Quando Lucas chegou em casa, já passava da meia-noite. Ele tivera de deixar Junior, Nina e Andi em suas respectivas casas, e isso tomou algum tempo, especialmente porque o casarão em que Junior morava ficava bem afastado da casa dos seus pais. Quando ele estacionou o veículo dentro da garagem, percebeu que Felix, o gato da sua família, pulou em cima do capô do carro.

— Que saudades que eu estava de você, seu pestinha! — Ele disse, pegando o bicho e lhe abraçando de maneira forte. O gato laranja miou em resposta, mas pareceu confortável com o carinho.

O rapaz abriu a porta da garagem e entrou em casa. A mãe estava ali, na cozinha, com o seu robe cor de rosa e uma máscara para dormir no topo de sua cabeça.

— Sem sono, mãe?

A mulher abriu um sorriso.

— Isso são horas, filho? Primeiro dia de férias em casa e você fica fora até tarde? — Ela falou isso se aproximando dele e dando um abraço no filho e em Felix. O gato sentiu-se desconfortável e pulou para longe dos braços de Lucas, seguindo em direção à sala.

— Desculpa, mãe. Eu fui rever uns amigos do ensino médio. Acabou ficando tarde e nenhum deles tinha carro, então eu tive que dar uma carona pra todos eles.

Alicia Alighieri meneou a cabeça positivamente, compreendendo a situação. Ela perguntou:

— Que amigos? A Riley e a Andi? Você ainda fala com elas?

Lucas sentiu-se um pouco mal pela fala da mãe. Ele nunca havia parado para refletir sobre aquilo, mas a sua amizade com as duas garotas havia praticamente desaparecido após a ida de todos eles para diferentes universidades. Andi ainda ligava para ele esporadicamente, mas o seu contato com Riley se extinguira por completo. Ele não sabia dizer o motivo exato daquilo, mas não se sentia tão mal como imaginou que se sentiria. Ele só guardava sentimentos bons a respeito das duas.

— Elas mesmas, mãe. — Lucas confirmou. — Nós não nos víamos desde que eu me mudei daqui, então resolvemos sair pra colocar os assuntos em dia.

— E como foi? — Alicia questionou, parecendo entusiasmada.

— Foi bacana.

— Só isso?

— O que mais você quer saber, mãe? — Ele perguntou, sentindo que ficava vermelho.

Alicia caiu na gargalhada com a atitude tímida do filho.

— Nada não, meu amor. — E então ela mudou de assunto: — Você já arrumou suas malas para amanhã?

O rapaz meneou a cabeça positivamente, embora estivesse incerto daquilo. Os pais iriam viajar para Malibu no dia seguinte, e haviam requisitado a presença do filho. Aquela seria a primeira viagem em família que eles fariam em anos, de modo que Lucas não soube como negar. Além disso, ele não tinha muita ideia de tudo o que estava acontecendo quando aceitou viajar com os pais. Se eu soubesse de tudo o que a Riley nos contou, eu teria pensado em alguma desculpa convincente.

— Ótimo! — Alicia confirmou, sorrindo. Ela deu um beijo na bochecha do filho e se despediu: — Boa noite, meu anjo.

— Boa noite, mãe. — Foi tudo o que ele respondeu.

Assim que a mãe se retirou do cômodo, Lucas sentou-se no chão da cozinha, sentindo-se um pouco deprimido. Felix reapareceu no mesmo instante, se esfregando em suas pernas. O rapaz pegou-o no colo e voltou a fazer carinho nele, como se isso fosse capaz de fazer com que todos os seus problemas desaparecessem.

Como eu vou falar pra Riley que eu preciso viajar com meus pais? E se depois da Claire for a minha vez? Como eu posso deter essa... Coisa? Eram muitas perguntas, mas nenhuma delas tinha uma resposta concreta naquele momento. Parecia inútil fazer planos sabendo que a sua própria vida estava em cheque, mas Lucas não via alternativa a não ser continuar vivendo. Riley com certeza descobriria alguma coisa em breve, e então eles poderiam lutar contra aquela lista.

