Pureblood

Nove — Borboletas no estômago?


Lucy Heartfilia acordou com a sensação de que seu corpo chacoalhava e chacoalhava com um certo peso em seus ombros. E de fato, estava mesmo sendo sacudida.

— Lucy, acorda! Acorda! Acorda! — Scarlet chamava-a histericamente, sacudindo a loira para a frente e para trás.

Lucy piscou um par de vezes, confusa.

— Hum... Erza?

— Graças a Deus! — exclamou a ruiva, ainda de olhos arregalados. — Você me assustou, porra!

— Assustei? — a garota esfregou os olhos e sentiu-se mais perdida ainda ao perceber que não estava na cama. Havia adormecido no chão?

— Você tava atirada no chão, que é que eu ia pensar? — Erza fez biquinho. — Mas você está bem, não está?

— Estou sim... — respondeu Lucy. — Acho que só acabei dormindo no chão.

A ruiva avistou um objeto curioso de cor azul-vivo ao lado da amiga.

— O que é isso? — perguntou, apontando para o objeto.

Assim que a loira viu a Howlita novamente, automaticamente lembrou-se do motivo pelo qual adormecera no chão. As recordações da noite anterior invadiram sua mente, fazendo seu coração se encher de felicidade; um belo sorriso surgiu em seu rosto.

— Esta aqui é uma pedra que ganhei de presente. — explicou ela, segurando a pedra com carinho. — Foi Cana quem me deu.

Erza possuía certos problemas de memória que muito provavelmente não existiriam se não fosse por sua avoação ao extremo. Por ser um tanto esquecida, não fazia ideia de quem era Cana. Apesar de jurar ter ouvido tal nome há alguns anos atrás...

— Ah, sim. — deu um suspiro triste ao finalmente se lembrar daquela pessoa. — É muito bonita.

Heartfilia levantou-se e colocou o objeto cuidadosamente sob o travesseiro. Ao olhar para o relógio digital do criado-mudo, esbugalhou os olhos castanhos.

— Santo Cristo! — correu em direção ao banheiro para começar a se arrumar para o trabalho. E deveria fazer tudo no menor tempo possível; estava tremendamente atrasada. Como podia ter dormido até tão tarde? — Eu estou muito atrasada!

— É, é. — a ruiva coçou a cabeça. — Eu demorei um pouquinho para perceber que você ainda não estava acordada para ir trabalhar.

Lucy prendeu os cabelos loiros em um rabo-de-cavalo-de-qualquer-jeito e rapidamente retirou o uniforme de criada do closet. Se trocou ali mesmo apesar de ser um tanto envergonhada em relação ao próprio corpo; não estava em condições de sentir vergonha alguma, pelo menos não naquele momento.

— O sr. Dragneel irá ficar furioso! — dizia, temendo qual seria sua punição por chegar tão fora do horário. Tomou o café da manhã em um flash e em tempo recorde, estava pronta para sair.

Wow. — Scarlet olhou o cronômetro do celular, mais calma do que nunca. Jamais tivera um emprego ou qualquer outro tipo de compromisso com horários, então sua falta de noção quanto a atrasos era no mínimo compreensível. — Parece que você bateu o seu recorde.

— Erza, por favor me leve o mais rápido possível. — desesperada, Lucy já abria a porta do apartamento. — Eu vou estar muito encrencada se não chegar logo!

Os olhos da amiga brilharam.

— Eu posso dirigir... na velocidade proibidaça?

Ah, a velocidade proibidaça. O nível de velocidade que aumentava as chances de causarem um acidente de trânsito ou fazerem receber um vale-visita grátis a uma delegacia em noventa e nove vírgula nove por cento.

— S-Sim, por favor! — respondeu a loira sem pensar muito a respeito. Mal imaginava como se arrependeria muito em breve.

Era quase certo de que Erza seria multada, mas a garota não dava a mínima. Quanto mais rápido dirigia, mais realizada se sentia; pisar fundo no acelerador e quase bater em carros, pedestres e postes era algo mágico para si. Por essas e outras é que sabia-se que ela não possuía uma mente lá muito saudável.

Lucy sentia que estava prestes a vomitar ao descer do carro. Nota mental: jamais deixar Scarlet dirigir naquela velocidade novamente. Nunca mais.

— Eu queria ter cronometrado isso. — a ruiva fez biquinho, como uma criança pequena faria. — Mas de qualquer forma, foi muito divertido!

— É-É... O-Obrigada por me trazer até aqui, E-Erza. — agradeceu Lucy, sentindo como se tudo ao redor estivesse dando voltas.

— Eu posso voltar usando a velocidade proibidaça, né? — Erza pulava no banco do motorista, excitada. — Diz que sim!

