Pretty

Realidade tortuosa.


Havia sido um final de semana bastante intenso, com certeza, já que armamos acampamento no hospital e infernizamos os médicos para ver e falar com Teri. Quando ela acordou e falou pelo menos um pouco conosco, senti que aquela aura negra finalmente acabava de se dissipar e podíamos respirar tranquilamente de novo.

No hospital, nosso único consolo era nossa própria companhia. Eu, particularmente, fiquei a maior parte do tempo com Lynn e Adam. Kyle não pôde mais ir ao hospital, pois precisou viajar com os pais, mas ele ligou muitas vezes. Jason passava para saber de Teri e pegar Lynn nos fins de tarde, porque se não fosse, ela ficaria plantada como uma árvore naquele lugar. Já Crystal e Dave estavam sempre juntos, conversando entre si. Estavam apoiando-se um no outro, acho.

Segunda de manhã, terminei de pentear meus cabelos e respirei profundamente na frente do espelho. Vesti-me, como de costume, e deixei o quarto silenciosamente. Ir para a escola com o pensamento de que nossa “bonequinha” não estaria lá para me dar um daqueles abraços surpresa, era tão frustrante. Ela teria alta naquela tarde e, tanto ela quanto nós, mal podíamos esperar.

Na escola, encontrei Adam, Lynn e Crystal no estacionamento e não demorou até que Jason e Kyle se juntassem a nós no corredor. Parece que o acidente de Teri havia nos aproximado o bastante para nos transformar em uma espécie de grupo, até Dave, mas ele e Adam ainda não se olhavam direito, e nem conseguiam falar um com o outro sem serem ríspidos ou sarcásticos. Bem, já era um começo. Parti para a aula de biologia com Lynn e Kyle, e os outros para as suas próprias. Enquanto o professor não chegava, Lynn aproveitou para revisar a matéria e eu para conversar com Kyle.

— Você vai conosco buscar Teri no hospital? Acho que vou levar uns balões. – Perguntei, me sentando na cadeira da frente, voltada para ele. Tentei agir como se não quisesse muito saber.

Teri ficaria tão contente se ele estivesse lá quando ela tivesse alta. Encarreguei a mim mesma de fazer isso acontecer.

— Eu acho que posso ser sincero com você, Amanda. – Kyle disse, cauteloso. – Eu fico muito feliz mesmo que a Teri está finalmente bem, afinal ela é irmã do meu melhor amigo. Na viagem com os meus pais, eu só pensava sobre isso. Mas acho que você sabe que eu tenho namorada. E ela pode começar a pensar mal de tudo isso. – Ele demonstrava desconforto, mas prosseguiu. – Escuta, não é que eu não goste de ter me aproximado mais das meninas e de você. Vocês são muito legais. E quero muito que sejamos amigos. Mas preciso dar mais atenção para a minha garota. Entende?

Kyle foi tão sincero que só pude sentir uma enorme compaixão por ele. Por tudo o que ouvi sobre o seu relacionamento. Se tudo o que Teri disse era verdade, ele não merecia uma garota como aquela. Mas, ao mesmo tempo, tinha o direito de ter seu espaço pessoal e de fazer o que bem entendesse.

— Tudo bem. Eu entendo. É que eu imagino que ela ficaria feliz em ver todos nós, que estávamos com ela no parque, e o quanto todos ficamos preocupados. – Sorri sem jeito.

— Ela vai saber disso. Já disse que quero que sejamos todos amigos. Inclusive Hanna. Só preciso fazê-la entender que não rola nenhum clima com nenhuma de vocês. Principalmente com você, que é nova e ela não conhece. Você é uma garota muito bonita e Janice já deve ter colocado um monte de caraminholas na cabeça dela por causa do Adam.

Franzi o cenho.

— Escuta, Kyle. O que afinal aconteceu entre Adam, Janice e Dave? Não parece ter sido só uma bobagem.

O loiro arregalou os olhos, como se eu tivesse tocado em um assunto proibido. Então suspirou e apertou os olhos com os dedos.

— Olha. É um assunto chato. Acho que prefiro não comentar sobre isso, especialmente com você. Se alguém tem que te contar, esse alguém é o Adam. E se ele está tão interessado em você, vai acabar fazendo isso.

Dessa vez fui eu quem arregalou os olhos.

— Como sabe que ele está interessado em mim? Nós somos só amigos.

— Todo mundo sabe, Amanda. Ele não está fazendo questão de esconder. Sei que você já percebeu isso, e posso apostar o jogo de sexta que você também está.

— Eu... – Procurei o que falar, mas nada me vinha a mente.

Kyle me olhava como se dissesse: ”Eu estou certo e você é transparente, então confesse!”. Sacudi a cabeça e tratei de sair dali.

