Pretty

A casa de cristal.


Os raios de sol entravam esplendorosos pela janela semiaberta do quarto, aquecendo com gentileza a minha face, enquanto a leve brisa da manhã alcançava minhas narinas e finalmente me acordava. Bocejei e me espreguicei com toda a vontade, abraçando-me ao travesseiro branco e felpudo. Sorrir para aquela manhã não foi difícil. Levantei-me, pondo primeiro o pé direito no chão, e imediatamente me sentindo uma boba. Quem precisava de superstição, quando eu me sentia-me ótima, feliz, e nem mesmo uma espinha na ponta do nariz seria capaz de estragar aquele dia.

Fui direto para o banheiro, escovar os dentes e tomar um banho, e escolhi uma roupa fresca para ir até o shopping. A verdade é que eu podia simplesmente pegar um dos sapatos no estoque de coisas novas que eu nunca sequer usara, mas Crystal merecia bem mais do que a minha preguiça de procurar um presente decente para ela. Quando desci as escadas meu celular tocou, com a música alegre que eu colocara como toque específico para aquele contato. Atendi animada.

— Bom dia, “Chuva de Verão”. – Cumprimentei Marcus, com o apelido hippie que tinha escolhido para ele.

— Bom dia, “Raio de Sol”. – É, esse era o meu.

— Sabe? Acho que “Raio de Sol” é meio cafona. – Critiquei zombeteira.

— Se preferir posso mudar para “Cabra Alegre”. – Ele retrucou.

— “Raio de Sol” é perfeito! – Ironizei.

— Foi o que eu pensei. – Vangloriou-se. – Já tomou banho?

— Não começa. – Pedi, com um arrastar de palavras.

— Só ia perguntar se lavou bem os ouvidos.

Rolei os olhos, prendendo o riso.

— Sim. Por quê?

— Para ouvir direito o que eu tenho para dizer.

— Que seria…? – Perguntei pretensiosa.

— Os meus pais vão para a Grécia, amanhã. Uma décima lua de mel, acho. E eles disseram que eu posso tirar um tempo e viajar também. Para onde eu quiser… – Ele pareceu querer deixar algo significativo no ar.

De repente tive um estalo mental.

— Aí meu deus! Você vem para cá? – Indaguei exasperada.

Ele suspirou e riu de maneira descontraída.

— Que bom que ficou animada. Porque vou ficar na sua casa.

— Como assim? – Perguntei confusa.

— Nossos pais se falaram e o Sr. Rees me convidou. Então serei seu hóspede por uma semana. Inteirinha!

Não soube que reação esboçar. Estava alegre, claro. Mas também, um pouco incerta. Marcus na minha casa? Por uma semana?

Não seja ridícula, Amanda. Vocês são amigos de infância!

— Isso é incrível, sério! Fico muito feliz. – Falei, controlando a euforia na minha voz.

— Fica mesmo? – Ele perguntou, desconfiado. – Não parece muito.

Estanquei no jardim da frente. Como explicar que eu não podia sair dando pulinhos por aí porque meu melhor amigo de infância, antes calado e nerd e agora atlético e extremamente charmoso, ia dormir no quarto ao lado? Afinal, eu tinha um namorado que odiava até a menção ao seu nome.

— Eu estou! De verdade. – Afirmei. – Mas já pensou como vai ser. Nós dois dividindo o mesmo teto de novo?

Lembrei-me perfeitamente dos anos no colégio interno. Como tínhamos dificuldades de encontrar coisas que nos divertissem. Era como se aquela sensação fosse ressurgir de novo do fundo de um baú empoeirado e cheio de sentimentos reprimidos. Não sabia como seria conviver com Marcus sem a rotina e a intimidade que costumávamos ter. Agora as coisas eram diferentes. Não éramos mais crianças.

— É só você não tentar entrar no meu quarto durante a noite e ficará tudo bem. – Ele disse insinuante.

— Acho mais fácil você fazer isso! – Retruquei, me arrependendo imediatamente pela ousadia.

