Pretty

Round One.


Elétrica. Essa era a palavra que, mais ou menos, me definia hoje. Até a escolha da roupa e me aprontar haviam parecido tarefas muito mais minuciosas naquela manhã.

Por mais que eu tentasse negar, a euforia e a sensação de planar, eu estava sim querendo impressionar alguém, e esse alguém era Adam Lokewood. Nosso tempo juntos foi reprisado por mim, em minha mente, tantas vezes que se aqueles pensamentos fossem fitas cassete elas já estariam totalmente gastas. Eu só sabia que estava ansiosa para revê-lo e para poder falar com ele.

Contenha-se, Amanda! Lembre-se dos freios.

Pensei, enquanto passava pelas portas principais do prédio escolar, reprimindo a vontade de procurar a figura do rapaz alto por entre as demais pessoas.

— Ei, novata! – Crystal me cumprimentou, andando comigo no extenso corredor de salas.

— Parece que vou ser sempre a garota nova. Certo?

Ela riu, irônica.

— Não para sempre. Mas o colegial é basicamente como um circo. Você é só a atração mais recente.

Ri um pouco sem graça.

— Como Janice já foi. Não é? – Deixei que o pensamento saísse, seco.

— Como Janice. Como Hanna. Como eu. – Ela disse.

Olhei-a surpresa.

— Como você? – Inquiri.

A loira riu, outra vez com sarcasmo.

— Um dia eu te conto a historinha da minha vida. – Ela falou, pegando um livro na bolsa. – Aposto que vai te surpreender.

Sorri, meio divertida, meio confusa.

Quis perguntar sobre o acontecido com Lynn no dia anterior, e se tinham feito as pazes, mas quando pensei nisso, ela já se despedia, partindo para sua primeira aula. Tratei de passar então nos armários para pegar um livro de espanhol e, ao fechar a pequena porta vermelha, dei de cara com o moreno corpulento, encarando-me fixamente. Na hora, senti minha alma se despregar do corpo.

— Dave. Que susto! – Exclamei, recuperando-me com um uma respiração profunda.

— Desculpe. Posso falar com você?

— Já está falando. – Indiquei ríspida.

O rapaz assumiu uma postura tão rígida que poderia ser facilmente confundido com um poste.

— Por que você e Ryan ficaram se olhando daquele jeito ontem? No lago.

Porque ele é um idiota!” – Pensei, recostando-me nos armários.

— Você deveria perguntar isso para ele, Dave. - Retruquei.

Sem tirar os olhos de mim, ele inspirou com força o ar para seus pulmões.

— Por que não é sincera comigo? – Exigiu um pouco rude.

Encarei-o irritada.

— Porque não preciso fazer isso. Eu não devo explicações a ninguém. Muito menos a você!

Dave assentiu, resignado. Agora acho que havia sido suficientemente clara.

— Por que você me trata assim? – Disse ele, com magoa nos olhos. – Desde que você chegou, tudo o que eu fiz foi tentar ser seu amigo!

— Nada do que eu vi de você até agora me fez querer ser sua amiga, Dave. De verdade. Você me pressiona, me intimida, e, honestamente, às vezes até me assusta. – Falei obstinada.

O garoto pareceu bastante surpreso e agitado com o minha opinião sobre ele.

— Eu nunca tive a intenção de fazer qualquer uma dessas coisas. Eu só queria me aproximar de você. Mas você não dá uma brecha sequer pra ninguém que não seja da panelinha do Adam. Só você não enxerga o tamanho da hipocrisia deles.

— Hipocrisia? Por quê? Por que não te querem mais com eles? – Indaguei exaltada. – Eu achei que isso se tratava só de uma briga idiota por causa de uma garota. Mas agora estou começando a entender que você talvez tenha feito por merecer.

A expressão dele no mesmo instante se tornou irritada. Eu podia ver que ele estava tentando controlar a raiva.

— Você está mesmo tão iludida que não consegue enxergar um palmo na sua frente. Eles não te contaram nada! Mas talvez não tenha que ser eu a te mostrar o quanto você está errada. Uma hora você vai ver.

— Amanda! – Adam me chamou de trás de Dave, que não fez a menor questão de se virar e apenas partiu na direção oposta, deixando espaço para que o outro rapaz se aproximasse, inquieto.

— O que ele disse? – Perguntou ele, com um franzir de cenho.

— O mesmo de sempre. Que eu não devia confiar em você.

Adam suspirou, visivelmente irritado e receoso.

— Você confia em mim? – Ele perguntou, segurando minhas mãos.

Pensei por um curto momento e então fitei profundamente seus olhos.

— É claro que eu confio. – Afirmei, apertando minhas mãos nas suas.

Ele sorriu exultante.

— Então isso é o que realmente importa.

Sorri para ele de volta e ficamos nos encarando por alguns segundos, antes que o nosso momento fosse brutalmente interrompido pelos, surpreendentemente fortes, braços de Janice, que bateu com toda força a minha cabeça no armário ao lado. Eu fui nocauteada sem nenhum aviso prévio e senti-me imediatamente zonza, só consegui ver Adam se colocar na minha frente para segurar os pulsos da morena enfurecida.

— Eu te avisei, sua vaca! – Ela vociferou para mim que, neste momento, estava caída e desmantelada no chão.

