O sol havia acabado de nascer quando Riley terminou de se vestir. Atipicamente, fazia um pouco de frio naquela manhã, embora houvesse a promessa de um dia ensolarado. A garota vestiu-se com uma calça jeans preta, uma camiseta cinza de manga comprida e uma jaqueta de couro escura. Seus cabelos estavam uma bagunça, mas ela decidiu que valia a pena perder alguns minutos penteando-os. Não gostou do resultado, então decidiu enfiar uma touca bordô por cima para disfarçar. Ficou bom.

Ela abriu o WhatsApp e percebeu que dentre os outros quatro sobreviventes, apenas Junior visualizara o aplicativo recentemente, sinal de que ele estava acordado. Apesar de estar querendo conversar, Riley não tinha intimidade alguma com o rapaz, de modo que desligou o celular sem enviar qualquer mensagem.

Eles se encontrariam às oito da manhã na casa de Andi, e de lá seguiriam para Malibu. O plano era perguntar a respeito da família Alighieri em todos os comércios do centro da cidade. Como um presente da memória, Riley se lembrou de Lucas ter mencionando que os avós eram ricos e tinham uma enorme propriedade de frente para o mar e perto de um farol, de modo que a tarefa deles provavelmente não seria muito difícil. Apesar disso, Riley tinha muito medo do que encontrariam.

A ruiva não havia tido qualquer sinal a respeito do acidente de Lucas, o que era bom. Mesmo assim, por algum motivo, ela estava completamente sem esperanças de encontrá-lo com vida. Talvez fosse por conta da reunião com Lola, que se mostrara útil, mas bastante desanimadora. Não havia nada que eles pudessem fazer para deter a lista, aparentemente. A não ser que eu morra antes de chegar a minha vez. Mas isso não vai acontecer.

Riley já havia decidido isso em sua cabeça. Por mais que amasse Andi mais do que qualquer outra pessoa no mundo (talvez mais até do que seu próprio pai), ela não estava disposta a desistir de sua vida para que os outros pudessem viver. Era um pensamento egoísta, a ruiva sabia, mas era o único pensamento que ela conseguia ter. Por mais mórbida que a situação em que eles estavam fosse, a vontade de viver dela estava mais forte do que nunca.

Sentada na varanda esperando o horário de sair, Riley subitamente lembrou-se de Sketch. Lembrou-se também do dia em que ele a visitou para lhe contar sobre Anna. Ela tinha a clara memória daquele dia. Lembrava-se que ele estava com uma mochila em suas costas, usando uma camiseta roxa e uma bermuda cáqui, e com um par de mocassins da cor marrom em seus pés. Lembrava-se também, mais do que tudo, do beijo que ele lhe dera. Um beijo rápido, urgente, como se não houvesse tempo a perder. Se Riley soubesse disso, naquela época, teria aproveitado mais. Mas agora isso não importa. E era verdade. Sketch era só uma lembrança do passado.

Riley temia, mais do que tudo, se tornar também isso.

Temia ser apenas uma lembrança do passado na vida das outras pessoas.

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O grupo estava na estrada há mais quatro horas quando decidiu fazer uma parada para pedir informações. Como esperado, o dia estava bastante ensolarado, contrastando com a manhã gélida.

Junior, que estava no volante, foi o primeiro a sair do carro. Ao seu lado, Nina fez o mesmo, abrindo a porta e sentindo o ar quente do começo da tarde de encontro ao seu rosto. Seus olhos vermelhos estavam cobertos por óculos escuros que cobriam também boa parte do seu rosto. Uma maquiagem delicada feita por Andi era o suficiente para deixá-la corada e com uma aparência mais saudável. Nina vestia-se com uma regata branca e uma camisa xadrez (emprestada do namorado) por cima dela. Em suas pernas havia um par de shorts jeans, e em seus pés ela calçava botas de cano curto.

