Quando Riley chegou na sala, ainda com os cabelos molhados e a toalha enrolada ao redor do corpo, Andi estava sentada no sofá, assistindo televisão. No noticiário era exibida uma notícia que fez a ruiva ter vontade de rir de desespero. É real. É tudo real. A Anna estava certa, está acontecendo...

— ...o homem, de nome James Ziegler, tinha acabado de acordar de um coma que durou um ano, quando foi prensado por dois carros, no cruzamento da rua...

E então, a foto de James foi colocada na tela, confirmando as suspeitas de Riley. Era ele. Mesmo um ano depois, ela se lembrava do rosto dele. James era o noivo, aquele que sobrevivera à queda do helicóptero graças à sua visão. Ele, assim como Emma, Sketch e Michaela, estava morto.

— Está realmente acontecendo, amiga. — Andi comentou, desligando a televisão. Era claro que ela também reconhecera o homem no noticiário, embora Riley não soubesse, até aquele momento, que Andi tinha ciência que o casal do helicóptero sobrevivera à queda dele. — Eu não devia ter duvidado de você. Eu não devia ter te obrigado a sair do seu dormitório e... — E então Andi abaixou a cabeça e tentou engolir as lágrimas que já começavam a se formar em seu rosto.

Riley aproximou-se de maneira deliciada, sentando-se ao lado da amiga e abraçando-a com ternura.

— Não foi sua culpa, Andi...

— Mas é claro que foi! — A outra exclamou, olhando diretamente nos olhos da amiga. — Você não percebe a conexão? Nós ficamos um ano separadas, eu e você. Nesse tempo você não teve contato com nenhum de nós, e ninguém morreu. Mas agora, logo quando você resolve voltar à cidade e se reunir com todo mundo... As pessoas voltam a morrer. Emma, James... Não pode ser coincidência.

Riley sabia que o que a amiga dizia tinha lógica, mas ela se recusava a aceitar ser a causadora de tudo aquilo. A sua crença na lista da morte ia até certo ponto; ela acreditava no que Anna dissera, mas não podia conceber o fato de que a sua presença era o que causava os acidentes. Eu não sou a porra de um anjo da morte.

Mas então um pensamento súbito passou por sua cabeça.

Esse homem, o James... Ele estava em coma? Até ontem?

— Você está errada, Andi. — Riley murmurou, e então correu para a cozinha, procurando onde a amiga havia deixado o notebook. A garota de cabelos azuis não entendeu nada do a ruiva dissera, mas sentiu-se mal pelo que havia falado. Em seu desespero de achar que havia sido a causadora de tudo aquilo, ela por tabela colocara Riley como a causadora de tudo o que estava acontecendo.

A ruiva demorou vários segundos para regressar, e Andi começou a ficar preocupada. A Riley que ela conhecera jamais seria capaz de tentar qualquer coisa contra sua vida, mas e se ela havia mudado no tempo em que elas ficaram separadas? Era terrível só de imaginar.

Quando Riley voltou para a sala, de calcinha e sutiã e com o computador em mãos, ela sentou-se no sofá ao lado da amiga. A ruiva disse:

— Olha isso. — Riley apontou para a tela do computador. — Eu não tinha certeza do que eu tinha ouvido, mas eu ouvi corretamente. Esse James... Ele estava em coma até ontem. E olha o horário em que ele morreu. Foi antes da Emma morrer!

Andi não entendeu a linha de raciocínio da amiga.

— E o que isso significa?

— Isso significa que nós temos duas possibilidades. A primeira é a de que esses acidentes voltaram a acontecer porque eu me uni à vocês, o que não faz sentido algum, porque você me visitou algumas vezes durante esse último ano e nada disso aconteceu.

— Me desculpa, Riley. — Andi murmurou, interrompendo-a.

A ruiva deu com os ombros, sinal de que não se ofendera com o que Andi dissera, e continuou:

— A segunda teoria é a de que, por algum motivo, o coma do James fez esses acidentes cessarem. Não é muita coincidência que a Emma tenha morrido quase no mesmo dia em que ele acordou de um sono de um ano?

Faz sentido. Andi refletiu por alguns segundos, e então falou:

— Mas por quê?

Riley simplesmente deu com os ombros pela segunda vez.

