Plantio Maldito

A Pedra Fundamental


" O Senhor confia os seus segredos aos que o temem, e os leva a conhecer a sua aliança"

Livro dos Salmos


CORREDOR DO GINÁSIO: ESCOLA BLOCH

Rob Soul olha estupefado para Linda. O que a garota disse não podia estar acontecendo. Linda Harris não podia estar grávida dele. O rapaz pergunta com pânico na voz

ROB

Você tem certeza do que tá falando?

LINDA

Acho que tenho (Diz insegura)

ROB

Você não pode achar! Tem que ter ou não!

LINDA

Não grita comigo (Diz com os olhos começando a ficar marejados)

Arrependendo-se de sua reação, Rob abraça a jovem.

ROB

Me desculpe. Não devia ter falado assim. Mas por que... Por que acha que está grávida?

LINDA

Eu to... To atrasada á um tempão. Os meus seios começaram a crescer.

ROB

Isso não quer dizer que...

Ela continua, como se não tivesse ouvido a interrupção.

LINDA

Tenho enjoado por quase qualquer coisa. Tenho muito sono, mas não consigo dormir de preocupação. Tenho pensado muito na minha mãe, e de como ela reclamava dessas coisas logo que engravidou do Dan.

Enquanto o sinal para chamar os alunos de volta as aulas toca, Rob olha para o teto.

ROB

Meu deus! A gente tá ferrado!

Linda segura a mão do garoto, e diz em um tom quase suplicante.

LINDA

Você não vai me deixar sozinha, vai?

Ele a abraça.

ROB

Eu te amo Linda! E também não vou fugir da minha responsabilidade. Seu pai provavelmente vai me matar, mas vamos contar juntos, esta bem?

CORREDOR DA ALA INFANTIL DA ESCOLA BLOCH

David Franklin sente-se muito bem consigo mesmo, de uma forma que poucas vezes se sentira. Estava realizando bem a tarefa para a qual fora chamado. David nunca fora uma criança de muitos amigos. Mas tinha o bastante para espalhar a sua mensagem. Era um garoto deprimido, que acabara de perder os pais, e que precisava do apoio dos colegas. Por isso convidara estes poucos amigos para uma reunião em sua casa dentro de três dias. E pediu que estes amigos levassem seus amigos, irmãos e irmãs. Seria um começo. E seria um brilhante começo.


FACHADA DA ESCOLA BLOCH

Richard Deigan, e três amigos, Wally, Keith e Zack, esperam a saída de David. Como os alunos do ginásio são liberados dez minutos antes do que os alunos do primário e do secundário, Richard achava que não havia chance do pequeno Franklin sair sem ser visto, mas começava a duvidar disso. Já estavam ali há mais de meia hora e ainda não havia nem sinal do menino.

Grande parte dos alunos do primário e do secundário já havia saído. De onde estava Richard pôde ver Kathryn sair pelo portão, e encontrar Linda, que a estava esperando. Após as filhas do Xerife irem embora, Deigan assistiu as crianças menores serem buscadas por seus pais, mas ainda nem sinal da criança que ele realmente queria ver.

Quando o porteiro, um velho de expressão mal humorada, começa a fechar os portões, Richard vê o semblante do porteiro fechar-se ainda mais, para então ele voltar a abrir um dos portões para dar passagem ao pequeno David Franklin. O menino vê o pequeno grupo á sua espera, e caminha na direção deles, sem qualquer receio.

DAVID

Oi gente. Imaginei que vocês iam estar por aqui (Diz jovialmente).

Richard aproxima-se ameaçadoramente do menino.

RICHARD

Quem te contou aquelas coisas?

David encara Richard com atenção, e então os amigos do rapaz atrás dele.

DAVID

Vocês tem alguma coisa pra fazer? O caminho até a minha casa é um pouco longo. Se vierem comigo, eu conto como eu soube dos seus pecados, Richard.

Os amigos de Richard entreolham-se. Deigan, que sempre se mostrou tão seguro de si parecia preocupado, assustado até. Mas o que aquele menino poderia saber do garoto mais barra pesada de Gatlin? Afinal, ele não passava de uma criança!

RICHARD

Ok. Vamos com você, pirralho.

Wally, um dos três rapazes que acompanhavam Deigan parece não acreditar no que ouviu.

WALLY

Qual é Richard. A gente pode dar uma prensa nesse pirralho, e ele fala tudo o que você...