Até lá, porém, Lucas precisava continuar com sua vida. Ele sabia que se sucumbisse ao medo e à depressão, já estaria morto por dentro.

x-x-x-x-x

Quando Riley e Paris chegaram em frente à casa de Claire, eles estavam completamente ensopados pela água da chuva, que agora começava a diminuir e cair de maneira fraca. Os dois apertaram a campainha da mansão e em poucos segundos um garoto oriental adolescente abriu a porta.

— Boa noite, carinha. — Paris apressou-se em dizer. — Meu nome é Paris, eu sou amigo da Claire. Ela está aí?

Kazuhiro refletiu alguns segundos e respondeu:

— A Claire está bastante cansada, ela não pode receber ninguém. Vocês querem deixar um recado?

Riley suspirou, sentindo que aquela era uma batalha perdida. Paris, porém, parecia decidido:

— O que nós temos pra falar é muito importante, Hiro.

Assim que o rapaz utilizou o apelido do garoto na sentença, Kazuhiro arregalou os olhos. Riley também estranhou aquilo, mas não disse nada. Paris apenas havia olhado a lista de visitantes de James e, lembrando-se da data em que ele se encontrou com Claire no hospital, encontrou o nome de um “Kazuhiro Tachibana, dezesseis anos”. Por algum motivo, ele imaginou que guardar aquela informação poderia ser útil.

— Nós nos conhecemos? — Kazuhiro perguntou.

— Não pessoalmente. Mas a sua irmã sempre falou bastante sobre você. — Mentiu.

O garoto refletiu por alguns instantes, e então falou:

— A Claire está nos jardins do fundo da casa. Meus pais com certeza não vão deixar ninguém visitá-la, então vocês precisam ir pelos fundos, tudo bem? E se a Claire mandar vocês irem embora, por favor, vão embora.

Paris e Riley apressaram-se em menear a cabeça positivamente.

— Eu prometo, garoto. Obrigado!

Kazuhiro então meneou a cabeça positivamente e sorriu. Ele fechou a porta atrás de si e seguiu em direção ao portão de metal que dava para o jardim dos fundos. Ele retirou um molho de chaves do bolso de sua calça cáqui e abriu a fechadura, deixando que os dois entrassem. O garoto então fechou o portão, sem trancá-lo, e correu para dentro de casa.

— Ele é um bom garoto. — Riley falou, num tom de voz um pouco melancólico. — Essa situação é realmente muito triste.

Paris concordava com aquela fala, mas preferiu não falar nada. Ele e a ruiva caminharam pelos extensos jardins da mansão, mas não conseguiram ver Claire em lugar algum. Foi então que Riley percebeu a casinha de madeira com a luz acesa.

— Ela deve estar ali, vamos.

Quanto mais perto eles chegavam da porta da construção, mais a cabeça de Riley doía, e a intensidade dos flashes da morte de Sketch aumentava. Ela conseguia rever várias e várias vezes a cabeça dele sendo atingida pela motocicleta, e então a massa vermelha que ele se tornou. Abalada com aquilo, Riley caiu ajoelhada e exausta.

— Riley?

Paris agachou-se e ficou cara a cara com a garota.

— Você está bem?

A ruiva nada disse, apenas apontou para a porta. O rapaz então a ajudou a se levantar e voltou a caminhar próximo da entrada da cabana. Quando ele estava perto o suficiente para alcançar a maçaneta da porta, Riley tocou seu ombro. Ele girou o objeto metálico, segundos antes de ouvir o estouro. A imagem que Riley viu naquela fração de segundos, ficaria em sua mente para sempre.

Claire estava de costas para eles, vestindo um quimono branco com diversos desenhos de flores de cerejeira roxos. Em suas mãos, ela tinha uma espingarda bastante pesada. A gueixa ergueu o objeto na direção de sua têmpora esquerda, tremendo com o peso da arma. Seu dedo tremia ainda mais, mas ela sabia que estava fazendo a única coisa que poderia fazer.

