Pureblood

Dezesseis — Incertezas.


Lucy não disse sequer uma palavra do caminho da Mansão até seu prédio. Fitava com inexpressão os pingos de chuva que caíam na rua, sem perceber que Gray — que estava no banco do co-piloto ao lado de Natsu — se virava para olhá-la de três em três minutos, preocupado. Natsu notava a atitude e queria dizer para ele deixá-la em paz um pouco, sentindo que se abrisse a boca cuspiria fogo. Ele não podia negar que também havia tomado um susto e que inevitavelmente, a espiava pelo espelho retrovisor central, mas ficar se virando o tempo todo era certamente muito irritante.

— Que chuvarada, hein? — disse Gray enquanto ajudavam as garotas com o almoço e Natsu pensou em como seria sensacional se ele tivesse continuado de boca fechada. Entre tantas coisas das quais poderia dizer, tinha que ser justamente sobre o tempo? Quem fica conversando sobre o tempo? Seu amigo sabia ser bem babaca às vezes.

— Sim. — Lucy concordou, falando baixo como sempre. — É uma pena, se não estivesse chovendo eu poderia pendurar os balões para a sra. Dragneel. Ela só os veria, mas eu acho que ainda assim ficaria... f-ficaria... — ao fim da frase, a voz dela foi ficando cada vez mais baixa até desaparecer no ar... e dar vez à um grunhido agoniante que fez Natsu parar o que estava fazendo, assim como Gray e Mira.

Fora tudo muito rápido: a loira pressionava o peitoral, ofegante e então começou a cair; quase no automático, suas pernas se moveram e ele correu até ela. Segurou aquele corpo pequeno e delicado nos braços, apavorado com a frieza e palidez de seu rosto que a fazia parecer ainda mais frágil.

— Lucy! — chamou, uma de suas mãos tocando seu rosto sem cor. — Lucy, ei!

— Nós precisamos deitá-la logo. — disse Gray, igualmente alarmado, já estava ao lado de ambos há tempos porém o rosado mal havia notado sua presença. Ele fez menção de pegá-la em seus braços e Natsu quase rosnou como um cão furioso. Não havia sido seu amigo quem a impedira de se machucar feio. Por que é que ele queria tanto segurá-la, afinal?

— Céus... — dizia Mirajane, a última a se mover, incrédula. Os três foram até a sala e deitaram a garota no sofá, elevando suas pernas do restante do corpo; era um modo de fazer com que o sangue fluísse para o cérebro mais rápido.

Fullbuster se ajoelhou ao lado de Lucy, chamando-a e chamando-a. Mira claramente se esforçava para não chorar.

— Lucy, por favor, acorde! — o moreno segurou a mão gélida da criada.

— Vejam, as bochechas dela já estão com um pouco de cor... — disse Natsu, ignorando a cena.

Bem devagar, Heartfilia começou a abrir os olhos como se houvesse despertado de um sono profundo. Ainda bem, pensou o rapaz.

— Lucy! — disseram os três em conjunto, aliviados. Finalmente, suas bochechas e lábios retornavam ao tom levemente avermelhado comum.

Ela piscou.

— Hum... pessoal?

Naquele momento, Natsu entendera algo que havia lhe deixado confuso pela manhã. Ainda um pouco desorientado, escutou quando Lucy entrou no quarto para deixar o café da manhã ali, algo assim... e também ouviu quando Gray perguntava se estava realmente tudo bem com ela, mas não havia entendido o porquê. Tudo fazia sentido; ela estava se sentindo mal desde aquela hora, talvez até antes. E mesmo assim, viera trabalhar. Que garota mais irritante!

— É aqui. — sussurrou Lucy assim que chegaram em frente ao edifício. O carro parou e então, Gray voltou a virar o corpo para olhá-la, o que a deixou constrangida.

— Me desculpem. — disse, de cabeça baixa. — E... obrigada por me trazerem até aqui. Até logo.

E sacou o guarda-chuva da bolsa, pronta para abrir a porta do automóvel.

— Não quer que te levemos até lá em cima? — perguntou Fullbuster vermelho de vergonha, um legítimo gentleman.

Lucy balançou a cabeça.

— Obrigada, mas já estou bem. Consigo andar.