Nos bancos traseiros, Paris, Riley e Andi também saíram do veículo, cada um deles reagindo à sua maneira. Depois de tanto tempo presos dentro daquela caixa de ferro, era bom poder sentir o sol de encontro com a pele. Especialmente para a ruiva, que se apressou em tirar a jaqueta e a touca e deixá-las no banco do carro.

Paris olhou para todos os lados, tentando se localizar. Ao que parecia, eles estavam em frente a uma espécie de clube, já que havia uma quadra de tênis, uma cantina e uma quadra de basquete até o ponto em que os olhos podiam alcançar. Mais além, o rapaz conseguia ver com dificuldade uma piscina com diversas crianças e adultos correndo ao seu redor.

— “Clube Castle”. — Paris ouviu a voz do seu gêmeo dizer. Ele virou-se na direção do irmão e viu que ele apontava para um letreiro que estava em cima de onde eles haviam estacionado o carro. — Parece chique. Com certeza alguém aí dentro deve ter alguma informação sobre os Alighieri. Eu vou pedir informação.

Junior então se afastou do grupo, entrando na cantina de maneira apressada. Nina o seguiu sem dizer qualquer palavra. Paris meneou a cabeça positivamente para o ar, sem saber para quem respondia.

Andi e Riley sentaram-se em cima de uma mesa de concreto disposta em frente à quadra de tênis. Inscrito nela estava um tabuleiro de xadrez, bastante comum em mesas de parques. Assim que a ruiva ajeitou-se confortavelmente no local, ela ouviu um barulho característico, como se tivesse derrubado algo no chão. Quando ela se abaixou para ver do que se tratava, percebeu uma peça de xadrez. Uma dama. Por algum motivo, ver aquela peça ali, caída no chão, fez Riley tremer. Será que... É um sinal?

Se fosse, não havia muito que ela pudesse fazer. Se o alvo daquele sinal fosse Lucas, tudo estava perdido. Ele estava incomunicável, de modo que salvá-lo naquele momento estava fora de cogitação. Se o alvo fosse o próximo da lista, Riley tinha os olhos em todos eles. Avisá-los do perigo iminente poderia acabar causando o efeito contrário, de modo que tudo o que ela podia fazer era ficar atenta a qualquer acidente em potencial. Como visionária, aquela era a sua benção e a sua maldição.

Há alguns metros delas, Paris assistia com atenção ao que acontecia na quadra de tênis. Não havia nenhuma partida acontecendo, apenas um rapaz de cabelos compridos treinando. Ele rebatia os objetos enviados por uma máquina responsável por lançar bolas de tênis com rapidez e sagacidade, como um profissional. As bolas vinham há uma velocidade tremenda, mas ele as rebatia segundos depois, sempre preparado para o lançamento seguinte.

Mas então, de repente, o rapaz errou o golpe. A bola voou por cima dele, passando perto da cabeça de Paris, que só não foi atingido porque se abaixou no último segundo. O rapaz olhou para trás e percebeu que Andi e Riley haviam feito o mesmo, e então sorriu. Aquele golpe provavelmente teria doído.

Distraído com os movimentos ritmados executados pelo rapaz na quadra, Paris não percebeu quando Riley se aproximou dele. Seu olhar estava fixado em um baralho que estava posicionado em cima da máquina de lançamento de bolas, que tremia levemente a cada vez em que realizava um arremesso. O baralho em cima dela também tremia, girando em círculos ora na direção da beirada do aparelho, ora na direção do seu centro, onde as bolas eram colocadas. O curioso era o fato de que aquelas cartas não pareciam ser normais. De onde o rapaz estava, ele podia ver que o desenho do lado de fora da caixa indicava que se tratava de um baralho composto por cartas feitas de aço inoxidável. Por que alguém faria algo assim?

Paris assustou-se quando a ruiva tocou seu ombro com delicadeza, esquecendo-se do assunto sobre o qual refletia.

— Eu estou numa vibe de viver como se cada dia fosse o meu último, então tem uma coisa que eu preciso te dizer. — Ela falou de repente, tirando Paris de seus devaneios. O rapaz apenas meneou a cabeça positivamente, pedindo que a garota prosseguisse. — Você se lembra daquele dia em que você me salvou de ser atropelada?

