Pretty

O significado de família.


Todos ainda olhávamos atentos para o médico. Mas por que ele não falava nada?

— Você é a mãe da Terisse? – O médico perguntou finalmente.

— Sim. Eu sou a mãe dela. – Meredith disse, aflita. – Eu sou enfermeira, pode me dizer sinceramente como ela está. O trauma foi grave?

— A paciente teve um traumatismo leve e precisou passar por uma pequena cirurgia, mas tudo ocorreu perfeitamente bem. Agora vamos mantê-la em coma induzido, apenas para que se possamos avaliar melhor o quadro, e também porque ela pode sentir um pouco de dor, mesmo com os analgésicos. – Explicou o doutor.

— Avaliar melhor o quadro? – Adam perguntou, inquieto. – Você acha que tem algo errado? Ela pode ficar com alguma sequela?

— Ela teve muita sorte. O ferimento, apesar de possuir alguma profundidade, não atingiu nenhuma área neurológica, por isso, não há possibilidade de haver nenhum tipo de sequela. Podem ficar tranquilos. – Tranquilizou-nos o médico. – Acredito que em dois ou três dias no máximo, ela poderá receber alta. Mas, por hora, ela permanece sedada.

Senti como se uma pedra de quinhentos quilos tivesse saído de cima das minhas costas. Lynn se agarrou a mim e chorou. Tudo o que não havia chorado desde que havíamos saído do parque. Naquele momento, eu entendi o que ela esteve segurando. Se fazendo de forte, porque alguém precisava ser, quando os outros estavam desabando. Mas agora ela era livre para demonstrar o que realmente estava sentindo. Adam abraçou a mãe, respirando profundamente aliviado. Dave e Crystal também consolaram um ao outro em um canto e permaneceram assim por um bom tempo. Fiquei contente com o que crescia entre esses dois, talvez isso fosse um momento crucial para que todos pudessem voltar ao que eram antes, mesmo que eu não soubesse exatamente o que eram.

— Meu pai veio me pegar. – Jason disse, algum tempo depois de termos noticias do estado de Teri. – Lynn, você vem?

De inicio ela relutou, porém estava muito cansada e não conseguia mais lutar contra o sono. Crystal também não queria ir, mas acabou deixando que Dave a levasse para casa. Com certeza as duas estariam de volta pela manhã. Kyle foi embora perto das duas horas. E ficamos apenas Adam, a mãe dele e eu.

— Adam, leve Amanda para casa, ela precisa dormir e dar notícias aos pais dela. Eles devem estar preocupados. – A Sra. Lokewood disse, esfregando os olhos.

— Eu estou bem! – Afirmei, mas meus olhos me entregavam. Já estavam tão pesados, que mal permaneciam abertos.

— Tudo bem, querida. Você pode voltar mais tarde, descansada. Adam, por favor. – Ordenou ela com uma aparência também bastante sonolenta. Provavelmente dormiria ali mesmo.

— Certo. Eu vou dormir um pouco. Mas eu volto de manhã. Até mais. – Me despedi dela com um abraço sutil.

Adam me levou para casa, mas ficamos calados o caminho todo. Quando ele estacionou na frente da minha casa, senti uma enorme vontade de ficar ali com ele. O carro estava desligado e nós dois parados, feito árvores com as raízes fincadas no chão. Não sabia o que dizer para consolá-lo. E o pior era que ele parecia esperar que eu dissesse algo. Quando eu não disse, ele o fez.

— Não devíamos ter saído. Eu tinha que estar com ela. Eu devia cuidar dela. – Falou, olhando fixamente para o volante.

— Foi um acidente. Jamais poderíamos esperar por isso. – Eu disse, pesarosa. – Mas ela vai ficar bem. Ela vai se recuperar completamente.

— Mas ela podia ter morrido. – Ele disse, duro. – Eu preciso voltar para o hospital. Durma um pouco. – Ele disse, virando a chave e ligando o carro. – Até mais, Amanda.

Abaixei a cabeça e me resignei. A atitude de Adam me fez pensar que, talvez, ele achasse que eu de alguma forma tinha culpa por ele não estar perto da irmã quando ela precisou. Para falar a verdade eu mesma, no hospital, tinha pensado muitas vezes nisso. Mas desconfiar de que ele pudesse me responsabilizar de verdade por aquilo, doeu muito mais do que a minha própria auto depreciação.

— Passe na sua casa antes. Pegue algumas roupas para a sua mãe, um pente e uma escova de dentes. Tenho certeza de que ela não saíra do hospital pelo menos por enquanto. – Eu disse e ele assentiu. – Até mais, Adam.

Saí do carro e entrei em casa, encontrando Nancy na cozinha. Acho que ela estava apenas checando alguma coisa na despensa, mas eu queria conversar com alguém sobre o que estava me incomodando, então fui até lá. Quando ela me viu, franziu o cenho.

— Menina, acho que você já sabe, mas seus olhos estão implorando por algumas horas de sono. – Ela disse, simpática como sempre. – Sua amiga está bem? Seus pais pareceram preocupados. Ainda devem estar acordados esperando você chegar.

Eu duvidava altamente daquilo.

— Ela está no hospital. Mas não corre nenhum risco, felizmente! – Sentei na bancada central da cozinha, quase deitando a cabeça no mármore frio.

— Que bom! – Disse consigo mesma. – Vá dormir criança. Você está mesmo precisando.

— Não sei se consigo. Estou preocupada com ela e... – Hesitei.

—E? – Questionou ela. Mas achei melhor guardar aquilo para mim. Não quis parecer carente e insegura.

