucy dissera, ainda pensava ter um pouco de culpa em tudo o que havia acontecido. E também raiva por ela não ter lhe contado que Elfman estava fazendo ameaças.

Improvisou um cartão e escreveu o nome de Lucy na letra mais bonita que podia fazer; mesmo com seus esforços, não ficara tão bonita assim. Já o nome de Sting foi escrito de qualquer jeito em um canto do pequeno pedaço de papel. Entregou o buquê na recepção e por fim deu as costas ao balcão, dirigindo-se à saída um tanto desnorteado. Sentiu esbarrar em alguém.

— Desculpe. — falou uma voz feminina muitíssimo familiar. Natsu olhou para a moça e ficou um tanto surpreso. Era Levy carregando uma criança envolta por um cobertor cor-de-rosa. A baixinha arregalou os olhos por um momento, igualmente surpreendida.

Ambos falaram seus nomes ao mesmo tempo, e depois perguntaram um ao outro o que estavam fazendo ali sincronizadamente. Levy deu uma risadinha.

— Bom, vim trazer Wendy ao pediatra. — Wendy era a criança que ela segurava, sua irmãzinha e claro, também prima de Natsu. O rapaz não conhecia Wendy muito bem e sentia-se pouco à vontade por ela ser uma criança. Não gostava de crianças, não sabia como lidar com elas. — Ela está um pouco doentinha…

O rapaz murmurou algo e olhou para a pequena prima com os olhinhos entreabertos. Suas bochechas estavam vermelhas, o que indicava febre. Wendy sempre fora frágil e pequena demais para sua idade, ficando doente o tempo todo. Saber que ela era tão delicada o deixava ainda mais sem jeito. Era como se ela fosse dissolver-se se encostasse nela.

Natsu pensou que Lucy ficaria encantada com ela.

— E você, Natsu? — perguntou McGarden, dispersando seus pensamentos. — O que faz aqui?

— A-Ah, eu vim… entregar umas flores. — balbuciou ele, percebendo o olhar de Wendy em si. — Uma amiga foi internada ontem, então...

— Você gosta dela, priminho Natsu? — perguntou a pequenina antes de bocejar.

Levy corou e a repreendeu.

— Wendy! Isto não é algo que a gente deva perguntar assim.

O rapaz sorriu de canto, vendo graça naquilo. Levy era dócil demais para conseguir repreender alguém realmente e quando o tentava, parecia mais que estava brincando.

— Desculpe, priminho. — a criança inflou as bochechas e recostou a cabeça no peito da irmã.

— Oh, mesmo? — falou McGarden, um pouco triste. — Espero que ela fique melhor logo. Como ela está?

— Vai ter alta amanhã, provavelmente. — respondeu o rapaz, querendo sair dali o mais rápido possível. Não sabia o porquê, mas detestava hospitais. A atmosfera do lugar não lhe era nada agradável, e também não queria passar muito tempo mais com Levy. Era melhor que ficassem distantes até que ele finalmente entendesse que não, ela não iria voltar a ser sua.

— Entendi. Que bom! — Levy sorriu, até parecer ter se lembrado de algo. — Ah, me desculpe, mas preciso ir. Wendy tem consulta marcada.

— Tudo bem. Eu também estou de saída.

— É bom vê-lo. — falou a baixinha, entusiasmada. — Até mais, Natsu.

— Tchau, priminho! — disse Wendy, mexendo a mão minúscula para lhe acenar. Mesmo parecendo tão abatida, ainda conseguia sorrir e conversar normalmente. Crianças eram… estranhas.

Natsu se despediu e saiu do prédio, contente por estar respirando ar que não fosse de dentro daquele hospital. Enquanto voltava para o carro, sentia-se um idiota. Um estúpido. Um impotente. Um otário. Um cara que não se preocupava o suficiente com quem dizia amar e que dava muita importância para quem não o amava da mesma maneira. Idiota, total idiota!

Ligou o rádio e pôs no último volume. Não fazia ideia do último CD que havia colocado, mas como possuía apenas discos de bandas de rock, estava ótimo. Rock era tudo o que precisava.

— Essa música é realmente bonita. — falou Lucy, quase sem mover os lábios. Sentiu o olhar dele cravado em si; logo depois, o rapaz voltou a olhar para frente.

— Hum.

— And when your fears subside... — começou ela a cantorar em voz baixa com seu inglês que não era lá essas coisas, sem perceber. — And shadows still remain...

Quando notou o que estava fazendo, calou-se de imediato.

— I know that you can love me. — murmurou ele, sem tirar os olhos do volante.

— When... there’s no one...

— ...left to blame. — continuou Natsu.

— S-So never mind the darkness, we still can f-find a way. — Lucy cantou mais alto.

— Nothing last forever, even a cold november rain. — cantarolaram os dois ao mesmo tempo enquanto Natsu estacionava o carro em frente ao Hospital de Magnolia. Assim que a BMW parou, os olhares de ambos se encontraram e os dois pareciam petrificados. O rapaz inconscientemente fitava aqueles lábios delicados e avermelhados como uma cerejinha, tão vermelhos quanto as bochechas dela nos momentos em que ficava constrangida, – como agora.

Natsu aproximou-se dela devagar, dominado pelo desejo de tomar seus lábios para si.

— S-Senhor... — murmurou ela, mal conseguindo respirar.

Quando seus rostos estavam mais próximos do que nunca, a loira não notou que de súbito, destravou a porta do carro e jogou o corpo para trás; a porta abriu e ela cairia se ele não tivesse segurado seu pulso.

Natsu riu brevemente, lembrando-se do susto em que levara ao vê-la caindo e agradeceu por ter sido rápido o suficiente para agarrar seu pulso. Seria mais engraçado se não fosse tão… trágico? Ela havia fugido de um beijo seu, assim como fizera hoje.

E quando seus medos virem à tona e as sombras permanecerem, eu sei que você pode me amar, dizia a música.

De súbito, bufou e desligou o rádio, aborrecido demais para pôr outro CD. Que droga, por que não podia parar de pensar tanto em Lucy? Por que a levava tão a sério quando dava um jeito de se afastar quando quase se beijavam? E sabia que ela estava a fim de Sting. Era um otário por sentir vontade de tentar mais uma vez? Evidentemente sim! Sentia tanta raiva que queria bater com aquele carro num muro, esmagá-lo e com sorte, seria esmagado junto.

Socou o volante, tremendamente irritado. Ao chegar em casa, tudo o que queria fazer era dormir até o fim do dia. Até o fim do mês. Ou para que nunca mais acordasse, droga!