— Também acho. – Ele devolveu.

Tinha alguma coisa na voz dele que fazia minha garganta secar e certa ansiedade se apoderar do meu corpo. Não sei se era algo atrativo, só sei que era basicamente impossível não ter uma reação.

— Você é tão... – Comecei atordoada.

— Sexy? Incrível? – Ele disse presunçoso.

Ele era muitas coisas. Inclusive as listadas.

Adam” – O nome soava, incandescente, na minha cabeça. Como uma placa de advertência.

— Vou desligar, Marcus! Preciso dirigir.

Ele bufou.

— Pelo menos vai me buscar no aeroporto? Ou vou ter que pedir carona para algum caminhoneiro?

— À que horas? – Perguntei, abrindo a porta do automóvel e me sentando confortavelmente no banco de couro.

— Às dez! – Disse contrariado. – Serei o bonitão de Nova York.

— Está mais para o metido de Nova York!

— Já me chamaram de coisa pior. Te vejo amanhã, Mandy.

— Te vejo amanhã, Marcus. – Despedi-me, dando a partida no carro.

Voltando ao meu objetivo primordial daquele dia, a festa de Crystal.

* * *

Encontrar um presente para a aniversariante não foi tão difícil. Foi como olhar para a bolsa vermelha e reluzente na vitrine e ela simplesmente me chamar. Como os sapatinhos de rubi da Dorothy, sem a parte da bruxa má do oeste.

Mas em contrapartida, penei bastante para escolher uma roupa para àquela ocasião. Experimentei vestidos curtos, e até longos, com babados, decotes, e brilho, mas no fim Adam tinha inconscientemente ganhado e acabei optando por uma versão um pouco mais elaborada do casual “jeans e camiseta”, combinados com uma jaqueta cara, uma maquiagem leve e cabelo solto.

Terminei de me arrumar bem em cima da hora e me apressei, pegando minha bolsa e a caixa de presente perfeitamente embrulhada. No fim das escadas, voltei a me deparar com meus pais na sala, fazendo aparentemente nada juntos. Não senti nenhuma vontade de ser ríspida com eles. Estávamos em uma vibe boa por esses dias e eu não estava realmente a fim de acabar com isso.

— Boa noite. – Os cumprimentei, examinando suas expressões.

Minha mãe sorriu escancaradamente, já meu pai se limitou a um aceno com as sobrancelhas.

— Boa noite, amor. – Anne disse, se mexendo no sofá. – Seu pai e eu estávamos, justamente, conversando sobre a recepção da semana que vem.

— Mesmo? – Perguntei, realmente interessada. Afinal, eles estavam fazendo absoluto segredo sobre os aprontes para a tal recepção.

Sentei-me devagar no braço de uma poltrona branca, ficando de frente para ambos.

— E como vão indo com isso? – Perguntei.

— Ás mil maravilhas. Na verdade, só precisamos que nos passe os nomes das pessoas que confirmam presença.

"Oh-ow!"

— Eu não sei ainda. Até agora só comentei sobre com algumas poucas pessoas. – Michael olhou-me com um certo desgostoso.

— Mas as que faltam serão convidadas hoje mesmo.

Ele relaxou. Que bom.

— Sendo assim... – Ele disse, encerrando a pauta. – Suponho que já saiba que Marcus vai passar uns dias aqui conosco.

— Sim. Ele me disse.

— Ótimo. Eu gosto desse rapaz. – “Michael dizendo que gosta de alguém?” – E da família dele. São pessoas de bem. Pelo que me lembro, Marcus era um jovem bastante promissor. Quero saber se continua assim…

Por que toda essa puxação de saco agora?

— Está querendo dizer o que exatamente? – Questionei-o impaciente.

— Seria bom se você mantivesse as amizades que tinha antes. E, talvez, considerasse uma relação mais estreita com esse rapaz.

— Como é? – Inquiri.

Isso era um pouco demais.

— Querida. Ele é um garoto muito bonito e vocês se dão muito bem. Não está certo? – Minha mãe começou animada.