— Tudo bem então... por favor, descanse.

— Obrigada. — disse a garota mais uma vez, sorrindo envergonhada. — Até logo, sr. Natsu. Sr. Gray.

Ela destravou a porta e se preparou para abrir o guarda-chuva, quando finalmente, o rosado disse alguma coisa.

— Lucy. — disse ele, com os olhos fixos no volante.

— S-Sim?

O rapaz demorou alguns segundos para responder.

Tchau. — simplesmente.

— Tchau.... — Lucy disse, confusa e envergonhada. Finalmente, abriu a porta do carro e saiu debaixo do guarda-chuva, vendo a recepcionista Karen distraída com algo no computador; seus olhos se ergueram assim que viu Heartfilia adentrar o andar térreo, estranhou porém não fez perguntas.

— Boa tarde, srta. Lucy. — disse a moça, ajeitando o cabelo tingido de verde, um tom que ficava realmente bonito nela. — A srta. Erza saiu há pouco, mas acho que logo ela volta. Foi comprar algumas tintas novas.

— Obrigada, Karen. — respondeu Lucy com um sorriso, pensando que somente sua amiga poderia sair naquela chuva para comprar tintas e aguardou o elevador para subir até o apartamento.

Sabia que havia dito que descansaria, mas não via plena necessidade disso. Aproveitou que teria o resto do dia livre e estudou para o teste de admissão da Fairy Tail University. Concentrada, quase saltou da cadeira ao ouvir a porta do apartamento sendo fechada com força um tempo depois. Em seguida, escutou um choro compulsivo.

— Erza? — Lucy saiu do quarto e foi até seu encontro na sala; a amiga arregalou os olhos, assustada.

— L-Lucy? — disse, com a voz falhada. Imediatamente, começou a tentar enxugar as lágrimas. — Você... m-mas ainda é... c-cedo...

— Saí antes hoje. — a loira a olhou com ternura e se abaixou em sua frente com aquela expressão gentil. — E o que aconteceu com você? Não é a Erza que eu conheço.

A ruiva riu e fungou.

— E-Eu não sou assim, né...? — e cobriu o rosto com as mãos aos soluços e Lucy percebeu como ela tremia. A envolveu em seus braços como faria com um bebê e Erza encostou a cabeça no peito da amiga, chorando incessantemente.

— Não fala nada. — disse ela antes que a loira abrisse a boca. — S-Sério, não fala.

— Tudo bem... tudo bem... — a garota fez carinho em seus cabelos vermelhos e finalmente, Scarlet chorou tudo o que havia para chorar. Os gritos dela eram algo que Lucy jamais esqueceria. Nunca a vira assim.

Durou mais de hora. Depois de tantas emoções à tona, Erza se sentiu sonolenta.

— Vamos para a cama? — disse a loira. — Para descansar um pouquinho...

A moça assentiu com a cabeça e juntas, foram até seu quarto. Erza deitou na cama e, cobrindo os olhos inchados, disse:

— Desculpa. Você deve ter ficado surda agora mesmo.

Lucy riu e lhe fez cafuné.

— Está tudo bem, Erza... agora que você está mais calma, quer conversar sobre o que está te deixando tão triste?

— Nesse dia, eu sempre fico excessivamente emotiva. Não é algo com o que você deveria se preocupar. — respondeu ela. — Bom, hoje, meu pai... — ela desviou o olhar. — Você sabe.

Scarlet nunca dizia a palavra morreu para se referir ao pai, não conseguia, mesmo após tantos anos. Era como se no fundo, não acreditasse realmente que Takumi Scarlet estava morto; ele estava apenas viajando e um dia bateria na porta de seu apartamento. Eu estou de volta, seu pai diria.

— Oh.

— É. — a ruiva fitou o rosto da amiga com surpresa. — Por que é que você está chorando?

— D-Desculpe. — Lucy enxugou as próprias lágrimas. — É que isso é muito triste... mas de qualquer modo, eu tenho certeza de que onde quer que ele esteja, ele está cuidando de você. De verdade.

Erza sorriu.

— Se Deus realmente existe, não acho que Ele faria com que meu pai estivesse em um lugar ruim. Meu pai foi o homem mais gentil e honesto que já conheci.