— Eu não tenho a menor ideia. Mas com essa pista, nós podemos investigar. Procurar o endereço dessa tal de Anna, entrar em sites que falem disso... Nós não somos os únicos, isso eu já sei. Eu só preciso saber a extensão de toda essa merda. E então nós poderemos contra-atacar!

A maneira como a ruiva falou aquilo fez Andi tremer. A ideia de contra-atacar a própria morte era um pouco... Inútil. Na Bíblia mesmo, Paulo se referira a ela, por mais de uma vez, como “o último inimigo” ou “o inimigo final”. Você não pode enfrentar o que não consegue ver, Riley, Andi refletiu, mas não disse.

— Guarde o restante das suas teorias pra reunião de hoje a noite. — Andi pediu, tocando a mão da amiga de maneira delicada. — Os outros podem ter ideias também. Em duas nós somos fracas, mas juntos nós podemos descobrir mais coisas. Nós vamos descobrir uma maneira de parar isso.

Riley concordava com a linha de raciocínio da amiga, de modo que meneou a cabeça de maneira positiva. Ela tinha um pouco de receio de qual seria a reação dos outros, especialmente a reação de Nina. Mas o Lucas é amigo dela agora, certo? Quem sabe ela deixou de ser a vadia que era no ensino médio?

Só aquela ideia fez Riley rir internamente.

x-x-x-x-x

O sol já se punha quando Paris acendeu a vela em frente à lápide de Michaela, próximo das rosas azuis. Por alguns segundos, ele evitou olhar para o registro na placa de metal, mas aquela era uma guerra perdida. Quando fez contato visual com o que estava escrito ali, as lágrimas se formaram imediatamente em seus olhos.

Michaela Jackson

30/10/1997 † 02/11/2014

“Uma única pessoa se vai, e todo o seu mundo fica vazio”

Assassinos, pedófilos, estupradores... Eles existem aos montes. Morrem velhos, vivem uma vida inteira. E a minha princesa, que nunca fez mal a uma mosca, nem ao menos conseguiu completar dezoito anos. Que tipo de Deus permite que isso aconteça?

Junior abaixou-se ao lado do irmão e tocou levemente o seu ombro, apertando-o em seguida. Ele ficou em silêncio por alguns minutos, mas então olhou para a lápide e compreendeu o motivo deles estarem ali.

— Trinta de outubro... É hoje. — Junior murmurou, entendendo a situação. — É o aniversário da Michaela.

Paris meneou a cabeça positivamente, enxugando os olhos.

— Dezoito anos. Era a idade que a Michaela estaria fazendo.

O gêmeo não disse nada, apenas abraçou os ombros do irmão, que encostou a cabeça em seu peito, deixando as lágrimas voltarem a cair. Junior percebeu o líquido escorrendo pelo rosto do irmão e pingando em sua própria camisa, molhando-a, mas não se importou com isso. Quisera eu ser bom com as palavras e poder te falar alguma coisa que faça a diferença, Brian.

— Você amava muito ela. — Foi tudo o que Junior conseguiu dizer.

— Muito. — Paris concordou, soluçando um pouco. — Eu ia pedi-la em casamento depois que a gente se formasse no college. Nós teríamos quatro bons anos de farra, juntos, e então nós começaríamos a nossa vida juntos. Seria perfeito.

Junior apenas concordou com uma palavra qualquer. Ele sabia que a morte de Michaela era um dos motivos de Paris ter desistido de ir para uma universidade, mesmo tendo nota suficiente para isso. Ele estava fazendo um curso técnico em enfermagem em uma universidade comunitária qualquer, e os pais não deixavam que ele se esquecesse disso nem mesmo por um dia. Junior em breve seria um advogado, como o pai, enquanto Paris seria um simples enfermeiro. As comparações entre ambos nunca foram tão fortes, e Junior não conseguiu não se sentir mal por isso. O Paris não merece tanta coisa ruim. Ele só está seguindo o seu coração.

