Pretty

A passagem da alvorada.


Quando meus olhos se abriram naquela manhã de sábado, quase senti como se pudesse dar uma pausa na dor, mas a verdade é que ela simplesmente não cessava.

Mesmo que eu não tivesse que ver Adam no colégio, eu sabia que não podia afastar as recordações, ainda que eu quisesse muito. Ter que assistir enquanto ele me ignorava, ou melhor, fugia de mim, como se eu fosse alguém que ele simplesmente não conheceu, e ter que me forçar a reprimir a imensa magoa que eu estava sentindo por ele ter sido tão cego e burro, me fez chegar ao que era agora. Uma criatura miserável.

Na segunda-feira, a fofoca já havia se espalhado por toda a escola, e eu, apesar de tudo, ainda esperava que Adam me pedisse desculpas. Mas ele não pediu, então tive que aguentar as pessoas falando de mim pelas costas e a frieza do garoto que, há apenas alguns dias, jurava de todo coração que me amava.

Grande amor esse!

Por mais que eu quisesse caçar Dave e levá-lo pelos cabelos para que confessasse o que fez, eu não podia fazê-lo. Primeiro porque o desgraçado nem se dignara a aparecer no colégio e, segundo, porque eu me perguntava se aquilo realmente mudaria alguma coisa. Adam demonstrou, outra vez, que não confiava em mim e que o seu ciúme era uma muralha entre nós dois, que não permitia que ele enxergasse direito.

Nos outros dias da semana fora o mesmo e, em um determinado momento, eu saí de meu estado de negação e tive a certeza de que a nossa relação havia realmente acabado. Mas pelo menos, fora do clã de enxeridos que faziam o favor de alimentar a raiva de Adam espalhando que eu o havia o traído, segundo eles, “debaixo do seu nariz”, eu ainda tinha as minhas amigas, que ficaram do meu lado mesmo sem terem presenciado a confusão. Teri, no entanto, tinha um empasse em suas mãos, afinal, meu opositor era o seu irmão e ela querendo ou não tinha de apoiá-lo. Então ela preferiu permanecer imparcial sobre isso e, mesmo acreditando em mim, não quis se meter, pois se fizesse isso talvez Adam se fechasse ainda mais para quaisquer argumentos. Entendi o seu ponto de vista, até porque, de qualquer forma, não achava que ela poderia fazer muito contra a cabeça dura do irmão.

O pior de tudo era ter a consciência de que a culpa não era minha e mesmo assim não conseguir impedir a tristeza de avançar sobre tudo a minha volta. Perder o namorado era uma coisa chata, mas saber que fora de forma tão injusta, isso era muito deprimente. Além disso, passar as férias de verão dentro do quarto, falando pelo computador com Lucy, que, á propósito, estava de partida para o Japão, também não estava nos meus planos. Mas já que os meus antigos planos incluíam um namorado que eu não tinha mais, talvez eu só devesse jogar a toalha e aceitar a solidão com dignidade.

Depois de um banho e de escovar os dentes, troquei-me e desci para tomar café. A casa estava silenciosa, como em todas as manhãs, exceto pelo som baixo de uma canção que vinha da cozinha. Já havia ouvido aquela música antes, duas ou três vezes, quando Nancy cantarolava enquanto preparava as refeições, com uma voz sempre carregada de emoção.

— Ei. – Falei, adentrando a cozinha e me sentando na bancada.

— Bom dia. – Ela sorriu, mas arqueou a sobrancelha notando que o meu dia já não estava sendo assim tão bom. – Como está se sentindo?

— Bem. – Respondi mentindo.

— Mesmo? – Ela insistiu.

Tentei manter a expressão calma, mas a vontade de chorar apareceu quando eu pensava que já não podia mais derramar uma lágrima sequer.

— Não. – Admiti. – Eu estou triste, Nancy. Não queria estar assim, mas não consigo evitar. Só queria que isso passasse. – Confessei em prantos.

A mulher largou o bule prateado, onde passava o café, e chegou depressa do outro lado do balcão para me dar um consolador abraço. Comparada as últimas demonstrações de afeto que havia recebido por minhas eventuais crises de choro naquela semana, aquela, com certeza, ganhava em disparada do “Eu sabia!” de Michael e da tentativa um tanto mal sucedida de Anne de me distrair com compras. Fiquei feliz por alguém finalmente perceber que eu só queria um abraço honesto.

