Pureblood

Vinte e seis — O dia seguinte.


Lucy podia sentir cada centímetro do corpo dolorido antes de acordar por completo. Com um cansaço sem igual, piscou lenta e repetidamente fitando o teto; ainda um tanto desnorteada, tentou virar o pescoço para o lado da mesa de cabeceira.

Emitiu um gemido e piscou mais um pouco para focalizar a visão, tentando enxergar o horário que o relógio digital marcava. A cabeça latejava de vez em quando.

12:38. Doze horas e trinta e oito minutos.

— Meio-dia… — murmurou consigo mesma, arregalando os olhos de repente. Sentou-se na cama, apavorada. — Meio-dia?!

A garota ficou até zonza pela rapidez com a qual se levantou, o coração na mão. Não podia crer que havia acabado de acordar tão tarde, estava realmente atrasada para trabalhar! Correu em direção ao banheiro e em um timing impressionante, lavou o rosto e prendeu os cabelos cor de ouro num rabo-de-cavalo mal elaborado. Enquanto dava uma volta no elástico, ficou boquiaberta ao lembrar-se de que era um sábado, um de seus dias de folga por direito como Sting dissera. Percebeu isso assim que viu-se diante do próprio reflexo; não vestia seus pijamas.

Respirou aliviada antes das lembranças da noite anterior invadirem sua mente, parecendo-lhe um tanto embaralhadas. Não conseguia visualizar muita coisa, apenas estremecer recordando da sensação agorafóbica, da tontura que o som alto em conjunto com as luzes piscantes e multicoloridas causavam.

Ah, também havia bebido refrigerante apesar de não ser chegada naquele tipo de líquido. Era como se puro ácido escorresse por sua garganta, embora aquilo fosse melhor do que pensar na situação apavorante para si em que se encontrava. A acidez do refrigerante e o fato de estar em um barzinho praticamente vazio dentro da casa noturna fazia-a se sentir bem mais confortável do que na pista de dança ou qualquer outro local. Milhares de garotas estavam enlouquecidas pelo DJ Kira e ela nem fizera questão de tentar vê-lo. Tudo no que conseguia pensar era que queria voltar para casa.

Nisso e se conseguiria encontrar Erza mais tarde, provavelmente naquela altura do campeonato já bêbada e ansiosa pelo striptease de Kira.

Um rapaz desconhecido sentou a seu lado e mesmo tímida, respondia as perguntas feitas de modo amigável que recebia. Lembrava-se de ter conversado com ele e ter bebido mais um copo de Coca Cola até começar a ter um estranho mal-estar. Depois, era como se tudo tivesse ficado totalmente escuro; por mais que tentasse, não conseguia encontrar um modo de recordar do que acontecera.

Lucy deixou isso para lá enquanto corria nervosamente para a sala, esperando encontrar sua amiga ali. Céus, como podia não se lembrar de coisa alguma? Conseguira achar Scarlet no meio de tanta gente no fim da festa? Havia dirigido o Idea até o prédio ou será que tinha ficado bêbada? Mas como? E se ficara bêbada, quem as trouxera para casa?

A loira mal notou que um ombro de sua blusa estava completamente caído, deixando a maior parte de seu sutiã à mostra. De olhos tão arregalados que pareciam dez vezes maiores, deu um grito de susto ao chegar na sala.

Sobre o sofá manchado da variedade de cores de tinta, Erza e... Gray jaziam em sono profundo com os braços ao redor do outro como se fossem realmente íntimos. Como se não fosse o suficiente para fazer sua cabeça girar, Natsu estava esparramado na poltrona igualmente adormecido.

Seu berro fez com que Natsu franzisse a testa, porém ele não acordou. Nenhum dos três acordaram.

Trêmula, a garota caminhou na ponta dos pés até o meio do tapete, indecisa sobre quem deveria chamar primeiro. Ou talvez devesse esperar que despertassem? Não fazia ideia!