— Sim. — a loira assentiu com a cabeça e as duas ficaram num silêncio confortável; numa situação daquelas, bastava para Scarlet que sua amiga ficasse a seu lado fazendo-lhe um carinho na cabeça. Até que então, Erza começou a falar.

— Agora me conta... por que é que você chegou tão cedo? — perguntou, curiosa, sentando-se na cama.

— Eu me senti um pouco mal... — e Lucy tratou de explicar melhor assim que a viu arregalar os olhos. — N-Não, mas está tudo bem agora, acredite em mim. Foi só uma tontura, mas mesmo eu tendo melhorado quiseram me trazer de volta...

Ela tentava tornar seu desmaio um episódio menos grave tornando-o apenas um mal-estar passageiro, não contando sobre a dor agoniante no peito que sentiu antes de perder os sentidos (que na realidade, já sentia ao acordar), o modo como ficara gélida e de rosto sem cor e muito menos sobre as cenas da sra. Dragneel que havia visto. Tinha consciência de que não era algo que devesse falar para alguém.

Erza desconfiou: se não havia sido nada demais, por que quiseram trazê-la para casa?

— Você não quer ir ao hospital para conferir se está tudo bem mesmo?

— Obrigada. — a garota balançou a cabeça negativamente. — Tenho certeza de que não foi nada.

— Se sentir qualquer coisinha de novo, vamos ao hospital, ok?

Ok... — Lucy não possuía certeza, mas algo dentro de si dizia que aquilo não era algo que médicos pudessem solucionar.

— Hum, e a propósito, quem te trouxe? — perguntou a ruiva na maior ingenuidade. Ou não.

— Sr. Natsu. — a loira enrusbeceu. — E... o sr. Gray.

Erza ergueu uma sobrancelha.

— Fullbuster?

— Não sei o sobrenome dele.

— Ah, deve ser ele sim. — de repente, ela fez uma expressão um tanto maliciosa. — Chega mais, chega mais.

Lucy se aproximou da amiga e a ouviu falar em seu ouvido:

— Levy me contou uma vez que diziam as más línguas de que, na verdade, ele curte mesmo umas loiras.

O rosto de Heartfilia ficou tão vermelho quanto os cabelos da amiga. Tão vermelho quanto um tomate bem maduro. Tão vermelho quanto pétalas de uma rosa, e o que mais você imaginar do puro vermelho. Vermelho, vermelho, vermelho. Ah, a vergonha, o constrangimento!

— A-A...

Erza gargalhou.

— Calma, calma, ninguém sabe se é verdade. — falou ela. — Mas eu achei que deveria te... certo, certo, desculpa.

A vermelhidão de Lucy passava aos poucos. Scarlet fitou a janela e os pingos de chuva que em seu vidro escorriam.

— Sabe... às vezes eu penso como seria se tudo fosse diferente. Digo, se meu pai nunca tivesse me deixado. Talvez... minha mãe pudesse aceitar que nasci desse jeito. E eu tomaria meus remédios por não precisar afrontá-la. — uma lágrima escorreu por sua face. — Eu poderia ser normal.

— Eu também penso como minha vida poderia ser diferente se certas coisas não tivessem me acontecido. Mas eu acho que... tudo isso tem um propósito, não? Os momentos ruins nos fazem valorizar os bons e também nos ensinam algo que levamos para a vida toda. Só precisamos encontrar, no fundo do coração, qual a lição.

E imediatamente, sentiu-se uma tola por falar coisas das quais não possuía moral para dizer. Nem ela mesma jamais conseguiu compreender o porquê de uma certa coisa ter-lhe acontecido em seus doze, treze anos e apenas pensava em como tudo seria melhor sem aquilo. Sempre perguntava para si mesma e para Deus o que fizera para merecer tamanha dor em seu coração.

Você é linda. Muito linda.

— Lucy.

— Hum? — a loira retornou à realidade. — D-Desculpe... o que você disse?

— Eu disse que pode ser que seja como você diz. — disse Scarlet. — Um dia, todos nós vamos encontrar a razão disso. Mas não deixa de ser doloroso...