— Eu vou sair! – Levantei-me do sofá irada. – Antes que vocês comecem a planejar um casamento arranjado.

— Amanda! Não é isso. – Anne começou exasperada. Mas não dei mais um minuto sequer para aquelas bobagens.

Passei pela porta, andando velozmente até o carro e irrompi pela estrada até a casa de Crystal.

— Ei! – Ouvi Teri, assim que estacionei. A garota estava protestando enquanto um garoto a erguia do chão. – Adam! Seu amigo bombado cabeça-oca está me molestando!

— Danny. Coloca ela no chão! – Adam, meu Adam, saiu da casa de fachada elegante, trajando uma calça jeans, regata branca e uma camisa azul escura como sobreposição. Não consegui imaginar como ele conseguiria ficar mais bonito.

Saí do carro, agarrada ao pacote envolto por papel de presente prata e laminado, e sorri para as pessoas reunidas na frente da residência, que não eram muitas, apenas Teri e Adam, Danny - o garoto que erguia a morena irritada e que eu conhecia pouco, mas era amigo de Adam e também pertencia ao time -, Jason e uma garota de pele achocolatada e cabelos negros que eu nunca vira, mas ela parecia ter uns quatorze anos.

— Droga, garoto. Me coloca no chão! Adam! – Teri falava, batendo nos ombros rapaz.

Seu apelo foi ignorado pelo irmão que, ao me ver, escondeu um sorriso atrás do copo que levou aos lábios. “Lábios... que sois a porta do paraíso.” Danny soltou Teri abruptamente quando eu passava por eles, quase a atirando contra mim. Pulei para o lado, ao mesmo tempo que Adam se moveu para a frente para me puxar, mas eu apenas ri do desastre e o refreei com um aceno de mãos.

— Você é mesmo meu irmão? – Teri inquiriu o outro com indignação.

— O que? – Ele perguntou com cinismo. – Eu fiz tudo o que podia.

Ela olhou-o com escárnio e pegou a minha mão.

— Estava te esperando! Vamos ver a Crystal. – Falou ela, encarando a minha caixa pouco chamativa. – O que é isso? Uma maquina de lavar?

Rolei os olhos, entrando na casa com ela. Eu já estivera ali uns dias atrás, mas agora a espaçosa sala parecia muito diferente, com os móveis redistribuídos para ampliar ainda mais o espaço. Uma grande mesa sustentava diversos aperitivos e bebidas sem álcool e Crystal vinha caminhando sobre seus saltos pretos, com uma bandeja cheia de mais comida e Lynn em seus calcanhares, com uma tigela de vidro cheia de coloridos docinhos. A loira bem produzida era a única de vestido entre nós, um vestido vermelho com um considerável decote frontal, bem diferente dos que habitualmente usava. Acho que ela queria mesmo impressionar.

— Ei. – Ela sorriu para mim deixando a bandeja na mesa com as muitas outras.

— Você convidou toda a torcida dos Lakers ou o que? – Indaguei, encarando a mesa lotada.

— Antes sobrar do que faltar. – Ela disse, dando de ombros. – Isso é para mim?

Seus olhinhos brilharam para o pacote. Ou seria só a luz batendo no papel espelhado e refletindo em suas íris esverdeadas? Que seja.

— Espero que goste! – Expressei, passando-lhe o pacote.

Ela o alcançou sem cerimonia e abriu, rasgando completamente o embrulho.

— Ai meu deus! – Exclamou. – Eu adorei. É maravilhosa! E combina perfeitamente com a blusa que Lynn me deu. E com os brincos de Teri. – Crystal cerrou os olhos, desconfiada. – Vocês combinaram?

— Não. – Disse Lynn.

— Olha só que interessantes. Já estamos conectadas. – Teri falou indiferente.

Algo nos olhos de Crystal me chamou a atenção. Ela pareceu, de repente, inquieta.

— Vou guardar isso no quarto. E depois vamos dançar! – A aniversariante avisou, requebrando os quadris na direção das escadas.

