Pretty

Conto de fadas secreto.


Não tinha ideia de como estávamos conseguindo manter aquele segredo, mas meu suspiro pesado conseguia expressar bem o quanto estava sendo difícil. Há quase uma semana Adam e eu escondíamos que estávamos juntos e, este mesmo tempo, sentia-me mal por enganar todo mundo, principalmente as minhas amigas.

Bem, Lucy soube logo que algo havia acontecido. Segundo ela, pela minha cara de Maria Madalena. Por isso contei-lhe sobre o beijo no lago, mas isso não amenizou em nada a minha culpa. Esta só desaparecia, quase que completamente, quando Adam me beijava e soprava no meu ouvido coisas que me faziam esquecer sobre amizade, lealdade, e qualquer coisa assim.

Durante aqueles dias, meu mais novo namorado tinha me visitado todas as noites, e essas visitas tornaram-se cada vez mais longas depois que ele descobriu uma maneira não desastrosa de pular o muro dos fundos da minha casa. Por algumas vezes quase fomos pegos por Michael ou Nancy, que eu descobri ser uma assaltante noturna de geladeiras, mas ainda assim conseguimos conservar a segurança da clandestinidade. E na escola tentávamos agir da maneira mais natural que conseguíamos, mas um beijo roubado no armário de serviço, ou uns amassos na biblioteca, eram brincadeiras divertidas demais para resistir.

Noite passada, havia questionado Adam sobre como “divulgaríamos” nossa condição e ele, mergulhado em devaneios preocupados, apenas disse que queria conversar primeiro com a irmã. Mas fato de eu ter concordado, na verdade não significava que eu compreendia o porquê daquilo. Era como se ele, realmente, precisasse do aval de Teri, ou pelo menos, de seu apoio. E sobre o maldito mistério que rondava aquele grupo, ele continuava a insistir que me contaria, assim que que nós nos assumíssemos para todos. Eu não tinha outra alternativa senão aceitar, uma vez que mais ninguém estava disposto a me falar nada.

Com tudo o que estava acontecendo, as mudanças, e a pressão que eu implicava a mim mesma, havia até me esquecido de que tinha de preparar o terreno para a tão esperada, e temida por mim, recepção que meus pais estavam organizando. Eles pareciam falar mais do que nunca no telefone e estavam sempre de segredinhos entre si, e tudo isso me assustava. Como eu poderia não desconfiar de que eles estavam aprontando algo? Entretanto, aguardar para ver as surpresas que eles me reservavam, por hora, era tudo o que eu podia fazer, e dali a exatamente uma semana, eu finalmente ficaria sabendo se aquilo me mataria ou não de ataque cardíaco. Eu também já havia comentado sobre com Adam e Lucy apenas, e Marcus é claro.

Falando em Marcus, conversamos muito por telefone e vídeo nesses dias. Ele estava realmente mostrando o quanto havia mudado, e que era a pessoa segura e objetiva que sempre quis ser. Algumas vezes ponderei se aquilo podia ser considerado uma traição a Adam. Primeiro porque os dois não se gostavam nem um pouco, e segundo porque, por diversas vezes, meu velho amigo havia deixado claro que se sentia, de alguma forma, atraído por mim. Mas ele era meu amigo de infância e essa era a primeira regra da mulher moderna: “Nunca abandonar seus amigos, por causa de um namorado!”, então era isso que eu estava tentando fazer. Por enquanto estava dando certo, mas e quando chegasse a hora de estarmos todos juntos, no mesmo ambiente?

Melhor não pensar nisso agora.

Agarrei a maçaneta das grandes portas de madeira marrom escurecidas e empurrei com força, encontrando logo na entrada, perto do balcão de Aurora, a bibliotecária, uma placa que pedia em azul: “Respeite o próximo. Faça silêncio.”. A jovem loira, de uns trinta anos e ex-aluna da escola, sorriu imediatamente ao me ver. Aposto que ela não seria tão afável se soubesse que não fui ali por causa dos livros. Passeei pelas enormes prateleiras de exemplares, olhando-as uma a uma e percebi que o lugar estava praticamente “às moscas”. Apesar de ser um bom espaço, a falta de interesse da maioria dos alunos era irremediável. Parei no corredor de “ciências humanas e anatomia” e sorri.

Muito engraçado.” – Pensei, adentrando o corredor e parando ao lado de um rapaz, que folhava tranquilamente um livro onde muitos vermelhos coloriam as imagens ilustrativas de corpos masculinos e femininos. Ele me olhou de soslaio e sorriu de lado, encarando mais objetivamente o livro.

— Não sabia que era um estudioso da anatomia humana. – Comentei casual, deslizando os dedos sobre as colunas de livros a minha frente.

Ele cerrou os olhos combinado com um meio sorriso sarcástico.

— Eu posso não ter mencionado. Mas eu sou um grande curioso da anatomia humana. Tão complexa e engenhosa... – Ele disse, fechando o livro e o depositando de volta no espaço vago. – Especialmente alguns tópicos. Como o coração... – Falou, andando lascivamente até me encurralar contra a prateleira alta. – As curvas... – Continuou, levando as mãos aos meus quadris e puxando-me para tentadoramente perto. – Os lábios...

Olhei-o entorpecida, enquanto ele segurava o meu rosto. Meu coração parecia um tambor elétrico.

— Acho que me perdi nos tópicos. – Falei incitante.

— Então me deixe te ajudar a se encontrar. – Ele disse, mordendo os lábios e levando sua boca até a minha com torturante lentidão.