Tudo o que Paris refletira, logo após o acidente no iate, havia se tornado verdade. A mudança temporária dos pais, por conta da tragédia, não fora genuína. Logo após o funeral de Michaela, antes mesmo do rapaz ter tempo para refletir sobre tudo o que acontecera, eles o bombardearam com críticas a respeito da maneira como ele estava lidando com a sua futura ida para uma universidade. Não é necessário dizer que aquela foi a gota d’água para Paris, que decidiu abandonar de vez a ideia de ir para o college. Apesar disso, os pais não o expulsaram de casa. Preferiram seguir o caminho do abuso verbal, não deixando que ele se esquecesse um só dia de tudo o que era e de tudo o que abdicara. Paris ouvia e não respondia. Era difícil, mas ele sabia que não conseguiria manter-se fora de casa, sem a ajuda financeira dos pais.

— Vamos. — Junior disse de repente, interrompendo os devaneios do irmão.

Paris não ofereceu resistência, concordando com um aceno de cabeça e se levantando de maneira um pouco cambaleante. Naquele momento ele usava uma camiseta cinza e uma calça preta, tendo em seu pescoço um colar cujo pingente era o anel de namoro de Michaela. O seu anel, por sua vez, havia sido enterrado junto com o corpo da garota, no dedo de sua mão direita. Para Paris era difícil conceber um futuro amoroso depois dela.

Quando os dois entraram no carro, o ar soprou forte, apagando a vela acesa em cima da lápide. As rosas se mexeram de maneira fraca, rolando alguns centímetros, mas se mantiveram em cima da placa de metal. O sol acabara de se pôr, e a noite chegava de maneira avassaladora.

— Pra onde nós vamos agora? Você mencionou uma reunião ou algo assim...? — Paris perguntou, sem tem certeza de que estava certo no palpite.

— Nós vamos até o nosso antigo colégio. — Junior respondeu, olhando para o irmão e torcendo para ele não achar a ideia ruim. — A Riley quer falar com todos nós.

— “Todos nós”? — O gêmeo indagou, fazendo aspas com as mãos.

— Sim. Eu, você, a Nina, a Andi e o Lucas. Todos os sobreviventes do acidente no iate.

Por alguns segundos, Paris achou a ideia péssima. Tudo o que ele menos queria era ficar remoendo a memória daquele dia, mas ele sabia que não tinha muita solução. Junior o obrigaria a ir de qualquer forma e, além disso, ele mesmo se percebeu curioso pelo que Riley tinha a dizer. Ele não a via desde o dia do acidente, de modo que imaginava que para ela aquele assunto estivesse morto e enterrado. Aparentemente, essa não era a verdade. Mas então o que pode ser?

x-x-x-x-x

Kazuhiro bateu duas vezes na porta antes de entrar. Claire não respondeu.

Ane-chan? — Ele chamou de maneira relutante, já com a porta aberta.

Claire estava deitada na cama com a cabeça enfiada em um travesseiro. Todas as luzes estavam apagadas e, como já era tarde da noite, apenas a luz da lua iluminava o quarto, entrando por frestas através da cortina branca. O irmão estranhou aquilo, já que Claire odiava o escuro, mas decidiu não questioná-la.

— Você me pediu pra te avisar quando a coroa fosse encomendada. Nós já a encomendamos. — Kazuhiro disso de maneira tímida, sentando-se no chão ao lado da irmã, e encostando as costas na cama. Claire percebeu-o ali e esticou o braço, tocando seus cabelos arrepiados.

— Sem rosas azuis?

— Elas foram canceladas, como você pediu, ane-chan.

Arigatō otōto-chan. — Ela agradeceu, acariciando os cabelos do irmão. — O James odeia rosas azuis. — Ela falou num impulso, mas então se lembrou do erro cometido, engolindo em seco. — Odiava.

Kazuhiro levantou-se e deu a volta na cama, deitando-se ao lado da irmã e abraçando-a delicadamente. Claire ergueu o braço esquerdo e tocou a mão do irmão mais novo, acariciando-o.

— Vai ficar tudo bem, ane-chan. Vai ficar tudo bem... — Ele dizia.

Apesar disso, Claire não tinha certeza se tudo ficaria bem. Apesar de ela amar muito os pais e os irmãos, ela sabia que eles sobreviveriam sem a sua presença. Kazuhiro era jovem, provavelmente logo se esqueceria dela quando iniciasse sua vida adulta. O mesmo valia para Yuki que, mesmo agora, poucas vezes mantinha contato com a irmã, sempre atarefado com as preparações para sua idade para o college. Ela e a mãe Kazumi nunca foram realmente próximas, e a figura materna que ela mais prezava, Constance, já se fora há algum tempo. Takuma, seu pai, era gentil, mas tendo os dois filhos mais novos ao seu lado, superaria a partida de Claire. Quanto mais ela refletia sobre aquilo, mais tinha certeza de que não havia qualquer propósito para ela naquele mundo.

