Pretty

Jantar indigesto.


Estava a caminho de casa e ponderava sobre contar ou não a Adam sobre o surto psicótico de Janice. Talvez ele nem imaginasse o quão fanática por ele ela realmente era. Mas, no fim, acabei decidindo que não contaria. Seria uma enorme besteira incomodá-lo com aquela bobagem quando eu o conhecia tão pouco.

Mesmo tendo resolvido esse dilema, minha cabeça ainda era um turbilhão de pensamentos. Sobre meus pais, principalmente Michael, e todo o drama da nossa discussão passada. Honestamente, eu já não aguentava uma mãe que agora só fazia me perseguir pela casa e um pai que mais parecia um ditador de humor absolutamente instável. E pensar em tê-los comendo conosco, me causava calafrios. Talvez eu tivesse cometido um grande erro ao convidar as garotas para aquela casa nesse momento. Mas agora já estava feito, eu já havia inclusive pedido a cozinheira que preparasse mais comida.

Ao chegar, lancei-me rapidamente em uma corrida, do carro para o meu quarto, pois não queria correr nenhum risco de esbarrar com um de meus pais. Quanto menos por dia, melhor. Isso, com certeza, evitaria muitas brigas. Tomei um banho, vesti-me com algo mais confortável e desci para a cozinha, para espiar o que seria feito para o jantar.

— Olá. – Cumprimentei Nancy, nossa cozinheira.

Foi um pouco estranho, considerando que eu havia falado com ela muito pouco até agora, mesmo ela vivendo naquela casa cinco dias por semana, havíamos trocado algumas palavras apenas quando ela me levava coisas para comer no castigo, mas ela simplesmente tinha essa aura simpática e amistosa. Então logo relaxei.

— Olá. – Ela cumprimentou-me de volta, sorrindo. – Quer alguma coisa, criança?

Seu tratamento era diferente do que se poderia esperar de uma mulher como ela. Nancy era alta, robusta, tinha a pele negra, cabelos acobreados, e uma aparência bonita e jovial. Quando olhava para ela, pensava naquelas mulheres fortes e nada sutis que vemos em filmes, mas sua fala era tão macia quanto algodão.

— Desculpe atrapalhar. Só vim sondar o que está fazendo para o almoço. – Eu disse, observando a cozinha.

Não era um lugar ao qual eu ia muito, nem mesmo em Nova York, mas por alguma razão me pareceu o lugar mais aconchegante da casa.

— Deixe me ver. Hoje teremos cordeiro marroquino e risoto de cogumelos. Sua mãe costuma me passar os ingredientes que vocês mais gostam e eu organizo o cardápio com eles. O que acha? Parece bom?

Wow!

— Parece ótimo. Você é uma cozinheira realmente muito boa. Como aprendeu? – Perguntei, intrigada.

— Na faculdade. – Explicou Nancy.

— Faculdade? – Indaguei, surpresa. – E o que está fazendo aqui? Pagando alguma promessa?

Ela riu.

— Eu era sub-chef. Prestes a ser promovida, em um dos melhores restaurantes da cidade. – Ela contou, deixando seus olhos vagarem, e então suspirou. – Mas o destino me empurrou para outra direção e cá estou eu. Vocês pagam muito bem e eu tenho bastante liberdade criativa, então não é como se eu estivesse reclamando.

Ela parecia confortável conversando comigo. E realmente não senti como se ela estivesse infeliz com aquele emprego. Mas eu ainda podia notar algumas nuances de frustração na sua fala.

— Tenho certeza de que o seu talento não vai ficar preso nesta cozinha por muito tempo. Você é muito boa no que faz. – Elogiei-a, sinceramente.

— Você é uma garota gentil, querida. Obrigada. Talvez, um dia desses, eu acabe no Eleven Madison Park, quem sabe.

Sorri.

— Quantas pessoas virão esta tarde? – Ela questionou, voltando a sua seriedade profissional.

— Três.

— Tudo bem. Vou me encarregar de que tudo esteja maravilhoso.

— Legal. Obrigada.

— De nada. – Disse ela, cortando e amaçando o que eu achava que eram temperos.

Saí, para deixá-la fazer seu trabalho em paz. Anne estava na sala de estar, lendo uma revista, então sentei-me no sofá perto dela. Depois de alguns segundos, ela me olhou de soslaio e encarei-a, para que percebesse que eu tinha algo a dizer.

— Amanda? – Ela deixou a revista de lado, dando-me a brecha para falar.

— Eu convidei minhas novas amigas para jantar. Espero que não tenha nenhum problema. – Fui dizendo, insegura.

Era como convidar pessoas para a casa de . Permitido, mas meio constrangedor.