Nosso beijo foi se aprofundando e logo senti aquela sensação de que meu corpo poderia entrar em combustão. Será que era normal sentir aquilo? Talvez eu estivesse me comportando como uma maníaca. Mas a culpa era toda desse garoto, que tinha o poder de me deixar assim, louca e inconsequente. Coloquei meus dedos entre nossos lábios para separá-los e respirei fundo com os olhos ainda fechados. Adam sabia como me deixar totalmente sem fôlego.

— Não que nossos encontros secretos não sejam bons. Mas temos que voltar aquele assunto. Temos que contar para Teri. E para os outros.

Ele suspirou consternado.

— Eu sei. – Adam disse, levando as mãos para o meu rosto e colocando meus cabelos educadamente para trás. – Amanda, aconteça o que acontecer, preciso que confie em mim. – Franzi o cenho para seu tom de súplica. – Eu, mais do que ninguém, não vejo a hora de que todos saibam que estamos juntos e que estou louco por você com todo o meu coração.

— Então por quê não acabamos logo com isso? – Pedi consternada.

Ele negou fechando os olhos.

— Tudo vai ser resolvido logo! Mas...

— Na hora certa. – Completei enfadada. – Você já disse isso. Mas essa hora parece casa vez mais distante por alguma razão. – Adam ameaçou falar algo, mas as palavras sequer saíram. – Melhor irmos, o intervalo já vai acabar. – Falei, ajeitando minha roupa, que ficara um pouco desalinhada, e andei para sair do corredor.

Adam pegou minha mão antes que eu pudesse ir longe demais.

— Não fique com raiva de mim. Por favor. – Ele pediu, estreitando as sobrancelhas.

— Como eu posso ficar com raiva de você, Adam? Se eu nem sei pelo o que!

O rapaz apenas se resignou, cerrando os lábios e abaixando a cabeça. Quando ele me soltou saí calmamente.

— Amanda? – Aurora me chamou quando eu saia. Voltei-me para ela, sobressaltada. – Não vai levar nenhum livro? – Ela perguntou desanimada.

— Eu não achei bem o que eu estava procurando. – Afirmei e deixei depressa a biblioteca, antes que ela fizesse mais perguntas.

Pensei se ela desconfiava de Adam e eu, mas percebi que no fundo não me importava. Quem estava preocupado com que todos soubessem era ele, e me peguei sentindo uma raiva flamejante. Não exatamente dele, mas dessa droga de segredo que ia me deixar doida a qualquer momento.

Ao dobrar a esquina para o corredor das salas topei com força em alguém, e tive o infeliz azar de que esse alguém fosse Dave. Minha paciência não estava elevada o bastante para aguentar seus sermões e avisos codificados.

— Oi. Amanda. Tudo bem? Você se machucou? – Ele perguntou, com as mãos em meus braços.

— Não. – Falei, tirando suas mãos.

Ele levantou uma sobrancelha, dando um meio sorriso. Incomodou-me que ele não tivesse se afastado, então dei dois passos para trás para abrir algum espaço entre nós e ele acabou estranhando.

— Está me evitando?

Sim!

— Não, Dave. Só não estou a fim de falar agora. – Expus, tentando passar por ele, mas seu corpo foi imediatamente para a frente do meu, me impedindo. – Ouça, eu tenho o direito de ir e vir, para onde e quando eu quiser. Entendeu? Você não pode me impedir de passar desse jeito! – Vociferei.

Ele riu, enquanto eu o encarava sem entender qual era a graça.

— Do que está rindo? – Perguntei, sem humor nenhum.

— Nunca vi você tão brava. – Ele disse divertido. – Devia ver a sua cara!

Senti um impulso de rir com ele, mas não o concretizei. Apenas inclinei a cabeça para o lado, apática.

— Eu vou indo, Dave! – Falei, novamente tentando passar, e novamente ele me impediu. – Vou bater em você! – Afirmei, deixando escapar um sorriso.

Ele parou de rir e me encarou fixamente.

— Sei que não sou sua pessoa favorita no mundo, mas mereço um crédito por te tirar desse mau-humor. Certo?

Rolei os olhos, mas acabei cedendo e concordando.

— Ok, valeu. Satisfeito? – Proferi irônica.

— Sim. – Ele disse, sorrindo amplamente. – Mas acho que mereço um pouco mais. – Fechei a cara imediatamente. – Ei, relaxa. Só seria bom, pra variar, se você me tratasse melhor. Sem quatro pedras na mão o tempo todo.

Minha armadura simplesmente despencou do meu corpo. Eu e meus julgamentos precipitados.

— Se você jogar fora as suas, eu jogo as minhas! – Falei, vencida, e ele assentiu, sorrindo radiante. – Agora posso ir para a aula?

Sem falar mais nada, ele me deu passagem, estendendo os braços como um cavalheiro. Estranho, mas pela primeira vez fiquei a vontade em uma interação com Dave e, de certa forma, me senti bem com aquilo. Para mim era preferível que ele e eu fossemos amigos, pois assim eu poderia convencê-lo de que não tínhamos nada a ver como casal e talvez, dessa forma, ele não acabasse tão magoado quando descobrisse sobre meu namoro com Adam.

Por um momento pude ter um alivio na consciência e me dirigir tranquilamente até a sala, para encontrar Teri e a professora medonha na aula de história. Eu ainda tinha a dura missão de permanecer indiferente sobre a suspeita de Teri de que o irmão estava saindo com alguma “vagabunda”, por estar chegando tarde todas as noites. Ela não sabia que eu era a pessoa com quem ele estava, mas ouvi-la falar assim era horrível, e eu só tinha vontade de gritar que eu era a namorada do irmão dela. E que não era nenhuma vagabunda!

Aquilo ia realmente me deixar maluca.

Você consegue, Amanda! Você consegue!