Pretty

Quando o amor acaba.


TRÊS MESES DEPOIS...

Retirei a chave do contato e permaneci sentada no banco do carro, observando a casa com atenção. Parecia tão quieta com as cortinas fechadas. Está certo que Adam devia estar sozinho, já que a mãe estava na cidade vizinha resolvendo assuntos pessoais, e Teri me ligara a pouco dizendo que estava fora com Crystal, mas toda aquela quietude era, no mínimo, bastante estranha.

Logo desconfiei de que algo me aguardava dentro da casa. Talvez Adam estivesse querendo dar um toque de suspense sobre meu presente de aniversário, que na realidade era só dali a dois dias, mas como aquele era o fim de semana mais próximo da data ele cuidara para que tivéssemos esse momento juntos. Então íamos ao cinema e depois jantar. Ainda que aquele tipo de programa careta não fosse bem a cara dele, estávamos juntos, como namorados oficialmente, há alguns meses e eu havia aprendido que Adam podia ser bastante imprevisível quando queria.

Agarrei o casaco que trouxera para o caso de esfriar e saí do automóvel, fechando a porta e passando as mãos levemente trêmulas pelo tecido leve do meu vestido cor de vinho. Logo um misto de nervosismo e ansiedade se apoderou de meu corpo, levando minha boca a ficar um tanto mais seca. Fazia algum tempo que Adam e eu não ficávamos a sós, já que, depois de minha precipitação em gritar aos sete ventos sobre nosso namoro, a situação havia ficado um tanto quanto difícil.

Nossos encontros agora eram na maioria públicos ou na minha casa, e meu pai, apesar de ter aceitado nossa condição após muitas brigas, nos mantinha em um régia bem curta, deixando sempre claro que não estava realmente satisfeito com aquela relação. Claro, eu havia matado o sonho dele de me casar com Marcus para que fôssemos felizes para sempre sendo clones perfeitos dele e da minha mãe. Marcus estava longe de ser como ele, mas em sua cabeça irrealista, ele era o mais próximo do padrão que ele gostaria.

Atravessei o curto gramado da frente até alcançar a maçaneta da porta e girá-la. Adam disse que eu podia entrar se ele não estivesse me esperando do lado de fora, então o fiz, entrando na sala, que com as cortinas fechadas era um vácuo com completa ausência de luz. Tentei me encontrar em meio a escuridão, mas nem conseguia lembrar a onde ficava o interruptor e tive medo de esbarrar nas coisas.

— Adam? – Chamei o garoto, olhando para tudo o que não conseguia ver. Quando ele não apareceu, continuei parada, esperando, até que mãos repentinamente surgiram detrás de mim, enlaçando minha cintura. Senti-me com as pernas bambas e soltei um grito de susto.

— Oi. – Disse Adam rindo baixinho.

Recompus-me e tateei seus braços a fim de encará-lo, ainda sem conseguir enxergar um palmo a minha frente. Felizmente ele decidiu parar com a tortura e acendeu o interruptor que, muito convenientemente agora que eu não precisava mais dele, se encontrava a menos de um metro de nós. Quando finalmente pude vê-lo cerrei os olhos, fuzilando-o.

— Isso foi muita maldade. Você me assustou! – Reclamei, cruzando os braços na frente do corpo. – Por que diabos fez isso?

— Desculpe. – Ele sorriu, desarmando-me por inteiro. – Não podia estragar a surpresa. – Falou, indicando com a cabeça um ponto por cima dos meus ombros.

Virei-me automaticamente e o que vi foi um grande “Feliz Aniversário” estampado em uma faixa que era mantida no ar por Danny e Jason, e nas mãos de Teri um enfeitado cupcake com uma velinha branca e acesa. O quadro era completado por Lynn e Crystal nos lados que lhes cabiam. Levei as mãos a boca, realmente surpreendida. Eu esperava por algo assim nos próximos dias, mas não naquele momento.

— Surpresa! – Eles disseram em coro.

— Acho que não vamos mais ao cinema, não é mesmo? – Perguntei retoricamente divertida.

Adam, com o braço em torno de mim, depositou um beijo no alto de minha cabeça e então se aproximou para um em meus lábios, mas uma atrapalhada Crystal se enfiou no meio de nós, puxando-me para perto do bolinho.