— Viram o Jason? – Perguntou Lynn, pegando um copo de refrigerante na mesa.

— Está lá fora. – Teri informou-a sem ânimo. – Vigiando a pirralha canadense.

Lynn suspirou e saiu pela porta em busca de seu, agora oficial, namorado.

— Jason está de babá da prima que veio do Canadá. – A garota comentou, quando a outra se foi.

— E você? Não parece muito animada. – Explanei.

Teri bufou e cruzou os braços na frente do corpo.

— Sei lá. Estive pensando sobre o que você disse na festa na casa de Kyle. Que ele e eu, talvez, só não sejamos para ser.

Fitei-a com atenção e cortou-me o coração assistir sua expressão desolada.

— Acho que eu já pensava assim há um tempo e por isso me lembro disso dentre tantas outras coisas que esqueci. Talvez eu esteja, mesmo, desperdiçando meu tempo com alguém que nunca vai ser meu.

Dei de ombros, segurando suas mãos.

Nada que eu dissesse a faria se sentir muito melhor do que estava naquele momento. Eu não podia encorajá-la, mas também não conseguia lhe aconselhar a desistir. Acho que no amor existem certas coisas que devemos viver para aprender. E a desilusão é uma delas.

Dentro de meia hora mais ou menos dali a maioria dos convidados, entre amigos e familiares desajustados, haviam chegado. E a música alta já me deixava maluca. Então saí de perto das garotas, que dançavam como crianças, e me dirigi ao gramado da frente. O ar fresco chegou rápido as minhas narinas e finalmente me trouxe a sensação de alivio que eu estava buscando. Andei pela calçada alguns metros até o carro e vasculhei minha bolsa no banco do passageiro. Queria o meu celular, mas o que consegui na verdade foi somente ser flagrada em uma posição constrangedora.

— Quer ajuda? – Perguntou uma voz masculina atrás de mim.

Sorri, reconhecendo-a imediatamente.

— Tudo bem. Eu posso fazer isso. Só preciso lembrar onde estão minhas mãos e meus pés.

— Eu posso te ajudar. – Insistiu o rapaz, agora pegando meus quadris para me puxar para cima.

Aí já era pedir demais do meu recato.

— No que exatamente você poderia me ajudar?

— Você pede e eu faço.

Mordi involuntariamente o lábio inferior, olhando para a porta fechada da casa.

— Me beije! – Pedi, inclinando-me na ponta dos pés para ele.

Adam olhou de relance para a porta e sorriu instigado. Sua boca foi intensa a procura da minha, mas não o senti relaxar completamente. Ele, com certeza, estava preparado para me soltar e fingir que nada estava acontecendo ali. Suas mãos nos meus quadris faziam-me balançar de um lado para o outro, como se estivéssemos dançando uma melodia lenta e envolvente. Seria ótimo se aquele momento nunca acabasse. Mas, em um instante, acabou.

— Eu sabia! – Gritou alguém de um canto desconhecido. Adam e eu nos separamos no mesmo instante, olhando para o lado oposto ao da casa, onde Janice nos encarava com um misto de mágoa e ódio que chegava a desfigurar suas bonitas feições.

Hanna, ou Xena, a princesa guerreira, sem se importar muito com o confronto pessoal da amiga, atravessou o jardim até a porta da residência de Crystal, abrindo-a como se fosse sua própria casa.

— Janice. – Adam começou, em um tom de advertência, mas também de clamor.

— Cala a boca, Adam! – Ela gritou histérica, me assustando. Acho que eu nunca tinha visto alguém tão nervoso.

— Eu não sei o que está havendo aqui. Mas isso não é assunto meu! – Falei aborrecida, partindo na direção da casa. Mas não consegui chegar nem na metade do caminho. Janice andou atrás de mim e agarrou violentamente meu braço, fazendo-me parar e ficar de frente para ela.

— Agora é! Agora o assunto é seu também! – Ela esbraveou, com lágrimas nos olhos.