— Não mesmo. — concordou a garota, pensando também em Cana. Sabia que ela ainda vivia e a observava de um mundo superior, no entanto, não podia deixar de sentir saudades de tê-la a seu lado todos os dias, em carne e osso. — Complicado, não? Ter de seguir em frente...

— É, é sim.

— Uhum.

Após alguns minutos de silêncio, Scarlet pulou para fora da cama e com um sorriso, disse:

— Acho que vou pintar alguma coisa. Quero usar minhas tintas novas.

— Sim, sim. — Lucy sorriu de volta e a viu sair do quarto, já um pouco acelerada. É, logo ela voltaria ao normal...

Scarlet escancarou a porta do quarto de Lucy, esquecendo-se completamente de que ela estava estudando e estudar era algo muito importante e que exigia tranquilidade e atenção. A loira arregalou os olhos diante do susto; nunca se acostumaria com todos aqueles sustos que Erza lhe dava, não importava quanto tempo morassem juntas.

— Erza, você me assustou! — exclamou a garota, sentindo o coração prestes à sair pela boca. Não percebeu que a amiga segurava o telefone sequer colocando a mão em cima do bocal.

— É pra você! — disse a ruiva, entusiasmada, quase jogando o aparelho em seu rosto. — Aquele... hum... Sting! Ele quer falar com você!

Lucy enrusbeceu e pegou o telefone, envergonhada e um tanto surpresa por ser Sting quem a estava ligando. Agradeceu e por fim, começou a falar enquanto via Erza saindo do quarto, provavelmente porque a pizza chegara. Ah, pizza...

A ruiva, saltitante, andou pelo corredor até chegar ao painel de controle do elevador e apertar os botões freneticamente, sempre crente de que aquilo faria o elevador chegar mais rápido. E logo, pensou que talvez pudesse se encontrar com Jellal por qualquer razão que fosse; mordeu o lábio e de repente, pensou seriamente em utilizar as escadas. Mas tudo bem, ele não deveria ter pedido pizza também naquela noite. Estaria tentando cozinhar ao menos arroz não-queimado, já que o queimado, o bem torradinho mesmo, era sua especialidade. Jellal deveria variar mais em suas habilidades na cozinha, não?

Respirou aliviada quando viu que não havia idiota de cabelos azuis algum no elevador e desceu até o térreo, feliz. Seu estômago já roncava, ansioso para receber a tão deliciosa pizza de calabresa. Ou melhor, as pizzas. Havia a doce também.

— Doce, doce, doce... — cantarolou enquanto adentrava o salão da recepção, saltitando. Sorriu para Karen e então, foi como se uma faca atravessasse-lhe o estômago. Sentiu enjôo, talvez por não estar preparada para encontrar o síndico de seu prédio beijando sua namorada-que-até-então-era-ex-ou-ao-menos-era-o-que-parecia na portaria, ali mesmo, para todo o mundo ver. A recepcionista fingia não ver, aparentemente achando muito interessante mexer em seus cabelos verdes, mechinha por mechinha.

Kagura estava majestosa com o vestido preto que caía muito bem nela, um casaco, botas de cano alto da mesma cor e uma meia-calça branca. Utilizava também seu tradicional lacinho branco que apesar de ser fofo, combinava com ela... enfim, linda. Maravilhosa, com a postura incorrigível e sem qualquer movimentação desnecessária; perfeita, tão perfeita que fazia o estômago de Erza revirar ainda mais. Delicadamente, Mikazuchi voltou a manter os pés completamente no chão, antes erguidos para beijá-lo. Era difícil dizer como estava ele, porque estava de costas e não dizia nada, mal se movia.

Se despediram e antes da moça dar as costas e sair pela porta automática, olhou fixamente para a ruiva, que não reagiu. Apenas sentiu dor na alma com aquele olhar, por mais estranho que isso soasse; apesar de não mover um músculo do rosto, Kagura era amedrontadora.

Trêmula, apanhou as caixas de pizza e correu como pôde até o elevador, torcendo para que Jellal não conseguisse chegar a tempo de ficar na cabine com ela. E como sempre, o desgraçado conseguia antes que as portas fechassem.