— B-Bom dia… — ouviu Gray falar baixinho, abrindo os olhos aos poucos. A loira virou-se para olhá-lo, subindo o ombro da blusa. — Aqui é o céu…? Você é um anjo?

Lucy ficou vermelha como um pimentão, emudecendo. O rapaz se espreguiçou levemente e piscou várias vezes. Não parecia ter se dado conta da onde estava até o momento.

Gritou e endireitou completamente o corpo no sofá, enrusbecendo mais a cada segundo. Erza, ainda abraçada a ele, gemeu e murmurou algo como cale a porra da boca.

— B-Bom dia, sr. Gray. — a loira fez uma reverência, agindo exatamente como se estivesse em período de trabalho. Gray ficou constrangido, pois pensou que ele deveria estar cumprimentando-lhe tão respeitosamente. Estava em sua casa.

No apartamento dela e da ruiva que murmurava obscenidades com os braços em seu redor, incapaz de se mover muito provavelmente pela ressaca de toda aquela bebedeira da última noite. Agora ele lembrava de tudo o que havia acontecido por lá; da música, da diversão que tivera apesar daquela aglomeração de gente. Mas como principal, o momento em que Erza atirou-se em seus braços claramente bêbada. Ela chorava e ria ao mesmo tempo, tentava arranhar o rosto do rapaz enquanto beijava suas bochechas. O hálito de bebida alcoólica podia ser facilmente percebido. No entanto, inalar o aroma não era necessário para se ter certeza de que ela tinha enchido a cara.

— Eu quero ir pra casa… vamos pra.... casa. — disse a ruiva em meio ao choro, apanhando as chaves do carro de dentro da bolsa. — Eu quero que você vá comigo… olha só, meu celular tá tocando. Vê quem é.

Gray mal podia ouvi-la com todo aquele som alto. Com dificuldade e delicadeza, a levou para um dos corredores dos banheiros praticamente vazios. Ali a música soava abafada.

Scarlet grudou o iPhone em seu rosto.

— Vê quem é. Eu não enxergo nada, porra! — exclamou, falando em tom aborrecido apesar das gargalhadas. — Eu tô bem triste… eu quero ir pra casa, eu quero ir embora!

— Já vamos embora. — respondeu o rapaz, olhando para o nome que aparecia na tela do celular.

— L-Lucy? — atendeu tremulamente, corando de forma instantânea. Erza riu com uma expressão maliciosa, porém Gray não estava prestando atenção.

— Hã… Gray?

— Natsu?! — franziu a testa, confuso por estar ouvindo a voz do amigo do outro lado da linha. E o que é que ele estava fazendo com o celular de Lucy? Se, bem, fosse a garota do qual se apaixonara. Precisava manter a calma, afinal, poderia haver uma outra Lucy naquela cidade.

— Por que é que você está com o celular da Erza? — perguntou Natsu.

— Por que é que você está com o celular da Lucy? — Gray fez a mesma pergunta, falando com ele ao mesmo tempo. A ruiva recomeçou a beijá-lo no rosto.

O rosado suspirou ao telefone com impaciência.

— Cara, você pode passar pra Erza?

— Ela não está… hum… em muitas condições. — respondeu o rapaz, tentando fazê-la parar de lamber seu pescoço. — A Lucy pode falar?

— Eu vim com a Lucy! — gritou Erza para que quem estivesse do outro lado da linha ouvisse. — Ela ia me levar pra casa… cadê a Lucy? Me dá aqui que eu quero falar com ela!

— N-Não é com a Lucy que eu estou falando, Erza. — respondeu ele, incrivelmente gentil mesmo com a bêbada insuportável que ela era.

— Ela meio que dormiu agora. — disse Natsu.

Gray sem conseguir pensar direito por Scarlet estar tão grudada nele, perguntou aonde o amigo estava. Assim, saiu da casa noturna carregando a moça em seus braços até encontrar a BMW no estacionamento.

— Tá frio. — falou a ruiva, afundando a cabeça em seu peito. Encolheu-se, coberta apenas pelo casaquinho preto que havia levado. — Tá muito frio.