Eu nunca realmente fiz parte dessa família... Certo?

Tudo começava por seu nome. Claire. Enquanto os pais e os irmãos tinham nomes tradicionalmente japoneses, o dela era um nome ocidental. Ela nunca perguntara a eles o motivo daquilo, mas era algo que a incomodava bastante. Até mesmo o seu sobrenome, Blanche, era usado somente pelo pai. Takuma Tachibana Blanche era o nome dele, embora o homem omitisse o segundo sobrenome com frequência, talvez o considerando uma mácula em sua descendência materna japonesa. Blanche fora o sobrenome de seu avô paterno, um soldado francês morto quando bem jovem durante a Segunda Guerra Mundial. Os irmãos dela, Yuki e Kazuhiro, nunca herdaram o sobrenome do avô, limitando-se a ganhar do pai o sobrenome da avó, Tachibana.

O meu único propósito nesse mundo foi viver o suficiente para amar James, nada mais. E agora que ele se foi, não há mais nada aqui pra mim. Se ao menos nós tivéssemos tido tempo de ter um filho... Oh, por que eu não pensei nisso?! Um filho, sim. Um propósito.

Mas era tarde demais. Tarde demais para lamentar, tarde demais para se salvar. O buraco negro que a cercara duas vezes antes em sua vida começava a circundá-la uma vez mais, mais forte do que nunca.

— Eu vou descer pra tomar um ar, Hiro. Você pode ver se sobrou alguma coisa da janta pra mim? — Claire disse de maneira solene.

— Claro. — O irmão concordou.

Ele então se levantou de imediato e saiu corredor a fora, descendo as escadas de dois em dois degraus. Claire sentou-se na cama e suspirou. Acendeu a luz do abajur próximo de si e, com a ajuda dele, procurou seus chinelos, calçando-os e seguindo para perto da janela.

Do lado de fora, no jardim, ela conseguia ver com clareza a casinha de madeira onde o pai guardava seus utensílios de pesca e caça. Takuma sempre fora um grande aficionado pela caça, de modo que não seria surpresa alguma se ele mantivesse um rifle ou coisa do tipo ali. É isso. Vai fazer uma bagunça danada, mas é necessário. Comprimidos demoram muito, e eu posso correr o risco de sobreviver. Uma corda e um banco exigem uma coragem maior do que eu possuo. Uma gilete nos pulsos é um ato doloroso, e eu não quero sofrer. É isso. Uma espingarda de caça e uma única bala.

Focada naquele pensamento, Claire saiu do quarto enrolada em seu robe de seda vermelho. Ela desceu as escadas em segundos, fazendo o pano esvoaçar como uma capa. Ali embaixo, não havia ninguém no hall, embora ela ouvisse uma movimentação na cozinha. Não fazia diferença. Kazuhiro provavelmente contara aos pais que Claire disse que precisava tomar um ar, de modo que eles não estranhariam se ela estivesse caminhando pelo jardim.

A oriental seguiu a passos rápidos, sentindo a umidade da grama espirrando em seus pés e calcanhares. Quando ela chegou diante do galpão, notou que ele estava aberto e aceso. Apesar disso, não havia ninguém ali.

O papai deve ter vindo aqui mais cedo. Não me espanta. Ocasiões trágicas sempre lhe deixam com vontade de pescar e refletir sozinho sobre a vida.

Claire revirou a cabana à procura da arma, encontrando-a na prateleira mais alta de uma estante de madeira que ficava ao fundo dali. Era uma espingarda bastante pesada, mas não muito grande. Como era de se esperar, ela estava sem balas, mas a mulher sabia onde encontrá-las. O papai as deixa na gaveta de seu escritório, eu tenho certeza. Ela nunca o vira guardar a munição lá, mas imaginava que ele não as deixaria no cofre, o qual toda a família tinha a senha. Apesar da gaveta do escritório do pai não ser trancada (muito menos o cômodo em si), Takuma tinha plena confiança de que nenhum dos filhos iria até lá, sendo que aquela área sempre fora proibida para eles, desde pequenos. Mas situações desesperadores exigem algumas quebras de regras, Claire refletiu sozinha.