Olhei para Adam e ele parecia não saber o que fazer, mas era possível ver que suas mãos tremiam e seu rosto ficara um ou dois tons mais pálido. Os gritos ensandecidos da morena, ou os de Hanna, que saía da casa com Kyle em seus calcanhares, atraíram um grupo bastante específico de pessoas para o lado de fora e logo eu podia ver Crystal, Teri, Lynn, Danny, Dave e Ryan que chegaram há pouco, e Jason e a prima, que parecia um membro desacoplado de seu corpo. Todos eles estavam agitados com a briga entre Kyle e Hanna, mas o foco imediatamente mudou, quando viram a cena que se desenrolava ali.

— Que bom que está todo mundo aqui. Parece até um flashback, não é mesmo? – A morena ironizou, cruzando os braços e mudando a perna de apoio.

Todos, com exceção de Jason, a prima e eu, se entreolharam com expressões dos mais variados tipos.

— Está dando outro ataque, Janice? – Cuspiu Teri irritada.

— Fica na sua, Teri! Você é a pior de todas! De todas vocês, você era minha amiga, e não pensou duas vezes em me virar as costas! E tudo por causa de um erro idiota.

Franzi o cenho.

Amiga?

— Você sabe muito bem que não foi assim!

— Não foi? Tudo não foi por culpa do seu irmão?

— Janice! – Adam gritou.

— O que foi, Adam? Não quer que a sua namoradinha saiba o que você fez comigo? – Inquiriu-o, olhando-me com escárnio.

— Janice, para de ser maluca. Eles não tem nada! E nem vocês! Não seja ridícula. – Crystal proferiu nervosa.

Claro, estávamos estragando a sua festa.

— Então o beijo apaixonado que eu acabei de ver entre esses dois foi só um carinho entre amigos?

Encolhi-me quando todas as cabeças se voltaram para mim.

— Adam... – Teri começou incrédula.

— Mas sabe de uma coisa? Acho que é o meu dever fazer uma boa ação, e te advertir garotinha.

— Janice, por favor. – Adam pediu suplicante.

— Eu te avisei, Adam! Pedi para não brincar comigo. Eu não estou nem aí para o pacto estúpido que vocês fizeram e não preciso de ninguém que defenda a minha honra. Eu só precisei de você, e você me manipulou, até conseguir o que você queria. Só para depois contar para todo mundo e reclamar vitória na maldita aposta entre vocês dois! – Narrou ela, apontando para Adam e Dave, que olhava tudo com a mandíbula cerrada.

Minha respiração acelerou e senti como se pudesse sair correndo por muitos quilômetros, sem parar. Mas Janice ainda não havia acabado.

— É isso, Amanda. O nosso príncipe encantado, não é tão perfeito assim! Ele é o tipo de pessoa que pressiona uma garota para transar com ele e depois vai correndo contar para uma sala cheia de gente, enquanto a garota ainda está se vestindo no quarto acima!

Olhei chocada para Adam, que encarava o chão com o semblante destruído.

— Janice, chega. Vamos embora! – Hanna disse, com impressionante frieza.

— Agora cabe a você julgar. – Ela falou, para mim, antes de partir com a loira para um conversível preto estacionado do outro lado da rua.

— Amanda... – Adam começou, andando na minha direção. Mas dei um passo atrás, aturdida.

— Dá um tempo, Adam! – Teri se colocou entre nós e agradeci mentalmente por isso. Não queria ouvi-lo agora. – Eu te avisei tantas vezes...

— Teri você sabe! – Ele começou afoito.

— Eu sei, irmão! Mas agora não. – Ela falou com firmeza. – Vem, vamos sair daqui! – Teri disse para mim.

— O Canadá é muito chato perto disso. – Ouvi soar a voz da menina desconhecida.

Jason empurrou de leve a prima linguaruda para dentro da casa e eu deixei que Teri me guiasse até o carro e que se sentasse no banco do motorista. Eu não podia dirigir com os olhos trêmulos e embaçados como estavam. No caminho, me senti ansiosa. Não conseguia avaliar a situação, nem organizar os fatos, tinha ficado tudo muito confuso na minha cabeça.