— Não se preocupe, nós já vamos para um lugar quentinho. — sussurrou o rapaz, beijando-lhe o topo da cabeça. Se as bochechas de Erza já não estivessem vermelhas pela bebedeira, poderia-se dizer que ela havia ficado extremamente corada com o gesto.

Fullbuster adentrou o banco de trás do carro e viu os cabelos cor de ouro de sua Lucy caindo em seus ombros; sua cabeça estava apoiada no ombro de Natsu. Respirava e inspirava profundamente, adormecida.

— O que aconteceu com ela? — perguntou ele, alarmado. — Ela está bem?

— O cara deu um Boa Noite Cinderela, eu acho. — respondeu Dragneel, que estava fazendo-lhe carinho nos fios louros até Gray chegar. — Ele tentou levar ela pra fora.

O rapaz engoliu em seco, pensando nas coisas horríveis que poderiam ter acontecido com ela se Natsu não os visse naquela hora. Será que alguma outra pessoa a ajudaria? Com certeza não.

— Como você está? — perguntou Gray, tentando não desviar o olhar. Sua vergonha aumentou quando percebeu que Lucy poderia pensar algo errado por tê-lo visto abraçado com Erza daquela maneira. Discretamente, desvencilhou-se de seus braços.

A garota esfregou os olhos timidamente.

— Estou, embora me sinta cansada mesmo depois de dormir tanto… obrigada. — respondeu, se sentando em um canto do sofá. Chegou mais perto apenas para acariciar o couro cabeludo da amiga, envergonhada ao extremo.

— Fico feliz, então. — falou Fullbuster, fazendo-a estremecer com a beleza de seu sorriso.

— O senhor deseja que eu… prepare algo para comer?

Era curioso como Lucy mantinha a mais alta educação mesmo sentindo-se perdida, querendo saber o que havia acontecido na noite anterior, como os rapazes poderiam estar ali. Queria saber absolutamente tudo, mas não podia ser grosseira com qualquer um deles; perguntar sobre a festa antes de certificar-se de que não estavam com fome, sede ou com qualquer sensação desagradável seria uma tremenda demonstração de má criação. E não era uma garota mal educada.

— Não, obrigado. — respondeu Gray, sem jeito. — E…

Não me chame de senhor, queria dizer. No fim, ficou em silêncio e no cômodo apenas se ouvia o som dos carros passando pela rua movimentada. Os dois estavam constrangidos por ficarem tão quietos e a loira pensava se deveria perguntar sobre a festa ou não. Talvez estivesse com medo da resposta, já que um homem conversara com ela por lá. E era tão estranho não se lembrar de mais nada além de ter falado com ele…

— Você está bem? — preocupou-se o rapaz. — Está pálida.

— O senhor… pode por favor me explicar o que houve ontem à noite? — a loira fitava os fios ruivos de Erza, que ainda dormia profundamente. — P-Por favor.

Natsu emitiu um gemido enquanto se espreguiçava na poltrona, os cabelos róseos cobrindo parcialmente seus olhos como habitual.

— Bom dia, sr. Natsu. — a garota pôs uma mecha do cabelo atrás da orelha, acanhada.

— Acho que ele pode te explicar melhor… — Fullbuster deu de ombros. — Ele estava com você.

Lucy corou, olhando sem entender para o rapaz de cabelos cor-de-rosa. Fitou-o esperando que ele falasse algo.

— Para de me encarar desse jeito. — disse antes de bufar e virar-se de lado para continuar a dormir. Ela piscou e Gray balançou a cabeça, pensando em como o amigo conseguia ser grosseiro com uma garota daquelas.

Francamente… — suspirou ele. — B-Bom… Natsu me disse que você estava saindo de lá com um cara estranho. E você não se parecia muito… com você mesma. Se entende o que quero dizer… hã… ele tinha colocado alguma coisa no que você bebeu. Por isso não se lembra de nada.

A loira arregalou os olhos.