O rapaz respondeu com um aceno de cabeça, sorrindo e completando:

— Com frequência.

Riley sentiu-se ficando corada por algum motivo que não sabia explicar. Ela pigarreou algumas vezes e falou:

— Eu nunca te agradeci devidamente por aquilo, então... Obrigada. Muito obrigada por ter me salvado. — Ela então abaixou a cabeça, continuando: — Se você não tivesse feito isso, nenhum de nós estaria aqui hoje. Eu nunca teria ido para o Atlântida, e então nunca teria tido aquela visão. No fim das contas foi você que salvou a todos nós.

Salvei? Se isso que você diz for verdade, fui eu que condenei a todos nós.

Paris sentiu-se incrivelmente deprimido com aquela afirmação de Riley. O que ela dizia era verdade, mas a sua boa intenção com aquela fala não surtira efeito. Se eu nunca tivesse salvado a Riley daquele acidente, então todos nós teríamos morrido no iate. Mas no fim das contas... Que bem isso nos fez?

— Oh, não! — Riley exclamou de repente, percebendo a expressão facial no rosto do rapaz. — Eu não quis transferir a culpa dessa situação pra você e...

Paris sorriu e colocou delicadamente um dedo na frente da boca de Riley. Vê-la se desculpar daquela forma lhe deu uma perspectiva diferente sobre o assunto.

— Não tem culpa nenhuma envolvida nisso, Riley. Não é como se nós soubéssemos das consequências das nossas ações. Nós fizemos o melhor que podíamos. Eu salvei uma vida, você salvou dez. Não importa que essa lista maldita esteja tentando tomar nossas vidas de volta, o seu gesto foi lindo e altruísta independente de tudo isso. E, além disso... Ainda não está acabado. Nós podemos conseguir. — Paris parou de falar por alguns segundos, mas então prosseguiu, corrigindo: — Não, melhor. Nós vamos conseguir.

Por mais que o rapaz se esforçasse pra que aquela fala soasse convincente, nem ele mesmo tinha plena certeza daquilo. Apesar disso, Riley sorriu e meneou a cabeça positivamente. Assim como ele, ela decidira que o melhor a se fazer era tentar se convencer de que tudo daria certo e ter esperança.

Mas então aconteceu.

O baralho que estava em cima da máquina de lançamento caiu dentro da cavidade onde se colocavam as bolas. Paris viu a cena no exato mesmo momento em que ela aconteceu, mas demorou alguns segundos para entender o que aquilo significava. Quando ele percebeu a situação, gritou:

— Andi!

A garota de cabelos violetas olhou para o casal em frente à quadra de tênis no mesmo instante. Intrigada, ela ficou de pé, pronta para seguir na direção deles. Quando Andi finalmente viu o que vinha em sua direção, já era tarde demais. Toda a ação durou poucos segundos.

As cartas voaram através da quadra de tênis, passando ao lado do tenista, Riley e Paris e acertando Andi em cheio. A primeira delas acertou a sua jugular, fincando-se de maneira profunda e fazendo uma razoável quantidade de sangue escorrer através de seu pescoço até o busto. As duas seguintes acertaram seus pulsos, abrindo grandes cortes que também começaram a sangrar e pingar no chão. Por fim, mais duas cartas foram arremessadas, acertando os dois olhos de Andi e fazendo com que ela emitisse um grito de dor alto o suficiente para que Paris virasse o rosto.

Quando o corpo de Andi caiu no chão, ele já estava sem vida. Uma quantidade imensa de sangue começou a escorrer de seus olhos, tingindo toda a sua face de vermelho e pingando no chão de pedra.