RICHARD

Cala a boca! A gente vai com o garoto e deu! Andando pirralho! (Diz dirigindo-se a David)

DELEGACIA DE GATLIN

A delegacia de Gatlin era relativamente pequena para uma central de policia. Localizada no centro da cidade, a delegacia contava com uma minúscula sala de espera, separada do local de trabalho dos policiais apenas por um balcão. Atrás do balcão havia um espaço um pouco maior, onde três dos cinco homens que formavam a força policial de Gatlin estavam trabalhando.

A sala do Xerife podia ser identificada por uma porta onde se lia o seu nome na vidraça. A sala do Xerife tinha mais ou menos o mesmo tamanho da sala comum dos policiais, já que abrigava os arquivos da polícia de Gatlin.

Por fim, havia uma porta que dava acesso à carceragem, que não passavam de duas pequenas celas. Por fim, havia um pequeno cubículo que servia de banheiro para os funcionários, já que os presos tinham as suas próprias latrinas.

Foi nessa delegacia que as filhas do Xerife Harris entraram no começo daquela tarde. Sem cerimônia alguma, Linda dirigiu-se a campainha sobre o balcão, e tocou-a. Otis Lyns, um dos policiais, levanta-se de sua mesa e vai até o balcão, abrindo um sorriso ao ver as duas garotas.

LINDA

Como vai, Otis? O meu pai está?

OTIS

Seu pai tá no escritório. Quer ir falar com ele?

LINDA

Eu queria sim. Pode dar uma olhada na minha irmã enquanto eu falo com ele?

KATHRYN

Por que não posso entrar também? (Pergunta emburrada)

LINDA

Por que eu quero falar sozinha com o pai! (Diz autoritária).

KATHRYN

Mas isso não é justo!

OTIS

Nossa Kathryn. Eu sou tão chato assim? (Diz fingindo mágoa)

Kathryn lança um olhar culpado ao policial, enquanto Linda passa pela abertura do balcão.

LINDA

Obrigada (Diz num sussurro ao policial).

ESCRITÓRIO DO XERIFE

O Xerife Timoth Harris derrama a água que acabou de ferver dentro da cafeteira, e observa o liquido negro começar a se concentrar na cafeteira. Neste momento, ele ouve a porta do escritório abrir, e ao se virar, vê a filha mais velha entrar no recinto.

TIMOTH

O que faz aqui? Cadê a sua irmã?

LINDA

Ali fora. Otis tá cuidando dela (Diz fechando a porta).

Do canto da sala, Stuart Doyle, um homem alto de cabelos loiros, baixa o maço de folhas de papel que estava lendo, e ergue o braço em saudação á garota.

DOYLE

Ei, Linda! Como vai?

LINDA

Vou bem, Assistente Doyle. Pai, eu podia... Falar a sós com você?

O Xerife e seu assistente trocaram um olhar. O jovem acena com a cabeça e deixa a sala.

LINDA

Eu tenho que fazer um trabalho na casa de uma amiga. Por isso, não vou poder tomar conta da Kathryn hoje. Tava pensando em deixar ela na creche da igreja junto com o Dan.

TIMOTH

Kathryn já não esta mais na idade de ficar na creche. Por que não a leva á casa de sua amiga? Ou a convida para ir fazer esse trabalho na nossa casa?

LINDA

Ela tá um pouco doente. Nem foi na aula hoje e não pode sair de casa. Por isso eu não acho legal levar a Kathryn. Ela vai ficar agitando e incomodando, e...

TIMOTH

Tudo bem. Você pode levar a Kathryn a igreja e deixa-las com as freiras da creche. Acho que elas não vão se importar. Só não digo o mesmo da sua irmã.

LINDA

Obrigado, pai

Ela sorri aliviada, e vira-se pra deixar a sala, sem ver que o pai pousou a xícara sobre a mesa.

TIMOTH

Qual é mesmo o nome desta sua amiga? (Pergunta olhando-a com atenção)

LINDA

O nome dela?

TIMOTH

Foi o que eu perguntei (Diz olhando a filha com desconfiança).

LINDA

Emma. Emma West (Responde ela rapidamente).

O não responde nada por um instante. Mas então sua expressão se desanuvia.

TIMOTH

Você pode ir, filha. Tem a minha permissão.

A garota assente com a cabeça, e sai. Logo depois, Doyle retorna a sala, e fecha a porta.