— Mas o Natsu te trouxe pra casa antes do cara fazer alguma coisa. — continuou o rapaz, agora olhando para a expressão serena de Scarlet. — E eu… estava ajudando a Erza enquanto ele te ajudava. Ela bebeu demais.

Lucy baixou a cabeça, decepcionada consigo mesma.

— Eu fiquei responsável por trazê-la de volta, foi para isso que eu fui. — lamentou. — Mas ainda acabei arranjando problemas…

— Q-Que isso… — respondeu Gray em tom gentil. — A culpa não foi sua pelo o que aconteceu.

A loira tinha a sensação de que havia falhado como amiga, porém seria inconveniente começar a chorar ali.

As vozes dos dois eram como zunidos para Natsu que não estava prestando a mínima atenção; com os olhos fechados, visualizava em sua mente acontecimentos da noite anterior que guardaria para si e tinha certeza de que se Lucy soubesse de tais cenas, cavaria um buraco para enterrar a própria cabeça pela eternidade. Levando em consideração o quão tímida era.

— Eu estava apenas...

— Eu sou o namorado dela, cara. — rosnou ele, puxando-a para perto de si. Obviamente, era uma encenação, mas por um pequeno momento pensou em como aquilo soava. Ser seu namorado. — E você tem três segundos pra sumir da minha frente se não tá a fim de brigar.

O desconhecido recuou um passo, intimidado pela altura de Natsu e escuridão de seu olhar. Era relativamente baixo e utilizava óculos; com apenas um soco, tudo estaria acabado. Não estava com vontade de arranjar problemas para si, tanto que tentava sair com aquela loira linda com a maior discrição. Não contava que ela estaria acompanhada e se soubesse, nem teria começado a conversa.

Murmurou algo e o rosado o viu ir até a pista de dança e desaparecer. Desejava realmente fazê-lo apanhar pela covardia de suas claras más intenções, porém não iria procurá-lo mais. Seria desperdício de tempo naquele mar de gente.

— Meu namorado. — falou Lucy ao pé de seu ouvido depois de uma gargalhada. Soltou-se dele e riu ainda mais quando quase caiu; pensava que sua queda seria extremamente engraçada se Natsu não a segurasse. — Que loucura…

— Vamos sair daqui. — disse o rapaz, colocando um braço da loira em cima de seu ombro para que fossem à saída.

Dentro do estacionamento, Natsu pôs um braço debaixo de suas pernas e o outro em suas costas; carregou-a em seus braços como um príncipe carrega a princesa em livros infantis. Lucy riu ao pensar em tal comparação.

— Eu sou uma princesa… — falou, jogando a cabeça para trás. — Sim, eu sou uma princesa! Uma princesa linda.

— O que você andou bebendo? — perguntou ele enquanto procurava o controle do alarme da BMW no bolso.

— Uma Coca Cola, duas Coca Colas… — cantarolou ela com o maior sorriso que Natsu já vira. — Uma Coca Cola, duas Coca Colas…

Caminhou em direção à luz vermelha do carro e franziu a testa, pensando que o mais provável era um Boa Noite Cinderela colocado dentro do copo de refrigerante.

— E-Eu… já volto. — falou Lucy, levantando-se do sofá retirando a mão colocada sobre a testa depois de colocar Erza de lado.

Sua cabeça incomodava quando acordara, porém agora latejava com uma força muito maior. Decidiu procurar no banheiro de Erza algum remédio que a fizesse se sentir melhor.

— Você está se sentindo mal? — perguntou Gray, prestes a levantar também.

— Não, não… é só… só uma dor de cabeça. Vou procurar por um remédio. — disse a loira. — F-Fique à vontade, sr. Gray.

Sentou de novo, momentaneamente tonta pela dor. Natsu virou-se para olhá-la, pensando que pudesse ser o início de uma crise como Mirajane falara.

— Lucy! — disse Gray, alarmado.

— T-Tudo bem… — Lucy falou mais consigo mesma. — Eu já volto.

Agora mais relaxado, Dragneel voltou a recapitular os acontecimentos da noite passada.