— Por favor, prometa-me que não vai fazer isso. — disse a loira, já pronta para correr em direção ao interfone da Mansão. — Nos vemos depois, ok? Até mais!

Frustrada, a ruiva sentia-se mal quando as pessoas lhe pediam para prometer algo. Ela não conseguia descumprir.

— Até... — murmurou, bufando de modo infantil.

Esbaforida, a criada apertou o botão do interfone e com ansiedade excessiva, aguardou que alguém abrisse o portão.

— Residência Dragneel, bom dia. Com quem estou falando? — soou a voz melodiosa de Mira.

— Bom dia, Mira. Sou eu, Lucy. — respondeu a jovem, dando pulinhos sem sair do lugar. — Cheguei um pouco atrasada, me desculpe!

Lucy! Ainda bem! — o portão começou a se abrir. — Achei que você não viria hoje. Estou abrindo para você, ok?

— Obrigada, Mira. — disse Heartfilia, rapidamente entrando. Resolveu correr sem parar até que chegasse a porta, como se cada segundo desperdiçado pudesse ser descontado de seu salário. Na correria, acenou brevemente para Sting, que estava surpreso ao vê-la tão energética e com um sorriso tão belo no rosto. Sentiu o rosto esquentar ao pensar em como ela estava linda; não parecia desanimada como no dia anterior. Parecia até que possuía uma luz dourada em volta de si; mas talvez fosse sua imaginação.

Sem fôlego, Lucy notou que a porta já estava entreaberta; pedindo licença, entrou na casa e a primeira pessoa que viu fora a sra. Dragneel elegantemente lendo uma revista com uma modelo desfilando na passarela como capa.

— Lucy, querida! — disse ela, levantando-se para abraçá-la. — Que bom que chegou, eu estava preocupada com você.

— Muitíssimo bom dia, sra. Dragneel. — a loira se curvou. — Eu realmente não queria ter chego atrasada. Isto não acontecerá mais uma vez, por favor me perdoe.

Com as mãos delicadas como de uma fada, Olívia segurou o rosto da jovem e sorriu.

— Está tudo bem, querida. É normal não poder chegar no horário uma vez ou outra, certo?

— N-Não estão zangados comigo? Quero dizer... a sra e o sr. Dragneel.

A patroa riu.

— Como é que eu poderia ficar zangada com você? — disse, apertando-lhe as bochechas com delicadeza. — E bem, estou certa de Igneel não se irritou com isso.

— Onde está o sr. Dragneel? — perguntou a garota. — Creio que devia cumprimentá-lo...

— Ele está na sala dele. — Olívia deu uma piscadela, brincalhona. — Mas acho que sai de lá na hora do almoço.

O sr. Dragneel possuía uma sala de trabalho enorme para seu uso exclusivo e era uma grande lei da casa que absolutamente ninguém entrasse sem sua permissão. Lucy jamais entrara nela, nem para limpá-la; aquela sala de trabalho era um mistério. Igneel trancava a porta e saía apenas para as refeições principais e às vezes, assistir televisão com a esposa. Além disso, Mira lhe contara que ele se aborrecia com qualquer pessoa que batesse na porta e o interrompesse; a loira sentia-se curiosa, mas jamais ousaria perturbar o patrão.

A criada pôs a bolsa-sacola que sempre trazia consigo no cabide de bolsas e foi até a cozinha cumprimentar Mirajane, que parou de lavar a louça do café da manhã para dar-lhe um abraço apertado.

— Que bom que está aqui! — disse a albina, sempre doce. — Comecei a me preocupar pensando se você realmente não viria... Como está?

— Estou bem, obrigada. — respondeu Lucy com sinceridade. Olhando para seu rosto, era possível constatar que aquilo era realmente verdade; incrivelmente, não possuía mais sinal de qualquer desânimo. Sensível como era, a cozinheira notou uma luz rodeando-a que antes não estava ali; era como se Heartfilia estivesse sendo iluminada por algo divino. — E você, como está, Mira?

Mira mordeu o lábio por um momento.

— Estou bem também. — sorriu e voltou a ensaboar os pratos.

— Gostaria de uma ajuda? — perguntou a loira, pronta para começar a ajudá-la com a louça.

Strauss colocou as mãos na cintura e fingiu estar muito brava.

— Você já se atrasou o suficiente, mocinha. Não precisa se atrasar com mais uma coisa, ouviu?

— M-Mas...

— Não discuta comigo, senão vai ficar de castigo. — brincou a albina, lançando-lhe uma piscadela. — Pode começar a trabalhar já!

Heartfilia riu.

— Sim, senhora!