Riley não conseguiu gritar. No mesmo instante Paris correu na direção da cantina, talvez para pedir ajuda. Não adianta, ela já morreu. Era a vez dela. A ruiva por sua vez, só conseguiu observar a cena. A melhor amiga morta, estirada no chão e com sangue escorrendo através de seu corpo. Ela queria chorar, gritar, morrer, correr para longe dali. Flashes de momentos que ela vivera com Andi passaram diante de seus olhos. Andi, a pessoa que lhe ensinara o significado de amor incondicional. Um amor maior que o romântico, capaz de superar todos os obstáculos. Um amor puro, genuíno e desinteressado, que nada pedia em troca, apenas agregava. Um amor que a salvara de si mesma quando tudo o que ela mais quis foi morrer. Esse amor morria ali, na sua frente. Andi estava morta, e levava consigo qualquer resquício de esperança que Riley tinha guardado dentro de si.

Subitamente uma paz absoluta tomou conta da ruiva. Ela só conseguiu abaixar a cabeça e respirar fundo algumas vezes. E então sua visão ficou escura e ela não conseguiu ver mais nada.

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Um ano e meio antes...

Riley estava sentada em uma mesa afastada da cafeteria. Há alguns metros de onde estava, a garota conseguia ver o quarteto formado por Nina, Junior, Paris e Michaela. Os gêmeos estavam com as suas jaquetas do time de futebol, enquanto a garota loira utilizava o seu uniforme de líder de torcida. Michaela por sua vez, estava toda vestida de rosa, com um arco branco em sua cabeça. Ao lado deles estavam outros três ou quatro alunos populares dos quais a ruiva não lembrava o nome. Mas não importa. Eles pareciam estar rindo de alguma coisa bastante engraçada.

Quando Andi chegou até a mesa de Riley, ela notou que a amiga parecia distraída, mas decidiu não comentar nada. Lucas chegou alguns segundos depois, com a sua bandeja em mãos.

— O que aconteceu com ela? — O rapaz perguntou quando viu o olhar perdido de Riley.

— Eu posso te ouvir, sabia? — A ruiva respondeu, desviando o olhar para Lucas e sorrindo. Ele sorriu em resposta.

O silêncio pairou na mesa por alguns segundos. Quem o quebrou foi a própria Riley:

— Eu falei com a minha mãe por telefone hoje.

Andi arregalou os olhos, ao mesmo tempo em que Lucas abaixou a colher que tinha em mãos.

— E o que vocês falaram? — A garota de cabelos azuis perguntou.

— Ah, a mesma abobrinha de sempre. — Riley respondeu. Continuou: — Ela disse que está com saudades, que sente muito sobre tudo o que aconteceu e blá, blá, blá. Nada que eu já não tenha ouvido antes.

Andi meneou a cabeça positivamente, compreendendo. Ela sabia que apesar de Riley reagir de maneira sarcástica à situação, no fundo a amiga sofria bastante com seu relacionamento com a mãe. A garota queria ser capaz de dizer qualquer coisa que pudesse ajudá-la a não se importar com aquilo, mas não sabia o que seria eficaz. Decidiu não dizer nada, apenas tocar o braço de Riley de maneira delicada, sinal de que a apoiava.

A amiga não sabia, mas para Riley aquele gesto significou o mundo. Não importava que seu pai fosse indiferente a ela, ou que sua mãe a tivesse abandonado e agora estivesse arrependida. Desde que ela tivesse a amizade de Andi, tudo estaria certo no mundo. A vida (e isso incluía seus próprios pais) poderia fazê-la sofrer, chorar e sentir-se a pessoa mais infeliz de todas, mas bastava alguma palavra de Andi para que Riley respirasse fundo e decidisse tentar de novo. Naquele momento, com aquele simples gesto, ela se pôs a refletir o que faria se um dia a amiga não existisse mais. É mórbido só de pensar. Nunca vai acontecer. Com a quantidade de álcool que eu tomo, eu vou partir dessa pra melhor muito antes dela mesmo...

— Obrigada, amiga. — Foi tudo o que Riley disse.

Andi sorriu em retribuição. Para Riley, aquele era o sorriso mais bonito de todos.

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Um ano e meio depois...