DOYLE

O que ela queria, Chefe?

Timoth não responde. Apenas pega a xícara e toma o café, pensativo.

ESTRADA

David anda por uma estrada de terra ladeada por um milharal, sendo seguido de perto por Richard e seus colegas. Eventualmente, o líder do grupo perguntava ao menino para onde estavam indo, mas a criança apenas pedia que eles esperassem mais um pouco. Deigan tenta conter a ansiedade e irritação de seus colegas. Mas não consegue impedir Wally quando ele acelera o passo e se coloca na frente de David, impedindo o seu caminho.

WALLY

Chega de passeiosinho. Se esse pirralho tem alguma coisa pra contar, ele vai contar agora

Wally agarra David pelo colarinho, quase o erguendo do chão.

WALLY

Diz logo o que o Deigan quer saber, ou eu afundo o seu nariz a soco!

David encarava Wally com um misto de curiosidade e divertimento.

DAVID

Eu vou dizer mais do que isso. Já se perguntou Wally, se os seus colegas pensam por que não é você e sim o Deigan que manda nesse clubinho de vocês?

Deigan e os dois rapazes restantes se entreolham, não entendendo o que o menino quis dizer. Wally, entretanto, esta com o rosto vermelho de raiva.

DAVID

Alguns se perguntam. Mas nenhum consegue utilizar a palavra certa. É devoção, Wally. Você deixa o Richard achar que é o bad boy da cidade, por que não pode demonstrar a sua devoção á ele do jeito que gostaria. Mas outras companhias te serviram de consolo.

Wally ergue o punho pronto para socar aquele rostinho irritante, mas uma mão segura o seu pulso, enquanto um par de braços agarra o seu peito. A gola do menino rasga devido á força com que era segurado, enquanto Wally tenta se livrar dos braços que o puxam para longe.

WALLY

Eu vou te matar, seu nanico de merda! Ouviu bem? Eu vou te matar!

Richard Deigan olha para o colega enfurecido, e então se aproximou de David, observando o menino passar os dedos despreocupadamente pela gola rasgada.

RICHARD

Eu conheço o Wally. Ele não vai se segurar por muito tempo. Tá na hora de falar, pivete.

DAVID

Eu prometi que ia contar no caminho. A gente tá quase chegando em casa. E vai chegar mais rápido ainda se pegar um atalho pelo milharal.

WALLY

Me dá um minuto com ele, Deigan! Só um minuto!

Deigan vira-se, e grita com autoridade.

RICHARD

Eu já mandei ficar frio, Wally! Não me faz engrossar contigo!

Os dois rapazes se encaram em silêncio. Richard então vira-se para David.

RICHARD

Se estiver nos levando pra uma armadilha, ou se tentar fugir...

Com extrema rapidez, Deigan saca um canivete, o abrindo bem próximo do rosto do menino.

RICHARD

Se estiver levando a gente pra uma armadilha, ou se tentar fugir, eu arranco as suas bolas.

MILHARAL: MOMENTOS DEPOIS

Os quatro adolescentes são guiados pelo menino através do milharal. Richard nasceu e cresceu em Gatlin, como a maioria dos cidadãos. Estava acostumado com a mistura de odores de milho e folhagem exalados pelos campos de milho, e com o som da terra sendo esmagada por seus pés quando atravessava esses campos. Mas tudo parece estranho para o rapaz agora.

E não apenas por causa dos pés de milho de folhas levemente amarelados, resultado da safra ruim que nada tinha a ver com os vistosos pés de milho de sua infância. Era algo que ele só podia sentir, e não sabia explicar. Mas tinha certeza que aquele pivete saberia, assim como sabia sobre os seus segredos e desejos.

DAVID

É triste ver os milharais, assim. Fraco e quase sem vida (Diz o menino de repente).

RICHARD

Não viemos aqui falar de milho (Diz Deigan com rispidez).

DAVID

O milho tem tudo a ver com isso, Richard. Olhe em volta.

Deigan obedece, e percebe que já não está mais cercado pelos pés de milho fracos e doentes que a cidade se acostumara a ver nos últimos três anos, mas sim por pés de milho ainda mais saudáveis e vistosos do que aqueles que ele se lembrava de sua infância.

DAVID

Eu já dei a resposta que você queria, Richard. Eu conheço os seus segredos, assim como conheço os do Wally por que Aquele Que Anda Atrás Das Fileiras me contou. Ele quer salvar esta cidade da miséria. Mas temos que fazer por merecer.