A mulher saiu de dentro da cabana e olhou para o céu. A lua brilhava alta, bem ao centro do seu campo de visão, com diversos pontinhos brilhantes ao lado. As estrelas e lua eram circundadas por um mar de escuridão, a noite, a qual Claire sempre temera, desde criança. Fosse pelas lendas contadas por seus pais, fosse pela sensação de impotência que ela trazia... A única coisa que a oriental sabia era que estar rodeada pela escuridão física era a pior sensação do mundo. Não, a pior não. A pior era estar cercada por uma escuridão emocional, que nunca vai embora.

Quando você acordar, o novo dia vai lhe trazer um brilhante mundo novo, a música dizia. Mas e se for impossível acordar? E se o novo e brilhante dia nunca chegar? Essa era a pior sensação do mundo, Claire tinha certeza. Estar cercada pela escuridão que nunca vai embora, e não ter a menor ideia de como escapar.

x-x-x-x-x

Para Riley parecia estranho estar ali depois de tanto tempo. Já passava das dez da noite, e ela estava sentada, sozinha, em frente ao memorial que fora criado para as vítimas do Atlântida, nos fundos do seu antigo colégio. Fazia um pouco de calor, mas mesmo assim a garota utilizava uma calça jeans e uma jaqueta de couro por cima de uma camiseta vermelha qualquer que ela pegara emprestada de Andi.

O monumento feito em homenagem aos colegas perdidos era uma estátua bonita, feita de bronze, no formato de uma águia com as asas abertas, planando de maneira altiva. Embaixo dela, numa placa de metal, estavam os nomes das trinta e seis vítimas, trinta e cinco alunos e um professor, Finn Waterson. Riley não conseguiu deixar de pensar que, com os que haviam saído, esse número se elevaria para quarenta e cinco.

Depois de alguns segundos refletindo, Riley começou a achar injusto o nome de Sketch, Michaela e Emma não estar ali, já que afinal de contas eles também estavam mortos por causa daquele acidente. Ela então tocou sua jaqueta de couro e tateou até encontrar um objeto duro, retirando-o do bolso em seguida. Era um canivete. A ruiva então se agachou, ficando na altura da placa de metal, e começou a riscar o objeto, tentando escrever o nome de Sketch. Kyle Landau, ela colocou logo embaixo do nome do professor Finn, embora a letra tenha ficado bastante tremida. Ela então passou para o segundo nome, riscando-o logo embaixo de Sketch: Michaela... Mas então não soube dizer qual era o sobrenome da garota, deixando apenas o seu primeiro nome. Por último riscou: Emma Lynn Brown. O nome da professora ela sabia por inteiro, já que o escrevera uma dúzia de vezes na capa de seus trabalhos no ensino médio.

— Bem melhor. — Riley murmurou para si mesma.

— Mesmo? — Ela ouviu uma voz atrás de si dizer, levando um susto.

A ruiva virou-se no mesmo instante, e percebeu que quem estava ali era Paris. Paris, não Junior. Por algum motivo, agora eles me parecem completamente diferentes. Eu não sei como eu consegui confundi-los naquela ocasião...

— Sim. — Ela afirmou de maneira decidida. — Eles também merecem estar aí.

— Eu concordo com você. — O rapaz disse, meneando a cabeça positivamente. — A Michaela, o Sketch e a professora Emma merecem essa homenagem. Obrigado, Riley. — E então Paris sorriu de maneira fraca.

Por algum motivo, parecia que ele não estava agradecendo somente a sensibilidade do gesto dela em colocar o nome dos três na placa, mas algo mais.

— Tá todo mundo lá dentro. Eles te viram pela janela, mas ninguém teve coragem de vir aqui te chamar, então eu vim. — Ele disse aquilo num tom de voz gutural que fez os pelos do braço de Riley se arrepiarem. — Vamos?

