Pretty

Recebendo o caos.


Já era perto das oito da noite e eu me encontrava sentada, com as mãos apoiando o meu queixo, bem no meio do closet, sem ter ideia do que realmente estava fazendo. Eu não queria parecer fútil nem nada, mas só conseguia olhar para os armários e prateleiras e pensar que não havia nada ali apropriado para a ocasião.

Até algumas horas atrás eu tinha uma ideia boa do que usar. Algo bonito, porém não muito elaborado. Mas agora que eu sabia que a nossa pequena recepção era um disfarce para uma festa de aniversário de casamento, com direito a uma declaração pública de amor e um anel majestoso, eu teria que me esforçar um pouco mais.

Girei a cabeça cerca de 90 graus, dando outra examinada nas muitas roupas organizadas em cabides e compartimentos separados. Algumas peças estavam fechadas em sacos especiais, que eu nunca sequer abri, então levantei-me e abri alguns dos zíperes, até encontrar um vestido azul que eu nunca vi antes. Talvez minha mãe o tivesse comprado, mas esquecido de me mostrar. Ela tinha esse costume. Decidi que seria ele e o restante da produção foi demasiado rápida. Complementei o visual com sapatos pretos de salto alto, uma maquiagem um pouco mais trabalhada nos olhos, e um conjunto de anel e brincos de diamantes. No espelho eu estava tal como queria, moderna e elegante. Conferi a produção uma última vez e caminhei para fora do quarto.

Enquanto seguia até as escadas percebi as várias vozes das pessoas conversando, e sim, eu sabia que estava atrasada, pois já há algum tempo ouvia a campainha tocando e os convidados sendo recebidos. Inevitavelmente imaginei a expressão de Adam encarando meus pais e franzi o cenho, rindo mentalmente desse pensamento.

Desci devagar os degraus de mármore, com medo de cair do salto e entrar no espaço “em grande estilo”, mas, apesar de tentar ser discreta, todas as cabeças acabaram se voltando para mim assim que cheguei a base das escadas.

Notei que realmente haviam mais pessoas do que nós esperávamos. Entre os meus amigos, os conhecidos da nossa família, e alguns rostos que eu desconhecia, mas que, pelos ternos sob medida, deviam ser parceiros de negócios de Michael, procurei algumas presenças em particular, encontrando-as com facilidade.

Minhas três garotas estavam em um canto mais afastado da ampla sala de estar e, felizmente, estavam todas tão arrumadas quanto eu, com vestidos bonitos e saltos altos. Marcus, lindo como um monumento a Apollo, estava no centro da sala, o que não era estranho já que era onde ele se encaixava melhor, no centro das atenções. E Adam, com sua calça de jeans escuro e camisa social branca, ainda parecia o mais destacado no ambiente. Sempre tão popular na escola, mas ali ganhava um semblante inocente sob o olhar julgador de todas aquelas pessoas cheias de pose. Incrível como ele conseguia alcançar o sublime e ao mesmo tempo ser só o meu garoto comum. Minha vontade era seguir direto para ele, mas com que cara eu olharia para os meus pais e diria: “Desculpe, mas os namorados primeiro!”?

Ignorei o impulso que ameaçava nos delatar e cumprimentei cordialmente Anne, Michael e Victor, e toda sua roda particular de executivos e amigos mais próximos. Alguns eu reconhecia das horríveis despedidas em Nova York e não necessitavam tanto da minha atenção, então segui pela sala falando com Kyle e sua super produzida acompanhante, Hanna, Dave e Ryan, com o qual troquei um breve olhar desconcertado, e por fim Jason e as meninas, dando-lhes um abraço. Danny e Adam logo se juntaram á nós.

Um dos braços de Adam se demorou em minhas costas, mas foram retirados de imediato quando Michael bateu sonoramente com um garfo em sua taça de champanhe, chamando a atenção de todos. Peguei uma pequena caixa de lenços de papel que havia colocado estrategicamente debaixo de um móvel mais cedo e a coloquei em cima da mesa de centro sem que ninguém percebesse. Logo ela seria útil.

— Eu peço a atenção de todos, por favor. Primeiramente, obrigada a todos por estarem aqui esta noite e espero que estejam desfrutando do que preparamos para vocês. Mas agora, para que esta noite esteja completa, há uma coisa que preciso fazer. Um segredo que preciso revelar. Anne, meu amor, pode vir aqui um instante? – Chamou ele a mulher que o observava com estranheza e curiosidade. – Amanda. – Chamou-me também e caminhei um tanto acanhada até onde estavam os dois, abrindo um meio sorriso para minha mãe. – Hoje é um dia muito importante na história desta família, pois nesta data completam-se vinte anos desde o dia em que vi, pela primeira vez, a mulher mais sensível e bonita que eu já tive a graça de conhecer.