— O quê? – Minha mãe pulou do sofá e começou a gesticular de forma aleatória. Dei um solavanco para trás com o susto. – Por que não me disse antes? A que horas elas vêm? Preciso me trocar. E Nancy precisa preparar tudo.

Será que eu havia trocado a palavra "almoço" por "festa" sem perceber?

— Virão mais tarde. Eu já avisei Nancy. E não precisa se trocar, mãe. São só garotas e nenhuma delas é a Anna Wintour. – Expliquei, da maneira mais clara possível.

Ela riu, embaraçada.

— Eu sei. Mas são suas amigas e quero que tenham uma boa impressão.

— Tá certo, ok. – Respirei. – Mãe, elas não têm frescuras. Entende? Não se preocupe. – Como se elas já não fossem ficar bem intimidadas com aquela casa enorme. – Só sente-se e continue lendo sua revista. Tudo bem?

Pensei em dizer a mulher que comeríamos na área externa, mas ela ficou tão espontaneamente animada que simplesmente não consegui pisar em suas expectativas.

— Meu pai está em casa? – Perguntei, torcendo para que não.

Anne pareceu distante por um momento. É claro que ela sabia o que havia acontecido no sábado, mas provavelmente estava evitando tocar no assusto, para se poupar.

— Não. Mas acho que virá para o jantar. – Ela sorriu, amarelo.

— Ah.

"Que ótimo."

As meninas chegaram, todas juntas, perto das seis. E tratei de leva-las para o meu quarto depressa, antes que minha mãe as aporrinhasse com alguma conversa sem sentido.

— Moram apenas você e seus pais nessa casa enorme? – Teri perguntou, olhando ao redor do quarto.

Infelizmente não era grande o bastante para que eu não tivesse de encontrá-los diariamente.

— É. Eles parecem gostar de muito espaço. – Ri sem humor.

— Que bom que sou sua amiga. – Crystal disse, sarcástica, dedilhando os vestidos no closet, onde estávamos todas.

— Então são minhas amigas pelo dinheiro? – Fingi ressentimento.

— E pelo que mais seria? – Lynn falou, rolando os olhos. – Claro que também havia o fato de você ser uma forasteira com olhinhos carentes.

— Meus olhinhos carentes foram muito apelativos, não é? – Perguntei, balançando a cabeça. – Ei. Conhecem algum lugar legal, onde possamos ir no fim de semana?

— Tem o parque. – Lynn respondeu, de supetão.

— Que parque? – Inquiri, curiosa.

— O parque de diversões no extremo sul da cidade. É o máximo. Todo mundo vai lá. – Explicou Crystal.

— Parece legal. Vou falar com o Adam. – Explanei, pegando um fino casaco preto e branco para vestir.

— Adam? – Teri me questionou, intrigada, e elas se entreolharam. Parecendo não muito contentes.

— Ele me convidou para dar uma volta no fim de semana. Convidou todas nós, na verdade.

— Sem chance! – Teri exclamou, agora um pouco alterada. – Não vamos sair com o meu irmão idiota.

— O Kyle vai. E sem a namorada. – Afirmei, sem ter tanta certeza, admito. Mas resolvi arriscar.

Ela ficou apenas parada, por um curto espaço de tempo.

— Tudo bem. Isso é ridículo. Talvez devêssemos dar uma chance àquele boboca. Ele merece o benefício da dúvida, certo?

Ela fingiu ponderar o que já estava decidido. Segurei o riso e as outras a encararam, incrédulas.

— Você tem uma opinião muito firme, com certeza. – Crystal retrucou, sarcástica.

— Parem de ser tão extremas. É só um passeio no parque. O que pode ter de mal? – Ela se defendeu, com ares de inocência.

— Você pode levar o Jason se quiser. – Aconselhei Lynn.

Ela sorriu.

— Ótimo. Ficarei fazendo sombra nos casaizinhos. – A loira entre nós de repente pareceu mesmo chateada.

— Fala sério, Crystal. Não é possível que não esteja interessada em ninguém. Por que não chama um garoto da escola? Embora o único casalzinho de verdade que vai ter lá, sejam Lynn e Jason. – Indagou Teri, frustrada com a própria fala.

— E nós nem somos um casal, realmente, de qualquer forma. – Lynn disse, dando de ombros.

— Viu? Então iremos todos entre amigos. Problema resolvido! – Teri exclamou, com um sorriso maníaco.

Acho que para ver Kyle, sem Hanna por perto, ela seria capaz de amarrar cada uma de nós e nos levar em um porta-malas se fosse preciso.

— Ok. Se vamos todos entre amigos. – Crystal concordou e fiquei contente porque iriamos todas.