— Hora de fazer um pedido. – Cantarolou ela, colocando-me de frente para Teri.

Sorri para a morena, que por sua vez me mostrou a língua. Ela não ia querer ser a sentimental do grupo, ia?

Desde que Kyle cortara, incisivamente, relações com ela e o irmão, Teri havia se esforçado para não transparecer o que sentia. Todos sabíamos o quanto aquilo a magoava, mas não ousávamos questioná-la para não piorar a situação. Então pensei que aquele devia ser o meu pedido. Que conseguíssemos passar por todos os obstáculos, juntos. Apaguei a vela e tirei um pedaço do bolinho com os dedos, colocando-o na boca enquanto todos faziam o mesmo.

— Obrigada mesmo. Á todos! Vocês são incríveis! – Agradeci emocionada.

— Você tem mesmo os melhores amigos do mundo hã... – Disse Danny, jogando um braço em meus ombros e ri com ele. Nos últimos tempos eu havia aprendido a gostar do jeito destrambelhado e extrovertido daquele garoto, e ele conseguiu se firmar como uma parte do nosso curioso grupo. Uma parte grande e desastrada.

— E a barreira dos amigos é bem aqui! – Adam disse, apontando para as próprias vistas e tirando o braço do garoto de cima de mim.

Rolei os olhos para o gesto. Adam demonstrava a cada dia que não era bem um mestre em esconder o ciúme, mas, pelo menos, ele se tornara bom em controlá-lo.

— Escuta. Por que não vamos todos para casa trocar de roupa e nos encontramos na Peper's Pie? – Propôs Lynn.

Nossa lanchonete preferida nunca mais fora a mesma desde a confusão com Kyle. Mas nós continuávamos a escolhendo como ponto de encontro. Acho que para fingir que estava tudo bem.

— Certo. – Falei meio avoada. – Também vou passar em casa para vestir outra coisa e avisar meus pais. Encontro com vocês lá!

— Eu vou com você. Assim podemos ir juntos de lá. – Adam sugeriu, dando de ombros.

Assenti, segurando sua mão como de costume, e o acompanhei para fora da casa e até o carro. Lhe passei as chaves para que dirigisse e ele abriu a porta do carona para mim, prosseguindo em seguida para o acento do motorista e dando a partida.

— Eu já disse como estou apaixonado por você? – Ele falou, enquanto viajávamos de volta para a minha casa, tirando brevemente os olhos da estrada para olhar para mim. Sorri com a declaração.

— Algumas vezes. – Falei com falsa presunção. – Está quase me convencendo.

— Sério? Acho que tenho que me esforçar mais então. O que acha? – Desdenhou colocando sua mão na minha.

— Continue tentando garotão. – Brinquei erguendo uma sobrancelha.

Quando passamos pelos portões da casa e estacionamos, logo notei uma movimentação diferente na grande casa. Uma van branca estava posicionada perto da entrada de serviço e alguns carros desconhecidos estavam espalhados no pátio lateral. Então franzi o cenho, dando asas a minha imaginação.

— O que está havendo aqui? – Pensei em voz alta.

Adam soltou um pequeno riso e tirou o cinto de segurança.

— Bem, você não achou mesmo que a sua mãe, sendo a sua mãe, deixaria você comemorar seu aniversário de dezoito anos com um cupcake. Achou?

Arregalei os olhos em choque.

— Ai meu deus! – Declamei e saltei do carro, exasperada.

Não pode ser!

Segui até a porta com Adam atrás de mim, gargalhando, e a visão foi bem como eu esperava. Flores, prataria e muitos balões.

— Mãe! – Falei alto, chamando a atenção da mulher no meio da sala, que se virou parecendo surpresa em me ver.

— Adam! Não era para trazê-la de volta tão cedo! – Anne disse, fuzilando meu namorado com os olhos.

— Desculpa, Sra. Rees... Você disse uma hora!

— Eu achei que dava tempo. – Ela fez bico decepcionada.

Suspirei.

— Vocês armaram isso! – Cheguei a “brilhante” conclusão. – Mãe, eu agradeço pela consideração. Mas o que foi que eu disse sobre dar festas em meu nome? E isso... É demais! – Disse consternada.

— Eu tentei ser o mais modesta possível e fazer uma coisa singela.