Paris observou Riley mais uma vez, ao longe. A garota estava sentada na areia da praia, em estado catatônico. Ela apenas observava o mar com um olhar estoico, vendo as ondas irem e virem num compasso ritmado. O rapaz sabia que não devia importuná-la, não importava as consequências. Mesmo que eu seja o próximo, eu posso esperar. A dor dela é maior do que tudo isso. Ele havia perdido Michaela, sabia o que Riley estava sentindo. Dói, eu sei, Riley. Mas vai ficar bem. Tudo vai ficar bem...

Quando Junior tocou o ombro do irmão por trás, o gêmeo assustou-se.

— Calma, Brian, sou eu.

Paris sorriu com a maneira como o irmão o chamou. Por algum motivo, sempre que Junior o chamava de “Brian”, Paris sentia-se como um garotinho indefeso. Sentia-se como o gêmeo mais novo que era, mas do qual se esquecia completamente por vezes. Estava acostumado a cuidar do irmão mais velho, e era estranho quando os papeis se invertiam.

— Eu estou calmo, “Jeremiah”. — O rapaz falou, fazendo aspas com as mãos.

Junior tentou sorrir com aquela fala, mas não conseguiu. Ele respirou fundo e falou:

— Eu consegui falar com o pai do Lucas, ele finalmente atendeu o celular. O Lucas está morto também.

Paris meneou a cabeça negativamente, frustrado. Ele imaginava que aquilo tivesse acontecido, mas tinha esperança que eles pudessem chegar a tempo de salvá-lo. Mesmo quando Andi morreu, ele ainda acreditava que o rapaz pudesse ter escapado assim como Nina escapou. Era possível, não era? Não, nunca foi. Ele morreu. Como eu vou contar isso pra Riley?

— A Nina também está em cacos. — Junior continuou, como se lesse os pensamentos do irmão. — O Lucas e ela se tornaram melhores amigos no college, então ela está inconsolável. O que é que nós vamos fazer, irmão? Somos só eu e você agora. Um de nós é o próximo.

O outro gêmeo meneou a cabeça positivamente, concordando.

— Não existe uma solução fácil pra essa situação. — Paris concordou. — Um de nós vai precisar ceder.

Aquela fala arrepiou todos os pelos do corpo de Junior.

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O quarteto estava sentado no chão do topo de um farol em Malibu. Já era fim de tarde, e o sol se escondia por trás do mar a cada novo minuto. Riley voltara a colocar sua jaqueta e touca, já que fazia um pouco de frio ali em cima, tão perto das ondas. O vento soprava de maneira ritmada e sonora, assoviando a canção das águas.

Nenhum deles dizia qualquer palavra. Riley mantinha-se estoica, olhando para as coisas sem realmente vê-las. Ela não dissera qualquer palavra desde que ficara sabendo sobre a morte de Lucas, se limitando a exclamar um “oh” sussurrante ao ouvir a notícia sair dos lábios de Junior. Ela também não havia chorado, o que preocupava Paris. Ele sabia o quão importante era expressar seus sentimentos, e sabia que Riley não estava lidando de maneira saudável com aquelas perdas. Mas quem pode culpá-la?

— Eu preciso perguntar. — Paris disse de repente, sentindo a frase sair num impulso. Tanto Junior quanto Nina olharam para ele no mesmo instante. Riley não se moveu um centímetro. — Quem é o próximo, Riley? Eu ou o meu irmão?

A ruiva ergueu a cabeça de maneira lenta, como se aquele pequeno gesto exigisse dela uma tremenda força, algo além de suas capacidades físicas. Ela encarou Paris por alguns segundos, seus olhos castanhos mais escuros do que nunca. E então Riley apenas mexeu a cabeça de maneira leve, apontando para ele.

Paris sentiu seu coração batendo mais forte no peito.

— Quais são as nossas opções? — Ele falou num rompante, sentindo-se ansioso.

Nina retirou os óculos escuros e os colocou no chão ao seu lado. Seus olhos ainda estavam bastante vermelhos, mas ela já havia se acostumado com aquilo.

— Só existe uma opção. — A garota disse de maneira pragmática. — Um de nós precisa morrer. Um de nós que não seja você, no caso... — E então a loira olhou imediatamente para Riley.