— Você ficou louca? – Adam gritou irado com a garota.

— Me solta! – Ouvi-a espernear.

Um pouco recuperada da tontura causada pelo impacto, avistei Kyle correndo na nossa direção como um raio e segurando aquela fera pela cintura. Hanna estava bem atrás dele com uma expressão incógnita na face.

Isso só pode ser um pesadelo!” – Pensei aturdida.

Senti mãos macias e um pouco frias tocando meu braço esquerdo e me virei para o olhar exasperado de Lynn. De repente Teri também apareceu, jogando a mochila quase em cima de nós.

— Maluca dos infernos! Agora você passou dos limites! – Ela esbravejou indo para cima de Janice, que ainda brigava para sair do aperto de Kyle.

A intenção dela foi claramente de acertar um belo tapa na garota, mas com a agitação e a interferência de Kyle, que jogou Janice para o lado, a pequena, porém certeira, mão de Teri estalou em cheio no rosto inocente do loiro, que cambaleou, mas de forma alguma soltou a outra. Adam se moveu para segurar a irmã, que não desistia da missão de agarrar os cabelos negros da oponente, e Lynn finalmente conseguiu me levantar, gritando para todos que parassem com aquilo. Mas infelizmente, já era tarde demais.

— Jovens! – Uma voz de trovão ecoou pelo corredor, chegando até nós como uma trombeta do apocalipse. – Pelo o amor de todos os deuses! O que está acontecendo aqui?

Completa e instantaneamente recuperada da tontura olhei, assim como todos na briga e também a maioria dos outros alunos no corredor, para o homem alto, de paletó cáqui, óculos quadrados e cabelos castanhos penteados para trás, que encarava a cena com total desgosto.

— Todos vocês. – Apontou o diretor para nós. – Me acompanhem. Agora mesmo!

Claro isso, ele se virou e andou com os mãos nos quadris e a cabeça baixa, na direção de sua sala. Kyle soltou Janice que olhou de forma lúgubre para Hanna.

— Não tenho nada a ver com isso. – Disse a loira, com as mãos para cima.

Irada, Janice se virou e saiu batendo os saltos no chão laminado, enquanto o resto de nós a seguia quase em fila indiana. E, já amontoados, na sala do “não mais tão simpático” diretor Quentin. O homem apenas se sentou e nos encarou estarrecido.

Janice sentou-se majestosamente em uma das duas cadeiras na frente do diretor, e eu tremula fui obrigada por Lynn a me sentar na outra, ao lado da maluca.

— Primeiramente... – O diretor começou, apoiando os cotovelos na mesa e juntando as mãos perto dos lábios. – Por acaso, algum de vocês, ou todos no caso, viu na entrada deste prédio alguma faixa escrita “campeonato de luta livre”?

Abaixei a cabeça extremamente envergonhada. E Janice fez o mesmo, aproveitando para olhar o esmalte nas unhas e depois roê-lo. Pelo menos ela também estava nervosa.

— Tudo bem. – Quentin suspirou. – Lokewood 1 e 2. Por que eu não estou surpreso em ver vocês dois envolvidos nisso? E você, Srta. Sullivan. Nunca foi uma aluna exemplar, mas violência física? – Indagou, sacudindo de forma negativa a cabeça. – Agora será que alguém pode me explicar a razão para o que eu acabo de presenciar?

— Foi essa louca! – Teri falou alto, apontando o dedo indicador para Janice.

Olhei para o lado e vi que a garota de pernas cruzadas tirava algo do canto dos olhos com a ponta dos dedos. Percebi com espanto que eram lágrimas que ela limpava com a máxima discrição. Estreitei as sobrancelhas.

— Janice? – O diretor pediu impaciente.

Ela olhou para o chão e permaneceu calada.

— Foi... – Comecei hesitante. – Um mal-entendido.

Janice encarou-me surpresa, e imaginei que todos atrás de mim deviam estar com a mesma expressão.

— Mal-entendido? – O diretor inquiriu-me desconfiado.

— Janice pensou que eu tinha pego algo que era dela e Teri quis me defender. – Contei pequenos fragmentos da briga. – Mas acho que ela entende agora. – Olhei significativa para ela. – Que não foi nada disso. Não é, Janice?

Ela continuou me encarando por um instante, mas sacou que era sua única alternativa, e assentiu concordando. O diretor Quentin me olhou fixamente e então para Janice.

— Tudo bem. Mas se mais algum “mal-entendido” acontecer, entre qualquer um de vocês, vou ter que contatar os seus pais. E farei com que passem a maior vergonha de suas vidas. Entenderam? – Ele falou com um tom esgotado. – Agora vão para as suas salas e estudem, pelo amor de deus.

Adam abriu a porta e saiu incomodado. Depois os outros, e Janice e eu. Quando fechei a porta atrás de mim, ela parou e se voltou para mim. Seus olhos eram como mármore frio.

— Não pense que eu vou te agradecer. E se não se afastar dele, vai ficar muito pior! – Ela disse, outra vez quase me acertando com as longas mechas de cabelo ao sair.

Balancei a cabeça achando graça. Até onde ia o apego dela por Adam? E, falando nele, porque ele tinha ficado tão irritado e desaparecido sem falar comigo?

Será que eu havia feito outra idiotice? Estava ficando tão boa naquilo ultimamente. Que saco!