Coloquei a mão na testa fechando fortemente os olhos.

— Eu sei que tentou. – Ironizei.

— Bem, agora está feito querida! E já que o seu namorado apressadinho estragou toda a surpresa, você pode ir se trocar enquanto nós terminamos aqui.

Rolei os olhos. Não que eu tivesse muita escolha, certo? Apenas me movi para as escadas, arrastando Adam pela manga da camisa.

— Você fica mocinho! – Falou a ruiva nos refreando. – Ela não vai precisar de ajuda lá em cima.

Mesmo contrariada, soltei-o, subindo sozinha. Não queria que Adam ficasse só com a minha mãe por muito tempo, então me arrumei o mais rápido possível. Troquei-me, colocando um bonito vestido preto, calcei novos sapatos, refiz a maquiagem, e por último prendi o cabelo em um coque mais ou menos elaborado. Saí apressada do closet, tendo um pouco de trabalho com o fecho do bracelete, e atravessava o quarto quando percebi outra presença no cômodo, recostada despreocupadamente no batente da porta. Ao ver quem era fui inundada por uma imediata sensação de felicidade.

— Marcus! – Exclamei, andando depressa até ele. E fui envolvida por seus braços receptivos. – Você veio!

— Não achou que eu ia perder outra festa na sua casa. Achou? Elas são sempre muito interessantes.

Afastei-me dele com um meio sorriso.

É. Quem sabe não termina com mais um barraco...

— Deus! Estou tão feliz que você está aqui. Deve ser o melhor aniversário da minha vida!

— Aham. Eu sei que significo muito. Mas quase não passei pelo segurança lá embaixo.

Sorri encabulada.

— Ele estava acostumado a defender uma bola e agora tem que se preocupar com uma garota. É de se esperar que não tenha muito tato. – Expliquei, tapando o sol com uma peneira.

— De qualquer forma, ele nunca foi lá grandes coisas defendendo a bola.

Balancei negativamente a cabeça, mas era impossível não rir.

— Às vezes garotos são tão idiotas.

Marcus sorriu cinicamente, estendendo a mão para mim.

— Vamos. Já tem bastante gente lá em baixo!

Passei direto, provocando-o.

Marcus e eu havíamos nos contatado quase sempre nesses meses, por telefone, e-mail ou video, mas nada era melhor do que vê-lo pessoalmente e me sentir agraciada por seu espirito alegre.

Na sala, Adam esperava sentado no sofá com uma expressão de menino abandonado que me trouxe imediatamente para perto dele. Sentei-me ao seu lado e fitei Teri, Lynn e Jason que conversavam animadamente.

— Eu nem acredito que as férias de verão começam, finalmente, na semana que vem. – Jason comentou, suspirando de alivio.

— E é excepcionalmente um prazer quando se vai passar um mês em um hotel de luxo em Dubai. Certo? – Adam disse rolando os olhos.

— Ter um família árabe tem suas vantagens meu caro. – Vangloriou-se o outro, despertando o riso nos demais.

Há algum tempo Jason nos revelara que seus avós eram milionários árabes. Donos de um dos maiores hotéis dos Emirados. Só que como seus pais e eles tinham tido uma briga feia no passado, ele passava pouco tempo com esse núcleo da família. Mas para a sorte dele, esse pouco tempo era sempre muito recompensador.

— Pobre de nós mortais. – Falou Teri. – Que vamos ficar aqui, entregues ás moscas.

— Na verdade, eu não vou não! – Falou Lynn, sorrindo timidamente. – Os avós do Jason foram muito gentis em me convidar. Então, eu estou indo.

A ruiva e o namorado sorriram ao se entreolharem. Achei fofo.

— Ah, que ótimo! – A morena exclamou, apoiando o queixo com a mão. – Entediada e solitária! Será que tem alguma coisa boa que o meu destino queira fazer por mim?

— Esperar do destino pode ser decepcionante. – Falou Marcus, sentando junto a ela e passando-lhe um copo de bebida.

— Valeu, Marcus. Bom saber que você enxerga os pobres do alto do seu castelo em Nova York.

— Ai. – Jason ressoou, zombando do outro. Enquanto Adam só observava criticamente o entrosamento da irmã com seu desafeto.