Atirado na cama, Natsu Dragneel mordia o lábio incessantemente enquanto trocava mensagens de celular com Flare, sua namorada-que-não-era-namorada. Flare gostava de se autodenominar de namorada do Natsu, as pessoas insistiam em chamá-la de namorada do Natsu, mas ele não pensava nela exatamente como namorada. Não eram namorados apenas porque faziam sexo nas horas vagas.

“Qual é a cor da calcinha que você tá usando?” enviou e deu um sorriso malicioso ao ver que ela estava digitando uma nova mensagem.

Os pensamentos impuros que se formavam em sua mente foram interrompidos por fortes batidas na porta, como se Igneel quisesse derrubá-la. Natsu sabia que o almoço estava pronto mas pensou seriamente em continuar dentro do quarto até onde fosse possível; sabia que aquilo aborrecia o pai e simplesmente adorava irritá-lo. Mas então, lembrou-se da noite anterior.

A albina se levantou com as bochechas ligeiramente vermelhas.

— De qualquer maneira, quero que me prometa que vai tentar ser educado com o seu pai.

— Só se você me beijar. — o rapaz fez um esforço para levantar-se também e deu um riso de malícia.

— Poxa, isso é sério? — seu rosto ficou um pouco mais vermelho e Natsu riu de novo.

— Sério.

Ela se aproximou dele.

— Esta é a sua única condição? — Mirajane estava claramente constrangida diante da situação. Ao vê-lo assentir positivamente com a cabeça, o fitou e disse:

— Eu te beijo e você cumpre a promessa. Combinado?

— Que merda. — murmurou, largando o celular em cima da cama. Não queria que Mira pensasse que mentiu sobre tentar ser legal com o pai apenas para beijá-la, mesmo que talvez fosse verdade. Não era como se estivesse muito animado com a ideia de ser legal com alguém, especialmente com Igneel.

Não sabia até quando poderia cumprir aquela promessa estúpida, mas saiu do quarto de qualquer forma. Chegando ao andar de baixo, viu Lucy dizer algo ao “velhote” enquanto se curvava; supôs que fosse um pedido de desculpas por ter chegado atrasada. Não a vira no café da manhã.

A olhou fixamente como provocação, mas foi um tanto surpreendido ao ser cumprimentado por um sorriso que por razões estranhas, não parecia ser falso. A criada não aparentava estar estranha ou com raiva por sua presença; será que havia esquecido que estava sendo chantageada? Não era esse tipo de reação que esperava. Aonde estava o medo, a total indiferença ou o ódio naqueles olhos cor de chocolate?

— Tenham uma ótima refeição, sr. e sra. Dragneel. E sr. Natsu. — disse ela com seu jeito tímido como habitual. Não exatamente como habitual; havia algo estranho, ele apenas não sabia o que diabos era.

— Pode me passar a jarra, Natsu? — pediu Igneel apontando para a jarra de suco bem ao seu lado.

Você não tem capacidade de levantar e pegar a jarra sozinho, é doente mental? Tá achando que eu sou seu escravo?

Provavelmente fingiria que não havia ouvido se Mirajane não estivesse ali; por um momento, seus olhares se encontraram. Era como se a voz dela ecoasse em sua mente: Eu te beijo e você cumpre a promessa.

Se abrisse a boca, o rosado sabia que diria alguma grosseria mesmo que tentasse se controlar. Então, o passou a jarra em silêncio e começou a comer. Olhou para Mira mais uma vez até então decidir começar a encarar Lucy.

— Então, filho... — Olívia queria quebrar aquele silêncio deprimente. — O seu joguinho estará chegando daqui a pouco, não? — a mãe usava “joguinho” para referir-se ao Resident Evil para PS4 que ele fizera questão de encomendar imediatamente após o lançamento. E finalmente, se tudo desse certo, chegaria naquele dia pelo correio após o meio-dia.

— Uhum.

— Você convidou o Gray para jogar com você, né?

Na verdade, Gray se convidara para ir jogar. Com qualquer outro, Natsu faria o desconvite com o maior prazer do mundo, mas ele era uma das únicas pessoas da qual gostava de verdade. O único a quem conseguia chamar de amigo. Então não tinha problema que se convidasse; sua companhia era, tinha de admitir, agradável.

— Uhum. — o rosado virou-se para Lucy, querendo provocá-la. — Ô Lucy, serve aqui um suco pra mim.

O casal Dragneel entreolhou-se; não seria mais simples pedir para Mirajane ou para um dos dois?

— Mas é claro, senhor. — a loira pediu licença para pegar a jarra ao lado de Igneel. Natsu segurou o copo no ar e quando o suco começou a derramar, o rapaz bruscamente mudou a posição do objeto fazendo com que tudo molhasse suas calças.

