Pureblood

Oito — Howlita.


Após um dia tão estressante, tudo o que Lucy Heartfilia desejava era tomar um banho quente e demorado, sentindo a água do chuveiro relaxadamente cair sobre seus ombros; deitar em sua cama e, talvez, pegar no sono durante algumas horas sem quaisquer pesadelos.

Mas a quem queria enganar? Sabia que não conseguiria pregar os olhos por nem um segundo com tudo o que estava acontecendo. Lucy sentia-se prestes a desmoronar como um castelo de cartas; pensou que jamais sentiria tanto estresse como naqueles últimos tempos. Tolice sua; mais cedo ou mais tarde, algo aconteceria. A vida não é sempre colorida.

— Vamos fazer um trato, Lucy? — Natsu falava com os lábios próximos a seu pescoço, fazendo-a sentir seu hálito frio de menta. Aquilo deixou Lucy constrangida, pois começava a sentir estranhos arrepios e calores por toda a extensão corporal. — Você não abre a porra da boca e ambos saímos felizes. Eu continuo a viver e você continua com o seu emprego.

— Uhum. — murmurou ela, apavorada e envergonhada.

O rapaz sorriu diabolicamente e lambeu seu pescoço.

— Boa garota. — e começou a dar lambidas naquela região tão sensível para si.

O que ele estava fazendo?

— Sr. Natsu. — a loira tentava fazê-lo se afastar, arfando. — N-Não é preciso que faça… isto.

— “Isto” o quê? — fingiu-se de inocente, continuando o que estava fazendo após a pergunta.

— Seu segredo está a salvo comigo, senhor. — Lucy arfou mais uma vez. Sentia-se estranha; queria implorar para que parasse. — P-Por favor, pare.

Natsu sorriu mais uma vez e felizmente se afastou, olhando-a diretamente antes de caminhar em direção à porta.

— Excelente. — murmurou, saindo dali, deixando-a paralisada ainda encostada na parede. Heartfilia não podia crer nos últimos acontecimentos; sua cabeça girava e girava sem que pudesse raciocinar corretamente.

Quando era criança, Lucy era fascinada por um dicionário que Layla mantinha em seu quarto. Era grande como um livro de conto de fadas e nele haviam várias palavras que a garota jamais tivera conhecimento; às vezes, ela gostava de folheá-lo e descobrir o significado de tantas palavras curiosas.

Lembrou-se de quando encontrara o significado da palavra chantagem. Chantagem, o Ato de extorquir dinheiro, favores ou vantagens a alguém sob ameaça de revelações escandalosas. E era exatamente o que Natsu estava fazendo. Tornando a situação vantajosa para si tirando proveito de um vídeo que o próprio havia editado. Uma invenção que, certamente seria escandalosa se fosse revelada.

Desde pequena, sua mãe sempre lhe dizia o que eram atos sujos, baixos, feitos por pessoas más. E chantagem estava dentre estes.

Apesar de tudo, a garota não sabia se considerava o rosado uma pessoa má ou não. Não sabia o que sentia por ele; estava tudo tão confuso para si. Seus pensamentos estavam confusos, seu coração estava confuso. Todas as coisas pareciam impossíveis de desembaralhar.

Natsu Dragneel estacionou a BMW preta na garagem de casa, chegando da faculdade tarde da noite. Sentia-se irritado por continuar indo para o curso de Administração, algo que detestava fazer; Administração definitivamente não era sua área. Além disso, sentia vontade de se atirar na cama do jeito que estava e dormir o quanto pudesse. Ou talvez, decidir de última hora virar a noite jogando no PS4. Embora não fosse uma escolha muito inteligente, já que seria obrigado a acordar cedo no dia seguinte. E em todos os dias que Igneel estivesse em casa.

Girou a chave na fechadura da porta e ao abri-la sentiu um delicioso aroma pairando. Um cheiro que era impossível não reconhecer; certamente, Mirajane havia preparado algo delicioso para o jantar.

Não que aquele horário fosse horário de jantar; mas aparentemente, seus pais decidiam esperá-lo retornar da faculdade para realizarem a refeição juntos, provavelmente para fingirem que eram uma família bastante feliz, harmoniosa, etc.

— Bem vindo de volta, filho! — Olívia levantou-se da cadeira para abraçá-lo e enchê-lo de beijos, coisa que o rapaz tinha de admitir que adorava. Mas sentia-se constrangido quando sua mãe o fazia na frente de seu pai.

Mira sorriu para ele, pondo pratos de saladas variadas sobre a mesa. Natsu sorriu brevemente de volta; era impossível ignorar a cozinheira da qual tanto gostava. Mirajane e Olívia, as únicas pessoas com quem o rapaz jamais conseguira realizar um ato grosseiro; as amava no coração que, apesar de frio, possuía um espaço especial para as duas. O mesmo não podia ser dito de Igneel; olhá-lo lhe dava ânsia.