— Você fala como se fosse ficar mesmo solitária. Eu ainda estarei aqui nas férias e vou colar em você! – Coloquei, arqueando uma sobrancelha.

— Em mim ou no meu irmão? Pois não é mesma coisa!

Cerrei os olhos. Aquilo era uma provocação? Não sei, mas deixei passar.

De repente a campainha tocou e mais pessoas se juntaram a festa. Crystal, Dave e Ryan entraram e se acomodaram junto a nossa roda de “amigos”. Digo amigos entre parênteses porque nem todos ali concordavam com esse termo. Cumprimentei-os com um “olá” simpático.

Adam se mostrou ainda mais inquieto com a presença de Dave, mas já havíamos conversado sobre aquilo. Dave estava tentando ser uma pessoa melhor e eu havia assumido o compromisso de ajudá-lo a se sentir “querido”. Embora não fôssemos exatamente grandes amigos, agora estávamos em uma zona digamos que neutra, e eu discretamente aproveitava para construir uma barreira de amizade em torno do sentimento que ele supostamente nutria por mim. Ryan se tornara uma presença tolerável após ter me pedido desculpas por ter sido invasivo antes, segundo ele, ele estava apenas tentando ajudar o melhor amigo, então até que me desse uma prova, mais uma, de que não era confiável, eu o perdoava. Danny chegou alguns minutos depois e não demorou até que a casa estivesse cheia de alunos da escola.

Anne disse que meu presente seria “um pouco de liberdade” então, após me dar um beijo discreto na testa, se preparou para sair com o marido para jantar fora com alguns amigos. Certamente eles não tinham pique, nem paciência, para ficar no mesmo lugar com tantos adolescentes barulhentos, mas Michael, sem querer afrouxar demais o laço, deixou Victor como nosso supervisor, para evitar que bebêssemos ou usássemos os quartos, se é que me entendem. Obviamente algumas pessoas estavam conseguindo driblar essa supervisão e bebendo escondidas, mas de resto tudo parecia sob controle.

— Vem. – Adam disse, puxando-me para o meio da sala onde alguns convidados se movimentavam ao som de uma música um tanto incitante, quase tão incitante quanto o corpo do rapaz colado ao meu.

Rimos, ensaiando uma dança lenta e despretensiosa. Adam, atrás de mim, mantinha suas mãos em meus quadris, enquanto eu levava uma das minhas até sua nuca e repousava a cabeça em seu ombro, apenas aproveitando o momento. Quando a musica chegou ao fim e outra começou saí de seu lado e caminhei, ainda no ritmo do som, para perto de Teri e Crystal, que dançavam de maneira descontraída, mas com as caras amarradas.

— Ei. – Coloquei os braços em cima dos ombros de ambas. – Estão se divertindo? – Perguntei.

— Eu estou sóbria, então não sei! – Disse Teri.

Tirei os braços de cima delas e as encarei.

— Escutem. Se vocês não desmancharem essas caras não vão mesmo conseguir se divertir. Eu acho bem difícil que um príncipe encantado, ou um certo loiro... – Falei, olhando significativa para Teri. – Entrem por aquela porta. Então, por que não tentam se contentar com o que temos disponível? – Olhei ao redor, demostrando exatamente o que estava querendo dizer.

Crystal bufou.

— Deve ser muito fácil falar. Aparentemente todo mundo quer você!

Não pude evitar me sentir atacada pelo comentário. Aquilo soou como se fosse algo guardado há algum tempo e que ela simplesmente não pode mais conter. Mas o que mais me feriu foi o fato de que ela parecia realmente convicta do que estava dizendo. E a expressão de Teri me mostrou que, apesar de talvez não apoiar, ela não discordava da outra. Franzi o cenho, claramente atingida.

— Você faz parecer que eu monopolizo a atenção. E isso não é verdade. – Expus incisiva.

Se havia algo que eu havia aprendido sobre Crystal é que, às vezes, precisávamos mostrar a ela que estava sendo muito extrema, pois ela definitivamente não dava o braço a torcer.

Então ela suspirou baixando a cabeça.

— Me desculpe. – Falou chateada. – Às vezes eu só falo coisas sem pensar direito. – Desabafou a loira.

— Argh. – Teri exprimiu desgostosa. – A rainha do drama versus a inventora do orgulho. Vocês realmente se completam.