Erza fitava o logotipo da pizzaria estampado na tampa da caixa, ainda sentindo seu estômago doer de nervosismo. Mas afinal, por que diabos estava nervosa? Quem ligava se ele estava beijando a namorada-que-até-então-era-ex-ou-ao-menos-era-o-que-parecia na recepção?

— Ninguém liga, seu merda! — rosnou para ele como um cão raivoso, logo depois se dando conta de que estava pensando em voz alta.

— Você é louca. — murmurou o rapaz sem olhá-la nos olhos. Erza baixou a cabeça mais uma vez e pairou um silêncio mórbido. Ele não fazia ideia de que provocação podia fazer, muito menos ela. No entanto, aquele silêncio era extremamente desconfortável.

— Fizeram as pazes? — sussurrou a ruiva.

— Hum?

— Fizeram as pazes...?

— Ah. — respondeu ele, levando algum tempo para continuar. — Não. Sei lá. Talvez. Não é da sua...

That's how much I love you...
That's how much I need you
And I can't stand you
Must everything you do make me wanna smile
Can I not like you for awhile?

Lágrimas silenciosas surgiam e se multiplicavam a cada segundo; Scarlet quis bater no próprio rosto. Merda, não devia estar chorando na frente dele, nem por causa dele. Seu choro naquele dia não era somente por sua causa, mas parte dele... argh, que raiva sentia! Ele não era nada seu, logo, não deveria afetá-la como fazia, muito menos aquele maldito beijo que deram no corredor. Bastou aquilo para iniciar-se uma verdadeira confusão em seu coração.

— Você é um merda. — ela fungou com a vista embaçada pelas lágrimas. — Um merda.

Jellal não sabia como reagir, como revidar; nunca a havia visto chorar.

— Não fiz as pazes com ela.

— Por quê?

— Eu sei lá.

Scarlet riu.

— Depois eu é que sou maluca.

— E-Ei! — o azulado riu um pouco após ouvir sua gargalhada mais uma vez, embora não houvesse nada que rendesse tanto riso ali. O clima estava... estranho. E o elevador mais lento que de costume. Ou melhor, ele não estava se movendo.

— O elevador parou! — exclamou ele.

— Ah, tá, o elevador... — Erza processou o que ouvira. — Espera, o quê?

— Estamos presos aqui! — Jellal ficou nervoso e começou a apertar freneticamente o botão de alarme. — Merda, merda, merda.

— Será que vamos ficar presos aqui pra sempre? — a ruiva pensou alto mais uma vez, com o estômago se revirando novamente. A ideia parecia uma mistura de Paraíso com o Inferno... ugh, que pensamentos esquisitos eram aqueles?! Mesmo sem fome alguma, sentou-se no chão da cabine mesmo e abriu a caixa da primeira pizza de calabresa e sem cerimônia, deu a primeira mordida num pedaço (a pizza já vinha cortada, graças) com cara de paisagem. Estava morrendo de fome; se comesse, ficar presa no elevador com ele não seria nada demais.

— Como você consegue comer numa situação dessas?!?!

Erza riu.

— Alguém está muito nervoso. Relaxa, pega um pedaço... — ela estendeu a pizza, que foi rejeitada. — Ninguém nega uma pizza...

E então ela notou como ele ofegava, a palidez de seu rosto e o tremor de suas pernas. Será que...

— Você tá com medo! — levantou de súbito, largando seu jantar na caixa e apontando com o dedo para ele como se acabasse de realizar a descoberta do século. Não disse aquilo com deboche, foi simplesmente como se fala sobre um fato relevante. Jellal ficou vermelho.

— Não, eu não tô com medo.

— Ah, tá sim. — provocou a moça.

— Não tô. — repetiu o rapaz.

— Tá sim.

— Não.

— Sim.

— Não.

— Sim.

— Não.

— Não. — disse Erza para confundi-lo.

— Sim... argh! — o azulado ficou irritado.

A ruiva soltou uma gargalhada.

— Você é tão fofo!

E imediatamente, os dois ficaram em silêncio. Fofo? Ela havia o chamado de fofo? Jellal ficou ainda mais vermelho.

— A-Ah, eu quis dizer que... você não acha que está mais fofo? — ela se aproximou e cutucou a gordura (inexistente) de sua barriga. — Porque eu tô achando que você engordou... q-que foi? — ele a estava olhando de um jeito estranho que fez seu rosto esquentar.