— Não! — Riley gritou.

A mulher apertou o gatilho no mesmo instante, e uma quantidade imensurável de sangue e pedaços de massa vermelha espirraram por todos os lados. Riley estava com a boca aberta, de modo que o sangue de Claire respingou direto em sua boca e em seu rosto, assim como no rosto de Paris. O corpo da oriental caiu quase que no mesmo instante, com a arma fazendo um barulho pesado ao cair no chão de madeira.

Paris soluçou de maneira espasmódica, sentindo todas as forças se esvaírem de seu corpo. Antes que Riley pudesse fazer ou dizer qualquer coisa, o rapaz desmaiou, caindo com o corpo para fora da cabana. A ruiva não conseguiu nem ao menos se mexer para ajudá-lo, paralisada com a imagem do corpo inerte de Claire à sua frente. Assim como ela havia previsto, metade da cabeça da mulher havia desaparecido com o tiro, e o restante jazia encostado em uma enorme poça de sangue.

Oh.

x-x-x-x-x

Assim que chegou em casa, Nina foi recepcionada por Frank N Furter, que estranhamente estava com a boca suja de alguma coisa alaranjada, como um molho. Seus pais não estavam ali, mas ela já sabia daquilo. Os dois haviam ido visitar seu irmão mais velho, Nick, que estava em uma instituição para pessoas com transtornos psicológicos fora da cidade. Nina o visitara bastante quando era pequena, mas desistiu da tarefa quando ele começou a não reconhecê-la mais. Na maioria das vezes, Nina procurava não pensar no irmão, porque isso lhe trazia muita dor e sofrimento.

A garota foi até a cozinha e notou que Dora havia deixado uma janta pronta para ela, ao lado de um bilhete em cima da mesa. Nina ignorou o recado deixado no papel e resolveu checar a comida. Ela percebeu rapidamente que a tampa da panela contendo macarronada estava aberta, e a cor do molho coincidia com a sujeira na boca do seu cachorro.

— Frank, você comeu a minha janta?

O pequinês desceu correndo as escadas que acabara de subir e olhou para a dona de maneira confusa.

— Que droga, agora eu vou ter que fazer alguma coisa pra mim. Cachorro mau.

Frank N Furter ganiu com aquela fala da dona, deitando-se no chão da cozinha.

Nina sorriu e abriu a geladeira, procurando algo que pudesse preparar. Foi então que um pensamento terrível correu por sua mente. Era algo que ela tentara evitar durante todo o caminho da escola até em casa, mas que de repente a assolara por inteira. E se eu morrer... Logo? Era angustiante demais pensar naquilo. Por mais que ela não quisesse admitir, tudo o que Riley dissera fazia sentido. Nina não conseguia imaginar uma causa por trás daquilo, mas também não conseguia negar a lógica de tudo. Por alguns segundos, ela lembrou-se de um filme que vira quando era pequena, mas cuja premissa se fixara em sua cabeça. E se você pudesse saber a exata data da sua morte? O que você faria diferente?

Nina sentou no chão da cozinha, frustrada. O que eu farei diferente?

Era doloroso demais pensar naquilo. Além disso, enquanto a tal Claire estivesse viva, ela aparentemente não tinha com o que se preocupar. Nina então fez o que fazia com relação a todas as coisas que lhe causavam sofrimento: afastou aquele pensamento. Sofrer por antecipação não lhe faria nenhum bem, de modo que ela deveria focar no presente.

A garota ligou o fogão e colocou uma panela de aço em cima da boca dele. Ela então abriu o armário e retirou uma garrafa de óleo, pingando um pouco no recipiente e guardando-a de volta onde o encontrara. Quando Nina percebeu que o óleo começou a ferver, ela pegou a caixa de nuggets que retirara do freezer e passou a colocá-los um a um, até que não restasse nenhum. Frank dormia em cima de uma das cadeiras da cozinha, espirrando algumas vezes.