— Que bom que temos a Lynn para ser a racional entre nós. – Falei zombeteira.

— E quanto a mim? – Questionou a outra, indignada.

— Você é a mascote! – Crystal disse com um sorriso divertido.

Todas acabamos rindo de nós mesmas e das situações ridículas que causávamos de vez em quando. Mas acho que é o preço por nos abrirmos a conhecer tão bem umas as outras. Acabamos enxergando nossos defeitos e, pelo bem, nos sentimos obrigadas a corrigi-los. Puxei-as para um abraço, encerrando o assunto.

— Minha vida aqui seria uma droga sem vocês! – Falei, apertando-as mais.

— A vida é uma droga em qualquer lugar. Então melhor viver com isso! – Uma voz soou atras de mim.

Sorri antes mesmo de me virar, e quanto o fiz vi a morena de sobrancelha arqueada e braços cruzados que logo se abriram para mim. Abracei-a com toda a força deixando que uma lágrima solitária caísse de meus olhos, mas sequei-a antes que qualquer pudesse vê-la.

— Bem, acho que já valeram as horas naquele maldito helicóptero. – Lucy disse, retribuindo o abraço com a mesma intensidade.

Não queria mais soltá-la para que fosse embora, havia sentido tanto a sua falta, apesar de termos nos falado pela última vez no dia anterior.

— Pare com isso. Vão achar que somos lésbicas. Por que não começa com as apresentações? – Ela murmurou impaciente, escondendo os olhos também marejados.

Soltei-a no mesmo momento.

— Claro, espera. Estas são Teri e Crystal. – Apontei-as e Lucy sorriu amigavelmente para as duas garotas. – E aquela, ali no canto, engolindo a boca do namorado Jason, é a Lynn! Os outros estão espalhados.

— Olha quem está aqui. – Marcus surgiu, com seu irritante sorriso cínico. – Como vai Miss Simpatia? Veio de vassoura?

Lucy mordeu os lábios a fim de aplacar a raiva. Mas não deixou quieta a provocação.

— Você não mudou mesmo nada, Marcus. Isso aí no seu cabelo é água oxigenada?

Foi inevitável rir das provocações entre meus mais antigos amigos. Nenhum dos dois era do tipo que gostava de perder uma disputa e ambos poderiam ficar nisso a noite toda.

— É bom te ver Lucy. – Ele terminou sarcástico, porém sua tentativa de sair superior pareceu surtir mais efeito em sua própria cabeça.

— Então. Onde está o famoso Adam? – Ela perguntou olhando em volta sem muita expectativa.

— Me diga onde eu sou tão famoso. – Adam disse, vindo de trás da garota, que o examinou como uma policial de aeroporto.

Ela só deu fim ao gesto quando ele parou ao meu lado, enlaçando minha cintura, e sorrimos como em um comercial de margarina. Era engraçado que nos comportássemos como se Lucy fosse minha mãe ou algo assim, mas muitas vezes no passado eu sentira como se ela fosse o mais próximo que eu tinha de uma pessoa a quem recorrer. Então eu tinha uma enorme necessidade de obter sua aprovação mais que a de qualquer um.

— É. Vocês são definitivamente bonitos! – Falou simples.

Marcus bufou e se retirou da roda, indo conversar com outras pessoas, que obviamente o bajulariam a noite toda.

Nas próxima duas horas nós dançamos, conversamos e comemos as comidinhas que Nancy gentilmente prepara mais cedo, mesmo sendo seu fim de semana de folga. Algumas pessoas ainda chegavam e me davam os parabéns, mas não recebi nenhum presente, e o motivo para mim parecia bastante óbvio. Para que eles dariam presentes para uma pessoa que parece ter tudo? Além disso, isso não era o que realmente importava.

— Amanda. – Victor me abordou em um momento, quando eu voltava sozinha do banheiro. – Sua amiga Crystal pediu para lhe avisar que ela precisa falar com você. Ela disse que estaria lá fora, perto da piscina.

Assenti, agradecendo. Mas o que Crystal queria falar comigo que não podia fazer na frente dos outros? Pedi aos deuses que ela não estivesse se lamuriando, ainda, pelo que acontecera outrora. Ela tinha o péssimo costume de se culpar por um tempo muito excessivo.