A garota somente meneou a cabeça positivamente e se levantou, sendo ajudada por Paris. Os dois caminharam em silêncio por vários metros, circundando o prédio da escola e entrando por uma escada de metal lateral que os estudantes dificilmente usavam. O rapaz foi na frente, e a ruiva veio atrás. Quando eles chegaram ao segundo andar, o vento começou a soprar de maneira delicada, indicando que o tempo iria mudar.

— Acho que chove. — Paris comentou de maneira despretensiosa. Riley não o respondeu.

O rapaz abriu a porta de metal que levava para dentro do prédio e então entrou, sendo seguido pela ruiva. Dentro da escola tudo estava escuro. Riley seguiu Paris por vários metros até o final do corredor, onde, do lado esquerdo, havia uma luz acesa. Era a nossa sala de aula, a ruiva refletiu.

Quando Riley entrou na sala, viu que Paris falava a verdade. Andi estava sentada em cima da mesa do professor, com os pés balançando no ar; Lucas, por sua vez, estava sentado na primeira carteira da fileira do centro, olhando para as mãos; e por fim, Junior e Nina estavam encostados na parede próxima da janela, abraçados. Nenhum dos quatro parecia esboçar qualquer reação digna de nota, se limitando a olharem uns para os outros.

— Obrigada por terem vindo. Eu sei que... Deve ser difícil. — A garota começou, sem saber direito o que deveria dizer.

— Pra você também, Riley, então não precisa agradecer. — Lucas respondeu. A ruiva sentiu o sorriso se formando em seu rosto, mas o matou na metade. Agora que eu estou aqui, o que eu faço?

— Vocês... — Ela começou, sem saber direito onde iria chegar. — Já sabem de alguma coisa? A Andi ou Lucas contou a vocês sobre...

— A Anna? — Paris perguntou, saindo do lado do batente da porta e sentando-se na carteira ao lado de Lucas. E diante da expressão de surpresa de Riley, continuou: — Sim.

A ruiva suspirou.

— E o que vocês acham?

Riley disse aquilo e se virou imediatamente na direção de Junior e Nina. A loira revirou os olhos. Ao perceber que a outra garota tinha percebido aquilo, ela decidiu falar:

— Eu acho que essa Anna tem sérios problemas psicológicos. E você também.

— Nina! — Junior exclamou, censurando-a. O rapaz se afastou alguns centímetros da namorada, olhando-a de maneira incrédula.

— Mas é verdade. — A garota continuou. — O nome disso é “culpa de sobrevivente”, vocês já ouviram falar? É quando... — Ela começou, mas Riley a interrompeu.

— Eu passei um ano refletindo sobre isso, Nina. Eu sei o que é culpa de sobrevivente, e eu rezei todos os dias desde a morte do Sketch pra que a situação fosse simples assim. Mas não é.

A loira abriu a boca pra falar alguma coisa, mas então desistiu. Riley já estava preparada para aquela situação, de modo que retirou seu celular do bolso e simplesmente tocou no aplicativo do navegador de internet, abrindo uma página específica. Ela então subiu em cima da carteira do professor, ao lado de Andi, e tateou pelo projetor, ligando-o em seguida. A ruiva não perdeu tempo e, retirando um cabo USB de dentro de seu bolso, conectou-o ao dispositivo, lançando as imagens de seu telefone para o quadro branco.

Na tela, estava escrita a manchete:

Homem morre horas após acordar de coma de um ano.

— O nome desse homem era James Ziegler. — Riley falou.

De súbito, Paris sentiu como se fosse atingido por um raio.

— Eu conheci a esposa dele, a Claire. Ela estava visitando-o esses dias atrás, e... Ele ainda estava em coma. — O rapaz falou, calando-se em seguida. — Mas o que isso significa?

Riley esperava por aquela pergunta, de modo que tateou pelo celular em cima do projetor, e então mudou de página. Ela desceu da mesa e deixou que os outros cinco contemplassem a notícia.

Casal sobrevive à queda de helicóptero em iate.

Claire (31) e James (34) Ziegler, noivos, sobreviveram à queda do helicóptero em que estavam, nessa madrugada. O...

E então o texto era cortado, mas o que estava escrito ali era suficiente para que Riley tornasse seu ponto de vista claro.

— O helicóptero em que eles estavam é o mesmo que causou o acidente do Atlântida. O James e a Claire foram dois sobreviventes, assim como nós. E assim como Michaela, Sketch e Emma, o James está morto.