Sentia fome, mas não estava com a mínima vontade de jantar com o pai à mesa. Como escape, disse que apenas guardaria a mochila no quarto e retornaria. Mas é claro que não possuía planos para voltar; jogou a mochila em um canto qualquer e atirou-se na cama totalmente convidativa para si. Não levantaria dali nunca.

Adormeceu por poucos minutos, sendo acordado pelo barulho de batidas na porta.

— Natsu, eu posso entrar? — Natsu estava pronto para berrar um milhão de palavras obscenas, quase xingando Mirajane, a quem estava pedindo permissão para entrar.

— Mira?

A albina deu um riso incrivelmente fofo.

— É, sou eu.

— Entra. — respondeu ele, ainda sem mover o corpo. Sentia-se preguiçoso demais para tal coisa. Após fechar a porta lentamente ao entrar, a cozinheira se sentou próxima a ele na cama e começou a lhe fazer um carinho gostoso nos cabelos róseos.

— Vai deixar a comida esfriar, Natsu? — disse ela em seu tom brincalhão e dócil como habitual. — Ela vai ficar triste de tanto esperar por você.

O rosado riu.

— Desculpa, mas acho que eu passo desta vez. Não estou com fome. — mentiu.

— Você não devia estar fazendo isso por causa do seu pai, Natsu. — era impressionante como Mira o conhecia tão bem. — Sabe, é difícil ele estar em casa. Não acha que sua mãe ficaria feliz se você fosse legal com ele?

Natsu suspirou, relaxando devido às carícias no couro cabeludo.

— Só de olhá-lo sinto vontade de vomitar.

— Mas você não se esforça. — a albina falava o que era verdade. — Simplesmente o evita a todo custo. Isso deixa a sra. Olívia muito, muito chateada. E sei que seu pai também fica triste.

— Ele tá pouco se fodendo pra o que eu faço ou não, Mira. Não suporto ele e nem quero tentar nada.

— Uau, parece que temos um rebelde por aqui. — aquilo o fez rir mais uma vez; ela disse tal coisa para descontrair, mas logo ficou séria novamente. — Vamos lá… Você precisa tentar!

— Nah. — respondeu o rapaz, sonolento.

Mirajane fez com que ele ficasse de barriga para cima e aproximou o rosto talvez um tanto perto demais. Seu olhar de seriedade não desviou a atenção de Natsu por nem um segundo.

— Faça isto para que sua mãe fique feliz! — disse, aparentemente como uma bronca. — E também… Faça isto por mim! Por favor!

Natsu moveu os olhos para aqueles lábios tão delicados e avermelhados tão próximos dos seus. Momentaneamente, sentiu vontade de beijá-la. E controlava suas vontades em raras exceções.

— Não. — Mira afastou-se assim que seus lábios se roçaram, levando as mãos à boca. — Que é que estamos fazendo, Natsu?

O rosado achava estranho querer beijar a mulher que considerava uma segunda mãe, apesar da cozinha ter sido a primeira pessoa por quem se apaixonara, há realmente muito tempo atrás. Tal coisa era passado; mas a vontade ardente que sentia naquele momento, não.

A albina se levantou com as bochechas ligeiramente vermelhas.

— De qualquer maneira, quero que me prometa que vai tentar ser educado com o seu pai.

— Só se você me beijar. — o rapaz fez um esforço para levantar-se também e deu um riso de malícia.

— Poxa, isso é sério? — seu rosto ficou um pouco mais vermelho e Natsu riu de novo.

— Sério.

Ela se aproximou dele.

— Esta é a sua única condição? — Mirajane estava claramente constrangida diante da situação. Ao vê-lo assentir positivamente com a cabeça, o fitou e disse:

— Eu te beijo e você cumpre a promessa. Combinado?

— Combinado. — concordou, simplesmente adorando poder segurar na cintura de seu primeiro amor, por mais babaca que aquele termo soasse para si. Por ser alto demais, teve de erguê-la para que ela pudesse alcançar seus lábios; o beijo fora delicado e infelizmente não muito demorado. Além de tudo, precisavam se lembrar de que Igneel e Olívia já deveriam estar impacientes no andar de baixo.

Nada mudaria na relação dos dois dali em diante, mas ao menos havia sido algo agradável para ambos apesar de ao mesmo tempo, esquisito. Ainda mais para a cozinheira, que sempre lhe tratara como um filhinho.

— Vamos lá, então? — disse ela, sorrindo.

Natsu sorriu de canto.

— Vamos.

Enquanto isso, Lucy sentia vontade de chorar de tamanha frustração consigo mesma. Definitivamente não conseguia dormir e preferiu estudar a apostila de Medicina do que revirar-se na cama praticamente explodindo com os próprios pensamentos. Aparentemente, seu plano não fora sido bem sucedido, já que em trinta minutos o que realmente havia lido era uma frase. E nada mais. Não estava se concentrando.