Quando sua comida ficou pronta, a garota forrou um prato com papel toalha e colocou os nuggets dentro dele, desligando o fogão e caminhando em direção a sala. No caminho, ela esbarrou na cadeira onde o cachorro estava e o acordou, fazendo com que Frank desse um pulo e esbarrasse na mesa, derrubando o bilhete que Dora deixara e fazendo com que ele voasse para longe, passando por cima do fogão e saindo pela janela da cozinha. Subitamente, Nina cobriu os braços, sentindo-se com frio. Uma corrente de ar passou por ela no mesmo instante, fazendo a garota tremer.

Do lado de fora da casa, o bilhete de Dora caiu em cima de uma poça de água feita pela chuva que agora caía de maneira fraca. Nele estava escrito:

Eu fiz a sua janta, Nina, então não ligue o fogão. O gás está com problema, ele só vai fechar se você desligar o registro do lado de fora da casa. Então tente não mexer com ele, tudo bem? Fique com Deus, meu anjo.

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Sentada na calçada e com um cobertor em suas costas, Riley olhava para o aglomerado de pessoas que se formou ao redor da mansão dos Tachibana. Já não chovia mais. Já passava das duas da manhã, e o seu pai dissera que iria buscá-la em menos de meia hora. Quando ela contou para ele, por telefone, o que havia acontecido com Claire, o homem pareceu bastante chocado. Riley não havia contado ao pai sobre a lista da morte, apenas dissera que a oriental era uma amiga de Paris, e que eles estavam visitando-a para prestar condolências. Sean Driskill apenas grunhiu em concordância, e então disse:

Eu te amo, minha filha.

— Eu também te amo, pai. — Ela respondeu mais certa do que nunca.

O gosto do sangue de Claire ainda estava em sua boca. Assim como o de Sketch, Riley tinha certeza que aquele sabor ficaria guardado em sua memória para sempre. A imagem da cabeça de Claire explodindo diante de seu rosto era aterrorizante demais para que a ruiva pudesse esquecer. Todas as vezes que fechava os olhos, ela conseguia ver a motocicleta atingindo Sketch em cheio, e então a cabeça de Claire explodia mais uma vez, espirrando sua massa encefálica por todos os cantos. Não importava quanto tempo mais ela sobrevivesse, Riley sabia que ficaria traumatizada para sempre.

— A Nina não quer atender o celular, Riley. — Paris disse, se aproximando dela e sentando-se ao seu lado na calçada. — Eu pedi pro Junior dar uma checada nela a pé mesmo, tudo bem?

Riley concordou com um aceno de cabeça, agradecendo o rapaz. Sem cerimônias, ela então encostou sua cabeça no ombro dele, sentindo o calor de seu corpo próximo do seu. Paris passou a mão pelo ombro ela e a abraçou, ajeitando o cobertor em suas costas.

— Eu nunca tinha visto tanto sangue na minha vida. — Ele falou.

Eu já, Riley pensou, mas não disse.

— Foi horrível mesmo.

Ao contrário da garota, Paris não se lembrava do momento exato em que Claire explodira sua cabeça. Assim que o sangue da mulher respingou em seu rosto, todos os sentidos do rapaz desapareceram, e ele desmaiou em seguida. Quando acordou, notou que ao seu lado estavam a ruiva e uma enfermeira, sendo que a primeira chamava o seu nome com insistência. Ela estava bem, sabia, e agradecia pela reação que seu corpo tivera. Graças ao estresse tremendo da situação, ele não tinha memória visual do momento exato em que Claire se matara. Os respingos de sangue em seu corpo, porém, eram prova de que aquilo realmente havia acontecido.

— Você está bem? — Riley perguntou. Parecendo estar genuinamente preocupada.

— Estou sim. — Ele respondeu. — E você, como está? Conseguiu avisar o seu pai?

A ruiva meneou a cabeça positivamente.

— Ele disse que está vindo me buscar logo, logo.

— Ótimo. — O rapaz comentou. — Eu espero ele chegar.