— Teri. Pare o carro. – Falei, olhando fixamente para a frente.

A garota titubeou em um primeiro instante, mas logo parou o carro ao lado da guia, perto de uma praça vazia. Saí com uma sensação de sufocamento e me sentei no banco com a respiração irregular.

Eu não posso ter uma porcaria de festa normal?” – Pensei, apoiando a cabeça nas mãos.

Teri se sentou ao meu lado no banco, mas tive vergonha de encará-la.

— Eu sabia que isso em algum momento aconteceria. Mas é pior do que eu pensava, porque eu tentei me convencer de que estava enganada sobre vocês dois.

Levantei a cabeça olhando-a com confusão.

— Você sabia?

Teri deu de ombros, pensativa.

— Eu desconfiava. Mas digamos que eu torcesse para que não fosse verdade. Até joguei umas indiretas sobre a “vagabunda” com quem ele andava saindo, para ver se você se manifestava. Mas você é bem controlada, admito.

— Tudo o que ela disse é verdade? Ele realmente fez aquilo? Ele… estava fazendo isso comigo também? – Doía muito desconfiar de que podia ter sido enganada, como Janice.

— Desta vez, acho que o único erro do meu irmão foi não te contar nada sobre isso e deixar que você descobrisse assim. – Ela abaixou a cabeça e encarou o nada por um instante. – Lembra quando eu mencionei uns rachas dos quais ele costumava participar? – Assenti e ela continuou. – Mais ou menos nessa época os nossos pais se separaram, e meu pai sumiu no mundo. – Ela contou com a voz embargada.

Eu já sabia que os pais deles eram separados e que ambos não viam o pai há algum tempo, mas eles nunca falavam muito sobre o assunto, pelo menos não comigo.

— Nós dois sofremos muito com isso, mas principalmente o Adam, porque ele sempre pensou que nosso pai fosse perfeito. – Ela prosseguiu. – Foi como se ele tivesse construído uma estátua de bronze dele e, de repente, percebido que essa estatua não passava de areia. Depois disso ele teve uma fase bem complicada, não ligava mais para os sentimentos de si próprio, e muito menos para os dos outros. Acho que ele só queria aliviar o sofrimento e a raiva que sentia, e então veio Janice... Ela era muito diferente quando chegou na escola, era alegre, divertida, compenetrada e todos a adoravam. Inclusive Adam. E Dave. Esses dois sempre foram os melhores amigos do mundo, mas também muito competitivos. Como ambos se interessaram pela mesma garota, decidiram resolver isso como dois moleques idiotas, com uma aposta. – Ela sorriu com escárnio, balançando a cabeça negativamente. – Quem conseguisse levá-la para a cama primeiro, podia ficar com ela.

Eu não podia acreditar no que estava ouvindo. Quem eram aquelas pessoas das quais Teri estava falando? Que eu absolutamente não reconhecia.

— Os dois se empenharam em conquistá-la e ganhar a aposta, mas ela era uma garota bastante moralista na época, por isso não era fácil. Custava muito tempo e esforço, e Dave acabou se apaixonando de verdade por Janice, e ela por Adam, mesmo desconfiando de que algo não estava certo. – Franzi o cenho. – Dave queria acabar com a aposta e que Adam desistisse de Janice, mas, apesar de ter dito que faria isso, ele não fez. E uma noite, em uma reunião na casa do Kyle, Adam ficou bêbado e convenceu Janice de que ela tinha que provar que gostava dele de verdade, e ela cedeu. Mas o pior foi que, depois de ter conseguiu o que queria, ele deixou ela no quarto e foi esfregar na cara de Dave que tinha vencido. – Minha expressão devia estar horrorizada. – Quando ele não acreditou, Adam perguntou a Janice, que descia as escadas, na frente de todo mundo, se não era verdade o que tinham acabado de fazer e ela desabou quando entendeu tudo. Tudo ficou muito diferente depois disso.

— E por que ela disse aquilo sobre você tê-la abandonado depois disso?