Junior percebeu aquela atitude da namorada, de modo que franziu o cenho.

— Ninguém vai morrer. — O rapaz disse. Ele estava prestes a continuar sua fala, quando Riley ergueu a cabeça e o encarou por alguns segundos. O olhar dela era arrepiante.

A ruiva disse:

— A Nina está certa. Um de nós três... — E então ela apontou para si mesma, depois para Junior e por último para Nina. — Um de nós três precisa morrer para que os outros se salvem. — Um sacrifício. — Foi o que a Lola falou. Nós precisamos quebrar o padrão da lista da morte.

Junior meneou a cabeça negativamente, chocado com a atitude das duas garotas.

— Não, não, vocês duas estão malucas! O que vocês estão insinuando com isso? O Paris não pode morrer, porque agora é a vez dele. E eu não imagino que vocês duas iriam sugerir isso se pensassem em morrer para nos salvar. Então, no fim das contas, vocês estão querendo que eu me mate.

Nina arregalou os olhos, negando veementemente com um aceno de cabeça.

— Oh, não, de jeito nenhum!

— Hey! — Riley exclamou, falando um pouco mais alto pela primeira vez. — Então sou eu, Nina? É isso?

— Não tem que ser ninguém... — Junior tentou apaziguar a situação, mais foi interrompido pela namorada.

Nina levantou-se subitamente, o vento proveniente do mar mexendo em seus cabelos loiros. Com os olhos vermelhos, ela parecia uma visão transcendental, vinda de outro mundo. Suas íris douradas brilhavam com a luz do sol que se punha.

— É isso mesmo, Riley. — A loira confirmou num tom de voz calmo. — Você precisa morrer. Faz sentido, não é? Todos os seus amigos estão mortos mesmo, não vai fazer diferença nenhuma pra você. Você previu essa merda toda e nos colocou nessa situação. É seu dever nos tirar dela, não acha?

Paris sentiu um pânico crescendo dentro de si. Ele imediatamente olhou para Riley e percebeu que a garota voltara a abaixar a cabeça, quieta. Junior por sua vez, negava com a cabeça de maneira veemente.

— Para, Nina, só para! Você não está falando coisas com sentido e...

Pela segunda vez, Junior foi interrompido por uma atitude de Riley. A ruiva levantou-se de onde estava, assim como Nina, ficando frente a frente com a loira. Ela ainda continuava com a cabeça abaixada, os cabelos ruivos caindo em frente ao rosto. Quando ela o levantou, porém, havia um mórbido sorriso em seu rosto.

— Eu concordo, Nina. — Riley murmurou. — Então vamos acabar logo com isso. Você tem coragem de me matar?

Os gêmeos se levantaram ao mesmo tempo, temerosos. Paris estava prestes a dizer alguma coisa quando Riley continuou:

— De preferência use essa arma que você guardou dentro da sua bota. Eu acho que vai ser mais digno do que eu me jogar daqui de cima e deixar que o meu corpo seja carregado pelo mar. No fim das contas, eu quero que o meu pai possa se despedir do meu corpo.

Junior arregalou os olhos com a fala da ruiva. Ele não teve tempo de questionar Nina antes que a garota se abaixasse e retirasse a arma que trazia em sua bota. É a arma do papai, o rapaz reconheceu imediatamente.

— Mas que porra, Nina! — Paris falou, erguendo os braços e colocando as mãos na cabeça. — Abaixa essa merda. Tira ela da minha direção. É óbvio que ela vai causar a porra do meu acidente!

Riley sentiu-se subitamente zonza, e então segurou de maneira firme na amurada de ferro que circundava o farol. Paris correu imediatamente na direção dela, preocupado. Junior aproveitou aquela distração para se aproximar por trás de Nina, tentando retirar a arma de suas mãos.

— Não! — Ela exclamou, virando-se e apontando a arma para o namorado. — Eu vou fazer isso pela gente, eu...