Saí pela porta da cozinha e caminhei pelo tablado do deck de madeira até chegar a borda da piscina, mas não havia ninguém ali. Ninguém mesmo. Todo mundo estava ocupado do lado de dentro, ouvindo musica ou comendo, e eu estranhamente não via nem sombra de Crystal por ali. Ou Victor se enganara ou, por algum motivo, ela mudara de ideia. Rolei os olhos e me virei para voltar para dentro, mas alguém havia se aproximado, tão silenciosamente, que eu nem sequer percebera até dar de cara com a pessoa parada bem atrás de mim. Pulei de susto e senti minha respiração acelerar drasticamente.

— Dave! – Vociferei brava. – Você devia mesmo parar de fazer isso! Vai acabar me matando.

Seus olhos estavam fixos no meu rosto e sua boca totalmente cerrada em uma expressão que me deixou aflita.

— Me desculpe. – Pediu, colocando as mãos nos bolsos.

— O que faz aqui? – Perguntei, cruzando os braços na frente do corpo.

— Podemos conversar? – Ele disse, parecendo obstinado.

Assenti confusa.

— Sobre o que? – Inquiri-o.

— Queria agradecer. Afinal, você tem sido tão legal. Quer dizer, mesmo com o lance com o Adam... Você não me afastou.

Fiquei confusa com aquelas palavras. Infelizmente aquilo parecia soar, para ele, como se fosse mais do que realmente era.

— Adam e eu não temos um lance, Dave. Estamos namorando!

Ao ouvir aquilo o garoto não demostrou contentamento, mas se resignou.

— Não é culpa sua ter tantos caras no seu pé. Mas o fato de você me dar um espaço na sua vida, quer dizer que gosta de mim. Pelo menos um pouco.

Eu sei que pena não é o melhor sentimento para se ter com alguém, mas naquele momento foi tudo o que consegui verdadeiramente sentir. Os olhos castanhos de Dave pareciam tão carentes. Eu me sentia mal por ele. Por toda a história com Adam e Janice. Devia ser difícil para ele. Impulsivamente levei minha mão a lateral de sua face, olhando-o compassivamente.

— É claro que eu gosto de você. – Afirmei, dando um meio sorriso, e ele então colocou sua mão sobre a minha em seu rosto. – Você sempre foi legal comigo, desde que eu cheguei nessa cidade, e acho que pode ser muito bom para você ser mais respeitoso e amigável com as outras pessoas.

— Você é a única pessoa que me faz querer ser legal, Amanda! – Franzi o cenho quando ele intensificou o aperto em minha mão. – Eu te amo!

De repente senti um puxão, arregalando os olhos, e tudo o que consegui fazer foi pronunciar um “Não!” abafado. Depois minha boca foi obstruída pela de Dave, que com o uso da força, muito superior a minha, me manteve presa pelo menos por alguns segundos, enquanto eu tentava me desvencilhar de seu aperto que mal permitia que eu me movesse. O beijo forçado não durou muito, mas digamos que tenha sido tempo suficiente.

— Mas que merda é essa? – Adam gritou, parado a poucos metros de nós.

Dave soltou-me depressa e eu então encarei o outro surpresa e aturdida, desviando os olhos para o chão. Sei que fora uma ação forçada, mas senti-me, de alguma maneira, menor que um grão de areia.

— Adam... – Comecei, pronta para acusar o safado que me beijara sem a minha permissão.

— Cara, eu juro que não acreditaria se eu não tivesse visto. – Murmurou ele meio amortecido.

— O que? – Exclamei confusa, estreitando as sobrancelhas.

— Caramba. Como eu pude me enganar tanto assim com uma pessoa? – Disse, olhando-me com visível desprezo. Meus olhos começaram a lacrimejar por causa da agressividade em seu tom de voz. O que ele estava pensando? – Você era realmente boa demais para ser verdade, não é?

Meu queixo caiu em choque e uma dor lancinante se instalou em meu peito. Em qual momento um beijo roubado me levara a ser tão insultada pela pessoa que eu mais amava?

— Não é... – Pronunciei em mais uma tentativa de explicar o que acontecera.