Wow. John Lennon teria inveja dessa fala.

— Estive durante um longo tempo pensando em como poderia surpreender esta mulher, sempre esperta demais para não desconfiar de minhas tentativas de não parecer óbvio, e me ocorreu que era mais lógico comemorar o dia em que nos conhecemos, ao invés de comemorar o dia em que nos casamos, pois neste dia eu já a amava a muito tempo. – Ele continuou.

Ok, acho que preciso daqueles lenços.” – Pensei prendendo o choro eminente.

— Então... Feliz aniversário de amor a primeira vista, minha amada. – Concluiu Michael, tirando a caixinha de veludo do bolso interno do terno e a abrindo perante a mulher já em prantos.

Na verdade, acho que não havia nenhuma alma naquele recinto que não estivesse, no mínimo, com os olhos marejados. Eu mesma já não conseguia conter a emoção que me traia e me apressei em pegar a caixinha de lenços e esticá-los para minha mãe e todas as outras pessoas que tentavam afastar as lágrimas com as mãos e os dedos.

Depois que o anel foi colocado delicadamente no dedo de Anne, ela e Michael trocaram um beijo discreto e olharam um para o outro como se nada mais ao redor existisse. E antes que causassem um constrangimento geral com a áurea invisível que parecia circulá-los, ambos voltaram os olhos de maneira quase sincronizada para todos e, por fim, para mim, que assistia a cena sem saber exatamente como agir.

De repente algo não parecia certo com o meu corpo e a minha mente. Ao mesmo tempo em que tinha vontade de sorrir, também sentia uma grande ânsia de sair dali e me livrar do doloroso desencadeamento de lembranças que aquilo tudo me causava, pois eram lembranças de muita saudade e solidão.

Em um minuto as lágrimas de emoção se tornaram lágrimas de tristeza e revolta.

Por que vocês me privaram disso tudo?” – Pensei, saindo com passos rápidos pela porta da frente.

Eles com certeza se amavam muito, mas nunca passaram aquilo para mim. Um amor tão grande, mas que não conseguiu me alcançar. Infelizmente o amor vem em grande parte da convivência, e esta era uma coisa que eles não haviam se importado em ter comigo. Então aquele meu pequeno momento de simpatia com o conto-de-fadas criado por eles simplesmente se dissipou no ar. Como poeira no vento.

Escorei-me na parede do lado de fora da casa e apoiei as mãos nos joelhos tentando evitar o insistente choro que ameaçava sair do controle e me expor ao ridículo. Respirei fundo e fechei os olhos o mais forte que pude, focando em outras coisas menos desesperadoras.

— Ei. – Uma voz preocupada me chamou de perto. – Tudo bem?

Abri os olhos encarando o rosto aflito de Adam e um pensamento terrivelmente impulsivo se apoderou da minha mente e dos meus sentidos. Algo que ia contra todos os meus princípios, mas que naquele momento eu só pensava em levar adiante.

— Tudo. Vem comigo! – Agarrei-o pelo braço e levei-o comigo para dentro da casa.

Meus pais conversavam animadamente com seus convidados, e riam, como se nem tivessem percebido a minha saída brusca, o que só me motivou a prosseguir. Continuei arrastando Adam, agora pela mão entrelaçada na minha, até que estivéssemos dento do circulo de conversa, no qual Anne e Michael estavam como um rei e rainha. O casal me encarou como se eu fosse uma aparição saída repentinamente do nada.

— Oi. Como vai indo a noite? – Falei cínica.

— Amanda. Como está o ar lá fora? – Perguntou Michael, espelhando imediatamente o meu tom.

— Ótimo! Eu já apresentei para vocês o Adam? – Inquiri, trazendo o garoto atônito para o meu lado e passando meus braços ao redor de sua cintura.

Em outra ocasião aquilo me deixara eufórica, mas agora só me trazia uma imensa satisfação por ver minha ação gerar resultados.

— Ainda não. – Notei a acides na voz do homem que adotara uma expressão séria. – Esse rapaz por acaso é alguém especial?

“Aí está. A velha arrogância.”

— Para mim é muito especial sim. Como um namorado tem de ser para sua namorada! – Cuspi e quase gargalhei ao terminar a frase. Soara exatamente como eu queria.

