Pretty

Surpresas que não acabam.


— Você vai tirar as suas mãos dela ou prefere que eu mesmo faça isso, garoto?

Meu pai disse, com um tom que eu não reconheci. Nunca o tinha ouvido falar daquele jeito com ninguém. E olha que eu pensei que ele já tinha usado todos os tipos de tons autoritários comigo.

Dave me soltou imediatamente. E abaixou os olhos. Caramba, Michael sabia mesmo meter medo. Victor apenas analisava os garotos com olhos de lince.

— Alguém vai me explicar o que está acontecendo aqui? – Michael perguntou, moderando o tom. – Amanda?

— Dave! – Adam apareceu, gritando pelo outro.

Agora ele aparece.” — Pensei.

Depois de um breve olhar geral, ele percebeu que algo estava errado.

— O técnico quer todo mundo no vestiário. Agora! — Falou firme.

Dave assentiu e, antes de ir ainda lançou um olhar para mim. Porém não compreendi o que significava. Será que ele tinha ficado bravo comigo, porque eu não escolhi um “lado”? Os seus seguranças ridículos também foram atrás dele, encarando Marcus uma última vez.

— Está tudo bem? – Adam perguntou desconfiado.

— Sim, Adam. Obrigada. – Respondi simples. Não queria envolve-lo também nessa situação.

Meu pai olhou fixamente para o garoto, quando eu disse o seu nome. Devia ser por causa da história do tour pela cidade, ainda. Adam cerrou os olhos, sem acreditar muito na minha resposta, mas, também intimidado pela presença de Michael, resolveu não perguntar mais e saiu. Trotando na direção dos vestiários.

— Não pense que você não vai ter que me explicar essa história direito. – Meu pai falou para mim.

— É tudo minha culpa, Sr. Rees. – Marcus se pronunciou. Colocando-se ao meu lado.

— Marcus, não é? – Inquiriu Michael.

— Sim. O senhor se lembra de mim? – Marcos perguntou. Estendendo a mão para cumprimentar o homem a sua frente.

— Sim rapaz. Como não iria lembrar, se as nossas famílias se conhecem a tanto tempo? – Meu pai respondeu, apertando sua mão com firmeza. – Infelizmente, em decorrência do destino e dos horários apertados, acabamos perdendo o contato. Como vão seus pais e seus avós?

— Todos muito bem. Meu pai está na Inglaterra, para a inauguração de uma nova filial em Londres.

— Bom ouvir isso. Que os negócios continuem prosperando. Agora que voltamos a restabelecer contato, estenda nosso convite para que venham conhecer a nova nova casa. Assim que possível.

— Tenho certeza de que eles apreciarão muito o convite senhor. – Marcus afirmou todo formal. Quase ri.

— Passe o telefone da secretária de seu pai para Amanda e tratarei de entrar pessoalmente em contato com ele. Agora vamos indo. – Disse Michael.

— Eu já estou indo. Vou me despedir de Marcus.

— Te aguardamos no carro. Não demore. Até logo rapaz. – Proferiu meu pai. Apertando mais uma vez a mão de Marcus.

— Até senhor. Foi um prazer revê-lo. – Marcus disse.

Michael acenou, já caminhando com Victor em seus calcanhares.

Quando eles se afastaram, ri como louca.

— O que foi isso? King Lear? – Zombei.

— Ele não é um colega da escola e eu tenho educação ok. – Ele tentou parecer sério, mas acabou rindo também. – Vai, me empresta o seu celular. – Franzi o cenho, mas entreguei o aparelho sem titubear. Ele teclou rapidamente e me devolveu. – Estão ai, os números da secretária pessoal do meu pai e do meu celular.

— Eu vou repassar para o Sr. Rees. – Falei sarcástica.

Ele sorriu com os olhos semicerrados. Então suspirou levantando os ombros.

— Foi ótimo te ver, Amanda. É sério. Não vamos perder contato de novo! Prometa que vai me atender quando eu ligar.

— Mas não tem o meu número.

— Eu já vi na sua agenda, e tenho ótima memória para números. Principalmente quando são importantes. Você vai me atender?

— Por que não atenderia?

Ele deu de ombros, sorrindo.

— E mais uma coisa. Cuidado com esse cara. O tal de Dave. Ele é maluco!

— Ele não é maluco. Só super-egocêntrico. – Falei.

— Acredite, eu reconheço um maluco quando vejo um. Vai por mim.