Os quatro adolescentes olham incrédulos para o menino. Richard então dá uma risada nervosa, sendo acompanhado pelos companheiros.

RICHARD

Você tá doido pirralho! (Diz em um inseguro tom de gozação)

DAVID

É só olhar esses pés de milho pra ver que eu não estou brincando. Essa cidade tem depositado a sua devoção no deus errado.

WALLY

Ele tá brincando com a gente, Richard (Diz o rapaz com irritação).

David vira a cabeça em direção a Wally. Richard pode ver um brilho cruel nos olhos do menino.

DAVID

Você também não vem depositando a sua devoção na figura certa, não é Wally? Os seus amigos sabem em quem você anda grudado quando não esta com eles? Com certeza não é com garotas.

Sem dizer uma única palavra, Wally avança na direção do menino, e lhe dá um forte soco no lado da cabeça. O menino tem os pés erguidos do chão ao ser jogado contra os pés de milho. O som de folhas sacudidas segue-se ao barulho do corpo de David caindo no chão. A mochila que ele carregava desprende-se de suas costas, rolando no chão. A criança permanece imóvel onde caiu por alguns instantes, mas lentamente começa a se levantar, como um bêbado que se recupera de uma ressaca. Há um corte em sua testa, de onde escorre um pequeno filete de sangue.

WALLY

Isso é só uma amostra, seu merda! (Diz ameaçadoramente indo em direção ao menino)

Nesse instante, um corvo surgido do nada voa sobre o rosto de Wally, grasnando violentamente. Atordoado pelo súbito aparecimento do animal, o rapaz dá alguns passos para trás, enquanto tenta espantar o pássaro com as mãos. Mas no momento em que sente as garras e o bico do agressor arranharem o seu rosto, o rapaz sente o pânico lhe invadir.

WALLY

Me ajudem, porra! Tirem esse bicho de cima de mim!

Zack e Keith correm em sua direção, mas alguns pés de milho movem-se sob os pés dos jovens, fazendo- os tropeçar. Richard observa a tudo como se estivesse hipnotizado. David engatinha com rapidez até a sua mochila, retirando algo lá de dentro.

Wally sente uma dor excruciante no olho, quando o corvo consegue enfiar o bico em uma de suas orbitas, e com um movimento rápido, arrancar todo o globo ocular. A dor e o desespero fazem com que o rapaz consiga agarrar o corvo, e atira-lo ao chão. Mas o pássaro cai de pé, ainda com o olho de Wally preso ao bico.

O rapaz cai de joelhos, gritando enquanto sangue esguicha de sua órbita vazia. Com dois rápidos movimentos de cabeça, o corvo engole o olho que um dia foi de Wally. Keith começa a se levantar, mas é surpreendido por David, que brande uma foice de mão em sua direção. O rapaz mal tem tempo de gritar, quando a lamina enterra-se em seu crânio, descendo até a testa.

Deigan continua a observar a cena dantesca que se desenrola diante dos seus olhos como se tudo não passasse de um pesadelo. Zack levanta-se, não conseguindo acreditar que seu colega acaba de ser morto por um menino de oito anos. O garoto sente o seu corpo ser atingido por varias direções pelos pés de milho. Era como ser chicoteado de varias direções ao mesmo tempo.

O corvo volta a alçar voo em direção ao rosto de Wally, mas desta vez o rapaz é mais rápido, e consegue agarrar a ave, aplicando tanta força que quebra o pescoço do animal. Entretanto, mal o pássaro morto cai no chão, o rapaz desaba no solo logo em seguida, aparentemente vencido pelo choque de seu ferimento.

O garoto chicoteado pelos pés de milho esta encolhido no chão em posição fetal, chorando como um bebê, embora as plantas já não o agridam mais. Com as mãos trêmulas, Richard tira o seu canivete de seu bolso, e o abre. Com as duas mãos, e bastante esforço, David consegue arrancar a foice da cabeça do garoto que havia acabado de matar.

David e Richard se encaram com as armas em mão. Deigan não acredita que uma criança possa ter uma expressão tão fria depois de tudo aquilo. Não, fria não era a palavra, corrigiu-se Richard mentalmente. A expressão no rosto de David era completamente serena. A perplexidade do rapaz mais velho só aumentou quando o outro soltou a foice e abriu um sorriso bondoso.

