Pretty

Oito ou oitenta.


— E aqui. – Falei passando pela porta, com Marcus logo atrás de mim. – É o meu quarto!

Virei-me para ele, que olhava atento cada detalhe do cômodo que encerrava nosso breve tour pela casa. E com passos lentos o rapaz se aproximou da cama, voltando-se para mim com um pequeno sorriso.

— Parece... – Começou ele, jogando-se no colchão de molas. – Confortável.

Cerrei os olhos e cruzei os braços, ensaiando um semblante altivo.

— Eu só o que eu mereço. – Falei, puxando de um canto a cadeira da escrivaninha e me sentando com as costas dela voltada para a frente.

Desta vez foi ele quem cerrou os olhos e, com a agilidade cabível ao atleta que era, agarrou as divisórias de madeira da parte de trás da cadeira de rodinhas e a puxou, me arrastando para perto da cama, e dele. Ficamos de frente um para o outro, separados apenas pela insignificância da divisória.

— Onde foi parar a sua modéstia, Srta. Rees? – Perguntou ele insinuante.

Soube, quase que imediatamente, que meu velho amigo havia dado um tempo e que aquela era a versão 2.0. A ousada e inquestionavelmente sexy.

Sacudi mentalmente a cabeça e bufei.

— Deve ter ido para o mesmo lugar que o velho e tímido Marcus! – Zombei, enquanto me levantava da cadeira.

Não me atrevi a olhar, mas tive a impressão de que ele sorria.

— Touché. – Disse o garoto, pegando uma almofada da cama e jogando-a repetidamente para o alto. – Então, o que vamos fazer agora?

— Não sei. O que você quer fazer? – Inquiri-o.

— Sei lá. – Marcus murmurou pensativo e, em menos de um minuto, uma ideia pareceu surgir. – Eu ouvi falar que tem um lago que as pessoas vão por aqui. Parece interessante.

Mordi os lábios, apreensiva. De todos os locais públicos daquela bendita cidade, ele tinha que lembrar justamente do lugar onde todos que, por hora, eu queria evitar, deviam estar naquele momento? Só podia ser brincadeira.

— Eu não acho uma boa ideia. – Falei, tentando disfarçar a agonia que sentia. Não queria revelar o motivo pelo qual eu não achava aquela uma boa ideia.

— Por que? – Questionou-me ele. – Tem algo de errado com esse lugar?

— Não. Não é o lugar. – Falei hesitante.

— Hum – Começou ele, sondando-me com cautela. – Tem alguém lá que você não quer ver?

Parei um instante, para pensar em uma boa justificativa, mas era evidente que só a minha hesitação já era suficiente como resposta.

— Eu realmente espero que não seja isso, porque eu ficaria bastante decepcionado. – Olhei-o com estranheza. – A Amanda que eu conheço não fica em casa escondida, enquanto os problemas tomam sol e se divertem.

Não sei se era psicologia reversa, chantagem emocional, ou se ele só queria sair da droga daquela casa, só sei que o que quer que fosse, funcionou.

— Não estou me escondendo! – Afirmei, tomando a direção do closet. – Pegue sua roupa de banho e me encontre lá em baixo. Em dez minutos!

Continuei no piloto automático enquanto me trocava. Eu não estava mesmo me escondendo, então, não havia motivos para eu me descabelar só porque havia a possibilidade de encontrar Adam, e Janice, e Dave, ou porque simplesmente tinha Marcus no meio de tudo isso, totalmente alheio a tudo. Eu não havia nem mesmo mencionado meu, mal começado e já estremecido, namoro, e, na verdade, eu estava bastante ciente de que isso podia causar um enorme constrangimento. Mas eu ainda me sentia em período de negação e, enquanto as coisas não ficassem esclarecidas, só preferia não ficar compartilhando, principalmente com ele, meus ridículos medos e inseguranças.

No lago, vários adolescentes desatarefados e com quase os mesmos cortes de cabelo e roupas, estavam por todo lado no grande espaço gramado, jogando Frisbee, namorando, ou apenas conversando e rindo. Muitas das garotas ali, praticamente todas, olharam com interesse para meu acompanhante enquanto nós dois passávamos, mas não senti que foi estranho, apesar de um pouco incômodo. Ele era bonito, claro que chamaria muita atenção.

— Você realmente chama atenção. – Observei com tom debochado.