Junior não perdeu tempo, cortando a namorada no meio de sua frase. Ele esticou os braços e agarrou uma das mãos de Nina, segurando a arma junto com ela. O rapaz percebeu no mesmo instante que a pistola estava destravada, e sentiu uma onda de eletricidade percorrendo todo o seu corpo. Junior fez força na sua direção, tentando puxar a arma para si e para longe de Paris. Se o que o irmão havia dito fosse verdade, então ele não morreria durante aquela disputa, não importava o quanto ele lutasse com Nina pela posse da arma.

Mas então, instintivamente, o dedo de Nina apertou o gatilho. Um, dois, três tiros, todos para o alto. Junior soltou um grito de susto, mas isso lhe deu forças para tentar retirar a arma da mão da namorada com ainda mais empenho, ao mesmo tempo em que ela puxava na direção contrária, na direção de onde Paris estava.

Quando Paris fez menção de aproximar-se dos dois, Junior gritou, exasperado:

— Sai daqui, desce desse farol!

Riley abaixou-se através da amurada e vomitou. Ela ouvia o barulho dos gritos e dos tiros, mas o seu corpo não reagia. Seus olhos estavam cegos, seus ouvidos estavam surdos, sua boca estava muda. Ela sabia que Paris dizia algo ao seu lado, mas não conseguia compreender o que era. Apesar disso, ela sabia o que aconteceria. Como um presente da sua precognição, Riley conseguiu prever o que aconteceria milésimos de segundos antes de tudo realmente acontecer. Déjà vu.

A arma apontada na direção de Paris acidentalmente disparou. Riley, que estava ao seu lado, empurrou-o para o chão com força, sentindo uma pressão enorme em seu ombro no exato mesmo segundo. Assim que ambos caíram no chão, a garota sentiu um terrível ardor no local, como se alguém estivesse enfiando um ferro colocado em brasa em seu ombro. E então ela viu o sangue escorrendo através da camiseta cinza, ensopando-a.

— Você me salvou! — Paris exclamou de maneira instintiva.

Mas então Nina caiu no chão, sendo empurrada por Junior. Em sua mão, ela ainda trazia a arma. Com o impacto de sua queda, seu dedo apertou o gatilho mais uma vez, na direção do namorado. Junior teve tempo de arfar em desespero, e então sentiu a bala atravessando seu pescoço. A dor foi lancinante, maior do que qualquer uma que ele havia sentido em toda a sua vida. Quando o rapaz caiu, assustado, ele segurava o pescoço com as duas mãos e sentia o sangue escorrendo por entre seus dedos. Está acontecendo. Está realmente acontecendo... Então é essa a sensação...

Nina gritou em desespero e correu na direção de Junior, largando a arma no chão. Paris fez o mesmo, enquanto Riley continuava caída, segurando o ferimento em seu ombro.

— Junior? Junior? Fala comigo! — O outro gêmeo disse, erguendo a cabeça do irmão entre as suas mãos. — Eu preciso ir buscar ajuda! — Ele exclamou de maneira desesperada, e então delicadamente encostou o irmão no chão, sentindo o leve peso se esvair de seus dedos cobertos de sangue. Paris virou-se para trás, pegou a arma caída no chão e começou a descer as escadas com uma rapidez absurda, desaparecendo dali.

Nina tocou o pescoço sangrento do namorado e não sentiu nada. Não havia pulsação. Desesperada, ela encostou a cabeça em seu peito, mas também não existia qualquer sinal de vida. Eu... Matei ele... Não pode ser... Eu não... Não... Junior...

— É tudo culpa sua! — A loira exclamou de maneira histérica, apontando para Riley. — Desde o começo, a porra da culpa é toda sua! Por todas as coisas que deram errado nas nossas vidas desde o acidente, você é a porra da culpada. Todos os seus amigos estão mortos porque você é a porra de um anjo da morte.

— Vai se foder! — Riley exclamou, se levantando com dificuldade. — Foi você quem matou o seu próprio namorado, não eu. Você é a porra de uma ceifadora!