Riley agradeceu o gesto do rapaz, ainda com a cabeça encostada em seu ombro e sendo abraçada por ele. Era estranha aquela situação. Ela e Paris não tinham qualquer intimidade, mas mesmo assim ela não desejaria mais ninguém ao seu lado naquele momento. Por algum motivo, ele compreendia o que ela estava passando. Paris perdera Michaela, alguém a quem amava muito, de modo que ele conseguia compreender todas as nuances daquela situação. E de pensar que há um ano ele salvou a minha vida..., a garota refletiu. Quem sabe se ele não tivesse feito aquilo, as coisas fossem mais fáceis?

Era uma variante que Riley não podia ignorar. Se Paris nunca a tivesse salvado naquele dia em que ela foi buscar sua fantasia, ela jamais teria ido para o Atlântida. Mesmo que sobrevivesse ao acidente de carro, estaria ferida o suficiente para perder o embarque. Isso significava que ninguém teria sido avisado sobre o desastre e nenhum deles teria sobrevivido. Andi, Lucas, Junior, Nina... Todos estariam mortos. Era inevitável que Riley refletisse sobre aquilo. Será que isso não teria sido melhor pra todos nós?

— Riley Driskill? — A garota ouviu uma voz vagamente familiar lhe chamar.

Quando a ruiva olhou para cima, notou que estava diante da detetive Sasha Boney, a mesma que a interrogara após o naufrágio do Atlântida, um ano antes. Ao lado dela, o homem negro de nome Jim Abbott também era familiar para a garota. Mesmo depois de tanto tempo, ela ainda se lembrava do olhar sinistro que ele direcionara a ela quando a interrogou.

— Detetives. — Ela disse de maneira solene, cansada da situação. A ruiva imaginava qual seria o caminho que aquela conversa tomaria.

Antes que eles pudessem dizer algo mais, Sean Driskill apareceu. Riley levantou-se com rapidez e correu na direção do pai, abraçando-o. O homem retribuiu o gesto com força, parecendo bastante apreensivo com a situação. Ele notou rapidamente as manchas de sangue espalhadas na calça jeans da filha e arregalou os olhos.

— Senhor Driskill? — O detetive Abbott arriscou.

— Eu mesmo. — O homem respondeu, estendendo a mão e cumprimentando os dois policiais.

— Meu nome é detetive Abbott e essa é a minha parceira detetive Boney. Nós gostaríamos de ter uma palavrinha com a sua filha, se não for muito incômodo.

Sean ergueu uma sobrancelha.

— Por quê? Isso foi um suicídio. Por que vocês estão aqui?

— Nós estamos apenas fazendo o nosso trabalho, senhor. — Boney respondeu. — A sua filha foi uma das sobreviventes do Atlântida, assim como Claire Blanche. E, se não estou enganado, assim como esse rapaz, Brian Nowak. — A mulher falou, apontando para o rapaz sentado na calçada.

Era visível que aquela situação surpreendera o pai de Riley.

— Nós nos conhecemos por causa disso. — Paris apressou-se em responder, se levantando. — Quando nós vimos os noticiários a respeito da Claire e do marido dela, meu irmão e eu nos compadecemos da situação e decidimos visitá-los no hospital. Eu e a Claire nos tornamos amigos desde então. Eu sou voluntário no hospital onde o James estava internado, então nós nos víamos frequentemente.

Os dois detetives se entreolharam por alguns segundos, mas Riley achou aquela meia verdade bastante eficiente. Sean parecia ter compreendido a situação com clareza.

— Então essa é a sua conexão com a Claire. — Abbott falou. — Mas e quanto a você, senhorita, Driskill? Qual era a sua...

— Isso é um absurdo! — Sean exclamou, embora mantivesse o seu tom de voz baixo e contido. — Por Deus do céu, isso foi um suicídio. A minha filha está extremamente traumatizada, vocês precisam deixá-la em paz!

Riley abaixou a cabeça, sem saber como deveria reagir. O detetive Abbott abriu a boca para dizer alguma coisa, mas subitamente a ruiva o interrompeu:

— Eu posso responder mesmo assim, pai. — Ela falou. — Eu vim com o Paris porque... Bom, nós estamos juntos.