— Olha só quem fala. – Ele replicou olhando em volta com os olhos semicerrados.

Eu não me importava mais com os olhares dos garotos, mas sabia que eles estavam por toda parte. Então apenas sorri encabulada.

— Esse lugar é muito legal! – Comentou Marcus. – Deve ser impossível achar algo assim em Nova York.

— Você elogiando Baton Rouge? A última cidade no mundo na qual você viveria. É sério? – Provoquei.

— Eu não tenho problemas com a cidade. É mais com a gente que vive aqui.

— E o que tem de errado com “a gente” que vive aqui? – Parei, junto com Marcus, sem coragem o bastante para fitar nos olhos o locutor a nossa frente. Que era ninguém mais, ninguém menos que meu maior nêmesis naquele momento. Adam.

Finalmente o encontro indesejado que eu estava fadada a ter desde a minha estúpida iniciativa de sair de casa.

— Eu não imaginei que você fosse vir até aqui. - Adam continuou.

— Que eu saiba esse é um local público. – Marcus soltou ríspido.

— Eu não estava falando com você. – O outro retrucou ainda pior.

Parei de procurar um lugar para esconder os olhos e encarei-o com firmeza.

— Só vim mostrar o lugar para o Marcus.

Adam franziu o cenho, consternado.

— Marcus? – Perguntou retoricamente. A boa e pura testosterona exalando. – Você? – Apontou para o rapaz ao meu lado, encarando-o. – Desculpa. Eu nunca consegui decorar o seu nome.

— Que nada. – Disse o loiro, abrindo um sorrisinho cínico. – Sei bem como é… – Falou, fingindo tentar recordar o nome do outro.

— Podemos conversar? – Adam disse, ignorando a provocação e olhando de novo para mim. Nervosa era pouco para descrever o meu estado.

“Não, por favor, agora não.”

Não consegui negar, muito menos assentir. Mas que porcaria eu devia fazer?

— Acho que ela não está muito afim. – Marcus, milagrosamente, se interpôs. – Além disso, estamos com pressa. – Disse, entrelaçando nossas mãos. – Vamos dar um mergulho e dar o fora! – Falou para mim.

Antes que Adam ou eu tivéssemos qualquer chance de questionar, Marcus me puxou até a beira do lago e, sem que eu pudesse impedi-lo, me pegou no colo. O fato dele estar sem camisa e eu apenas com a parte de cima do biquíni, pareceu trazer uma aura de intimidade opressiva entre nós. Eu podia sentir completamente o contato de nossas peles nuas, porém aquilo, surpreendentemente, não me constrangeu. Mas eu tenho certeza de que deveria.

— E esse sou eu, salvando uma pobre donzela em apuros. – Disse ele heróico. Cerrei os olhos, pronta para retrucar, mas com um sorriso divertido no rosto ele rapidamente deu alguns passos a frente e se atirou no lago, me levando junto para dentro da água fria. Onde eu estaria, pelo menos temporariamente, segura dos problemas. Mas até quando eu conseguiria seguir fugindo?

Depois das inúmeras tentativas de Marcus de me distrair com brincadeiras dentro d’água, ele deve ter realmente notado o quão desconfortável eu estava ali, pois perguntou, ou melhor, afirmou que eu parecia querer sair correndo daquele lugar. Algo em sua entonação acusativa soava como se dissesse: “Vá em frente. Fuja! Como um cachorro assustado.” E eu queria mesmo. Mas algo em minha personalidade extremamente orgulhosa obrigava-me a provar que eu não era uma covarde e que era capaz de enfrentar o que me constrangia. Então eu fiquei.

— Podemos ir ao cinema mais tarde. – Marcus disse, afundando a cabeça na água para ajeitar o cabelo. – O que acha?

Escapei de minha infinita, mas hiper discreta, busca por Adam, que havia desaparecido desde o momento em que Marcus me arrastara para longe, e encarei meu amigo sem realmente escuta-lo.

Não conseguia tirar da cabeça que me ver com outro podia tê-lo magoado. Eu havia pedido apenas um tempo para organizar as ideias e agora simplesmente caia de paraquedas em seu próprio território, trazendo um acompanhante que ele detestava a tira colo. Não demorou muito para que eu percebesse que estava agindo como uma vadia insensível.

