Pretty

Romeu & Julieta.


Outra vez, Adam pulava o muro dos fundos da minha casa, só que com muito mais agilidade que da última vez. Acho que ele estava ficando bom nisso. Pena que aquela seria a última vez.

Eu havia decidido dar-lhe um “ultimato” depois de uma conversa que tive com Teri na escola. Uma conversa na qual ela comentou que a mãe estava muito preocupada com as saídas noturnas do filho, e que já estava imaginando todo o tipo de drama, como uso de drogas e rachas.

Eu não fiquei exatamente extasiada ao saber que Adam andara metido com corridas de carro clandestinas, pouco mais de um ano antes e que esta era uma das coisas que ele havia escolhido me esconder.

O rapaz alcançou o solo com um salto e eu apenas dei risada de seu jeito descoordenado de se levantar, abraçando-o quando ele andou ofegante até mim. As árvores do pequeno bosque nos encobriam totalmente e, por sorte, ter uma visão dali de dentro da casa era basicamente impossível.

— Não ria! Sabe como é difícil pular esse muro tão alto? – Reclamou ele, respirando no meu cabelo.

— Então devia parar de fazer isso. – Comecei, usando um tom entre o sério e o divertido. – Se contarmos a verdade, não vamos mais precisar nos encontrarmos assim!

Ele se afastou olhando para o alto.

— Talvez não. Mas a possibilidade de sim também existe. – Disse.

— Por quê? – Perguntei confusa.

— Você acha que os seus pais vão concordar? O seu pai com certeza já não vai com a minha cara.

Estreitei as sobrancelhas.

— Isso é irrelevante. – Coloquei. – Meu pai não gosta de ninguém que não seja ele mesmo. Isso não é desculpa.

— Não, não é. – Falou, cortando-me. – Escuta. Eu sei que isso está te incomodando. Esse negócio de namoro secreto é mesmo um saco. Acredite, a mim também não agrada em nada. Mas... – Ele pausou, respirando fundo. – Eu quero começar isso do melhor jeito possível. Sem confusões e brigas. Mas para isso preciso eu resolver algumas coisas, com Teri, com Dave, e principalmente com Janice.

— O que a Janice tem a ver com isso? – Perguntei um tanto áspera.

— Ela tem muito a ver com grande parte do que eu tenho que te contar. Ela fez parte de uma época difícil do meu passado, Amanda. E para conseguir ter um futuro em paz, com você, preciso que ela entenda que é isso que ela é, parte do passado, junto com todas as outras coisas que me faziam mal. – Seu tom era cuidadoso, mas muito, muito claro.

— Está omitindo coisas importantes sobre você e me escondendo de todo mundo, para não magoá-la? É isso? – Inquiri-o exasperada.

Nunca na vida havia sentido ciúmes. Mas agora entendia que era um sentimento mesmo muito corrosivo.

— Em parte, sim. Me desculpe, mas realmente tenho que ser sincero com você. – Seus olhos marejados, acabaram por não me comover muito. Maldito ciúme. – Mas não quero que pense em coisas erradas, Amanda. A única garota por quem eu estou apaixonado é você! E meu assunto com Janice não tem nada a ver com isso!

Não sabia o que pensar. O que ele queria que eu pensasse sobre isso? Ele estava admitindo que tinha "assuntos" com Janice e que, por isso, não me assumia como sua namorada. Argh!

"Espera. Ele disse “apaixonado”?"

Olhei-o fixamente, buscando qualquer resquício de mentira ou arrependimento, mas não encontrei nada de nenhum deles.

— Você disse que está... apaixonado? – Perguntei.

O garoto sorriu da maneira mais boba e desconcertada que já vi e coçou, sem graça, os cabelos.

— Você já devia saber disso. – Pontuou.

Caminhei devagar até ele e toquei seu rosto com a ponta dos meus dedos.

— Você não está me enrolando, está? – Questionei-o cismada.

Sua negativa era quase descrente quando ele colocou sua mão sobre a minha e contra sua face, e olhou no fundo de minhas íris.

— Tudo o que eu estou fazendo é porque quero estar com você. Da maneira mais limpa e sincera possível.

Desisti de tentar decodificar suas entrelinhas. Eu havia entrado de cabeça nesse romance, e agora precisava me submeter a ele, e ver até onde conseguia chegar.

— Eu não sei porquê estou sendo tão compreensiva e tolerante com essa situação. Mas é isso o que o meu coração está me mandando fazer. Então vou esperar pelo seu tempo, Adam.

O garoto fitou-me, parecendo surpreso e me abraçou fortemente, como se eu fosse seu salva-vidas de qualquer tragédia. Ficamos nesse abraço por algum tempo e em seguida este foi substituído por um logo beijo reconciliador. Eu sei que estava sendo muito paciente, mas uma das premissas do amor não é esta? A paciência? E se era verdade que “tudo está bem, quando acaba bem”, então...