Tanto Sean quanto Paris arregalaram os olhos, mas o rapaz disfarçou a surpresa no exato mesmo segundo, abraçando os ombros de Riley e beijando o topo da cabeça dela. Ele falou:

— A gente estava em uma reunião da escola quando eu fiquei sabendo da notícia da morte do James. Um dos nossos amigos deixou os outros em casa e eu vim com a minha namorada prestar minhas condolências para a Claire. Foi só isso. Se eu pudesse voltar no tempo, eu teria chego mais cedo. Talvez eu pudesse ter evitado o que aconteceu...

Riley olhou imediatamente para Paris, e percebeu que ele falara aquilo com uma expressão de pesar no rosto. Mesmo que a primeira parte de sua fala fosse mentira, o final parecia ter sido sincero. Ela agradecia a Deus pelo fato do rapaz ter chego à mesma conclusão que ela; a de que eles não deviam mencionar a lista para os policiais.

Abbott e Boney parecerem satisfeitos com aquela resposta. O homem esticou o braço e apertou a mão de Sean, fazendo o mesmo com a ruiva e com o rapaz. Ele disse:

— Desculpe-me por importuná-los. Se me dão licença...

A outra detetive apenas acenou com a cabeça, e então os dois deram meia volta e sumiram da vista de Riley. A ruiva suspirou largamente. Por algum motivo, ela acreditava que voltaria a ver os dois policiais mais algumas vezes.

x-x-x-x-x

Junior apertou a campainha várias vezes, de maneira incessante. Ele olhou em seu relógio e percebeu que já era uma e meia da manhã. Ao telefone, Paris não entrara em detalhes sobre a morte de Claire, apenas dissera que quando eles chegaram até a casa dela, ela estava morta. Junior quase deixou o celular cair no chão com aquela notícia, mas tentou manter-se calmo mesmo quando o irmão lhe alertou de que Nina era a próxima da lista. Ele não pode deixar de se indagar se a sua vez viria depois dela. Isso era importante, porque tanto Sketch e Michaela, quanto James e Emma, morreram praticamente ao mesmo tempo. E se a vez dele e de Nina viessem juntas? Era aterrorizante só de pensar.

Dois minutos depois de começar a apertar a campainha, Junior mandou a décima terceira mensagem de WhatsApp para a namorada. Segundo o aplicativo, ela estava recebendo as mensagens, mas por algum motivo ela não as respondia. Aquilo não era típico de Nina, que sempre exigia que ele a respondesse com rapidez. Ela estava sempre com o celular em mãos, e Junior não conseguia imaginar que ela dormiria tão cedo depois de ouvir tudo o que Riley havia dito.

Foi então que um pensamento percorreu sua mente.

Oh, não! Merda!

Junior deu a volta na casa e tentou espiar pela janela da cozinha. Ele percebeu que ela estava aberta, de modo que decidiu entrar por ali. O rapaz então apoiou os pés na parede e segurou na beirada da janela, se impulsionando para cima. Quando já estava preparado, ele esticou a perna para dentro, e então sentiu o forte odor que denunciou que alguma coisa estava errada.

Isso é cheiro de gás!, Junior percebeu no mesmo instante. Ele colocou as duas pernas para dentro da cozinha, e então entrou com o restante do corpo, caindo em cima da pia e rolando para o chão. O rapaz rapidamente ergueu a camiseta na altura da boca e do nariz, tentando não respirar aquele ar. Oh meu Deus, onde a Nina está?

Junior a encontrou deitada no sofá da sala, aparentando estar dormindo tranquilamente. Ao seu lado, o cachorrinho dela também dormia. O rapaz não perdeu tempo e correu na direção da namorada. Quando ele a ergueu, notou que o seu corpo estava mole. Ela não acordou. Junior rapidamente jogou-a por cima de seu ombro, segurando suas pernas, e pegou o pequinês com a outra não, esticando a sua palma por baixo da barriga dele.