— Você é meu namorado? — perguntou a loira pronunciando cada palavra devagar, ainda rindo o tempo todo. — Ah, você é meu namorado...

Natsu revirou os olhos.

— Eu pensava que você era chata até ver como você fica drogada. — as unhas dela arranhavam-lhe de leve as bochechas. — Para com essa merda, Lucy.

— Só se você olhar aqui para mim… olhe aqui! — disse, o forçando a virar seu rosto. — Olhe aqui e diga que gosta de mim… eu sei que você gosta, mesmo que seja só um pouquinho!

— Não, eu não gosto de você. — respondeu Natsu, aborrecido. — Céus, você não pode me dizer onde você mora de uma vez?

A loira fez bico.

— Eu digo se você admitir que me acha legal. Todo mundo me acha legal… — disse antes de perder o mínimo de forças que tinha e cair com a cabeça em seu ombro. Estava tão sonolenta que o simples ato de piscar lhe fazia apagar por poucos segundos. — Todo mundo me acha legal. E eu tô com sono, então anda logo.

O rapaz começou a massagear seu couro cabeludo, vez ou outra enrolando um fio cor de ouro no dedo. Ficou fascinado com o brilho louro que enrolava-se e desenrolava em um piscar de olhos, macio. Distraído, tomou um susto ao ouvir o toque de telefone antigo, típico de um iPhone. E droga, Lucy caíra no sono!

Cuidadosamente, apanhou o celular e confirmou que estranhamente era um iPhone. No entanto, deu mais atenção ao nome que aparecia na tela.

Erza.

Conhecia Erza Scarlet. Foram pouquíssimas as vezes em que conversaram diretamente, e se conversaram trocavam apenas algumas palavras insignificantes. Mas ela era a melhor amiga de Levy e a ex de seu melhor amigo. Já sabia várias coisas a seu respeito…

Atendeu e ouviu uma voz do outro lado da linha que reconheceu ser de Gray.

— Minha cabeça vai explodir… — murmurava Scarlet, despertando de seu sono profundo. Uma ressaca maligna a deixava incapaz de se mover, sem falar do barulho dos carros na rua que faziam sua cabeça parecer prestes a quebrar no meio.

— Bom dia, Erza. — disse Gray, gentil.

A ruiva mantinha os olhos semicerrados, pois era difícil não sentir dor nos olhos com o mínimo de luz.

— Gray? — aborrecida por conta das dores que sentia pelo corpo todo, começou a descarregar nos rapazes. — Mas... que porra você faz aqui? E você, cor-de-rosa? Espera… o que vocês dois fazem na minha casa? O que foi que eu fiz ontem? Porra, o que é que eu fiz ontem?

Natsu nem se dava o trabalho de elaborar uma resposta irônica e puramente desnecessária, como gostava de fazer. Estava ocupado demais com os próprios pensamentos.

Enquanto o amigo se virava com a ruiva bêbada na sala, ele deitou Lucy no quarto que Erza havia dito pertencer à ela. Depois de retirar seus sapatos, colocou-a na cama com delicadeza e depois puxou os lençóis para tapá-la.

— Boa noite, Lucy. — disse, observando seu rosto com expressão suave, iluminado pela luz lunar que atravessava as cortinas. Já vira como Lucy ficava quando estava desacordada, mas a diferença é que olhava na vez em que ela estava desmaiada, com tensão. Agora era diferente poder analisar todos os detalhes tranquilamente.

Um rosto perfeito, e a parte mais bonita dele parecia ser os lábios naturalmente avermelhados e delicados.

Fitando-os, a voz arrastada dela ecoou em sua mente. Admita que gosta de mim, ela dissera. Ao menos um pouquinho, hum?

Para Natsu, gostar era uma palavra forte.

Havia feito a maior burrice de sua vida em gritar para o mundo que estava não apenas gostando, mas amando uma garota que mal conhecia. E o desfecho marcava seu coração até aqueles dias. Não queria repetir o erro.