— Sabe, Nancy. Eu vou ficar bem! – Falei, saindo de seus braços e secando meu rosto molhado. Ela me olhou com tranquilidade e abriu um meio sorriso.

— Mas é claro que vai! Você é muito jovem, querida. Infelizmente ainda vai passar por muitas coisas nesta vida, mas acredite que, com um pouco de tempo, você sempre ficará bem! – Afirmou, apoiando brevemente a ponta dos dedos em meu queixo. – Essas coisas sempre passam. Uma hora ou outra! – Completou piscando para mim.

Assenti e deixei que ela terminasse o que estava fazendo, pedindo para que continuasse cantando enquanto o fazia, pois seu canto me distraia.

Depois do café, não tive mais desculpas para ficar plantada na cozinha, então subi para o andar de cima, passando pela porta fechada do quarto de meus pais. Ambos ainda estavam dormindo, provavelmente.

Nos próximos minutos apenas fiquei deitada de costas na cama, fitando o teto como se fosse uma televisão. Tudo o que eu conseguia pensar era: “Adam está bem?”, “Será que ele vai perceber o quão estúpido ele foi?”, ou, “Eu devia passar com o carro em cima de Dave!”. E quanto mais eu pensava mais indignada me sentia, imaginando como Adam seguiria em frente, talvez com Janice, sua stalker implacável, e esqueceria a ex que estranhamente decidiu beijar outro cara no meio do jardim, bem onde todos poderiam ver. Se não soasse ridículo, até que seria engraçado.

De repente ouvi a campainha alta, como se o som fosse dentro da minha cabeça, então me levantei lentamente e com a mesma velocidade desci e abri a porta da frente, franzindo o cenho de pronto.

— Marcus?

Marcus?

— Oi. – O loiro disse, com um sorriso de orelha a orelha.

— Mas o que diabos você está fazendo aqui? – Perguntei atônita.

— Bom dia para você também! – Ele falou, passando por mim e adentrando a casa. Eu ainda encarava-o, confusa. Será que meu pai o convidara? – Feliz em me ver?

Ele estava estranho, um pouco ansioso talvez.

— Claro! Mas você não disse que vinha. – Expliquei, ainda segurando a maçaneta da porta aberta, então fechei-a com uma leve batida. – Você vai ficar? – Pergunte, esperançosa.

Uma companhia sarcástica era tudo o que precisa naquele momento e ele, com certeza, me irritaria o bastante para me distrair dos pensamentos melancólicos.

— Só até você terminar de arrumar as malas. – Ele disse significativo.

Fiquei olhando para ele, sem entender nada.

— O que? – Inquiri.

— Eu não vim para ficar, Amanda. Eu vim te buscar! – Expos simples.

— Me buscar? Eu não estou entendo.

— Vai passar as férias comigo! Seus pais deram permissão.

Sacudi a cabeça embasbacada.

— Permissão? Eu não posso sair da cidade, Marcus! – Afirmei nervosa.

— Por que não? – Ele perguntou, cruzando os braços com um sorriso desgostoso. – Para ficar aqui? Trancada e chorando, como se o mundo tivesse acabado, até ter que voltar para a escola e perceber que ninguém além de você estava nem aí!

Senti a raiva exalando dele. Marcus nunca gostou de Adam e agora, com toda aquela confusão, muito menos. Meus olhos se encheram de água novamente. Por que eu tinha que ser tão manteiga derretida?

— Eu não vou, Marcus. Desculpe. – Persisti.

— Você vai sim! – Ressoou Michael, descendo as escadas e terminando de fechar o robe que vestia. – A passagem já foi comprada e o voo é ás seis. Esteja pronta até lá!

Olhei-o contrariada, então Marcus se aproximou de mim e pegou minhas mãos.

— Eu sei que está sofrendo, Mandy. E você não me deixa ajudar de um jeito. Então estou tentando ajudar de outro. Estou te oferendo uma válvula de escape. – Ditou firme. – Vem comigo.

Talvez eu não merecesse um amigo como Marcus. Ele realmente se preocupava com como eu estava, e eu só estava me preocupando com Adam! Eu não queria sair da cidade porque ainda esperava que ele se arrependesse e que tudo ficasse bem, mas não assumia que, enquanto isso, estava contagiando as pessoas a minha volta com a minha infelicidade. Eu realmente precisava de um tempo e, principalmente, daquela válvula de escape.