O cheiro de gás era tão forte que até mesmo Junior estava começando a sentir-se zonzo. Ele correu até o hall de entrada e destrancou a porta, ainda prendendo a respiração. Quando o ar puro invadiu suas narinas, o rapaz respirou o mais forte que pode.

Junior colocou Nina delicadamente encostada na parede da frente da casa e deixou o cachorro em seu colo. Ele então voltou a tapar o rosto com a camiseta e subiu as escadas de dois em dois degraus, indo direto até o quarto dos pais da namorada. Por sorte, nenhum deles estava ali. Junior sentiu-se um pouco mais aliviado e então voltou a descer, já retirando o celular do bolso.

— Alô? É uma emergência!

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Andi colocou a caneca de chá de camomila ao lado da mesinha de madeira e sentou-se em frente ao computador. Ao seu lado, a tela do celular ainda estava acesa, já que ela acabara de falar com Riley. A Claire está morta e a Nina é a próxima. Tudo isso logo após a morte do tal James e da professora Emma. Se nós não nos apressarmos em descobrir uma saída, logo será a nossa vez.

Aquele pensamento foi suficiente para fazê-la ter a ideia mais óbvia do mundo, mas que nenhum deles havia tentado ainda. Se Sketch e Riley haviam encontrado a tal Anna, ela com certeza poderia encontrar mais informações se soubesse onde procurar. Por sorte, ela tinha diante de si a ferramenta mais genial já inventada pelo homem: a internet.

Segundos após iniciar a pesquisa, ela encontrou um site chamado “restinpieces.com”. O site parecia estar fora do ar, mas Andi sabia uma coisinha ou duas sobre conseguir acessar as informações anteriores disponíveis ali, mesmo que o domínio não estivesse de pé. Não foi necessário muito esforço, e em pouco tempo ela se viu diante de um texto escrito em letras brancas e em um fundo preto:

Este site é dedicado a depoimentos de pessoas que sofreram experiências de quase morte e foram salvos graças a fenômenos misteriosos. Não aceitaremos depoimentos de pessoas que estavam à beira da morte em macas de hospitais e hoje têm uma vida feliz. Nosso intuito não é o de discutir teorias filosóficas e religiosas sobre o que há do outro lado, o que acontece após a morte; menos ainda servir de autoajuda para sobreviventes. Temos como único intuito relatar experiências de quase morte decorridas de acidentes bizarros, misteriosos e inexplicáveis. Noventa por cento de nosso conteúdo foi cedido pelos próprios sobreviventes, embora um pouco dele tenhamos coletado em diversos fóruns. Se você é detentor de algum material aqui publicado, ou parente de alguma das vítimas e deseja ter o comentário deletado, apenas me mande um e-mail. Apagarei o conteúdo no mesmo instante.

Babe Yurkowski, administradora.

Babe Yurkowski. Eu conheço esse nome...

Para ter certeza daquela informação, Andi copiou o nome da mulher e colou-o na barra de pesquisa. O primeiro link disponível confirmou sua suspeita; a tal Babe era uma cineasta, responsável por alguns curtas-metragens que Andi já tinha assistido e dos quais era fã. A maioria deles falava sobre a arte das tatuagens e da modificação corporal. Mas não era só isso.

O segundo link era uma notícia que fez Andi tremer.

Cineasta morre em acidente em estúdio de tatuagem. A vítima era suspeita de um assassinato.

Oh não... A Babe era administradora de um site que falava sobre dons premonitórios, acidentes e a lista da morte. Ela sofreu um acidente fatal. Será possível que...?

Andi não sabia direito o que pensar sobre aquilo, mas não fazia diferença. Ela fechou a aba de pesquisa e voltou para o restinpieces.com. Dentre os diversos tópicos disponíveis ali, a garota se interessou por um que dizia “depoimentos”. Sem perder tempo ela clicou nele, sendo que uma lista com vários novos tópicos foi exibida.

* Pressage Paper e a visão de Jenna.

* Club Kitty – Uma estranha história sobre seu desabamento.

* O misterioso caso do atentado a linha de metrô South Hill.