— Você vai a casa de Crystal amanhã? – Adam perguntou, balançando minhas mãos de um lado para o outro.

— Vou! Ela me intimou. – Sorri.

— Pode me ajudar a pensar em um presente? Não sei o que dar para uma amiga de tantos anos.

— Não devia ser eu a te pedir isso? – Zombei. – Você a conhece há muito mais tempo! Eu é que não sei bem o que dar. Do que ela realmente gosta?

— Crystal é uma pessoa bastante fácil de agradar. Não se preocupe. – Ele deu de ombros. – Vou caçar alguma coisa amanhã de manhã. Mas quero ver você depois, antes da festa. O que acha?

— Eu adoraria, mas não sei se vai dar tempo. Tenho que comprar um presente para Crystal e me arrumar. Isso pode demorar.

Adam rolou os olhos, com os lábios voltados para baixo.

— Mulheres são tão exigentes com preparação! Por que não vai de jeans e camiseta? Fica linda de qualquer jeito.

— Isso foi muito gentil, obrigada. Mas quem sou eu para ser diferente de todas as mulheres do mundo, não é?

— Certo. – Cedeu. – Então nos veremos na festa.

— Exato. Agora... – Disse, beijando-o brevemente. – Você tem que ir!

Adam estreitou as sobrancelhas e olhou para o chão.

— Não quer que eu fique? Ficou brava com algo que eu disse?

— Eu fiquei “brava” com muitas das coisas que você disse. Mas já passou. Então não é por isso que quero que você vá. – Falei, apoiando minhas mãos em seu peito, oferecendo-me para que ele me abraçasse, e ele o fez sem delongas. – Teri disse que sua mãe anda preocupada com o que você faz tarde da noite na rua. Algo a ver com corridas de carro.

Ele riu com escárnio.

— Ela te falou dos rachas?

— Não muito. Devo ficar preocupada?

— Essa é uma das coisas que eu disse que me faziam mal. E que eu deixei no passado. Nós fazemos coisas realmente estúpidas quando estamos confusos. – Ele concluiu, meio aéreo. – Melhor eu ir. Para o colo da minha mãe.

Gargalhei e me rendi a despedida, selando nossos lábios uma última vez. Não me cansava daquela desenvoltura, daquele calor e do magnetismo daquele corpo.

Infelizmente essa mesma desenvoltura acabou lhe faltando na hora de pular de volta o muro e, como resultado, Adam acabou caindo ruidosamente do outro lado.

"Ai, caramba!"

Levei as mãos a boca e corri para a base do muro que possuía uma pequena fresta aberta.

— Adam? – Chamei, preocupada. – Tudo bem?

— Sim! – Afirmou ele, entre um resmungo e outro de dor. – Não quebrei nada.

Sorri. Agora que sabia que ele estava bem, podia achar graça.

— Bom. Agora vá!

— Eu já vou, Julieta! – Falou debochado. – Vou antes que os lacaios de seu pai venham ao meu encontro.

— Romeu não era um covarde. – Adverti-o no mesmo tom.

— Sinto muito, minha doce dama. Mas justo hoje, minha espada está para polir.

Prendi a vontade de rir.

— Saia daqui, seu Romeu de áraque! – Ordenei.

— Até amanhã, meu amor.

Meu coração saltitou com aquelas palavras finais. “Meu amor”. E não havia nenhum tom de brincadeira em sua voz. Corri para dentro da casa, com as mãos no peito, para impedir que meu coração se movesse para fora, como parecia querer fazer. Deitei-me com um largo sorriso, e fechei os olhos para pensar, na festa. Eu ansiava por ela, para poder vê-lo de novo.

A festa seria em comemoração ao aniversário de dezoito anos de Crystal, e ela deixara expresso que se qualquer uma de nós faltasse, o próximo evento no nosso calendário seria um funeral. Eu certamente não faltaria, afinal, era um dia muito especial para Crystal e só uma pessoa no mundo estaria mais feliz com aquela festa do que ela mesma. Teri! Que mal podia esperar pela nova oportunidade de um encontro casual e nada intencional com Kyle, que, por razões óbvias, estaria desacompanhado.

Uma reunião entre amigos era tudo o que eu precisava agora, assim eu também teria a chance de convidá-los finalmente para a minha recepção. Bem, para o evento na minha casa. Era ridículo, mas eu tinha que admitir que estava torcendo para que ninguém aceitasse, assim meus pais desistiriam dessa ideia maluca de conhecerem melhor e de se aproximarem dos meus amigos.

O fantasma do sono já rondava ansioso o quarto, a fim de me capturar com suas garras negras, então era hora de apagar a luz sutil do abajur e desistir da luta contra aquele aliado. Feliz me despedia daquele dia e, mais feliz, esperava pelo proximo, caminhando contente e tranquila para a escuridão da inconsciência.