Michael riu com escárnio, mas algo na posição desconfortável que Victor assumiu ao lado dele me dizia que ele não tinha nenhuma intenção de parecer engraçado. Mantive minha posição altiva, encarando-o com petulância, mas também dei graças aos céus que Lucy, por motivos desconhecidos, tinha cancelado a viagem mais cedo. Assim não teria que ver aquela versão penosa de mim.

— Não seja desagradável, Amanda. – Ele disse por fim, levando a taça de champanhe a boca e dando um gole generoso.

— Tem razão. Às vezes eu sou tão desagradável. O que os seus amigos vão pensar, não é? Que você é um homem falso e prepotente que finge ter a família perfeita, quando não consegue nem perceber que a sua única filha namora pelas suas costas! Mas eu não quero ser mais desagradável, então, com licença a todos. Estou me retirando. – Falei, voltando-me para o restante da sala, que observava tudo, em sua maioria, boquiaberta.

Engoli seco e apertei a mão de Adam, enquanto lançava um olhar significativo para Teri, Crystal e Lynn, que segurou a mão de Jason e seguiu para fora com as outras. Danny, Kyle e Hanna fizeram o mesmo e Dave e Ryan, que pareciam excepcionalmente tensos. Olhei uma ultima vez para os rostos na sala e me demorei mais atenciosamente em um.

— Me desculpe. – Pedi pesarosa a Marcus.

Meu amigo assentiu compassivo, mesmo cerrando o maxilar.

— Amanda, você não vai... – Michael tentou exaltado.

— Esse circo não é meu. – Falei, saindo com Adam em meus calcanhares.

Aquele realmente não era o meu circo. E eu não seria mais a palhaça de ninguém.

* * *

Olhei ao redor, vendo os olhares curiosos das pessoas para a nossa mês. Nós definitivamente estávamos arrumados demais para aquele lugar, mas a lanchonete no centro da cidade foi o primeiro lugar em que pensamos a fim de parar de rodar como malucos pelas ruas de Baton Rouge.

Agora, sentados junto a mesa redonda, cada um encarava a comida como achava conveniente, e àquela altura eu me sentia absolutamente miserável por arruinar a noite de todos. Teri sugava o milk-shake de morango do copo olhando para a tampa como se fosse muito interessante, Crystal brincava com as batatas fritas e eventualmente lançava olhares de cólera para Adam e eu, e Lynn e Jason estavam na mesa ao lado parecendo ligados demais um ao outro para se importarem com a nossa infortuna aura deprimida.

Kyle e Hanna decidiram ir direto para casa e Dave, Danny e Ryan haviam tomado seus próprios rumos depois de meu rompante. E confesso que achei ótimo, afinal, quanto menos gente presa nessa situação comigo, melhor. Pensei em Marcus diversas vezes desde que entrara no carro de Adam. Não acreditava que o havia deixado para os leões, mas com os ânimos exaltados daquela forma, tudo o que eu não precisava era que por algum motivo estúpido os dois se estranhassem novamente.

— Quer mais molho? – Perguntou Adam, oferecendo-me o pote alaranjado de molho para lanches. Olhei para o cheeseburger na minha frente, no qual mal havia tocado, e neguei com a cabeça.

— Vou ao banheiro. – Comuniquei, levantando-me sem pressa.

— Vou com você. – Teri disse, seguindo-me até a área dos toaletes femininos e masculinos que ficavam um ao lado do outro. Separados apenas por uma parede.

Eu sabia que ia levar um sermão, mais cedo ou mais tarde. E aquele parecia o momento perfeito.

— Eu entendo que você tenha dado uma pirada. Mas era mesmo necessário expor o namoro de vocês para todo mundo agora? Você sabe que isso vai trazer muitos problemas.

Apoiei-me na porta de uma das cabines do banheiro e suspirei levando uma mão á testa.

— Não sei o que deu em mim, Teri. Eu estava bem e, de repente, fiquei com tanta raiva. Mas eu definitivamente não devia ter usado Adam como uma droga de instrumento de vingança. Isso foi tão imaturo! – Confessei frustrada.

Teri riu abrindo a porta de saída e me dando passagem para passar.

— Acredite, eu entendo. Em matéria de imaturidade eu sou uma expert. Olha só para mim. Sou apaixonada pelo melhor amigo do meu irmão e, mesmo sabendo que a namorada dele o traiu com o meu primo, o vizinho, e sei lá quantos mais, simplesmente não posso dizer isso na cara dele. Às vezes, eu não sei se tenho mais pena do Kyle ou de mim mesma...

— O que foi que você disse? – Uma voz falhada vociferou, saindo de trás da parede que separava os banheiros.