— É muito tempo para você me aguentar. – Falei desarmada.

Ele sorriu e deu de ombros.

— Eu vou sobreviver.

Sorri também, com um pouco menos de ânimo claro.

Depois do almoço me dediquei a arrumar as malas e preparar tudo, depois tomei um banho e me vesti tranquilamente. Acho que eu estava fazendo o certo dando um tempo. Talvez todos precisássemos disso. Adam poderia pensar com mais calma e sem pressão. Dave teria a chance de refletir sobre o quanto me prejudicou e, quando eu voltasse, as coisas estariam diferentes, ou pelo menos eu torceria muito por isso.

Perto das quatro horas tudo já estava pronto, só restava me despedir de meus pais e de Nancy. Optei por não avisar ninguém de fora, nem mesmo Teri. Ela ficaria bem com a companhia de Crystal e acho que seria até bom para a amizade delas, uma vez que Crystal parecia se sentir um pouco abandonada pelas amigas nos últimos tempos. Recebi um abraço apertado de Anne e outro de Nancy, que me desejou boa viagem.

— Faça boa viajem, Amanda! – Michael disse, apoiando as mãos nas laterais de meus braços. – Divirta-se.

Assenti, dando um meio sorriso. Por um momento tentei acreditar que ele estava fazendo aquilo por mim e não por ele mesmo, porque não podia, ou não queria, lidar com a minha situação.

— Vá colocando isto no carro enquanto Victor e eu pegamos as outras coisas, ok? – Marcus falou para mim, passando-me uma mala pequena. Peguei-a, e também uma mochila de cima do sofá, e saí pela porta, procurando o carro preto de Victor estacionado do lado de fora, na rua. Abri o porta-malas, colocando a bagagem organizadamente, e algo inesperado aconteceu.

— Amanda. – Alguém me chamou.

Surpresa, virei-me imediatamente para a voz masculina. Dando dois passos automáticos para a frente.

— Adam. – Ofeguei.

— Eu queria falar com você. Pensei muito antes de vir. Mas eu precisava, ou ficaria louco.

— O que... O que você quer falar? – Perguntei, colocando as mãos suadas de nervosismo nos bolsos.

— Talvez eu tenha exagerado naquele dia. – Ele começou sem jeito. “Talvez?” – Eu estava na sua casa. Não podia ter agido daquele jeito.

Imagina.

— Você foi muito cruel! – Expressei sincera.

Adam estreitou as sobrancelhas e encarou o porta-malas aberto, com as coisas que eu acabara de colocar.

— Você vai viajar? – Perguntou-me desconcertado.

— Eu... – Comecei, mas não pude nem completar a frase.

— Ei! Sua boba. Você esqueceu a bolsa no sofá! – Marcus gritou, trazendo a tal bolsa em uma mão, enquanto puxava com a outra uma mala grande. – Como pretendia viajar sem passaporte? – Ele parou de repente, percebendo a presença do outro e encarando-o nada amigável.

Adam sorriu com surpresa e escárnio.

— É. Acho que foi um erro vir aqui! – Adam encarou o loiro de volta. – Mas não se preocupe que eu não vou partir para cima de ninguém. Eu já aprendi a minha lição. – Disse virando-se para ir embora.

— Adam... – Chamei-o aflita.

"Não posso deixa-lo ir! Não posso!"

Ele se voltou novamente para mim. Mas seus olhos eram pura mágoa.

— Só pare, Amanda! Nenhum de nós tem que dizer mais nada. Está tudo muito claro agora. – Expressou seco. – Aproveite a sua viagem.

Enquanto ele ia embora, eu só pude ficar ali, assistindo com lágrimas desesperadas, meu grande amor partir, saindo definitivamente da minha vida.

— Amanda. – Marcus me chamou, segurando a porta de trás do carro aberta para mim. Sua expressão era de expectativa.

Respirei fundo e olhei para trás para onde Adam havia desaparecido.

Eu não quero mais ser a única a chorar!

E, pensando nisso, limpei as lágrimas com fervor, caminhando para o carro e entrando. Marcus entrou no banco do carona e Victor saiu pouco depois da casa, colocando a última mala no lugar. Quando ele deu a partida, senti meu coração solavancar.

Só siga em frente, Amanda. Só siga em frente!