A ruiva então deixou que suas palavras surtissem efeito, olhando para o rosto de todos. Lucas e Andi pareciam resignados, enquanto Paris e Junior demonstravam surpresa em seu rosto. Por último, Nina parecia estranhamente irritada.

— O seu ponto então é...? — A loira perguntou de maneira um pouco irônica.

— O meu ponto é que todos nós vamos morrer. — Riley disse de maneira enfática. — A não ser que nós busquemos alternativas para isso, esse é o nosso destino final. Sketch, Michaela, Emma, James... Vocês não podem acreditar seriamente que isso tudo é coincidência.

Por algum motivo Nina se calou, parecendo reflexiva. Foi Lucas quem perguntou, levantando a mão para falar como se estivesse em uma aula:

— Mas já faz um ano. Por que as pessoas voltaram a morrer só agora?

— Nós temos uma teoria. — Andi respondeu, assumindo a liderança do assunto. Riley meneou a cabeça positivamente e se afastou, sentando-se na carteira ao lado de Paris. — Por algum motivo, o coma do James fez esses acidentes pararem de acontecer. É a única explicação, já que ele e a Emma morreram horas depois dele acordar.

— Mas isso não faz sentido... — Junior murmurou, aproximando-se do centro da sala. — Esse tal de James entrou em coma logo após o acidente, certo? Então porque o Sketch e a Michaela morreram mesmo assim?

O silêncio reinou por alguns segundos. Riley meneou a cabeça negativamente, como se não tivesse resposta para aquela pergunta. Ao lado dela, Paris também refletia. Michaela, Sketch. Pausa. James, Emma... É isso!

— Existe uma ordem. — Ele falou baixinho. Mas então ficou de pé, falando mais alto: — Existe uma ordem!

Paris aproximou-se do quadro e começou a procurar por uma caneta que pudesse utilizar. Ele encontrou-a no canto esquerdo, se pondo a escrever:

Michaela – Sketch – pausa – James – Emma

— Por algum motivo, esses acidentes não podem ocorrer aleatoriamente. É a única explicação pra eles terem parado com o coma do James. A morte ou qualquer coisa que seja que esteja nos perseguindo, precisava levar a Michaela e depois o Sketch. Mas então chegou a vez do James, e ela parou por causa do coma dele. Quando ele acordou, tudo voltou ao normal, e foi a vez dele e então a vez da professora Emma. Bingo!

Perto da janela, Junior se afastou ainda mais de Nina, concordando com um aceno de cabeça. Ele então perguntou:

— Mas qual o sentido dessa ordem?

Na cabeça de Riley, a resposta agora parecia clara.

— Uma lista. — Ela disse. — A lista da morte, é claro. É a ordem em que eles morriam na minha visão! — A ruiva falou de maneira um pouco empolgada. Ao seu redor, os outros cinco pareciam surpresos com aquela descoberta. — Na minha premonição, os primeiros a morrer eram a Michaela e o Sketch, quase juntos. E então o James morria, e depois era a vez da professora Emma e da Claire. É isso!

Ao lado da amiga, Andi tremeu. Infelizmente tudo aquilo fazia sentido.

— Mas por quê? — Nina perguntou, agora um pouco mais calma. — Por que os sobreviventes do acidente estão morrendo na ordem em que você os viu morrendo na sua visão? Nós escapamos, não escapamos?

Riley meneou a cabeça negativamente.

— Eu já assisti aquele vídeo tantas vezes que eu decorei o que a Anna diz. A fala dela é, abre aspas: “Eu enganei a morte. Eu a trapaceei e, de alguma forma, destruí o balanço e os desígnios da morte”. É isso. — Riley falou, como se tudo aquilo estivesse extremamente claro. — Ao salvar vocês, eu trapaceei e estraguei os planos que a morte, o destino ou qualquer coisa assim, tinha pra nós. E agora algo ou alguém está tentando consertar isso.

Nina encostou-se na carteira em que Paris estava sentado, sentindo-se um pouco zonza. Isso quer dizer que... Eu vou morrer?, a loira refletiu. Junior percebeu que a namorada estava um pouco abalada, de modo que se aproximou dela e a abraçou de maneira firme.

