Aquela luta tinha começado no momento em que o lógico seria terminar, mas ele desafiaria a lógica, e venceria, se seu prêmio fosse trazer de volta aquela pessoa tão especial.

Desde o dia que topara ao acaso com aquela gravação, sua vida mudara radicalmente. Se lembrava perfeitamente de ter chorado copiosamente ao descobrir que mais do que a mera imagem dela, havia realmente uma parte de sua Kurisu por trás daquela tela fria, que o vídeo fazia parte de um projeto muito maior, em que ela gastara todo o seu tempo enquanto estudava na América.

Depois de descobrir que uma parte da consciência de Kurisu tinha sido mapeada em um software como parte de seu projeto, quase tinha enlouquecido, e preocupado Mayuri e Daru ainda mais do que na época daquele incidente. Ficara tão obcecado com aquele programa que não tinha sossegado até finalmente obter permissão para tê-lo, e depois disso sequer dormia, passava o tempo todo em frente a tela de seu computador, afundando-se em uma depressão terrível por não ser mais capaz de tocar a garota que amava, e pela limitação do programa, que sequer permitia a ela aprender a reconhecê-lo. Aquela Kurisu não era nem um décimo da cientista genial que conhecera, e o torturava com lembranças e desejos inalcançáveis.

Okabe tinha chegado ao fundo do poço em questão de semanas, seu estado era tão preocupante que os amigos haviam até mesmo lhe obrigado a iniciar uma terapia, mas era sua determinação o veneno e também o único remédio para aquela doença. Não poderia se dar ao luxo de definhar até a morte sem ter cumprido sua missão, sem que pudesse tocá-la ao menos mais uma vez. Aquela resolução havia permitido que se mantivesse o mais estável o possível, ainda que tivesse regredido novamente e mais profundamente ao estado de cientista maluco e solitário.

— Se o tempo passa lento ou rápido, depende da percepção. A teoria da relatividade é realmente bonita, mas nunca me pareceu tão triste e desesperadora, Kurisu – suspirou Okabe, enquanto amassava outra folha com demonstrações matemáticas equivocadas – Como conseguirei sem você? – se perguntou tristemente.

— A teoria da relatividade foi enunciada por… – disse inexpressivamente a garota na tela do computador que nunca era desligado, falando do único assunto sobre o qual tinha conhecimentos naquela conversa.

— Eu sei disso, Kurisu – interrompeu-a Okabe frustradamente, pois o fato dela não reconhecer as próprias palavras o magoava – Em vez disso, me diga novamente qual é a frequência dos impulsos eletrônicos em que nossos pensamentos operam, e qual a equação que você usou para extraí-los e decodificá-los – pediu incansavelmente.

Ela ditou os números mais uma vez, no tom neutro que tanto incomodava Okabe. Por mais que aquele programa fosse baseado na consciência da própria Kurisu, em seus conhecimentos e memórias, ainda era incapaz de reproduzir a personalidade ativa, curiosa e apaixonada por ciência que ela tinha, e que tanto lhe encantara. Ele fizera tantos testes, mas a nenhum deles ela reagira, apenas negara sucintamente quando ele lhe inquerira sobre a existência de máquinas do tempo, sem demonstrar sequer um décimo de toda sua indignação, sem a explicação humilhante e brilhante a que lhe expusera naquela vez, tampouco acreditava que pudessem haver universos paralelos, ou era capaz de absorver em sua inteligência artificial as provas que lhe dera sobre ser capaz de enviar mensagens de texto para o passado utilizando um celular e um micro-ondas velho. Era muito frustrante que a única parte de Kurisu que possuía era uma tão distante e insensível.

Ele retomou a demonstração, entre um gole e outro da lata de café que jazia entre os papéis amassados, ignorando os olhos que pesavam de sono, as olheiras, e forçando a concentração a não se dispersar. Depois de passar mais uma noite em claro, os efeitos eram óbvios, não era mais capaz de manter qualquer atenção ao ambiente, apenas se focava na folha que rabiscava freneticamente, e sequer reparou na porta do laboratório que se abriu alguns metros de distância.

— Ainda aí, Okarin? – perguntou o nerd, autointitulado super-hacker, expressando sua preocupação na entonação da voz.

— Vou para casa daqui a pouco – respondeu ele mecanicamente – Tomar um banho, dormir umas duas horas e depois vou para a aula.

— Você não deveria exagerar tanto – repreendeu-o, mas o tom era desanimado, de quem sabia que seria ignorado, apesar das boas intenções – Sabe que já está acordado há mais de quarenta e oito horas, não é?

— Cinquenta e uma – respondeu despreocupadamente, desviando rapidamente os olhos para um relógio que havia sobre a mesa – Mas não se preocupem, eu não vou passar dos limites, tenho um motivo pelo qual viver – acrescentou com redobrada determinação, prevendo que o amigo iniciaria outro de seus tão frequentes sermões.

— Acho bom mesmo que tenha, ou em breve vai se unir à sua namorada zombie do jeito mais fácil – replicou ele duramente.

Aquele comentário fez com que tirasse finalmente os olhos do papel, para direcionar um olhar fulminante a Daru, mas a expressão dele era de sincera preocupação, e desarmou Okabe. Daru, Mayuri, e até mesmo Feyris e Ruka apareciam frequentemente checar se estava bem, lhe trazer lanches e até mesmo roupas limpas. Nunca em sua vida exótica passara tanto tempo naquele suposto laboratório, muito menos direcionara um esforço tão grande a uma causa, contudo entendia que também precisava priorizar aqueles que se importavam consigo.

— Está bem, eu vou para casa agora – cedeu, largando finalmente a lapiseira que já imprimia sulcos na mão magra.

— No fim de semana tentarei outra vez te ajudar a resolver esse problema do salto no tempo – comprometeu-se Daru, a fim de tentar extinguir aquela expressão de desespero que via no rosto do amigo – Ainda não tenho muita ideia de como essa garota pode ter conseguido inventar uma coisa dessas, mas se ela foi capaz uma vez, seremos capazes de replicar com algum esforço, por mais que neurociência não seja a nossa área.

O semblante cansado pareceu até mesmo se aliviar ao ser dividido por aquele sorriso sincero.

— Obrigado – agradeceu francamente.

— Agora vá logo descansar, ou eu não cumprirei a minha promessa – replicou o outro, desconversando o assunto, pois não estava habituado a agradecimentos dele.

— Te vejo mais tarde na aula então – despediu-se, levantando-se e se espreguiçando da cadeira desconfortável.

— Bom descanso – desejou Daru, enquanto ele se dirigia à porta do pequeno e bagunçado apartamento.

Okabe não respondeu intencionalmente. Não era como se imaginasse que pudesse ter um descanso tranquilo como o amigo lhe desejava quando pesadelos terríveis o perseguiam sempre que colocava a cabeça em um travesseiro. Aquele era um dos outros motivos que o levavam a desejar dormir tão pouco, e frequentemente sob o efeito de calmantes, era uma verdadeira tortura repassar repetidamente aquele fatídico dia em seus sonhos.