Alguns minutos depois, enquanto saíamos da água concordantes em ir embora, continuei sentindo como se estivesse com uma bala alojada no meu peito, que não sairia dali enquanto eu não soubesse como minhas atitudes estavam sendo interpretadas por aquela pessoa.

— Marcus... Você pode ir na frente e me esperar no carro? Eu preciso fazer uma coisa. Não vou demorar, prometo! – Pedi.

Apesar de desconfiado, ele assentiu partindo na frente.

Procurei por toda a parte, até passar pelas árvores que davam direto na clareira onde Adam e eu nos beijamos pela primeira vez. Diferente do vazio do dia em questão, agora algumas pessoas circulavam pelo espaço, alguns jovens fumavam perto de um carvalho de aspecto um tanto sombrio, e bem no fundo da imagem encontrei o que tanto buscava. Observei um dos rapazes no circulo em torno de Adam passar-lhe uma garrafa de cerveja e cochichar algo no ouvido de outro rapaz ao lado, e aquilo estranhamente me incomodou. Nunca havia visto aquelas pessoas antes, e com certeza não eram da escola. Eles eram jovens, mas não o bastante para estarem no colegial. Talvez na faculdade.

Conforme fui me aproximando, notei que os semicerrados olhos de Adam não tinham o habitual foco e, mesmo sentado em um tronco velho, era perceptível uma certa embriaguez. Senti-me intimidada com a presença dos terceiros, mas não deixei que isso me impedisse de chegar até ele.

— Adam. – Chamei-o, passando pela roda de pessoas, e o rapaz, definitivamente alcoolizado, olhou diretamente para mim. Mas sem dizer sequer uma palavra, voltou a cabeça para o outro lado, como se minha voz, ou meu rosto, não tivessem absolutamente nenhum significado.

De todas as reações que ele poderia ter tido, confesso que nunca esperara uma tão desconcertante. Ainda assim, prossegui.

— Podemos conversar? Em outro lugar?

Olhei ao redor, para os indivíduos que fitavam nosso diálogo com estranho interesse. Quem diabos eram esses caras? Adam tomou outro gole de cerveja e levantou-se abruptamente.

— Sobre o que? – Cuspiu, com a fala levemente afetada pela bebida. – Você deixou bem claro que precisava de um tempo. – Falou ácido. – Eu só não imaginei que você se distraísse tão fácil.

Aquilo com certeza doeu. Suas palavras eram bem piores que as minhas expectativas. Eu precisava esclarecer tudo, mas a plateia ali só me reprimia.

— Adam. Vamos conversar. Sozinhos! – Insisti.

— Tudo bem, mocinha. Nada que o nosso amigo já não tenha nos contado. E, se quer a minha humilde opinião, nada legal o que você anda fazendo com o nosso garoto aqui. – Ditou um dos rapazes, jogando um braço por cima dos ombros de Adam e batendo com a palma da mão em seu peito. – Você não sabe o que está perdendo. Esse cara vale ouro. – Seu tom maldoso causou-me asco. Tudo o que eu queria era tirar suas patas de cima dele na marra.

— Eu não quero. – Falei áspera, encarando-o. – A sua opinião, digo. – Voltei-me novamente para o meu objetivo. – Adam?

— Tá certo. – Ele falou, largando a cerveja e pegando de leve o meu braço. – Eu vejo vocês depois.

Nenhum dos rapazes pareceu muito feliz com a escolha de Adam, e juro que até deram a entender que queriam mantê-lo ali, ou longe de mim, de qualquer jeito. Não sei que raios Adam havia dito àqueles estranhos sobre mim, só sei que eles me davam uma sensação nada agradável.

Em outro ponto mais afastado, passando por mais árvores, Adam e eu então paramos, fitando um ao outro com evidente inibição. Minha vontade de ficar parada e encarar fixamente o chão era imensa, mas o que eu ganharia com isso? Possivelmente, só que ele se irritasse e fosse embora.

— Você bebe assim com frequência? – Perguntei diligente. Não era a questão numero um no meu “plano de questões”, mas achei que fosse a melhor para quebrar o gelo.

— Vamos falar sobre bebidas?

Mas que idiota rancoroso!

Ele estava tão áspero, nem parecia com ele mesmo, o ele que eu tanto gostava. Recuei de meu precipitado desvio de assunto e voltei ao que era importante, ou melhor, decidi ser o mais objetiva possível.