As mãos dele envolveram sua cintura e a puxaram para bem mais perto; ok, definitivamente, o rosto de Erza estava mais vermelho do que seus cabelos. E ela não conseguia mandá-lo se afastar.

— H-Hum... — Jellal começou a beijá-la na curva do pescoço, trilhando um caminho de beijos até seus lábios; ela resmungava com cada toque em sua pele, pensando em como aquilo a fazia se sentir bem. Quando seus lábios se encontraram, trocaram beijos rápidos até que as carícias se tornaram mais intensas e, inevitavelmente, Erza o empurrou até chegar na parede. O que aconteceu foi que o rapaz foi pressionado contra o painel de controle, desemperrando um certo botão com a função de abrir as portas.

Os beijos foram interrompidos de repente por um grito agudo.

— Mas que pouca-vergonha! — esganiçou-se a velha do oitavo andar, dona Miku. A velha mais chata da face da Terra, junto com seu filho que sempre fazia cara de paisagem para todo mundo. — Que falta de respeito! — e adentrou o elevador, olhando feio para os dois. Ambos ficaram confusos, pensando que estavam realmente presos no elevador; e com apenas um pressionar de botão, poderiam sair... ah, a idiotice!

Jellal observava o chão enquanto Erza pegava as caixas de pizza até então esparramadas pelo piso da cabine. Os dois sentiam que a temperatura havia aumentado para, no mínimo, noventa graus celsius; estavam se beijando mais uma vez e ainda levaram xingada da velha. Céus, que vergonha, vergonha! Chegar ao décimo segundo andar parecia uma eternidade.

— Tsc tsc, filho. Você já viu tamanha indecência? Essas crianças de hoje em dia acham que qualquer lugar é lugar para namorar. — ouviram a velha dizer bem alto para o coitado do filho que era obrigado a escutar as reclamações daquele poço de mau humor todos os dias.

— A culpa foi toda sua. — murmurou a ruiva enquanto caminhavam pelo corredor.

— Minha culpa?! — exclamou ele, irritado.

— Foi sim! — gritou Erza, apenas não lhe dando um murro por estar segurando as caixas. — V-Você me agarrou!

— E você deixou! — rosnou o azulado.

Ela engoliu em seco e quase começando a chorar novamente, correu sem olhar para trás.

— Idiota, idiota, idiota! — berrou até que finalmente, adentrou o próprio apartamento e assustou Lucy, que arregalou os olhos cor-de-chocolate.

— Erza, por que você estava gritando no corredor? — perguntou, apavorada.

— N-Nada, não foi nada. — a ruiva mal a olhou diretamente, simplesmente largou as caixas de pizza sobre a mesa e começou a comer sem parar. — E aí, o que o Sting queria?

A loira corou.

— Ele soube que eu não me senti bem hoje e queria saber como eu estava. — ela sorriu consigo mesma, envergonhada. — Sting é realmente gentil...

— É pra você! — disse a ruiva, entusiasmada, quase jogando o aparelho em seu rosto. — Aquele... hum... Sting! Ele quer falar com você!

Lucy enrusbeceu e pegou o telefone, envergonhada e um tanto surpresa por ser Sting quem a estava ligando. Agradeceu e por fim, começou a falar enquanto via Erza saindo do quarto, provavelmente porque a pizza chegara.

— Alô...? — sua voz saiu em um volume mais baixo do que desejara. No entanto, Sting não falava muito mais alto.

— Ah, oi, Lucy. — disse ele do outro lado da linha. — Eu liguei em uma má hora?

— Não não, tudo bem... — ah, como era gentil. — Mas... estou curiosa. Quem lhe passou o número daqui?

O loiro emitiu uma risada gostosa de se ouvir.

— Foi a Mira. Ela me contou que você desmaiou, então eu fiquei... fiquei preocupado. — ele falava quase sussurrando. — Acabei pedindo seu número porque queria falar com você.

— É... é gentileza sua. — Lucy corou ainda mais. Ele havia ficado preocupado com ela?

— Então, como está se sentindo? — perguntou o rapaz.