Logo que o jantar ficou pronto, minha mãe nos chamou no quarto e nós descemos, correndo e fazendo graça. Acabei dando de cara com meu pai sentando-se a mesa. Uma constatação desagradável com certeza, mas resolvi fingir que não me incomodava em nada. Sentamo-nos e eu tentei manter a ilusão de que sempre tínhamos jantares tranquilos e agradáveis. Mas o difícil era fazer Michael dançar conforme a música que eu gostaria. Afinal, ele tinha que ter o seu momento.

— Então foi com vocês que Amanda esteve o dia todo no sábado. – Ele começou, com o tom de quem queria chegar à um lugar bem específico. – Desculpem-me, mas ela nos deu um belo susto ao sumir sem dar qualquer satisfação. – Ele disse e, de repente, comecei a suar frio.

— Sábado? Não foi o dia em que você saiu com o Adam? – Crystal corrigiu, inocentemente.

Teri pareceu perceber que aquele assunto não devia entrar em pauta naquele momento e lhe lançou um olhar reprovador.

— Adam? – O homem perguntou, me encarando com uma expressão nervosa.

Baixei a cabeça. Não por medo, mas sim envergonhada pelas garotas.

— Adam é o meu irmão, senhor. – Começou Teri. – Eu havia prometido que mostraria a cidade para Amanda, mas eu fiquei doente nesse dia e, por isso, pedi a ele que fizesse isso por mim.

— Ela deve ter visto muitas coisas, para ter chegado quando já havia escurecido. – Ele cuspiu as palavras.

— Vi tudo o que precisava. – Retruquei, firme.

— Estou certo de que viu até além disso.

— Michael. Por favor. – Anne pediu, educadamente.

— O que foi, querida? Está com medo de encarar que nossa filha não está pronta para lidar com com a liberdade que estamos dando a ela? Porque eu com certeza estou.

— Vamos comer no jardim. – Levantei-me, com toda a raiva que me cabia. – Com licença.

As meninas se levantaram e me seguiram até a parte de trás da casa, onde havia uma varanda perto da piscina, com espreguiçadeiras marrons e uma mesa de madeira entalhada com quatro lugares. Fomos até lá e só falei algo quando nos sentamos.

— Eu realmente peço desculpas por isso. – Pedi, prendendo o choro. A vergonha, na verdade, era maior que a tristeza.

— Tudo bem. – Lynn disse, compadecida. – Crystal, controle sua boca grande da próxima vez, caramba.

— Desculpa. Eu não sabia. – Lamentou Crystal, atrapalhada.

— A culpa não foi sua. Ele teria encontrado outro motivo para me embaraçar. – Uma lágrima escapou de meus olhos e sequei-a rapidamente, com as pontas dos dedos.

— Não chora. – Murmurou Teri, com os olhos também marejados. – Ninguém tem a família perfeita. Como dizem, só muda mesmo o endereço.

Me obriguei a parar com o drama ao concluir que não tinha o direito de ficar me lamentando sobre meus problemas se não conhecia os daquelas garotas. Elas bem possivelmente tinham seus próprios fardos e não precisavam lidar com os meus. Pouco depois, Nancy veio até nós no jardim para nos servir o jantar, com seu habitual sorriso.

— Meninas, esta é Nancy. Nossa chefe de cozinha. Vocês vão se sentir em um restaurante com estrelas Michelin. – Falei.

— Olá. – Nancy sorriu, encabulada. Distribuindo os pratos na mesa. – Bom apetite, garotas.

Como eu previra, as meninas entraram em puro êxtase com a comida de Nancy e prometeram voltar outras vezes. Conversamos e lhes mostrei um pouco mais da área externa.

— Como alguém pode ter tantas árvores no quintal? Vocês devem estar salvando o ecossistema dessa cidade. – Lynn questionou, espantada, observando o imenso jardim.

Sorri, sem graça. Era mesmo um choque para elas, e para mim, a diferença social que existia entre meus novos amigos e eu. No antigo colégio, os pais de todos os meus colegas tinham tanto dinheiro quanto os meus, muitas vezes até mais, e eu nunca tinha me sentido diferente nesse sentido. Acho que eu estava começando a entender que isso talvez fosse exatamente o que eu precisava para começar a compreender de fato a vida. Conviver com pessoas “reais" e viver mais como e o que elas vivem.

Quando as garotas se foram, fiquei trancada no quarto e não saí para nada. Nancy bateu na minha porta mais tarde, para perguntar se eu queria um pouco de leite antes de me deitar, mas lhe respondi que não. Pensei muito sobre a discussão de antes e em como, possivelmente, Michael e eu nunca pudéssemos ter uma convivência verdadeiramente pacífica. Éramos como óleo e água. Então decidi que, dali por diante, evitaria qualquer discussão com ele, mesmo que isso significasse perder o fino laço afetivo que ainda nos restava. A partir de agora, eu controlaria as direções que a minha vida tomaria e seria firme neste propósito. Esta era a minha promessa, de mim para mim mesma.