— Vou ajudar a Lynn. – Disse, me dirigindo até o acento ao lado da ruiva. Ela olhava concentrada algo no caderno, enquanto eu encarava as costas de Kyle, ecoando as palavras dele na minha cabeça. "Isso é ridículo!". Adam e eu não tínhamos nada. A não ser o quase beijo na roda-gigante. Mas era muito comum rolar um clima entre duas pessoas nesse tipo de situação.

Na aula seguinte, de anatomia, fiz dupla com Crystal. Adam também estava nela, junto com seu parceiro um pouco a frente, e Dave, no fundo da sala. Odiava anatomia, com todo aquele material morto. E adivinhem que dia era aquele? Dia de dissecar sapos! Como eu poderia abrir aquele bicho, se só de olhar para ele eu tinha vontade de vomitar?

Crystal não tinha uma expressão muito diferente da minha. “Que nojo!”. O professor nos entregou os bisturis e riu da nossa cara. “Muito profissional da parte dele.” Pensei na hora. Com luvas brancas, Crystal mexeu de leve na pata do anfíbio e eu senti um embrulho no estomago. Olhei para Adam e ele tinha coberto o animal com um lenço de papel. Franzi o cenho.

— Lokewood. Está com nojo do experimento? – O professor perguntou, debochando.

— Estou com pena do coitado. – Ele disse, melancólico.

— Pena? – Indagou o professor.

— É. Imagina morrer só para que uns humanos idiotas possam brincar de "Jack, o estripador". – Adam expôs, franco.

Todos na sala soltaram risinhos abafados. O professor franziu o cenho, prendendo o próprio riso e não apoiou o comentário, mas também não replicou. Só pediu que continuássemos com a experiência. Adam e eu trocamos um olhar divertido e ele tirou o pano de cima do sapo teatralmente.

Crystal afastava as caixas torácicas do “coitado”, como disse Adam, quando eu deixei cair a caneta que usávamos para as anotações. E então aconteceu. Distraída, minha parceira não viu quando me abaixei, e acabou virando-se com o bisturi nas mãos bem quando eu me levantava. Na mesma hora a pequena faca cirúrgica entrou exatamente na área entre o meu ombro e a base do pescoço. Foi assustador. O grito imediato de Crystal ao perceber o que tinha feto, ela caindo ajoelhada comigo, ainda com a mão na lâmina, mas principalmente o sangue que começou a sair na mesma hora. Não senti muita dor no começo, só uma fisgada, mas logo comecei a ficar atordoada com a aglomeração de gente que se formou em volta de nós. Alguns ficaram chocados com a cena e não conseguiram se mover, mas Adam correu, rápido o bastante para segurar minha cabeça quando eu fui de encontro ao chão.

— Crystal! – Ele gritou, horrorizado. Senti-me enjoada. Muito mais que quando olhei para o sapo morto.

— Meu Deus! Eu não vi ela abaixada. Eu não quis fazer isso! – Crystal gritava também, parecia ensandecida.

Notei o professor abaixado perto de mim, tirando a própria camisa. Então ele pegou a mão de Adam e lhe passou a peça de roupa, pressionando ambas sobre o ferimento. Senti uma dor lancinante e gritei, chorando. Adam me encarou vacilante. E Crystal chorou como louca fechando fortemente os olhos.

— Não pare de fazer pressão e não retirem o bisturi. Entenderam? – Ele disse a Adam e saiu correndo com o celular na mão.

Sabia que ia desmaiar a qualquer momento. E tentei me manter acordada olhando fixamente para o rosto de Adam, observando as lágrimas precipitando-se de seus olhos. Gemi várias vezes de dor e suplicio. Alguém segurava a minha mão, mas não me virei para ver, acho que era Dave. Porém só conseguia me concentrar em Adam, em seus olhos azuis cheios de angustia.

Quando o professor voltou já estava junto com os paramédicos, que mandaram todos se afastarem. Segurei de leve a mão de Adam antes que pedissem para ele se afastar também. Socorristas tomaram o lugar dele no estancamento do sangue e me carregaram de maca até a ambulância. Lembro-me de ter ouvido Adam pedir para ir comigo na ambulância, de alguém dizendo que precisava ser parente, e dele dizer que era meu namorado. Depois disso encontrei seu rosto novamente e suas mãos no alto da minha cabeça.

— Vai ficar tudo bem. – Ele garantiu.

E então não consegui mais me manter acordada.

* * *

Já fazia algumas horas que eu estava ali, de camisola, semideitada na cama de hospital. Vendo as gotas de soro caindo uma a uma no tubo ligado ao meu braço. E aquela agulha incomodava muito.

A porta estava aberta e por ela eu podia ver minha mãe conversando com o doutor. Muito mais calma que quando me viu abrir os olhos depois que passou o efeito da anestesia. Ela sorriu para mim e desapareceu no corredor, juntamente com o médico. Meu pai estava em Nova York, mas ele me enviou crisântemos, pelo menos.