— Só fiquei um pouco tonta e acabei desmaiando, isso é só. — ela riu timidamente. — Me sinto muito bem, tanto que fiquei estudando durante esse dia inteiro... — e bocejou logo em seguida. Estudar por um dia todo era extremamente cansativo e Lucy percebeu que sentia sono.

— Você deveria ter descansado, Lucy... — o modo como ele disse aquilo revelava uma certa tristeza em seu tom de voz que a fez corar mais. — Queria estar aí para fazê-la descansar direito...

— Desculpe, eu não ouvi... — disse a moça, com dificuldade para entender a última frase devido ao baixíssimo tom de voz de Sting. A qualidade da ligação também não era lá muito colaborativa.

— E-Eu disse que... — gaguejou ele. — Que é melhor que você descanse bastante. Você foi ao hospital?

Erza lançou um sorrisinho maroto involuntariamente.

— Ele se importa com você...

— S-Somos... amigos! — disse a loira com o rosto completamente vermelho, abocanhando um pedaço da pizza de calabresa. — Apenas amigos...

Na hora de dormir, Lucy tratou de levar Erza para a cama.

— Mas eu não tô com sono. — a ruiva fez biquinho como uma criança e a loira riu. — Só vou se você me contar o resto da historinha.

Lucy riu mais uma vez.

— Tudo bem. Vamos lá. — a garota passou o braço por cima do ombro da amiga e as duas foram caminhando até chegar no quarto, onde Erza deitou na cama após vestir seus pijamas e Lucy cobriu-a com o lençol, pegando o livro Erza e O Pincel Mágico sobre a mesa.

— Vamos ver aonde paramos... ah, aqui. — respirou fundo e começou a leitura. — Dentro da caixa, estava um objeto que já vira antes: um pincel! Mas por quê seu papai pedira para o Senhor Coelhinho lhe entregar um pincel? Perguntaria para ele quando recebesse sua ligação à noite, diretamente da cidade grande de Tóquio! Mas enquanto isso, arrumaria algo para fazer com o tal pincel....

[...]

— E... fim. — disse Lucy, fechando o livro sentindo-se prestes a chorar: definitivamente, o pai de Erza havia sido um homem incrível. Uma história infantil possuía tanto para ensinar e emocionar; sem dúvidas, seria muito famoso se fosse um escritor profissional, tão famoso quanto era por sua empresa brilhante. Quando olhou para a amiga, viu que seus olhos permaneciam bem abertos.

— Eu amo essa história. — a ruiva disse, sorrindo. — Sempre foi a minha favorita.

— É realmente muito bonita. — concordou Lucy. — Mas... você não parece relaxada como ontem. Achei que dormiria outra vez.

— Hoje aconteceu muita coisa. — Erza se levantou da cama, séria. — Muita coisa...

— Sei... você está indo pintar? — perguntou a loira, vendo a amiga andar em direção à porta.

— Sim. — a ruiva se virou para lançar-lhe um sorriso. — E obrigada. Fazia tempo que alguém não lia essa história pra mim.

Lucy corou.

— Não há de quê. Ah, e não fique até muito tarde, certo?

Ambas riram.

— Certo.

Heartfilia falou com sua mãe ao telefone antes de ir e como sempre, antes de cair no sono, fez uma oração a Deus. E beijou a Howlita, desejando do fundo do coração que pudesse encontrar-se com Cana naquela noite. Precisava falar com ela, obter respostas. Por favor, por favor, pensava, até então adormecer.

A primeira coisa da qual se lembrou na manhã seguinte foi ver uma Olívia aparentando ter treze ou quatorze anos de idade. Agora já com uma aparência saudável e bem-cuidada, a garota ficou de queixo caído quando foi conduzida para dentro de uma mansão incrivelmente luxosa por um casal; um homem de cabelos castanhos e uma moça ruiva e adorável. Ambos vestiam-se com roupas simples e um sorriso maravilhoso no rosto, enquanto Olívia simplesmente parecia incrédula com tudo aquilo. Ela carregava uma mochila grande nas costas.

Aqui é a sua casa a partir de agora, Olívia.” Disse a mulher ruiva. “Seu quarto é lá em cima ao lado do nosso. Venha, o decoramos com carinho e esperamos que goste!