DAVID

Você vê? Estou desarmado, e depositando a minha fé em você. E não sou o único. Deus também tem fé em você. Por isso eu fui te procurar. Por que ele mandou.

RICHARD

Cala a boca! O que é você?! Um demônio?! (Pergunta o jovem em desespero).

DAVID

Por acaso um ser maligno nos oferecia essa fartura? (Diz apontando para os pés de milho).

RICHARD

Fartura? Olhe o que essa fartura fez com o Zack! (retruca o rapaz apontando para o adolescente choroso encolhido no chão).

DAVID

Aquele Que Anda Por Trás Das Fileiras protege os seus. Não se lembra de Sodoma e Gomorra? Das dez pragas do Egito?

RICHARD

Esta dizendo que esse... Que esse de quem você fala é... Deus?

DAVID

Um deus que se preocupa com você, e não um deus capaz de deixar o filho morrer em um pedaço de madeira. Um deus que quer ajuda-lo a canalizar essa raiva, promiscuidade e agressividade dentro de você para algo positivo. Chega de culpa, Deigan. Chega de passar noites se masturbando enquanto imagina violentar garotas. Ele quer te salvar.

Uma lagrima escorre pelo rosto de Deigan. Ele não podia duvidar. Algo havia tocado aquele menino.

DAVID

Então? Qual é a sua escolha?

Assim que o menino termina de falar, Wally atira-se furiosamente sobre David. A criança vê o rosto do adolescente contorcido de ódio e dor, com um filete de sangue negro escorrendo da orbita vazia. David sente o ar lhe faltar, à medida que as mãos de Wally apertam o seu pescoço.

Subitamente, a cabeça de Wally é puxada para trás, e a lamina de um canivete lambe o seu pescoço. David sente o sangue quente esguichar em seu rosto, ao mesmo tempo em que escuta um som quase inumano emanar da boca do adolescente.

Deigan puxa o corpo de Wally para trás, e começa a apunhalar descontroladamente o peito do colega. David ergue-se lentamente do chão, e limpa o sangue do rosto com a manga, enquanto Deigan continua a apunhalar Wally. O menino encosta a mão de leve no ombro de Deigan.

Deigan para de golpear o cadáver de Wally, e ainda de joelhos, vira-se para David. Há lagrimas no rosto do rapaz mais velho. O menino estica a mão, limpando as lágrimas de Richard, embora acabe manchando-o com um pouco de sangue.

DAVID

A jornada para a salvação pode ser difícil. Sacrifícios são precisos para atingir o bem maior. Mas vamos salvar essa cidade. Esta comigo, Deigan? Esta com ele?

Lentamente, Richard abraça David.

DAVID

Você acaba de renascer, Irmão. E pra mostrar isso diante daquele que Anda Por Trás Das Fileiras, você passara a ser chamado de Amos a partir de agora.

O rapaz que um dia fora Richard, aceitou o seu batismo, baixando a cabeça. Enquanto Amos Deigan se levanta, David anda até Zack, que continua encolhido no chão.

DAVID

Sei que esta com medo. Também tive medo quando ele me deu esta missão sagrada. Assim como Amos, você foi poupado pois sua alma tem salvação. Vai se juntar a nós?

O olhar no rosto de Zack foi resposta suficiente para David. Tudo estava saindo exatamente como Aquele Que Anda Por Trás Das Fileiras havia dito.


IGREJA DE GATLIN

Linda deixou Kathryn sob os cuidados das freiras na creche. As religiosas não viram problemas em cuidar da filha mais nova do Xerife e cuidar de Dan por mais duas horas, já que estavam com poucas crianças naquela tarde. Kathryn por outro lado, não gostou da ideia, bem como Timoth havia previsto. Mas a jovem sabia lidar com a irmã, e conseguiu convencê-la a ficar.

A garota foi então para a praça que ficava em frente á igreja. Ela havia marcado de encontrar Dan ali. O rapaz havia tido a ideia de contar ao Padre no confessionário sobre o que havia acontecido, para então pedir ajuda ao religioso para lidar com as famílias, especialmente com o Xerife.

Linda observa o relógio que se localiza no centro da praça, e sente a sua ansiedade aumentar a cada movimento dos ponteiros. Rob está atrasado. Vários pensamentos começam a passar pela cabeça da garota. Será que o rapaz havia se acovardado? Ele iria abandona-la?