O rosado ajoelhou-se e aproximou o rosto do dela. Fechou os olhos e devagar, os lábios de ambos se encaixaram perfeitamente para um beijo com uma doçura que não permitia-se utilizar com qualquer pessoa… mas não viu problema. Ela jamais saberia que ele a tinha beijado naquela noite.

— Como está sua cabeça? — perguntou Gray ao lado de Natsu no corredor do andar. Os dois estavam prestes a ir embora e ainda perto da porta, podiam ouvir Erza murmurando algo enquanto segurava um balde. A manhã seguinte à bebedeira a deixara com ânsia.

— Vai melhorar logo, sr. Gray. — respondeu Lucy, esforçando-se para sorrir educadamente. Havia tomado um remédio e esperava que fizesse efeito logo, pois não aguentava mais toda aquela dor; na realidade, a garota não era muito tolerante às dores físicas no nível do qual a maioria das pessoas aguentavam. Um simples momento em que sentia a cabeça latejar levemente fazia-lhe sentir como se fosse explodir a qualquer momento. Logo, para qualquer outro, a dor não seria tanta assim.

— Obrigada. — continuou, fazendo uma leve reverência aos dois. Com as bochechas vermelhas, dirigiu-se a Natsu. — Muito obrigada, sr. Natsu, por ter me ajudado e me trazer para casa. E sr. Gray, também agradeço o que o senhor fez pela minha amiga.

— Você não precisa ser tão formal. — respondeu Fullbuster, desviando o olhar por se sentir constrangido com o modo que ela fazia parecer que tinha feito uma grande coisa. — Sempre que precisar… d-digo, nós… nós estamos aqui para ajudar.

— Que gentileza. — sorriu a loira, piscando repetidamente quando a cabeça latejou mais uma vez. — Sou realmente grata aos dois e peço desculpas por Erza. Tenho certeza de que ela não queria ofendê-los.

— Quis, sim! — berrou a ruiva da sala antes de vomitar um pouco mais no balde.

Heartfilia riu nervosamente e Gray a acompanhou. Natsu pôs as mãos no bolso e deu as costas.

— Tchau.

— Por favor, tomem cuidado de volta para casa. — falou Lucy, e o rosado pensou subitamente em pedir para que ela fosse com ele para a Mansão. Da onde diabos tirava aquelas ideias?!

A loira fechou a porta do apartamento e sentou-se ao lado da amiga no sofá, pedindo a ela que se deitasse. Scarlet obedeceu, finalmente parando de colocar a porcaria ingerida na festa para fora, ao menos por ora.

— Erza, por favor não grite… — implorou Lucy. — Você… está se sentindo melhor?

A ruiva esfregou os olhos com força.

— Não. Não, tudo continua a maior merda… — lágrimas silenciosas escorreram por seu rosto, como sempre jurando a si mesma durante uma ressaca que jamais beberia de novo.

Sentia-se uma tola agora. A mulher mais estúpida do mundo por avacalhar um pouco mais com o próprio fígado por causa de outra pessoa estúpida. Um idiota. Um imbecil. Um tapado.

Ficara abalada ao ver que Jellal e Kagura se beijavam na festa, e percebia como era burra. Não podia dizer para ele não ver mais a narizinho empinado, ficar enciumada ao vê-los se beijando. Erza e Jellal estavam… ficando? Isso. Eram ficantes sem qualquer compromisso, sem falar do fato de que ainda se odiavam. Se odiavam, mas se beijavam. Era loucura, mas a ruiva não dava a mínima; normalidade nunca fora seu forte.

— Vou preparar algo para você. — falou a loira. — Sei que você não quer comer, mas você vomitou muito. Precisa repor o que perdeu, entende?

— T-Tá bom. — respondeu Scarlet, ignorando o olhar da amiga quando esta percebeu que ela estava chorando.

— Erza, algo aconteceu? Você está chorando... — perguntou Lucy, acanhada por ainda pensar que tinha uma parcela de culpa em tudo aquilo.