No aeroporto eu, com esforço, consegui controlar a vontade de cair sobre meus joelhos e depois de me despedir de Victor com um abraço e um aceno no portão, Marcus e eu embarcamos e nos sentamos lado a lado no avião fretado.

— Como você está? – Marcus perguntou, enquanto aguardávamos a decolagem.

Dei de ombros, e ele respirou profundamente.

— Tudo bem. – Murmurou, mexendo-se desconfortavelmente na poltrona, e depois de um instante em silêncio falou de novo. – Quer saber o que me fez realmente mudar nesses anos? Por que eu resolvi não ser mais aquele moleque arrogante que eu era quando estudávamos juntos? – Encarei-o com as sobrancelhas estreitas e ele encarou isso como um sim. – Logo que eu fui transferido, eu conheci uma garota. Amelie. Ela era estudante de intercâmbio e ficaria na escola um ano. Ela foi a primeira pessoa com que eu fiz amizade. Sabe porquê? – Neguei com a cabeça. – Porque ela se parecia com você. – Apesar da surpresa, repuxei um sorriso sútil. – Mais em uma coisa vocês duas eram muito diferentes. Ela não era do tipo que deixava as pessoas entrarem facilmente em seu coração. O pai era militar e ele a criou assim.

— E o que aconteceu? – Perguntei curiosa.

— Eu me apaixonei. – Respondeu direto.

Ergui as sobrancelhas em surpresa.

— Você se apaixonou? – Repeti com desconfiança.

Ele sorriu pouco embaraçado.

— É. Mas ela não sentia o mesmo. – Contou nostálgico.

Ri mentalmente. Ele estava brincando?

— Quem não se apaixonaria por você? – Brinquei irônica.

— Ninguém, Amanda! Ninguém se apaixonaria de verdade pelo tipo de pessoa que eu era. – Ditou como se fosse óbvio.

— Você não era tão mal.

O rapaz riu sem graça.

— Você realmente não se lembra bem de como eu costumava ser, não é?

Abaixei a cabeça. Na verdade, eu me lembrava sim. Marcus era uma pessoa bastante difícil nessa época, era arrogante e, alguma vezes, muito mal humorado. Foi o seu lado extremamente esperto e eloquente que me fez ser sua amiga mesmo com tudo isso. Agora era fácil para mim ignorar completamente aquele passado.

— O que houve com a garota? – Inquiri-o.

— Ela voltou para a França. Mas eu nunca deixei de pensar nela. Ela me fez entender que às vezes não são os outros que tem que mudar e sim nós. – Seu tom de voz lembrava um velho sábio. – E também me fez perceber algo…

— O que? – Questionei quando ele deu a brecha.

— Que as francesas são mesmo muito cruéis! – Falou com um sorrisinho, balançando o dedo indicador para mim. Gargalhei. – E que, ás vezes, o coração de alguém simplesmente não nos escolhe. Porque está confuso, ou ocupado, e o que resta é seguir em frente. – Continuou, mais sério. – O seu coração está machucado agora. Mas quero que você tenha um bom momento enquanto estiver longe. Então, vamos esquecer toda essa merda e apenas nos divertir. – Falou, sorrindo como um bobo.

Encarei-o, tocada pelas suas palavras.

O coração de Adam tinha decidido não me escolher, e foi uma escolha própria. Ele decidiu que não teria mais volta, então, eu também não agiria como se tivesse. Eu me divertiria. E quando eu voltasse... Bem, nisso eu pensaria depois.

— E o que vai ser? Broadway? Times Square? Não me diga que vamos passar nossos dias fazendo compras, por favor.

— Estranho, eu nunca disse que nós íamos para Nova York. – Falou, arqueando uma sobrancelha.

— O que? Então para onde estamos indo? – Pedi chocada.

Aquele sorriso sacana voltou a dominar sua expressão.

— Você saberá quando chegarmos lá! Mas, por enquanto, melhor tirar esse casaco. Você não vai precisar dele aonde vamos!

Encarei-o boquiaberta.

Não adiantava me zangar, eu teria que ver aquele garoto todos os dias durante um bom tempo. Então, por que não entrar na brincadeira? Estávamos indo para um lugar para mim desconhecido e eu simplesmente fecharia meus olhos e relaxaria. Aproveitando o que tinha agora.

E os problemas? Que esperassem. Mornos, e aguardando para pegar fogo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.