— Nada, esqueça. Vou dormir um pouco e depois voltar para o hospital. – Verbalizei e fui para o meu quarto, encarando a roupa de cama branca, que parecia um pequeno pedaço do paraíso. Atirei-me na maciez dos lençóis e deixei minha mente totalmente vazia. Piscar lentamente, sentindo uma última lágrima caindo pela lateral do meu rosto, é a última coisa de que me lembro daquela noite.

* * *

Acordei exasperada na manhã seguinte, tateando a extensão da cama em busca do meu celular. Quando o encontrei, procurei pelas horas, pedindo aos céus para que não fosse tão tarde. Eram 9:30 da manhã! Levantei-me depressa e corri para o banheiro, tomando um banho rápido. Coloquei uma roupa qualquer e me apressei. A caminho da saída encontrei minha mãe. Ela se mostrou inquieta, sinceramente comecei a ficar preocupada logo que a vi acordada antes do das onze.

— Mãe? – Perguntei, confusa.

— Bom dia, querida. Queria saber se sua amiga ficou bem. Você disse que ela havia se machucado, mas não falou muito. – Ela disse meio sem jeito.

— Ela está em coma induzido. Mas vai ficar bem sim. Agora eu tenho que ir ao hospital. Com licença. – Falei, passando por ela.

— Eu... – Ela começou, antes que eu pudesse sair. – Posso acompanhá-la? – Franzi o cenho. – A menina. Teri, certo? – Assenti. – Pareceu ser uma boa garota e pensei que a mãe dela fosse precisar de alguém com quem conversar. Alguém mais maduro. – “Em que sentido?” – Estou tão aliviada que não tenha sido com você, mas foi com a filha de alguém.

Acho que surpresa não era bem a palavra certa para descrever o que eu estava sentindo. O que ela estava fazendo? Fiquei sem saber o que dizer por uns instantes, mas me lembrei de que estava sem tempo para ficar ponderando.

— Vou entender se não quiser que eu vá. Sei que já deve ter muita gente lá.

— Tudo bem, mãe. Acho que não tem problema.

O que eu estava dizendo?

— Mesmo? Então, só um minuto, vou pegar minha bolsa no quarto. – Ela disse, andando depressa até a escada.

— Vou esperar no carro! – Gritei para ela.

Logo ela estava ao meu lado no carro e, pelo canto dos olhos, via que me encarava o tempo todo. Mantive meu foco estritamente na estrada, mas aquilo me incomodava. Quando chegamos fui saindo depressa, esperando a mulher por educação. Na sala de espera, estavam Adam e sua mãe, mais corada e com novas roupas e cabelos penteados. Ela até sorriu quando me viu. Kyle e Lynn também estavam lá.

— Ei. – Falei com Lynn primeiro. – Alguma novidade?

— Ela está sedada ainda e, pelo visto, vai continuar igual por pelo menos 24 horas. – Informou-me ela.

— Ah. – Disse, quando notei que minha mãe estava um pouco avulsa entre nós. – Esta é minha mãe. Anne. – Apresentei. – Mãe, estes são a senhora Lokewood e Adam. A mãe e o irmão de Teri. Kyle, um amigo do colégio. E a Jocelynn você já conhece.

Ela sorriu e cumprimentou a todos. Por fim dei crédito a ela quando se prontificou a ajudar a Sra. Lokewood no que precisasse. Conversamos com ela e me ofereci para comprar algo para comer, já que não comia nada desde a madrugada anterior. Inesperadamente, Adam ofereceu-se para me acompanhar. Aceitei, mas tive receio do que ele tinha para falar quando estivéssemos sós.

— Amanda. – Como esperado, ele começou, enquanto caminhávamos até o refeitório do hospital. – Me desculpe por ter sido tão rude com você mais cedo. Eu só estava realmente muito nervoso com tudo o que houve. – Ele explicou.

Tive apenas um sentimento, o de profundo alívio.

— Não tem problema. Eu não tenho irmãos, mas imagino que seja isso que os irmãos devam ser para os outros.

Ele sorriu amarelo.

— Quando eu vi a minha irmã naquele estado e não sabia qual era a gravidade do que tinha acontecido. Se ela estava bem ou não. Parecia que eu ia enlouquecer. Se algo mais grave acontecesse com ela, eu jamais me perdoaria.

— Nem eu. – Eu disse, devaneando. Ele me olhou com doçura.

— Sinto muito, de verdade. – Ele disse, parando de frente para mim. – Posso te pedir uma coisa?

Observei sua expressão corporal e seu semblante tímido e sério me disse tudo o que eu precisava saber.

— Não precisa! – Afirmei, envolvendo meus braços ao redor se seu corpo e apertando-o junto a mim.

Ele recebeu o abraço com ternura e senti suas lágrimas quentes tocarem meu ombro. Não falamos nada durante alguns instantes. Já não me lembrava da comida, ou de qualquer um naquela sala de espera. Só me importava consolar aquele garoto que, embora tivesse força física para tranquilamente tirar alguém muito mais pesado do que eu do chão, estava ali, desmoronando por sua irmã caçula. Acho que eu finalmente entendi o que significava o verdadeiro amor. Contar com tudo de alguém. Teri era muito amada. E quando ela abrisse novamente os olhos, veria todo aquele afeto em torno dela. E eu tudo o que queria era estar lá, para absorver um pouco daquilo. Ser tocada por uma fina parte de algo que eu jamais tive. Amor incondicional, aquele que só encontramos na família.