Há pouco Adam e Teri me faziam companhia, mas pedi que eles fossem embora para descansar. Teri havia passado tempo demais naquele lugar. Acho que era hora de revezar. Quando eu fui internada, ela logo soube do que aconteceu, pois estávamos no mesmo hospital, e quando acordei, ela tinha acabado de receber a alta e correu para o meu quarto com o irmão. Lynn e Crystal não foram embora até ter certeza de que eu estava realmente bem, principalmente Crystal que não parava de chorar mesmo não sendo culpa dela. Jason passou no quarto para me cumprimentar e Kyle ligou cinquenta vezes para Adam desde que havíamos saído da escola. Acho que eles também sentiam como se fossemos um grupo agora. Unidos por tragédias. Um pouco pesado eu diria. Lynn até brincou com isso, dizendo que devia ser a próxima. E, melancólica, Crystal sugeriu que ela não devia ficar muito perto ou talvez fosse mesmo. Repeti uma dezena de vezes que tinha sido só um acidente, mas ela teimava em se culpar. Senti-me mal por isso, mas imaginei que fosse acabar entendendo sozinha agora que o susto passou.

Saindo de meus devaneios, percebi que alguém batia na porta.

— Ei. – Saldou-me Dave. – Posso entrar? – Ele perguntou hesitante.

Assenti positivamente.

— Como se sente? – Ele perguntou, sentando-se na cadeira ao lado da cama.

— Um pouco dolorida. Sei lá. Parece até que levei uma facada. – Brinquei.

Ele sorriu.

— Que bom que você levou na esportiva. Imagina ser apunhalada por uma amiga. Que barra. – Ele disse um pouco ácido.

— Não foi culpa dela. – Retruquei, estranhando seu tom maledicente.

— É. Eu sei. – Ele deu de ombros, dando pouca importância. – Só é engraçado.

— Engraçado? – Franzi o cenho. Ele achava aquilo engraçado?

— Desculpa. Eu não queria te aborrecer. Só quis dizer que é uma situação estranha. Não me leve a mal, por favor. – Ele disse, apreensivo.

— Tudo bem. – Afirmei. – É mesmo uma situação bastante esquisita.

Ele sorriu novamente e puxou algo do bolso.

— Eu trouxe isso pra você. – Falou, me entregando um pequeno cartão de memória.

— E o que tem nele? – Perguntei.

— Umas músicas, pra você não ficar tão entediada.

— Nossa. Obrigada! Eu estava mesmo precisando disso. – Contei.

— Eu sabia. – Ele disse satisfeito.

— Sabia como? – Questionei-o despretensiosamente.

— Você não é do tipo que gosta de ficar parada vendo o tempo passar. – Ele disse com tom casual, mas percebi que havia mais alguma coisa.

Coloquei o cartão na cômoda ao lado e sorri encabulada. Ele pareceu um pouco chateado ou aborrecido com a minha ação, e sorriu duramente.

— Eu estranhei o Adam ter te acompanhado na ambulância. Não tem que ser parente pra isso? –Ele perguntou, estreitando as sobrancelhas.

Emiti um riso cortado lembrando-me da cena.

— É. Ele disse que era meu namorado, ai deixaram ele subir.

Dave soltou um riso irônico e trancou a mandíbula.

— Adam sempre foi espertinho assim mesmo. – Ele disse ríspido. – É como ele sempre consegue o que quer.

— Olha, eu não sou exatamente a favor de criticar alguém que não está presente para se defender. Mas se você vai falar mal dele, é melhor me explicar porque vocês se detestam tanto. Porque eu não entendo como dois melhores amigos puderam se tornar inimigos do dia para a noite.

— Você é nova aqui, Amanda. – Dave disse, com a voz carregada. – E, como todo mundo que não sabe muito, pensa que Adam agora é um bom moço. Mas eu sei. – Enfatizou, apontando o dedo para si próprio. – Eu sei exatamente quem ele é.

— E quem ele é? –Inquiri determinada.

— Um traidor e um mentiroso. – Esbravejou. – Alguém de quem você tem que ficar bem longe. – Ele disse, se levantando bruscamente da cadeira e apoiando os braços na beira da cama.

Tomei um solavanco e encarei-o alarmada. Queria mesmo que ele fosse embora.

— Eu respeito a sua opinião. – Comecei nervosa. –Mas não se preocupe comigo. Eu posso decidir por mim mesma se tenho ou não que ficar longe de alguém.

Vagarosamente Dave se afastou e olhou através da janela atrás de mim.

— Em algum momento você vai ver que eu tenho razão. – Ele disse se aproximando novamente, desta vez para dar um beijo demorado em minha testa. – Melhore logo.

Com isso Dave se virou e saiu pela porta e eu fiquei ali, parada na mesma posição, completamente atônita. Ou aquele garoto era doido ou ele realmente estava empenhado em me convencer de que eu não devia confiar em Adam. Mas porquê diabos?