Pretty

Um brinde a harmonia.


É incrível como uma semana pode passar rápido quando se tem que dividir um tempo curto entre a escola, seus amigos, seu recém recuperado namorado e seu hóspede e melhor amigo, mas acredito que tenha feito isso da melhor maneira que consegui. Quer dizer, mesmo que na maioria das vezes pisando em ovos, já que Adam e Marcus por pouco não se digladiavam cada vez que eram postos um na frente do outro, sempre cabendo a mim ser o escudo-humano.

No dia anterior àquele, uma sexta-feira no caso, nos encontramos na lanchonete em que Adam me levara quando eu cheguei á cidade, e tudo foi bem. Marcus, com seu incrível dom de ser ridiculamente carismático, conseguira se enturmar com poucas palavras. Adam, apesar de não estar confortável e, com seu estúpido instinto de macho, mal me deixar respirar perto do garoto, respeitou meu acompanhante no limite do possível. Marcus conseguiu abrir um diálogo decente até mesmo com Teri, com quem ele pareceu dar-se realmente muito melhor a segunda vista. Ela até tentou bancar o cupido e fazer com que Crystal conversasse mais com nosso visitante, ainda que não tenha obtido bons resultados. A loira era realmente uma fortaleza impenetrável e, aparentemente, inamorável.

— Amanda! O que ainda está fazendo aqui? – Minha mãe gritou ao passar pela porta aberta do meu quarto.

— Eu já vou. Pelo amor de deus, são só velas! – Retruquei, fechando o zíper da bota que terminava de calçar.

“Ela acha que eu sou um faz tudo?”

Anne estava com os cabelos em pé por não ter conseguido um tipo especifico de velas aromatizadas e, como ela tinha que esperar a chegada do buffet, eu fui encarregada de procurar as tais velas. Mas pelo menos eu não me sofreria sozinha.

Despontei impaciente na porta do quarto ao lado e vi quando Marcus vestia a camiseta despreocupadamente. E aquilo com certeza foi um pouco desconcertante. Nota mental: Não olhe o seu melhor amigo trocar de roupa. Principalmente se esse amigo for Marcus Burke!

— Anda, Johnny Bravo. Minha mãe está envelhecendo dois anos a cada segundo que nós demoramos. Logo ela estará uma uva passa.

— Eu ouvi isso, Amanda! Por que ainda estão aqui? – A ruiva gritou novamente.

Marcus finalmente se colocou para fora do quarto, segurando-me pelos quadris e me conduzindo até as escadas.

— Não envelheça muito, Sra. Rees. Já estaremos de volta!

— Saiam logo daqui! – Ela disse aparecendo no topo da escada, sorrindo e arremessando uma peça de roupa em nós. Ambos riamos ao passar pela porta, partindo em nossa missão.

— Por favor, Marcus. Eu não vou ouvir essa musica! – Falei, batendo de leve em sua mão enquanto ele tentava proteger o painel digital do carro.

— Qual é? É, pelo menos, engraçado.

— Eu não posso andar por aí em um carro desses com os alto-falantes gritando: “Quando o cafetão chegar em casa, passe a grana.” Você quer ser parado pela polícia?

Marcus gargalhou, e por consequência eu também.

— Sabe? Acho que estou passando alguns dos dias mais divertidos da minha vida aqui. Graças á você. Obrigado por ser tão bacana.

Balancei a cabeça envergonhada.

— Fazer o que, baby. Eu sou assim! – Brinquei, voltando os olhos para a estrada.

— Só dirija! – Retrucou ele. E ri novamente de seus esforços para não sorrir.

Depois de encontrarmos as benditas velas, Marcus e eu voltávamos para o carro, falando sobre qualquer coisa banal quando algo, ou melhor, alguém me chamou a atenção alguns metros a frente. Ao me dar conta de quem era suspirei pesarosa, já que o encontro parecia inevitável. A cara dela também não foi das melhores.

— Janice. – Cumprimentei-a, cordialmente. Na verdade eu não queria mesmo soar tão receptiva, mas acabou fluindo naturalmente. – Colocou um rastreador debaixo do meu carro?

A morena sorriu sarcástica.

