Pretty

Lovers N Haters


Tive um sonho durante a madrugada daquele dia. Mas não um sonho comum. Mas como uma lembrança, perdida há muito tempo.

Nele eu vi a mim mesma, mas como se eu fosse a narradora de minha própria história. Eu caminhava por uma trilha de terra batida e, por um instante, pensei que fosse dar no estonteante lago de águas límpidas escondido em Baton. Mas quando cheguei ao fim da trilha, tudo o que vi foi um balanço. Velho e um pouco enferrujado. A tintura branca descascada deixou que uma lasca solitária se soltasse com o vento e se prendesse no tecido leve do vestido azul-marinho que eu vestia. Continuei fitando o balanço e me aproximei dele com passos curtos. Sentei-me, mas não me movi para balançar. Aquele era o balanço da casa do meu avô, Carl, ele o fez para meu pai, mas por algum tempo ele fora apenas meu.

Eu gostaria de tê-lo visto, meu avô, mas os sonhos não se podem controlar, e ao invés disso quem despontou da trilha foi meu pai. Era ele, mas com mais de dez anos a menos, ele sorria, tão serenamente, como se seu coração estivesse coberto de ternura. Ele caminhou com os pés descalços, e a camisa branca amarrotada, olhando para mim como há muito tempo não fazia, como olhava para a garotinha de anos atrás. Fitei meus pés na grama verde-esmeralda, e eles estavam menores e infantis, como todo o resto do meu corpo, então eu soube que era uma criança. Senti os cantos de meus lábios se repuxarem em um meio sorriso e voltei a olhar meu pai atrás de mim. Agora ele tinha um olhar firme e orgulhoso e pairava as mãos sobre as correias do balanço. Ele o puxou para trás, mas freei com os pés quando ele me empurrou, sem soltar as correntes. Fiquei com a cabeça baixa, e lágrimas começaram a sair de meus olhos. Meu pai não se moveu. Levantei e me voltei para ele, com angustia.

— Eu não quero crescer! É difícil demais. – Falei dolorosamente.

Michael sorriu amarelo.

— Mesmo crescendo, você continuará sendo meu único tesouro, minha única filha. Por você eu farei o que for possível e até mesmo o impossível. – Ele disse tranquilo. – Eu te amo nesse nível. Lembre-se disso. – Ele tocou meu rosto, e eu já não era mais a criança. – Não importa o quanto você cresça, eu te amarei por todos os dias e durante todas as horas.

— Eu te amarei mais papai. Eu juro!

Quando acordei, a lembrança ainda estava lá, no quarto, em toda a parte. Aquilo havia acontecido, de verdade? E meu subconsciente se aproveitara de minhas experiências, para me fazer recordar?

O céu azul de sábado fazia um par perfeito com o sol radiante que aqueceu minha pele quando abri as portas de vidro da sacada. A piscina parecia tão convidativa. Uma pena eu não poder entrar na água cheia de cloro. Pelo menos até tirar aquele curativo estúpido. Enquanto observava as árvores, ouvi meu celular tocar em cima da mesa de cabeceira. Dei passadas rápidas até ele e atendi alegre.

— Ei. – Saldei Marcus. – Não pensei que fosse ligar tão cedo.

— São quase onze horas. – Disse óbvio.

Ele não entendeu.

— Quis dizer que não pensei que fosse ligar tão rápido. – Esclareci rindo.

— Ah. – Ele riu também. – Te acordei? – Perguntou enfim, hesitante.

— Não. Como foi a viagem de volta?

— Um drama mexicano.

— Foi um bom jogo. – Consolei-o.

— Foi uma droga! Mas pelo menos para uma coisa boa ele serviu.

Caminhei até o banheiro e liguei a torneira da banheira.

— Hum. – Marcus grunhiu no telefone, como se achasse algo curioso.

— O que? – Estranhei.

— Nada. – Afirmou, mas ficou explicito em sua voz que ele estava mentindo.

— O que? – Insisti.

Ele ficou em silêncio por um segundo, e então cedeu.

— Você vai tomar banho?

O que?

Pensei e deduzi que ele ouvira o barulho das torneiras, mas para que mencionar?

— Eu vou. Por quê?

Marcus soltou um risinho burlesco, e eu franzi o cenho.

— Vou desligar na sua cara. – Adverti.

— Me desculpe. – Ele disse afoito. – Só acho que não devia ligar o chuveiro comigo no telefone.

— Por que não? – Perguntei confusa.

— Porque eu sou um cara e não tenho controle sobre meus pensamentos.

Não entendi de pronto, mas não demorei muito.

— Ai meu Deus! – Falei chocada, mas acabei rindo. – Agora vou mesmo desligar na sua cara.

— Não! – Ele pediu divertido. – Eu estou brincando.

— Você não está! – Afirmei.

— Tá, tá bom. Não mesmo! Mas vou tentar me controlar. Prometo!

Rolei os olhos.

— O que aconteceu com você, hein? Marcus Burke nunca foi um bom piadista. – Comentei.

E nem um descarado!

Ele riu novamente.

— Eu aprendi umas coisinhas. - Balancei a cabeça indignada, mas não conseguia esconder a graça que achava naquilo. – O que está fazendo? Além de estar de toalha…

— Não estou de toalha! – Falei ultrajada. – E não estou fazendo nada.