LINDA

Ele prometeu! (Disse em voz baixa)

A moça estava tão ensimesmada, que não viu Annie se aproximando.

Annie

Linda?

A garota se sobressalta ao perceber a presença de sua antiga professora.

LINDA

Oi Srta. Leigh.

ANNIE

Annie. Eu não sou mais sua professora, esqueceu?

LINDA

A senhora sempre vai ser minha professora (Diz com um sorriso sincero).

ANNIE

Se prefere assim. Posso me sentar um minuto com você?

LINDA

Claro

Annie senta-se ao lado de sua antiga aluna, e logo percebe o modo aflito com que ela olha para o relógio.

ANNIE

Eu não quero me intrometer, mas está esperando alguém?

LINDA

Não... Quer Dizer... Marquei um encontro com um amigo aqui.

A desconfiança brilha nos olhos da professora.

ANNIE

Linda, eu vou ser sincera. Seu pai me procurou hoje na escola. Ele esta preocupado com você.

LINDA

Comigo? Mas por quê? (Diz com uma nota de medo mal disfarçada na voz).

ANNIE

Eu acho que ele sente que você não esta bem. Tem suportado muita coisa para uma menina da sua idade. Linda.

LINDA

Com todo o respeito, Professora, eu não sou mais uma menina.

ANNIE

Mas também não é uma mulher feita.

O tom de voz da professora é firme, porem gentil. Sentindo-se envergonhada, Linda levanta-se do banco.

LINDA

Eu preciso ir.

ANNIE

Espere Linda. Apesar do seu pai ter pedido pra eu te procurar, eu estou aqui por você. Você pode me contar o que quiser. Talvez eu possa até ajudá-la a resolver o seu problema.

Quando a moça se vira, Annie vê nos olhos da jovem a força que ela está fazendo para conter as lágrimas. E é quase em um lamento que ela responde.

LINDA

A senhorita não pode me ajudar, Professora. Eu acho que ninguém pode me ajudar.

Delicadamente, Annie a pega pela mão, e a faz sentar-se novamente ao seu lado.

ANNIE

O que aconteceu meu bem? Do que você esta com medo?

Linda mantém a cabeça baixa, sem encarar a mulher ao seu lado.

LINDA

De um monte de coisas, Professora. Eu fiz uma besteira. Simplesmente... Simplesmente aconteceu. Eu não queria... Quer dizer, eu queria. Mas não assim. Não agora.

A garota começa a chorar, e é confortada por um silencioso abraço de Annie. Neste instante, Rob chega á praça, e estaca ao ver a namorada sendo consolada pela professora. A mulher mais velha percebe a presença do rapaz, e ao ver a expressão no rosto dele, começa a compreender o problema de Linda.


CASA DE DAVID FRANKLIN

Julie Franklin espera ansiosa na cozinha a chegada do filho. Julie arrepende-se de não ter ido buscar David no colégio. Afinal, ele havia acabado de perder o pai. Não era a hora de deixá-lo sozinho. Na verdade, Julie sentia que ela própria não devia estar sozinha. A mulher realmente sentia falta do falecido marido. Apesar de todo o mal que ele fizera a ela, de toda a brutalidade a que fora submetida ao longo dos anos, ela não conseguia deixar de amar o marido.

Um ruído vindo do lado de fora interrompe os pensamentos da mulher. Ao olhar para a soleira da porta, Julie vê o filho recortado pela luz do sol.

JULIE

David! Por que demorou tanto? (Diz levantando-se exasperada).

DAVID

Eu fiquei conversando com alguns amigos, e perdi a hora, mãe.

O menino entra em casa, largando a sua mochila sobre uma das cadeiras. Julie logo percebe o sangue seco que mancha o rosto do filho.

JULIE

O que é isso no seu rosto, David? Você andou brigando?!

Ela levanta-se e agarra o queixo do filho, na tentativa de examina-lo. Entretanto, o garoto se desvencilha, afastando-se.

DAVID

Eu to bem, mãe.

JULIE

Claro que não esta! Vem cá, me deixa ver esses machucados.

Lentamente, David vira-se e anda em direção á mãe.

DAVID

Tá bom, mãe.

Logo, o garoto esta sentado na cozinha, enquanto sua mãe abre a maleta de primeiros socorros. Ela molha um pouco de algodão no iodo, e o leva até a ferida na cabeça do menino. Ele cerra os dentes assim que o algodão úmido toca o seu ferimento.