— Sua vadia filha de uma puta! — Nina berrou, levantando-se e correndo na direção de Riley com uma expressão de ira em seu rosto.

Nina deu um soco certeiro no rosto de Riley, fazendo-a cair em cima de seu ombro. A ruiva gemeu de dor, sentindo todo o seu corpo queimando e ardendo. Nina então segurou em seus cabelos e bateu sua cabeça no chão por duas vezes. Riley sentiu-se completamente zonza, o sangue escorrendo de seu nariz. Ela queria reagir, mas não conseguia. Sabia que tinha chegado sua vez, e sabia que uma hora ou outra isso iria acontecer. Mas não queria, de forma nenhuma, ser morta pelas mãos de Nina.

Riley levantou-se com um impulso, acertando Nina com uma cotovelada certeira no queixo. A loira caiu de costas, mas apressou-se a se levantar e correr para a outra ponta do farol. Riley não perdeu tempo e correu na direção dela, gritando. Nina não se mexeu, de modo que o impacto dos corpos das duas se chocando foi o suficiente para fazê-las cair por cima da amurada, em direção às pedras e ao mar que ficava lá embaixo. Riley teve tempo somente de suspirar e sentir o ar de encontro ao seu rosto uma última vez. Quando você acordar, o novo dia vai lhe trazer um brilhante mundo novo…

E então a ruiva sentiu a mão de Paris segurando seu braço de maneira firme. Riley balançava as pernas no ar de maneira débil, tentando não cair. A cena que viu ao olhar para baixo ficaria guardada em sua memória para sempre.

Nina caiu, gritando e balançando os braços, até que seu corpo se chocou contra as rochas que ficavam lá embaixo. O barulho dos ossos da garota se quebrando foi audível, sendo seguido por uma imensidão de sangue que começou a escorrer de sua cabeça. Ela estava caída de maneira bela, com o rosto plácido, os olhos fechados e um semi sorriso em seu rosto. Algum sangue escorria de seus lábios, tingindo-os com um batom rubro natural.

Paris puxou todo o corpo de Riley para cima, evitando segurá-la pelo ombro baleado. Quando a garota caiu de volta dentro do farol, todos os seus sentidos voltaram a se tornar aguçados. Subitamente, tudo o que havia acabado de acontecer fora notado por ela. Não apenas tudo o que acontecera naquele momento, mas todo o resto, desde a morte de Andi. Riley abaixou a cabeça e gritou o mais alto que pode. Gritava de medo, gritava de angústia, gritava de dor. Gritava como se pudesse, através de sua voz, espantar todos os sentimentos ruins que tomavam conta de seu ser.

Ao lado dela, Paris segurava o corpo do irmão entre os braços. Ele colocou a cabeça de Junior em seu peito e começou a balançá-lo, como se estivesse ninando um bebê. Ele ainda conseguia sentir o calor do corpo do gêmeo de encontro ao seu, e aquela era a sensação mais dolorosa de todo o mundo. Paris não emitia nenhum som, apenas chorava de maneira silenciosa, as lágrimas escorrendo através de seu rosto e caindo em seu peito e no rosto do irmão. O líquido transparente se misturava com o sangue de Junior, que agora impregnava as roupas de Paris. Não importava. Nada mais importava. Tudo o que rapaz queria era ficar ali para sempre, abraçado àquele que era parte do seu próprio ser, a sua imagem e semelhança.

— Junior... Junior... Argh! — E então Paris gritou o mais alto que pode, rangendo os dentes.

Riley deitou-se no chão, sentindo o ombro queimando ainda mais. Doía muito, mas ela sabia que aquela dor em breve passaria. Ela estava viva. Não só naquele momento, mas dali em diante. Nina morrera quando a lista esperava levá-la. Ela e Paris estavam salvos.

Apesar disso, tudo o que Riley mais desejava naquele momento era poder acabar com a dor de Paris. Ironicamente, ela sentiu que daria a própria sua vida por isso, se pudesse. Mas não podia. Nenhum deles podia.

Era assim que a morte funcionava.