Depois de esfregar o rosto com as mãos, seu olhar direcionou-se até a pedra colocada ao lado do porta-canetas da escrivaninha. Possuía uma forma levemente achatada na cor azul-vivo; uma pedra chamada Howlita. Um presente que recebera no dia de seu aniversário de doze anos, vindo de sua melhor amiga, Cana Alberona.

A temperatura ambiente daquela noite de verão em Rosemary estava realmente agradável, fazendo com que Lucy Heartfilia conseguisse dormir com tranquilidade. A janela de seu quarto mantinha-se aberta, trazendo-lhe o vento gostoso do lado de fora.

Deixar a janela aberta durante a noite não era problema algum em uma cidade tão pequena e calma como aquela. Não havia perigo.

Era o que a garotinha de doze anos pensava, até acordar no meio da noite sentindo uma movimentação no cômodo. Piscou e arregalou os olhos ao ver uma figura misteriosa invadindo seu quarto, envolvida pela escuridão noturna.

Pensou em gritar, mas tudo o que conseguiu fazer foi se encolher debaixo do lençol até então intacto. Tremia, pensando em quem poderia ser aquela pessoa e o que queria ao entrar pela janela naquelas horas. Só podia ser um ladrão, assassino ou coisa pior!

Não sabia se já era meia-noite, mas definitivamente não queria que nada de mal lhe acontecesse justamente no dia de seu aniversário de doze anos. Que falta de sorte teria!

Ouviu os passos lentos e quase silenciosos da figura misteriosa aproximando-se até engatinhar em cima da cama, prestes a retirar a coberta de seu rosto. Quando foi gritar, uma mão cobriu sua boca com força.

— Não é pra gritar!

De tão apavorada, demorou um tempo maior do que normalmente levaria para reconhecer aquela voz; era Cana!

— Cana? — a loira sentia o coração prestes a sair pela boca. — Você me assustou!

A morena se segurou para não rir alto. Ver sua irmãzinha de consideração com aquela expressão de criança assustada era realmente engraçado.

— Desculpe. — disse ela, soltando um riso abafado. — Mas eu queria fazer surpresa.

Lucy sentiu-se confusa

— Surpresa?

— Daqui a exatamente dois minutos você estará fazendo doze anos, sabia? — Cana retirou um relógio de pulso que carregava no bolso do shorts, lançando-lhe um largo sorriso. — Eu quero ser a primeira pessoa a te desejar feliz aniversário. E também ser a primeira a lhe entregar seu presente.

— Você tem um presente para mim? — os olhos da garota brilharam. Sempre se envergonhava ao receber presentes, mas tinha de admitir que os adorava. Afinal, não era todo dia que podia recebê-los. — Mesmo?

— Não sei se você vai gostar. — respondeu a mais velha com sinceridade. — Mas talvez você goste quando crescer mais um pouquinho.

Ela não entendeu muito bem o que aquilo significava, mas não tinha a menor importância: apenas por saber que Cana lhe daria um presente de aniversário a deixava realmente feliz, independentemente do que fosse. Era assim todos os anos, mas da mesma forma emocionante para si.

Faltando trinta segundos para a meia-noite, as amigas faziam a contagem regressiva aos sussurros.

— Cinco... — murmurou Lucy.

— Quatro... — continuou Cana.

— Três...

— Dois... — ambas sentiam o coração acelerar a cada segundo deixado para trás.

— Um! — disseram ao mesmo tempo, quase falando um tanto alto demais.

A mais velha sorriu e a abraçava pelo pescoço, fazendo com que lhe fosse difícil respirar.

— Feliz aniversário, Lucy! — dizia ela, mal conseguindo se conter de tanta excitação.

— C-Cana... E-Eu... N-Não respiro...

Bem, agora vamos ao seu presente. — disse Cana, feliz. — Feche os olhos e abra as mãos.

A loira obedeceu e ouviu um “pode ir abrir” ao sentir algo frio cair nas mãos. Era uma pedra ligeiramente achatada no azul-vivo mais lindo que já vira.

— Que linda! — exclamou ela, encantada com a beleza do objeto. Se fascinava fácil por coisas que considerava bonitas.

— O nome dela é Howlita. — explicou a morena. — É minha pedra preferida. Está comigo há muito, muito tempo.

— Howlita... — Lucy repetiu aquele nome no mínimo, engraçado para si.

— Cuide bem dela. Ela é poderosa. Quando você não conseguir dormir, por exemplo, coloque-a debaixo do seu travesseiro. Você irá sentir a diferença!

— Pedras têm mesmo poderes? — perguntou a garota, fascinada.

Cana riu e beijou sua testa.

— Têm sim.

Sentindo as pálpebras pesadas, Heartfilia se levantou da cadeira ainda segurando a pedra nas mãos. Em um instante, seu corpo amoleceu completamente e ela acabou por dormir no chão. Não conseguia se mover para deitar-se na cama.

Apesar de não estar deitada em um colchão macio, aquela noite de sono seria uma das melhores desde os últimos tempos. Mais do que ela imaginava.