Teri suspirou frustrada.

— Não foi exatamente assim. E muito menos por isso. – Falou nostálgica. – Depois daquela noite, Adam entendeu que havia ido longe demais, que aquele não era ele, e se arrependeu de verdade. Ele pediu desculpas a Janice e nos fez jurar que o que aconteceu entre eles seria um segredo, pois não queria que ela se sentisse envergonhada. Mas aí ela começou a se comportar de maneira estranha, fria e indiferente, como se nada tivesse acontecido, e nos tratava mal se tentássemos conversar com ela sobre o que houve. Ela só sabia andar colada no Adam o tempo todo, como se fosse a sua sombra, tentando convencer todo mundo de que eles estavam apaixonados ou algo do tipo. Ela realmente virou outra pessoa e virou uma perseguidora, por isso, não conseguimos manter nossa amizade.

— Isso é muito maluco. Teri, o que garante que ele não estava tentando fazer o mesmo comigo? – Falei com a voz embargada.

— Com esse histórico, qualquer um poderia dizer: “Talvez, não sei.” Mas eu convivo com ele, Amanda. Todos os dias. E, sempre soube o que ele pensava, mesmo quando não estava pensando direito. Acho que é coisa de gêmeos. Mesmo agora, quando ele se esforçou tanto para esconder a relação de vocês, eu sabia pelo menos que ele estava gostando de alguém! – Afirmou ela, inclinando a cabeça. – Adam fez uma coisa muito estúpida e magoou pessoas. Mas está longe de ser essa pessoa que Janice e Dave pintam por ainda estarem magoados. O que eu posso te dizer é que ele é um cara que teve um momento difícil, em que não conseguiu medir a consequência de seus atos, mas que realmente aprendeu com os erros. E se eu não tivesse certeza disso, eu mesma te diria. Pelo bem dele, e pelo seu.

Puxei profundamente o ar para meus pulmões e interceptei com os dedos algumas lágrimas que se precipitavam de meus olhos.

— Se confia tanto nele, por que era tão contra ele e eu termos algo? – Perguntei confusa.

— Porque, até agora, ele ainda estava preso nessa história e na culpa que ainda sente. Ele quer muito seguir em frente, mas ainda fica tentando remediar o que fez de um monte de maneiras diferentes e isso afetaria qualquer relacionamento que ele quisesse ter. Como está afetando agora. Eu vi como vocês se olharam desde o primeiro dia e acabei lembrando do passado. Não queria perder outra amiga e nem que mais ninguém se magoasse.

— Acho que infelizmente não tinha como evitar. – Falei, pragmática. – Eu estou muito confusa.

— Eu sei. Mas estou pondo a minha mão no fogo pelo meu irmão. Atestando que ele é exatamente o que você viu até agora e que ele gosta mesmo de você. Se tiver que condená-lo, terá que ser pelos erros que ele cometeu no passado, antes de vocês se conhecerem. Mas, seja lá o que você decidir sobre isso, eu sei que ele vai entender e respeitar.

Teri e eu nos encaramos por um instante e logo levantamos, sobressaltadas, vendo os faróis luminosos de um carro se aproximarem pela rua. O carro parou mais a frente da praça e dele saiu Adam, com olhar receoso.

— Eu estava procurando vocês. – Ele disse, encarando-me fixamente.

— O “eu” de “vocês” vai esperar no carro. – A garota falou, pegando as chaves do irmão que lhe entregou sem pestanejar. Antes de sair Teri me deu uma olhada significativa e foi para o carro.

Fiquei parada, como um monólito, olhando inquieta para o chão e então para as casas em volta. Mas no momento em que meus olhos pousaram na expressão angustiada do garoto, não pude mais levar meus olhos para longe dele, mesmo com o misto de sentimentos que me assolavam.

Mas eu sabia o que tinha que fazer.

— Só me ouça... – Ele pediu com suplica.

— Não! – Falei decidida. – Quem vai ter que me ouvir é você!

Agora não tinha mais volta.

Acabe logo com isso, Amanda!