— Que diabos você fez? — exclamou ele, franzindo a testa.

A criada ficou boquiaberta.

— Oh, meu Deus! — rapidamente, pegou um guardanapo de cima da mesa e começou a passá-lo aonde o suco havia derramado, incrédula. — Senhor, por favor me desculpe! Me descul...

Quando percebeu que estava utilizando o guardanapo para esfregar uma certa região sua, seu rosto ficou completamente vermelho e ele se segurou para não rir ali mesmo.

— A-Ah... M-Me...

Natsu não sabia porquê, mas fazê-la ficar envergonhada era simplesmente hilário. Adorava ver seu rosto corado daquela maneira.

Lucy espalhava o produto de limpeza no vidro das janelas da sacada do quarto de seus patrões quando avistou um carro grande e preto aproximando-se do portão da mansão. Possuía conhecimento dos nomes de alguns automóveis caros, mas não pôde dizer qual era o modelo daquele; supôs que o dono fosse Gray, o amigo de Natsu que jogaria videogame com ele naquele dia.

Sting abriu o portão com o controle remoto assim que viu o carro e a loira resolveu descer para cumprimentar o amigo do filho de seu patrão, oferecer algo que quisesse, ser bem educada para com o visitante. Desceu as escadas e abriu a porta; assim que estacionou o carro na garagem, Gray apareceu caminhando em direção à porta.

Era um bonito homem de cabelos negros e rebeldes de olhos igualmente escuros. Vestia uma calça jeans desbotada e uma camiseta com sapatos um tanto gastos. Apesar de belo, possuía uma expressão amedrontadora assim como a de Natsu. A criada perguntou-se se assim como na expressão, também seriam iguais em personalidade.

— Seja bem-vindo, senhor. — a loira sorriu gentilmente e fez uma breve reverência. — O sr. Natsu está no quarto dele. Deseja que eu lhe acompanhe até lá?

O rapaz colocou as mãos nos bolsos e sua expressão séria fora desarmada. Agora, suas bochechas estavam absolutamente vermelhas e ele baixou a cabeça, fazendo com que o cabelo cobrisse a maior parte de seu rosto.

— O-Obrigado. — disse com a voz rouca e baixa. — Ahn... Acho que nunca nos vimos antes.

— Creio que não, senhor. — Lucy subiu as escadas sendo seguida por ele. Mirajane acenou para Gray da cozinha, que retribuiu o cumprimento. — Comecei a trabalhar nesta casa há pouco menos de um mês.

— E-Entendi...

Chegando na porta do quarto de Natsu, a garota bateu na porta.

— Sr. Natsu, o sr. Gray está aqui. — disse, e em seguida virou-se timidamente para a visita. — Bem, o senhor gostaria que eu utilizasse o “senhor” para “sr. Gray” ou para com o sobrenome do senhor?

— P-Pode me chamar de Gray. Só Gray. — o moreno corou ainda mais, desviando o olhar.

— Certo... — respondeu ela com as bochechas ligeiramente coradas, como ficavam quando conversava com estranhos.

O rosado abriu a porta e cumprimentou o amigo basicamente com um “e aí” e Gray entrou no quarto.

— Bem, se precisarem de algo, estou limpando o quarto ao lado. — disse a criada, curvando-se. Percebeu que o moreno estava olhando fixamente para si por razões que desconhecia. — Hum... Deseja algo, sr... Gray?

Paralisado, o rapaz demorou a responder.

— V-Você.

Natsu revirou os olhos enquanto colocava seu novo bebê (o jogo de videogame) para rodar no PS4.

— C-Como? — o rosto de Lucy ficou completamente vermelho.

— A-Ah, não... — começou ele, desconcertado. — E-Eu quis dizer que... você... você é muito bonita!

Gray ficou tão corado quanto a garota.

— Ahn... Obrigada, senhor. — agradeceu o gentil elogio e acanhadamente dirigiu-se ao quarto do sr. e da sra. Dragneel. Tornou a limpar as janelas, por mais que já estivessem limpas. Fazia isso pois adorava poder ver Sting trabalhar. Era tão interessante o modo do qual tratava as plantas do jardim. Tratava-as com tamanho carinho...

Toda a vez que seus olhares se encontravam, ela corava e desviava a princípio. Mas depois, lançava-lhe o mais belo sorriso que possuía, fazendo-o ficar vermelho de vergonha também. Ela não sabia bem o porquê, mas gostava de sorrir para ele. E vê-lo trabalhar. E desejava conversar mais com ele. Ficar perto... Céus, como se sentia estranha! Fazia um tempo desde a última vez que se sentira daquela maneira. Era como se houvessem borboletas em seu estômago.