A ruiva virou-se de bruços, fungando.

— É por causa da dor de cabeça. — mentiu ela.

— Certo… — a loira massageou as têmporas e foi até a cozinha fazer chá e apanhar biscoitos de água e sal na cozinha, além de oferecer-lhe água o tempo todo. Era importante que ela estivesse bem nutrida e hidratada.

Mais tarde iria ao mercado comprar gengibre. Um chá preparado com a raiz definitivamente faria Scarlet se sentir melhor.

— Eu estou preocupada com ele… — choramingou Olívia, recostada na parede da cozinha de braços cruzados. Vestia um traje que marcava seu corpo exuberante para uma mulher de sua idade. Queria aproveitar o Sol gostoso do dia de Outono para respirar um pouco de ar puro no parque da cidade, porém não conseguia sair de casa sendo que Natsu ainda não estava de volta.

E saber que ele fora para uma festa e Lucy não havia avisado absolutamente nada sobre não ir ao trabalho, – mesmo que fosse sua folga –, piorava as coisas. imaginava que talvez… pudessem estar juntos.

— Ele deve estar bem, Olívia. — respondeu Mirajane, secando a louça. — Natsu já ficou fora assim várias vezes, mas tenho certeza de que logo já está de volta.

Mas e se ele estiver com ela?

Nha… eu sei… — inflou as bochechas de modo adorável — Só queria alguma notícia para poder sair tranquila para o parque.

A albina suspirou, já um tanto cansada do tom de voz que Olívia fazia quando estava extremamente carente. Pediu a Natsu em pensamento para que ele estivesse em casa naquele mesmo instante e para sua surpresa, pouco depois o portão emitiu um som do lado de fora como se estivesse sendo aberto.

— É ele, Mira! — falou a sra. Dragneel, grudando o rosto no vidro da janela. Sorriu animadamente e correu até a porta, abriu-a e foi à garagem receber o filho. No momento em que o rapaz pôs um pé para fora da BMW, Olívia lhe cobriu de beijos.

Natsu mal podia respirar, sufocado pelo peito minimamente volumoso da mãe.

— M… M-M… — tentava dizer e a mulher notou que estava quase o matando no abraço.

— Desculpe, querido! — disse, eufórica. — Mas eu estava nervosa pensando que pudesse ter te acontecido algo…

O rapaz riu.

— Eu tô legal, mãe. Você, hum… vai sair?

— A-Ah, sim! — Olívia pôs uma mecha rebelde atrás da orelha enquanto os dois adentravam a casa. — Vou dar uma caminhada pelo parque. Esse solzinho de hoje está muito bom.

Natsu concordou com um murmúrio e cumprimentou Mira na cozinha. Esta o olhava como se fosse a moça mais abençoada do Universo, e era como se sentia. Mil vezes abençoada por seus ouvidos terem algum descanso do melodrama de Olívia. Não estava com muita paciência para aquele tipo de coisa.

— Quer comer alguma coisa, Natsu? — perguntou a albina, beijando sua bochecha.

— Não estou com fome. — disse ele, sentindo-se bastante sonolento. Sequer fazia ideia de como havia conseguido dirigir sem adormecer ao volante e era até engraçado pensar que quando adormecera na poltrona do apartamento de Lucy, o relógio mal marcava uma da manhã. Havia dormido muito mais do que de hábito.

Não bebeu. Não fumou um mísero cigarrinho, muito menos cheirou uma generosa quantidade de cocaína. E possuía a capacidade de se sentir esgotado! Céus, às vezes não conseguia entender a si mesmo.

Deu um beijo em Mirajane e sua mãe e se pôs a subir as escadas. Andou em direção ao quarto e mal conseguindo pensar, desabou na cama e se encontrava em sono profundo.

Franzia a testa com o corpo imóvel, confuso em sonhos nos quais Lucy aparecia mais uma vez.

Enquanto isso, seu celular vibrava no bolso da calça para notificar que possuía uma nova mensagem. O remetente? Levy McGarden.