— Acredite, garota, a última coisa que eu quero é ficar te encontrando por aí! E se eu tivesse que colocar alguma coisa debaixo do seu carro, não seria um rastreador.

“Sempre amistosa”

Percebi que seus olhos se demoraram em meu acompanhante, e este outro não escondeu certa animação ao fitar a pele morena parcialmente descoberta pela blusa justa da garota. Quando ela sorriu de maneira maníaca para mim, percebi que seu interesse não era exatamente em Marcus, mas sim no que eu estava fazendo com ele.

— E o Adam achando que você é a aurora divina. – Comentou ácida.

— Seu comentário é tão dispensável quanto a sua presença, Janice.

— Não se preocupe, fofinha. Eu não vou brigar com você aqui.

— Não sem armários por perto hã? – Acrescentei ironicamente.

Ela pareceu morder a língua e perguntei-me porquê diabos ela estava se controlando tanto, quando era óbvio que ela gostaria de não só “descer do salto”, mas também arremessá-lo bem na minha cara.

— Eu não preciso fazer nada. Você cairá do seu pedestal sozinha.

— Janice... – Falei, caminhando para perto da garota, que ficou rígida. – Você está na frente da minha porta!

Mostrei apontando o carro. A garota, irritada, se moveu para o lado, com um sorriso cínico disfarçando muito mal suas feições nada amigáveis. Abri a porta do carro e entrei, seguida por Marcus que deu a volta para sentar-se no banco do carona. Ele pareceu bastante entretido com nosso protótipo de discussão.

— É. Você sempre foi boa em fazer amizades. – Comentou o loiro divertido.

Rolei os olhos, sorrindo. Se havia alguma coisa que podia me salvar daquele momento desconfortável era, com certeza, a incrível habilidade de Marcus de fazer um comentário sarcástico em qualquer situação.

Quando retornamos, minha mãe acompanhava dois homens até a porta, e sorriu ao ver o pacote em minhas mãos.

— Conseguiu? – Pegou-o de mim e cheirou o conteúdo cuidadosamente. – São exatamente as que eu queria. Obrigada, querida.

Abri um meio sorriso, assentindo.

— Então, tudo pronto? – Perguntei, sentando no sofá ao lado de Marcus, que deitou a cabeça no meu colo.

Era tão difícil não me sentir como se estivesse ferindo a condição de Adam como meu namorado naquelas situações. Sei que não era nada demais, mas acho que, pela maneira como eu me sentia quando ele chegava perto assim, simplesmente não estava certo! Saí daquela posição, com a desculpa de pegar o cardápio do buffet em cima da mesa de centro, e então permaneci de pé. Marcus não deu a entender que percebera ou se incomodara com meu gesto, mas meu rosto ardia.

— Quase. Falta apenas que as flores que eu encomendei cheguem. E que aquela minha amiga artista plástica confirme presença. Ela disse que ficará na cidade por mais alguns dias, então, acho que ela vem. – Anne disse animada.

Ela não tinha muitas amigas, no geral, então acho que eu entendia toda aquela animação. Apesar de não parecer, minha mãe era uma pessoa bastante introvertida.

— Será que a comida será suficiente? – Perguntou, mais para si mesma. – Talvez venham pessoas além do esperado. Você convidou mais alguém?

— Não que eu me lembre. – Falei reflexiva.

Eu não havia convidado tantas pessoas. Além dos anteriormente convocados Marcus, Adam e Lucy, durante a semana eu também convidara Teri, Crystal, Lynn, Jason, Kyle, Dave, que ultimamente estava se esforçando mesmo para não ser um babaca, e até estendi o convite a Ryan, que ainda não me descia pela garganta, mas achei que devia passar uma borracha naquele mal estar, até porque Dave não tinha mais nenhum amigo realmente próximo na minha lista de convidados e eu não queria que ele se sentisse deslocado. Por fim, convidei Danny e até Hanna, já que esta jamais permitiria que o namorado fosse desacompanhado. Apesar de eu não ser exatamente uma fã dela, desde o incidente na casa de Crystal, ela e eu não tínhamos tido nenhum problema pessoal definido, então não vi um problema grande em convidá-la. Minha única preocupação com relação a isso ainda era Teri.

— Vou falar com Nancy. Ela está preparando petiscos surpresa. – Disse exultante, partindo na direção da cozinha.