— Você quer terminar? – Falei, abrindo uma fenda no meu próprio coração. – Digo, de vez.

Os olhos azuis de Adam tremularam e sua expressão se tornou séria e conflitante.

— Caramba. – Cuspiu com escárnio. – A sua fila andou tão rápido assim?

Quase me senti ofendida com a acusação, mas percebi o quanto aquilo o estava machucando, tanto quanto a mim provavelmente, e eu sabia que ele estava falando aquilo por estar com ciúmes de Marcus.

— Eu não tenho uma fila, Adam. É só você. E se você está dizendo isso por causa do Marcus, você é o maior paranoico de todos os tempos. Ele e eu somos apenas amigos. Amigos de infância, que estudaram no mesmo colégio praticamente a vida toda, e eu não vou simplesmente ignorá-lo porque, por uma ridícula coincidência do destino, vocês têm uma rixa estúpida de jogo.

Eu podia estar errada, mas a sombra de um sorriso parecia querer brotar de seus lábios cerrados. Respirei profundamente quando ele deu dois passos a frente.

— O jeito como ele te segurou, foi meio demais para um amigo de infância.

— Mas é só o que ele é! – Afirmei irritadiça.

— E nós? Somos o que? – Inquiriu-me, chegando mais perto.

Minha respiração acelerada entregava o meu total estado de nervos.

— Eu não sei, Adam! Ontem a noite eu disse que precisava pensar. Eu fiquei muito magoada por você não confiar em mim. E, apesar de eu querer muito, muito, deixar tudo isso para lá e ficar numa boa, você continua demonstrando que não se sente seguro comigo. – Expliquei, virando de costas para ele, para que ele não pudesse ver meus olhos marejados. – Você não acredita no que eu sinto por você.

De repente senti suas mãos alcançarem meus ombros e minhas pernas imediatamente vacilaram. Aquela estática que eu sentia quando ele me tocava ficava a cada toque mais forte. Tínhamos tanta química e ainda sim tantos problemas de relacionamento. Por quê?

Rompendo minha relutância, ele me virou de frente para si e segurou de forma suave, porém firme, as laterais do meu rosto, mantendo meus olhos nos seus.

— Não volte a dizer isso, Amanda. Eu seria um completo imbecil se não acreditasse no que você sente levando em conta que nós estamos aqui, conversando, mesmo depois de tudo o que você ouviu ontem. – Uma lágrima fugiu de minhas orbes e Adam gentilmente a secou. – Obrigado por não me condenar. Você viu quem eu sou, quem eu fui com você e que foi absolutamente real. Então, se eu não estou maluco, acho que você sente por mim o mesmo que eu sinto enlouquecidamente por você. E eu te amo, garota!

Tão logo, antes que eu mesma o fizesse, Adam cortou o espaço entre nós e me beijou, como nunca. Agarrando-me pela cintura e me carregando até me prensar contra o tronco da árvore mais próxima. O resquício da bebida em sua língua desapareceu completamente em poucos segundos e tudo o que restou foi o maravilhoso gosto da reconciliação.

Menos de vinte e quatro horas sem aquilo e eu já o queria como se fora uma eternidade. Meu peito queimava, mas era a sensação mais incrível que já havia sentido na vida. Acho que naquele momento eu realmente percebi, e aceitei que o estava amando. Amando com tudo de mim.

Adam não se distanciou um átomo, mantendo toda a magnitude do nosso momento. Ele parecia querer colocar toda a sua força, física e emocional, naquilo. Suas mãos passearam pelas laterais do meu corpo até encontrarem minhas mãos e levá-las acima da minha cabeça, e me prenderam ali, colada nele. Ao mesmo tempo em que me sentia vulnerável e exposta, seu poder sobre mim soava também extremamente lascivo e excitante. Me senti como uma simples serva de meus próprios desejos e dos desejos dele.

Mas, em um único instante, tudo aquilo foi tirado abruptamente de mim, trazendo-me arrastada para uma realidade de perfeito caos.

— Tire as mãos dela!

Em um segundo, Adam estava no chão com a boca sangrando devido ao forte soco que acabara de levar e eu tentava dar ao meu cérebro os comandos corretos para que meus corpo reagisse.

— Marcus! – Gritei, impedindo que ele voltasse a agredir o outro. – O que diabos você está fazendo?