Teri e eu tomamos um solavanco e ficamos paralisadas encarando a figura nervosa de Kyle.

— Kyle. O que você faz aqui? – Perguntei hesitante.

— Isso não importa! – Esbravejou o rapaz exaltado. – Eu ouvi o que você disse! Do que está falando?

— Eu... Eu não estava dizendo nada Kyle. Foi uma bobagem! – Teri disse tentando passar por ele, mas foi impedida pelas mãos do garoto que seguraram com firmeza as laterais de seus braços.

— Kyle! – Protestei, mas não podia me meter a menos que ele a estivesse machucando.

— Me fala, Teri. Isso é verdade? – Questiono-a com um tom de voz alto. Com certeza as pessoas no salão podiam ouvir claramente o que acontecia. – Fala! – Desta vez ele a chacoalhou e tive de me interpor, tentando tirá-lo de cima dela. Mas sozinha não dava para fazer muito.

— Kyle, solta ela! – Gritei nervosa, mas ele parecia nem me perceber.

— Fala Teri! – Vociferou ele novamente com mais fúria, assustando até mesmo a mim.

— É! – A menina gritou chorosa. Ela finalmente tinha chegado ao seu limite. – É verdade!

Kyle a soltou imediatamente, olhando-nos vidrado. Parecia não acreditar no que havia incessantemente pedido para ouvir.

— Ei! O que está havendo aqui? – Inquiriu Adam, colocando-se ao lado do loiro.

A expressão de Kyle ao ouvir a voz do outro foi a pior possível.

— Você sabia? – Questionou, encarando seu melhor amigo com desespero. – Você sabia disso tudo?

— O que? – Adam perguntou confuso. – Do que você está falando?

— Você sabia! Claro que sabia. Ela não ia esconder isso de você. Sabia que Hanna estava me fazendo de palhaço e não me disse nada!

A clareza tomou conta dos olhos de Adam e seus lábios tremularam com o impasse.

— Kyle... – Começou meu namorado, mas nem mesmo teve a chance de terminar.

— Caramba. Eu não acredito nisso! Sabe, Adam. Dave sempre diz que você nunca voltou a ser o cara de antes, depois das merdas que você fez, e eu sempre te defendi. Mas agora eu consigo entender. Você realmente continua sendo o mesmo idiota desgraçado! – Cuspiu ele dando meia volta.

— Não vai embora assim cara. Eu preciso... – Adam tentou pará-lo com uma mão em seu ombro, mas foi empurrado para longe com violência.

— Não encosta em mim. E não fale comigo como se fosse meu amigo. Eu não preciso de nenhum amigo duas caras como você!

Teri e eu ainda tentamos alcançar Kyle e impedir que ele saísse tão descontrolado, mas tudo o que conseguirmos foi irritá-lo mais. Ele partiu e, sem nada mais que nós pudéssemos fazer quanto a ele, voltei para perto dos banheiros e encontrei Adam recostado na parede e agachado com as mãos no rosto.

O que eu posso fazer?” – Pensei com um imenso sentimento de impotência.

Abaixei-me a seu lado e coloquei as mãos no alto de sua cabeça.

— Eu ferrei com tudo! – Proferiu ele, erguendo a cabeça. – Eu não queria que ele ficasse desse jeito e olha a droga que eu acabei fazendo.

— Cada um tem seu modo de entender as coisas. Uma hora ele vai ver que você fez isso porque considerou certo. E você tem que compreender também que ele vai precisar de um tempo. Ok?

Adam olhou para mim com aqueles olhos cristalinos que eu tanto amava e que agora eram pura aflição. Abracei-o e depositei um suave beijo em sua têmpora.

— Ei. – Chamei-o baixinho em seus ouvidos.

— O que? – Ele respondeu com a voz fraca.

— Você não é aquele cara. Porque esse cara de que tanto falam, e que eu nem cheguei a conhecer, não se importaria em magoar um amigo com uma coisa tão delicada. Você é um bom amigo, Adam. E é o amor da minha vida.

O garoto em meus braços levantou a cabeça para fitar meu rosto com atenção.

— E você é a melhor coisa que já me aconteceu.

Sorri, selando nossos lábios de maneira terna e suave. Com todas as discussões e brigas desgastantes daquela noite, eu ainda tinha forças para me levantar, literalmente, daquele lugar e prosseguir. Pois, ainda que estivéssemos perdendo pessoas todos os dias, Adam e eu havíamos ganhado um ao outro, e ter conhecido ele era um enorme presente. Um presente que eu guardaria por toda a vida, houvesse o que houvesse, perdêssemos o que perdêssemos.