JULIE

Você ainda não disse por que entrou numa briga.

DAVID

Não foi uma briga. Foi uma provação.

JULIE

Uma provação? Do que está falando, David? Quem foi que bateu em você? Pode me contar. Não precisa ter medo!

David olha para a mãe com ternura. Ele estica o braço e acaricia o rosto dela.

DAVID

Eu não tenho medo, mãe. Eu sei que vai ser difícil, mas quero que você também não tenha.

Ela usa uma pequena tesoura para cortar um pedaço de esparadrapo, que é usado como curativo para o ferimento na testa de David.

JULIE

Você ta muito estranho. Do que eu teria medo, garoto?

DAVID

Eu recebi um chamado. E eu tenho que responder esse chamado.

Julie pousa a tesoura sobre a mesa, olhando o filho com estranheza.

JULIE

Está me assustando, David. “Provação”, “chamado”. O que quer dizer com isso?

DAVID

Quero dizer que eu estou rezando para a sua alma ser salva. Quero dizer que eu te amo. Então por favor, não me odeie.

Antes que Julie tenha a chance de responder, o menino agarra a tesoura que esta sobre a mesa, e a enfia na jugular da mãe. A lamina da tesoura afunda no pescoço dela, até ser detida pelos dedais.

A mulher levanta-se, empurrando o filho para longe, enquanto sua mão é levada instintivamente ao cabo da tesoura. Julie cambaleia para o lado, e só não cai no chão, pois consegue se apoiar na pia. A fina dor que atravessa o seu pescoço só não é maior do que o seu medo e incompreensão. Horrorizada, ela vê David puxar a faca de cozinha do faqueiro sobre a pia, e avançar em sua direção.

Ainda desequilibrada, Julie tenta segurar o filho pelos ombros, mas é inútil. A faca mergulha em sua barriga enquanto ela cai no chão, puxando David consigo. A mulher sente uma golfada de sangue jorrar de sua garganta através de sua boca, enquanto o menino se põe de pé.

Caída no chão, ainda com a tesoura cravada no pescoço, Julie só consegue ofegar. Ao ver o filho se aproximar, ela tenta levantar-se, mas seus membros parecem feitos de chumbo. David agarra o cabo da faca, e com esforço, puxa-a violentamente para cima. A lamina rasga a carne da mulher, gerando um corte vertical. Julie engasga-se com o próprio sangue, e em um gesto quase involuntário move o braço, e crava suas unhas na pele do filho, arranhando o seu rosto.

O menino levanta-se, levando a mão ao arranhão. O rosto e as roupas do garoto estão encharcados com o sangue da mãe. Ele ajoelha-se ao lado dele, e ergue a faca acima da própria cabeça.

DAVID

A dor vai expiar os seus pecados. Mas já chega. Eu vou lhe dar paz.

Com as duas mãos, David desfere uma punhalada certeira, atingindo o coração da mãe. O menino olha para o rosto da mulher. Há medo e pavor no rosto dela, mas há outra coisa também. Algo que faz o garoto ter certeza de que fez a coisa certa. No ultimo olhar de Julie, David Franklin consegue ver perdão.

DAVID

Adeus, mamãe.

Amos Deigan surge na soleira da porta da cozinha, olhando primeiro para o cadáver no chão, e depois para o menino ensanguentado que esta de joelhos ao lado do corpo. O rapaz pergunta com certo temor na voz.

AMOS

Tudo bem, David?

O menino não responde de imediato. Ele passa a mão sobre o rosto da mãe, fechando os seus olhos. David então se levanta, e diz com a voz serena e tranquila.

DAVID

Estou sim. Foi doloroso, mas necessário. Temos que ser fortes, Irmão. Ainda há muito trabalho há ser feito. Há muito que construir. Estamos só começando.

Sem dizer mais nada, David deixou a cozinha, adentrando a casa. Amos, que um dia se chamou Richard, encostou-se na parede, e deslizou até o chão. Enquanto o sangue de Julie Franklin começou a tomar forma em volta de seu corpo, Amos reflete que Deus tinha que estar do lado deles, caso contrario, não teria permitido que um simples menino como David fizesse aquilo com a própria mãe. O rapaz pôde escutar o som do chuveiro ligando. No andar de cima, o pequeno David limpava o sangue de seu corpo.