— Escuta. Há quanto tempo você está fazendo esse joguinho, hã? Droga, você é mesmo uma excelente mentirosa, porque eu realmente acreditei que você estava apaixonada de verdade. – Ele riu com escárnio. – E eu com medo do que você pensava de mim. Achando que você era diferente. Mas você é mesmo uma peste, Amanda Rees!

— Adam! – Gritei furiosa. Ele não se dava conta do que estava dizendo?

— Ei. Não fala assim com ela! – Dave saiu “heroico” em minha defesa.

Adam respondeu violentamente, acertando-lhe um soco na face que o derrubou como um saco de batatas no chão.

— Deve estar feliz em conseguir o que queria. – Falou, com a voz embargada, para o adversário nocauteado. – Parabéns. Você se vingou direitinho!

As lágrimas então começaram a rolar incontroláveis. A esta altura metade dos convidados já despontara pela porta escancarada, assistindo o espetáculo protagonizado por nós.

Victor saiu de trás do amontoado de gente e olhou-me com preocupação. Ao perceber a gravidade da situação ele simplesmente dissipou o pessoal, dizendo que a festa chegara ao fim e que todos deviam ir para casa. Teri, Crystal e Lucy surgiram do meio das pessoas, observando com espanto e confusão, Dave no chão e minhas lágrimas que ainda escorriam abundantes. Ao ver a irmã Adam encarou-me uma última vez.

— Acho que esse deve ser mesmo o carma que eu mereço. – Ele falou com aspereza, afastando-se e indo embora, sem olhar para trás.

Teri pareceu bem indecisa sobre ficar ou ir atrás dele, mas depois de um aceno de Lucy ela saiu, com Crystal em seus calcanhares, enquanto a outra andava até mim.

— O que foi que houve? – Ela perguntou séria, colocando a mão no alto da minha cabeça.

Ainda incrédula, não falei nada, olhando incansavelmente por onde Adam havia saído. Senti como se meu coração estivesse amarrado com um maldito nó cego.

— Amanda... – Começou Dave, levantando-se cambaleante do chão. – Eu sinto muito. Não queria mesmo que isso acontecesse assim!

Despertei de meu estado de choque e a raiva finalmente apareceu.

— Vá embora, Dave! – Falei odiosa. – Sai daqui!

— Amanda...

— Você não escuta direito? Ela não te quer aqui! – Lucy falou, segurando a minha mão tremula.

— Não se mete. – Ele retrucou irritado. – Meu assunto é com ela!

— Não tem assunto imbecil. Faça o que ela disse, antes que eu termine de quebrar a sua cara! – Ameaçou Marcus, se colocando na nossa frente, como um muro. Senti-me extremamente aliviada com a sua presença protetora.

Dave encarou-o por um segundo e pensei que fosse brigar com ele, mas por algum motivo resolveu recuar e se retirar.

— Onde vocês estavam? – Perguntei a Lucy, tentando entender toda aquela confusão.

— No seu quarto! Ouvimos os gritos lá de cima, então descemos correndo!

Respirei fundo, tentando controlar o choro e olhei ao redor apreensiva.

— Pode checar se todos já foram? Quero ir para o quarto! – Pedi a Lucy que assentiu, lançando um olhar significativo para Marcus.

Assim que ela saiu percebi o loiro inquieto se postando a meu lado.

— Eu vi tudo o que aconteceu. – Ele falou enfático.

— O que? – Perguntei, pensando ter ouvido mal.

— Eu vi você sair, e esse maluco logo atrás. Como não confio nem um pouco nele eu o segui até aqui fora. Fiquei escondido atrás daquela parede para o caso de algo acontecer! – Apontou a parede na lateral da casa, da qual era possível, com certeza, ter uma visão bem nítida do ponto onde estávamos agora. – Eu estava pronto para parar o que estava acontecendo, mas Adam chegou mais rápido.

— Então você sabe a verdade. – Constatei.

— Eu posso esclarecer tudo. – Meu amigo disse compadecido.

Pensei por um minuto, lembrando-me de todas as palavras horríveis que Adam havia dito.

— Não! – Ordenei decidida. – Não depois de tudo. Ele tem que aprender a confiar em mim!

Desta vez eu não cederia. Estava cansada de ser a que cedia sempre. Adam teria que perceber por conta própria que havia sido injusto. Porque de outro jeito, nós nunca voltaríamos a ficar juntos. Nunca!