Marcus levantou do sofá e caminhou na minha direção, parando um pouco mais próximo que o necessário.

— Posso ver? – Inquiriu-me, pegando o panfleto na minha mão.

Me afastar repentinamente não era uma opção já que a mesa de centro estava bem atrás de mim, e eu não queria cair sentada em cima dela. Então Marcus tirou os olhos do cardápio e os voltou para minha expressão exasperada.

— Sabe... Para uma garota comprometida, você parece muito nervosa quando eu me aproximo. – Expôs, com ares zombeteiros.

Bufei ultrajada.

— Você já parou para pensar que talvez você seja um pouco espaçoso? É natural eu ficar meio perturbada.

— Somos amigos, não? Por que você ficaria perturbada com um pouco de proximidade? Amigos podem se aproximar, e se abraçar... – Ditou, levando um de seus braços por cima dos meus ombros e segurando a parte de trás da minha nuca, prendendo-me em um súbito enlaço. – Sem que ninguém fique nervoso.

— Eu não fico nervosa! – Afirmei, sem me mover um centímetro sequer. – Você só é muito irritante ás vezes. – Acrescentei, saindo de seu abraço. Mas ele ainda continuava perto.

— Eu devo ser mesmo. – Disse irônico.

— Eu vou ligar para Lucy e checar se está tudo bem com a viagem! – Murmurei, livrando-me de todo o contado visual e abrindo passagem para seguir até escada e para cima.

Lucy e Marcus haviam interagido bem durante nossas conexões no computador. No começo eles se estranharam. E no meio. E até aquele momento na verdade. Mas eu tinha fé que aquilo mudaria quando se encontrassem pessoalmente. Ambos eram borboletas sociais, mas tinham uma imensa capacidade de serem cínicos e provocativos, então, ou aquelas seriam afinidades ou isso causaria uma rivalidade ímpar. Só me restava torcer pelo melhor cenário.

— Amanda? – Michael me chamou enquanto eu passava por ele.

— Sim? – Parei a sua frente.

— Agora que já está quase tudo pronto, acho que posso te contar o segredo que estou guardando. Sobre o verdadeiro motivo pelo qual sugeri esta recepção. – Franzi o cenho, confusa. Existia um verdadeiro motivo? Maligno talvez? – Hoje, exatamente, faz vinte anos que sua mãe e eu nos conhecemos.

— Mesmo? – Murmurei interessada.

— Ela sempre percebe quando preparo algo para nossos aniversários de casamento. Então pensei que esta fosse uma boa estratégia para surpreendê-la.

Quem estava surpresa era eu. Meu pai, um homem romântico?

— Então eu programei este jantar e pedi a você que convidasse os seus amigos, para que ela não desconfiasse. – Havia um pequeno sorriso em seus lábios enquanto ele falava, ele parecia muito apaixonado. – Quando for o momento oportuno irei anunciar a surpresa e dar-lhe isto... – Mostrou-me a pequena caixa de veludo preta que quando aberta revelava um lindo anel de ouro com um deslumbrante diamante cor-de-rosa. – O que você acha?

Eu não tinha nem palavras para aquele ato. Com aquilo, Michael devia concorrer a “marido do ano”.

— É lindíssimo! Com certeza, ela vai amar. – Falei sincera.

Michael sorriu amplamente.

— Quero que você esteja por perto quando tudo acontecer. Que ela possa te ver e recordar-se do dia em que nos apaixonamos e da nossa vida juntos.

Com os olhos embaçados, eu procurava de todas as maneiras não deixar que uma gota sequer de água escapasse deles. Todos os meus conceitos sobre Michael ser um homem irremediável e com o coração de pedra, morriam ali. Apenas assenti, discretamente emocionada.

— Eu agradeço, filha. Isso é realmente importante para mim.

Para mim também era importante. Saber que eu nunca fora um erro e que nascera do amor puro e verdadeiro entre meus pais era certamente muito bom. Me fazia acreditar, ou quase, que eles me amavam e que realmente não me trancaram naquele internato porque não me queriam por perto. Pela primeira vez em anos, eu senti aquele buraco no meu peito ser parcialmente coberto e a esperança de que ainda havia chance de tapá-lo por completo, talvez definitivamente.