— O mesmo que eu. – Contou colérico. – Por que não vem até Nova York?

— Por que não vem até Baton Rouge? – Questionei-o impertinente.

— Porque eu não tenho um helicóptero.

Touché!

— Não é como pegar um ônibus. – Coloquei.

— E você já pegou um?

Na verdade, não.

— Isso não está em discussão.

— Ok. – Ele riu abafado. – De verdade, eu entendo que não possa vir assim. Mas eu gostaria muito de te ver de novo. Logo.

E eu tinha a ocasião perfeita. Ou não.

— Que tal daqui duas semanas?

— E por que exatamente daqui duas semanas? – Inquiriu-me curioso.

— Meus pais querem organizar uma recepção para uns amigos da escola. E disseram para eu convidar você e Lucy.

— Lucy? Aquela menina ainda está viva? – Disse zombeteiro.

— Bem viva. E adorou saber que você também está.

— É. Ela sempre me odiou. – Ele disse nostálgico.

Sorri com as poucas lembranças boas do internato.

— Então? Você vem?

— Não sei ainda. – Ele disse ponderando. – Mas você tem duas semanas para me convencer.

Alguém bateu na porta. E tapei o alto-falante do celular para responder

—Sim?

— Posso entrar? – Minha mãe perguntou do lado de fora.

— Eu preciso ir. – Voltei a Marcus.

— Tomar banho? – Brincou.

— Também. – Admiti.

—Certo. Vou refletir sobre isso.

—Marcus! – Censurei-o.

— Eu disse que iria tentar. – Ele disse com um tom despojado. – Até logo, Mandy.

— Até, Marcus. – Desliguei sorrindo.

Como era bom ter um amigo de volta. Tão mudado, para melhor.

— Amanda? – Minha mãe voltou a chamar.

— Entre!

Anne apareceu pela fresta da porta, mas não chegou a entrar totalmente.

— Tem uma visita para você lá embaixo. – Ela disse observando-me.

— Quem é?

— Disse que é um amigo da escola. – Ela falou com os olhos sempre inocentes.

Franzi o cenho.

Eu não esperava ninguém e, se fosse conhecido da minha mãe, ela diria. Então quem poderia ser? Pedi a Anne que dissesse a quem quer que fosse que eu já desceria. Assim que ela fechou a porta, tomei um banho de chuveiro mesmo, e me vesti. Desci as escadas, cautelosa. Ouvindo as vozes de minha mãe e de outro alguém, que perguntava pela minha demora. Dos últimos degraus pude ver perfeitamente o cabelo liso e loiro, na altura dos ombros largos do rapaz. Fiquei imediatamente intrigada.

— Ryan? – O chamei cheia de dúvida.

Ele se virou para mim e sorriu amarelo.

— Oi, Amanda.

Minha mãe juntou as mãos e sorriu sem graça.

— Eu vou deixá-los a sós. Com licença. – Ela disse, desaparecendo da sala.

Ryan sorriu embaraçado, e ficou olhando em volta. Eu já estava impaciente.

— Então? O que você veio fazer aqui? – Perguntei.

— Vim falar com você. – Afirmou com tom brando.

—Sei. – Murmurei. – Sobre o quê?

— Sobre o Dave!

Eu hein.

— Ryan... – Comecei, acima de tudo surpresa. – Eu não sei porque você acha que tem que falar comigo sobre o Dave, mas...

— Ele gosta de você, Amanda! – O loiro falou “na lata”. – Ele está mesmo apaixonado!

— Como? – Pedi confusa.

— Desde que você chegou, ele não para de falar em você. O tempo todo. – Ryan disse um pouco exasperado. – Sou o melhor amigo de dele desde criança. E não quero ver ele se ferrando de novo. Dave já sofreu bastante por causa do Adam e da Janice. E só eu sei, como ele ficou com isso. Então te aconselho a tomar muito cuidado. Não quero que as coisas voltem a se repetir.

Não sabia bem o que ele queria dizer com aquilo, e nem porque ele teve que ir até ali para fazer isso, mas não estava disposta a escutar mais uma palavra sequer.

— Ouça, Ryan. Eu já percebi que existe um tipo de interesse de Dave por mim. Mas, me desculpe dizer isso, não acho mesmo que você tenha o dever ou o direito de vir a minha casa me incomodar com isso. Eu não tenho e nem nunca tive nenhum interesse romântico nele. Principalmente depois de ontem. Então, se você veio aqui com a intenção de ajudar. Da próxima vez em que o seu amigo falar qualquer coisa sobre mim, é melhor você o desencorajar. Tudo bem?

— Eu adoraria. Mas você já está nisso, mais do que pensa. – Ele disse, cerrando a mandíbula. – Eu só vim te alertar. E peço, inclusive, pra que você não fale nada disso pra ele. Eu já vou indo.

Cruzei os braços e o encarei firme. Acompanhando-o com os olhos, enquanto ele fazia o caminho até a porta da frente e saia. Respirei fundo e vi minha mãe vir do escritório.

— Seu amigo já foi? – Ela perguntou olhando para os lados.

Assenti simplesmente.

"Outro membro para o clube dos “Haters da Amanda”. Que maravilha."