* Acidente no iate Coral Clipper.

* Jatinho cai em praia do Havaí e mata surfistas – Entenda como aconteceu.

* Engavetamento na Rota 23 – O estranho fenômeno do número 180.

* Devil’s Flight – Falha mecânica ou destino?

* Desastre na pista de corrida McKinley e caso da cafeteria “Death By Caffeine” – Saiba como esses acidentes estão interligados.

* Queda da ponte North Bay.

* Baja Junkie e a história de Adrian Blanc.

* Voo 180.

Ansiosa por respostas, Andi começou a abrir todos os tópicos com o botão direito do mouse, acumulando uma boa quantidade de links. Depois de ter selecionado todos, ela decidiu se focar no primeiro. Havia diversas imagens fora do ar ali, todas transformadas em um quadrado com um “X” no centro. Andi as ignorou e foi descendo até encontrar um texto. Nele estava escrito:

Eu me chamo Lola. Se você chegou até aqui, provavelmente foi porque você veio atrás de respostas. Eu não as tenho, mas eu posso te ajudar. Diferente da filosofia desse site, eu administro um grupo de suporte aos sobreviventes da lista da morte, e estou disposta a ouvi-los e aconselhá-los independente de qualquer coisa. Se tiverem interessados, entrem em contato: (408) 555-0176.

A data daquela postagem era de alguns anos antes, mas Andi ficou curiosa com a mensagem, de modo que decidiu anotar aquele número. Enquanto navegava pelos outros links e pelas outras histórias, ela rapidamente percebeu que a tal Lola havia deixado aquele comentário em todas as postagens. Andi admirou-se com aquilo, já que, se aquela mensagem fosse realmente genuína, a mulher estava realmente empenhada em ajudar aqueles que estavam sem esperança.

Essa talvez seja a nossa única chance... Certo?

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Sentado nas cadeiras do corredor do hospital, Junior suspirou.

Já passava das três da madrugada. Ele havia telefonado para os pais de Nina e eles estavam a caminho da cidade. Provavelmente chegariam pela manhã, de modo que ele decidiu passar o resto da madrugada ali ao lado da namorada. A médica que atendeu Nina disse que ela provavelmente ficaria bem, mas não quis afirmar nada além, preferindo não entrar em detalhes. Ela também dissera que se a garota tivesse ficado mais um minuto que fosse dentro da casa, o acidente provavelmente teria sido fatal. Junior estava aliviado só por saber que a namorada estava viva. Para ele, aquilo era o mais importante.

O cachorro de Nina fora atendido pela equipe médica do hospital, mas depois fora transferido para uma clínica veterinária no centro da cidade. Junior precisara pagar pela internação dele, mas ele não se importava. Também estava feliz pelo pequinês estar vivo.

Ele não tinha ideia, porém, de como aquela notícia havia afetado os outros sobreviventes. Poucas horas desde a sua reunião, Claire estava morta e Nina havia sofrido um acidente quase fatal. Era claro que aqueles acidentes deviam ter deixado todos em pânico, mas ele não conseguia medir a extensão disso. Riley provavelmente estava surtando, Junior tinha certeza. Ele nem ao menos tivera coragem de perguntar a ela a respeito de quem seria o próximo da lista, tamanho foi o choque dela ao ouvir sobre o acidente quase fatal de Nina. Restava esperar que a ruiva se recompusesse e viesse falar com ele.

O hospital estava imerso no mais completo silêncio, mas Junior conseguia ouvir, ao longe, uma música tocando. Apesar da distância do som, era possível distinguir claramente a letra dela.

E quando a noite vai se agonizando no clarão da aurora

Os integrantes da vida noturna se foram dormir

E a dama da noite que estava comigo também foi embora

Fecharam-se as portas, sozinho de novo, tive que sair

Sair de que jeito, se nem sei o rumo para onde vou...

A dama da noite que estava comigo também foi embora”? Não, ainda não. Não dessa vez.

Apesar disso, Junior tinha medo. Muito, muito medo.