— Isso é tudo o que eu sei. Eu prometo que eu vou tentar descobrir mais coisas, mas por enquanto... Isso é tudo.

Aquela frase foi como um soco no estômago dos outros cinco ali presentes. Paris, porém, tinha um olhar desafiador, quase como se estivesse decidido a fazer alguma coisa. Ele levantou-se da carteira e se aproximou da ruiva, olhando diretamente nos olhos dela. Então disse:

— Eu te ajudo, Riley. Nós vamos descobrir alguma coisa.

x-x-x-x-x

Paris dirigia o carro do irmão de maneira um pouco trêmula. Ao seu lado, Riley parecia assustada com aquilo, temendo que ele pudesse causar um acidente que tiraria a vida de ambos. Oh, não. Isso não vai acontecer. A lista precisa levar todos os outros antes de chegar em mim.

Já passava da meia-noite, e os dois se dirigiam a casa de Claire, após terem feito uma visita ao hospital em que Paris era voluntário. Lucas havia ficado com a tarefa de deixar todos os outros em suas casas. Mesmo com os protestos de Andi, que achava que eles deveriam ter calma, Riley aceitou a proposta do gêmeo de irem atrás de Claire naquele mesmo instante. A ruiva não queria ser passiva diante de mais nenhuma morte. Ela acreditava que, a partir do momento em que sabia sobre o risco que algum deles estava correndo, a vida dessa pessoa estava em suas mãos. Era uma corrida contra o tempo, na qual ela tinha como função auxiliar todos os outros. É a minha benção e a minha maldição.

— Como nós conseguimos o endereço da Claire mesmo? — Riley perguntou de maneira despretensiosa. — Você arrombou o almoxarifado ou algo assim?

Do lado de fora do carro, chovia torrencialmente.

Paris sorriu de maneira fraca e respondeu:

— Não, não, eu não fiz nada de ilegal. Como voluntário no hospital, eu tenho alguns amigos por lá. A recepcionista, a Tasha, é uma dessas amigas. Eu falei pra ela que eu queria enviar algumas flores pra Claire, como gesto de solidariedade pela morte do marido dela, e então ela me deu o endereço. Todas as pessoas que comparecem ao hospital deixam seus dados lá, entende? — E diante do aceno de Riley, ele finalizou: — A Tasha sim cometeu um crime, mas a nossa intenção é boa, não é?

Riley concordou com um fraco aceno de cabeça, e então se virou na direção da janela coberta de gotas de chuva. Por alguns segundos, flashes passaram diante dos seus olhos. Ela viu a motocicleta vindo na direção de Sketch, e sentiu o gosto metálico do sangue dele em sua boca. O grito de todos que estavam ao redor ecoou de maneira clara em sua cabeça.

A minha cabeça...

A ruiva apertou os olhos e tentou ver com clareza o seu reflexo na janela. Tudo que ela conseguiu visualizar, porém, foi metade dele, sendo que o topo de sua cabeça estava parcialmente não visível, como se ela tivesse um pedaço do crânio faltando. Será que...?

— Na cabeça... — Ela murmurou consigo mesma. E então abriu a boca e ficou em silêncio por alguns segundos. Paris virou-se na direção dela e fez uma expressão de confusão. — Vai acontecer alguma coisa com a cabeça da Claire, é um sinal.

— Um sinal?

— Sim, um sinal! — A garota exclamou, um pouco nervosa. — Aconteceu antes de todas as mortes. Quando o Sketch e a Michaela morreram, eu vi rodas e cavalos por todos os lados. E então quando foi a vez do James e da Emma, uma placa de vidro esmagou a Felicia, a minha tarântula. Eu acho que a aranha foi uma referência aos escorpiões que mataram a professora Emma, e a placa de vidro se referia ao James sendo prensado pelos carros. Se minha intuição estiver correta, a cabeça da Claire vai ser... Não sei, parcialmente estourada?

Paris engoliu em seco com aquela descrição. Por alguns segundos ele teve vontade de vomitar, mas se conteve.

— Eu acredito em você. — Foi tudo o que ele falou. Quisera eu ser bom com as palavras e poder te falar alguma coisa que faça a diferença, Riley.

Riley agradeceu-o e voltou a olhar para a janela, ansiosa.

— Falta muito pra gente chegar?