Sorri amarelo.

— Até breve, Mandy. Cuide-se bem até que nos vejamos de novo.

— Até breve, Marcus. E que seja logo! – Disse, por fim.

Ele me envolveu com outro abraço apertado e beijou minha bochecha. Aquele foi um fim terno para o meu reencontro com um bom e velho amigo. E... eu tinha que contar aquilo para Lucy!

* * *

Em casa, em chamada de vídeo com Lucy, lembrei-me de Teri e das outras. Elas haviam desaparecido e sequer viram a confusão no campo. Talvez Teri tivesse ficado tão irritada com o que Marcus disse, que tivessem tido que trancá-la no carro ou algo do tipo.

— Não acredito que nesse fim de mundo você foi se encontrar justo com o Marcus! – Lucy disse, perplexa.

— Eu sei. Foi tão engraçado. – Falei, colocando o cartão de memória na entrada do laptop. – E também muito bom vê-lo de novo. Ele continua o mesmo, mas, ao mesmo tempo, está tão diferente.

— Diferente é? – Ela perguntou, arqueando uma sobrancelha.

Tombei a cabeça para o lado, percebendo sua malicia.

— É. Está mais atlético, mais seguro, sei lá. – Balancei a cabeça, ruborizada.

— Como? Ele ficou gostoso?

— O que? – Arregalei os olhos. Ela estava passando muito tempo na internet. – Que jeito é esse de falar?

— Ficou ou não? – Disse, colocando um pirulito vermelho na boca. – Quer dizer, ele sempre foi bonitinho, mas nunca teve muita graça. Agora ele tem graça, então?

— Ok. Ele está bem bonito, sim. Mas não é só isso. – Admiti encabulada.

— Caramba. Isso é que é uma reviravolta. Ele podia matar a saudade dos outros amigos também.

— Vocês não eram amigos! Aliás, você achava ele insuportável. Lembra?

— Mas o mundo dá voltas, Amandinha. A menos que você esteja interessada. Você está?

Por que eu ainda dava ouvidos para essa maluca? Por que eu a amava, provavelmente. Mas minha vontade era socar ela pela tela do computador.

— Você é muito ridícula. – Falei, irritada.

— Que se dane. E que... música é essa? – Ela perguntou, aporrinhada.

A melodia clássica, de piano e violinos, já tocava há alguns minutos e só agora ela havia percebido.

— Música clássica. – Respondi altiva.

— Música clássica? Não sabia que você tinha uma "playlist" de música clássica. – Falou implicante.

— Como iria saber? Se você ignora tudo o que não se encaixa no seu gosto. Isso é ser mente fechada.

— Tá me acusando de te depreciar? Eu admiro os seus gostos. Mas isso não é seu. – Ela também sabia usar palavras difíceis quando queria. E realmente tinha acertado quanto a não ser meu.

— Esqueça isso. Não vamos discutir por causa de uma coisa que alguém me deu. Até porque, não foi alguém com quem eu esteja muito contente agora.

— Foi o gato mala, né? Ele fez alguma coisa?

— Causou o maior constrangimento no jogo, por nada. Ele é capitão do time da escola e Marcus e ele parecem ter uma rivalidade bastante estúpida. Mas estou começando a achar que o problema dele é com o mundo todo. Ele foi muito agressivo com Marcus, e comigo, e me deu medo de verdade hoje.

— Sério. – Lucy disse, ficando um pouco mais séria. – Acho que você está se envolvendo rápido de mais com essas pessoas. E não me leve a mal, não estou com ciúmes. – Explicou, sincera. – Só que você viveu praticamente trancada em um colégio interno quase a vida toda. Eu, melhor do que ninguém, entendo como isso pode nos tornar afoitas por emoções e experiências. Mas, você nunca teve um namorado sequer, Amanda, tirando uns beijinhos com um ou dois dos garotos menos tapados daqui. E agora, cada dia que passa você me conta uma história mais maluca sobre acidentes esquisitos, Adam, Dave e líderes de torcida malvadas. – Ela apontava criteriosa. – Talvez você só devesse apertar um pouco o freio. E procurar saber quem são de verdade as pessoas com as quais está convivendo.

Senti a verdade como se fosse um tapa na cara.

— Eu sei de tudo isso. E concordo. – Disse resignada. – Mas é que tudo é tão intimo com essa gente. Eles são tão espontâneos e calorosos. Bem diferente daí, onde as pessoas são sempre frias e polidas.

— Eu ainda estou aqui!

— Você sabe do que eu estou falando. Você é uma pequena excessão! – Reconheci. – Pela primeira vez na minha vida, eu sinto que não tem um plano traçado para mim. Posso ser o que eu quiser, e ser dona dos meus próprios problemas. – Dei de ombros. – Estou tentando me virar, Lucy.

A morena olhou-me através da lente da câmera. Mas senti como se olhasse diretamente nos meus olhos. Ela perdeu qualquer argumento.

— Espero que você me conte se houver qualquer coisa errada. Assim como se estiver tudo certo. Você tem boas amigas onde vive agora. Mas eu te conheço melhor do que qualquer um.

— Você é a minha irmã, Lucy. E sei que me conhece melhor do que eu mesma, às vezes. Eu sempre virei para você primeiro.

— Que bom que você sabe disso. – Ela disse, com falsa presunção.

Abaixei a cabeça pensativa.

— O que foi? - Indagou Lucy.

— Adam me convidou para ir ao lago no domingo. – Contei.

— Aquele lago? O que parece o jardim do paraíso?

— Você acha que eu não devo ir? – Perguntei hesitante.

Lucy rolou os olhos.

— Eu disse que você devia pisar um pouco no freio. Não que precisa deixar o carro morrer.

Sorri divertida. E então decidi que iria ao lago no fim de semana. Aproveitaria a boa fase com meus pais e pediria permissão durante o jantar. Eu tinha pelo menos cinquenta por cento de chance de sim. E cinquenta por cento de chance de nunca mais sair de casa também. Mas acho que valia a pena tentar.

E foi o que eu fiz, no jantar. Enrolei um tempo, com medo de outra discussão. Tomei um gole de suco de uva e falei, de uma vez por todas.

— Eu posso sair com os meus amigos no domingo? – Perguntei, olhando-os interrogativamente.

Tanto o meu pai quanto a minha mãe ergueram os olhos para mim e Michael soltou um longo e pesado suspiro.

— Amanda. – Começou sério. – Até agora esses seus tais amigos só tem te trazido problemas, e por consequência a nós também. - Assenti dura. Era melhor obedecer e ficar quieta no meu canto. – Mas, estamos dispostos a te dar um voto de confiança. E a esses seus novos amigos.

Fitei-o surpresa no bom sentido.

— Vocês me dão permissão?

— Damos. Com uma condição.

— Condição? Que condição? – Perguntei temerosa.

— Quero conhecer melhor os seus amigos. Assim como conhecia Lucy e seus outros colegas em Nova York. – Meu pai disse casual. – Por que não oferecemos uma pequena recepção para eles?

Estagnei boquiaberta. Eu realmente, realmente não conhecia meu pai. Desde quando ele era tão sociável? Tão magnânimo?

— Eu... – Michael encarou-me com expectativa. – Eu posso convidá-los, mas não posso garantir que aceitem o convite. Eles são adolescentes. E uma recepção não é bem o programa mais atrativo para um fim de semana.

— Não se preocupe, querida. – Minha mãe entrou na conversa. – Acho que ainda nos lembramos do que os jovens gostam. Já tivemos a sua idade antes.

E devem achar que ainda tem!

— Acabo de ter uma ideia. – Michael disse sorridente. – Por que não convida Lucy e Marcus também? Posso mandar o helicóptero trazê-los de Nova York e levá-los de volta ao termino do fim de semana.

É, nós tínhamos um helicóptero.

— Eu vou... – “Me matar.” – Falar com eles!

— Você tem duas semanas. – Ele avisou como se tivesse certeza absoluta de que todos viriam e tudo já estivesse planejado. – Amanhã tenho uma viagem bem cedo. Vou me deitar. – Comunicou, se levantando e limpando os cantos da boca com um guardanapo de pano. – Divirta-se com sabedoria no fim de semana, Amanda. E não faça com que eu me arrependa de te deixar fazer o que quer. – Ele sorriu amarelo e jogou o guardanapo na mesa.

E se ele estivesse planejando alguma coisa? Aquele não era o Michael que eu conhecia e ignorava. Aquele era o meu pai. De verdade. O pai de que eu me lembrava, mas que não via há muito tempo. Minha mãe só sorria inocentemente. Parecia uma criança, maravilhada com o que viu.

Aquela noite foi diferente. Eu me deitei, feliz.